Breve análise sobre o tratamento propiciado à identificação criminal pela Lei 12.037/2009



1. Introito

 

            Foi publicada no dia 02 de outubro do corrente ano (2009) a Lei 12.037, responsável por tratar da identificação criminal conforme determinação do art. 5º, inc. LVIII, da Constituição Federal.

            De primo, urge destacar a expressa revogação do anterior Diploma que tratava do assunto (Lei 10.054/2000), consoante o art. 8º da atual Lei de regência já em vigor (art. 8º).

            A pretensão do presente estudo é de apenas contribuir para atualização da matéria, sem dedicação aprofundada nos pormenores doutrinários e jurisprudenciais, possibilitando ao operador uma visão sintetizada de todo o conteúdo normativo.

 

2. A regra geral da identificação criminal

 

            O art. 1º da Lei 12.037/2009 traz a regra geral de que “o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nos casos previstos nesta Lei”, demonstrando, portanto a taxatividade do elenco disponibilizado, a qual decorre do próprio texto da Constituição Federal e já podia ser constatada no art. 3º da Lei 10.054/2000.

 

3. Documentos aptos à identificação civil

 

            No art. 2º tem-se o rol de documentos hábeis a atestar a identificação civil da pessoa submetida ao procedimento investigatório. São eles: carteira de identidade; carteira de trabalho; carteira profissional; passaporte; carteira de identificação funcional; outro documento público que permita a identificação do indiciado.

            A ampliação ao final permitida deve ser vista com certo cuidado, pois o documento, para se enquadrar como apto à identificação civil, deve trazer um mínimo de informações sobre o indivíduo além de elementos fundamentais para possível confrontação, tais como o nome completo, foto e impressão digital.

            Também os documentos de identificação militares possuem plena validade “para as finalidades desta Lei”, pois são equiparados aos documentos de identificação civis (parágrafo único, art. 2º).

 

4. Hipóteses de cabimento da identificação criminal

 

            A Lei antecedente permitia o reconhecimento dos casos em que se admitia a identificação criminal através da análise conjunta do disposto nos arts. 1º e 3º. Assim, os indivíduos que se achavam em alguma das situações citadas no caput do primeiro dispositivo (preso em flagrante, indiciado em inquérito policial etc.), “desde que não identificados civilmente”, seriam “submetidos à identificação criminal, inclusive pelo processo datiloscópico e fotográfico”, e, ainda que identificados na órbita civil, teriam de sê-los na criminal quando presente uma das hipóteses constantes nos seis incisos do art. 3º.

            Vale, por ora, ressaltar o enunciado autorizativo do inc. I, do art. 3º, da Lei 10.054, o qual adotava o critério objetivo de aferição acerca da necessidade de se proceder à identificação referente à espécie de infração praticada. Dessa forma, a pessoa indiciada ou acusada “pela prática de homicídio doloso, crimes contra o patrimônio praticados mediante violência ou grave ameaça, crime de receptação qualificada, crimes contra a liberdade sexual(1) ou crime de falsificação de documento público”, deveria ser submetida ao procedimento de identificação criminal.

            O mesmo critério não foi repetido na Lei 12.037/2009(2). Transcreve-se, por oportuno, o referente enunciado legal:

 

“Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I - o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II - o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III - o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV - a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V - constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI - o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.”

 

            Portanto, se não apresentado documento a identificação criminal é compulsória conforme se infere da redação dada ao caput do dispositivo supra, a contrario sensu. Entretanto, se apresentado, poderá ocorrer a identificação específica quando patente alguma das situações elencadas nos incisos.

            Chama atenção a orientação firmada no quarto inciso. Por ele, o magistrado poderá deliberar sobre a realização da identificação quando esta se mostrar essencial às investigações policiais. Trata-se, então, de verdadeira decisão proferida com a fundamentação inarredável (art. 93, IX, CF) e não mero despacho. Para isso, o pedido formulado por algum daqueles sujeitos (delegado de polícia, promotor de justiça ou pelo investigado) também deverá contar com substrato informativo suficientemente apto a demonstrar a necessidade da medida.

            Critica-se a não inclusão de vítima como possível postulante, por intermédio de advogado, na redação dada ao referido inciso IV, ao menos quando se tratasse de ação penal de iniciativa privada. Contudo, nada impede que aquela dirija sua pretensão à autoridade policial a fim de que esta delibere por representar ou não ao juízo competente.

 

5. Procedimento a ser adotado quando apresentado documento

 

            Sejam quais forem os documentos apresentados e ainda que “insuficientes para identificar o indiciado”, serão extraídas cópias para juntada nos respectivos autos (parágrafo único, art. 3º).

