O DIREITO DE SER CRIANÇA



A idéia que se tem hoje sobre a infância nem sempre existiu, vem se alterando ao longo da história. Surgecom a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que muda a inserção social da criança na sociedade. Na verdade a descoberta da infância começou no século XIII e teve sua evolução acompanhada pela história da arte nos séculos XV e XVI, e durante o século XVIII.

Foi o historiador francês, Philippe Àries, quem primeiro relatou em seu estudo, a transformação dos sentimentos relacionados à infância e à família, a partir do exame de pinturas, antigo diários de famílias, testamentos, igrejas e túmulos, contrapondo-se à idéias dos que consideram a família e a escola como organismos que sempre existiram e existirão com uma mesma estrutura e funções determinadas.

O sentimento de infância não significa o mesmo que o sentimento de afeição pela criança, mas sim, o sentimento da particularidade infantil, onde a criança é vista como um ser diferente do adulto e considerada capaz de se desenvolver.

Segundo Àries, até o século XII, a arte medieval demonstrava que a sociedade desconhecia a infância ou não tentava representá-la. Não se pensava como acreditamos hoje, que a criança já contivesse a personalidade do homem. Elas morriam em grande número[1] - essa indiferença era considerada conseqüência direta e inevitável da demografia da época e persistiu até o século XIX.

Surgia também o gosto pelo pitoresco e pela graça desse pequeno ser, ou o sentimento da infância engraçadinha com quem, ainda hoje, alguns adultos divertem-se como um passatempo, do mesmo modo como se divertem com macacos.

O primeiro sentimento de infância foi chamado de paparicação, surgido do meio familiar, onde a criança era considerada ingênua, inocente e graciosa e por isso precisava de cuidados. Logo depois surge um novo tipo de sentimento oriundo dos meios eclesiásticos ou dos homens da lei e de um número de moralistas, que se recusavam a ver as crianças como brinquedos encantadores, preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes, pois viam nelas criaturas frágeis de Deus, a quem era preciso preservar e disciplinar. Surge então, no século XVIII a influência na família desses dois sentimentos (paparicação e disciplina) associados a um elemento novo - a preocupação com a higiene e a saúde física.

O estudo de Àries conclui que não é a família que é nova, mas sim, o sentimento de infância que surge nos séculos XVI e XVII.

Diante disso, vivendo no século XXI, causaram-me espanto e perplexidade as notícias de primeira página dos jornais, em que a Justiça garante matrícula a crianças de cinco anos! (no 1º ano do Ensino Fundamental). E o pior,que esse pedido tenha sido feito pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de Mato Grosso do Sul pressionado, sem dúvida, pelas ações liminares individuais impetradas e ganhas por alguns pais, suspendendo as resoluções do Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul e do Conselho Municipal de Educação de Campo Grande.

O que esse fato demonstra é uma absoluta ignorância sobre o que seja a infância; o que seja ser criança e o que expressa a legislação que criou o Ensino Fundamental de nove anos.

O principal propósito de ampliação do Ensino Fundamental para nove anos foi permitir a inclusão de maior número de crianças no sistema educacional obrigatório, assegurando um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades para aprender e, com isso, facultandouma aprendizagem mais ampla.

No entanto, isso não quer dizer que seja preciso transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas, sim, antes de tudo, conhecer as características dessa faixa etária. Ou seja, quem é essa criança; que momento está vivendo; quais são os seus direitos, interesses e necessidades; qual é seu ambiente de desenvolvimento e aprendizado?

È necessário, antes de tudo, que essa criança seja respeitada como um ser que ainda precisa, tanto quanto do alimento apropriado, de atividades que possibilitem o desenvolvimento de sua curiosidade e imaginação aliada à sua forma privilegiada de conhecer o mundo, por meio do brincar, fazendo uso das múltiplas linguagens: gestual, corporal, plástica, oral, escrita e musical. Não pode sofrer uma ruptura com o processo anterior, vivido em casa ou na instituição de educação infantil.

As crianças de cinco anos não estão prontas física e psicologicamente para sofrerem o grande massacre mental imposto até aqui, às crianças de seis e sete anos, por muitas escolas despreparadas, em que o foco da aprendizagem resume-se aos conhecidos três "erres": ler, escrever e contar.

A infância precisa ser respeitada, e, para isso, a escola que inclui as crianças de seis anos no 1º ano do Ensino Fundamental – sob nenhuma hipótese as de cinco - necessita reorganizar a sua estrutura, as formas de gestão, os ambientes, os espaços, os tempos, os materiais, os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamento e a avaliação.

Se aos juízes cabe a função de julgar, a nós educadores cabe o direito de educar e alertar. Como educadora, há mais de 35 anos, peço respeito ao trabalho dos educadores, e, sobretudo, à criança, como um ser que não está se preparando para um devir, porque a criança e a infância residem no AGORA!




Autor: Ângela Maria Costa


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