            Quando, no âmbito das investigações policiais, for apresentado documento que induz ao questionamento de sua autenticidade deverá este ser apreendido para posterior exame pericial e apuração da responsabilidade penal. Neste caso, o documento constitui o corpo de delito e, por tal razão, não será meramente juntado aos autos.

 

6. Constrangimento do identificando

 

            O simples ato de proceder à identificação criminal é constrangedor. Todavia, trata de um constrangimento necessário e próprio do procedimento (poses para fotografias, colheita de impressões papilares etc.). O que veda o art. 4º é a humilhação, o tratamento aviltante, o constrangimento desarrazoado.

            Apesar de não prever sanção específica, o descumprimento do citado dispositivo pode acarretar em consequências nas áreas administrativa, civil ou penal, ainda que não se enquadre com perfeição em hipótese prevista na Lei 4.898/1965(3).

 

7. Procedimento da identificação

 

            Pelo disposto no art. 5º da Lei 12.037/2009, “a identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação”.

            O procedimento não se resume na coleta das impressões digitais e registro fotográfico. Estas são etapas de um conjunto de atos destinados à individualização do autuado ou indiciado. É necessário proceder à pesquisa de registros nos sistemas informatizados de acesso restrito a órgãos de segurança pública e a perquirição sobre as qualificações pessoais (nome completo do identificando e de seus genitores, data e local de nascimento etc.), a fim de cotejar os dados obtidos para evitar equívocos.

            Urge ressaltar que a identificação é cabível também em sede de termo circunstanciado (Lei 9.099/95) como permite a parte final do art. 5º.

 

8. Registro da identificação, presunção de inocência e dignidade da pessoa

 

            Cediço que, pelo princípio da presunção de inocência, enquanto não transitar em julgado sentença penal condenatória a pessoa não será considerada culpada (art. 5º, LVII, CF). Somente com o trâmite regular de um processo, orientado por garantias e direitos constitucionalmente assegurados, ultimando com a prolação de sentença condenatória incrustada pela característica da imutabilidade, ao menos quanto à reformatio in pejus, é que a inocência será afastada.

            Por tudo isso, veio em tempo(4) a determinação do art. 6º: “É vedado mencionar a identificação criminal do indiciado em atestados de antecedentes ou em informações não destinadas ao juízo criminal, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

            São frequentes as solicitações de emissão de atestados por pessoas que necessitam do documento como condição de admissão em empregos. Portanto, não poderá ser prejudicado o investigado já identificado criminalmente, mas sem ter sido condenado e a sentença transitado em julgado.

            Como forma de buscar a manutenção da imagem, da auto-estima e honra pessoal, é possível “a retirada da identificação fotográfica do inquérito ou processo”. De acordo com o art. 7º basta estar o requerimento do interessado devidamente acompanhado da identificação civil, desde que tenha havido o arquivamento definitivo do inquérito (não oferecimento da denúncia) ou trânsito em julgado da sentença (pela rejeição da denúncia ou absolvição).

 

9. Disposição específica voltada às organizações criminosas

 

            A Lei 12.037/2009 não alterou ou revogou expressamente o art. 5º da Lei 9.034/1995, o qual permite a identificação criminal independentemente da civil quanto às pessoas envolvidas em ações perpetradas por organização criminosa(5). Contudo, debates sobre possível revogação tácita poderão advir ante a redação dada ao art. 1º do novel Diploma.

 

10. A súmula 568 do STF

 

            Eis a redação do enunciado: “A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente”.

            Evidentemente incogitável tal sustentação após o advento da CF de 1988. É o que motivou, inclusive, a ressalva constante no próprio sítio do Supremo Tribunal Federal(6): “A Súmula 568 está superada, considerando que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LVIII, determina que o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas”.

 

11. Consideração final

 

            A melhora da técnica legislativa, mediante a reorganização de situações hipotéticas no art. 3º, bem como o respeito à presunção de inocência consubstanciado no art. 6º da Lei 12.037/2009, demonstram o contemporâneo enveredamento da legislação pátria na busca do pleno respeito aos direitos e garantias constitucionais da pessoa, resguardando, de outro lado, os atos dos operadores do Direito.

 

Notas:

 

(1) Vide alterações promovidas pela Lei 12.015/2009.

(2) Outra disposição não ratificada pela Lei 12.037/2009 era a constante no inc. VI, do art. 3º, da Lei 10.054/2000, que estabelecia a possibilidade de identificação criminal quando “o indiciado ou acusado não comprovar, em quarenta e oito horas, sua identificação civil”.

(3) Desta Lei, que trata do abuso de autoridade, destaca-se o art. 3º, alíneas ‘a’ e ‘i’, e art. 4º, alínea ‘b’.

(4) Afinal, “antes tarde do que nunca”.

(5) O conceito de organização criminosa a Lei 9.034 não traz.

(6) Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp ?s1=568.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas; acesso em 02.10.2009.


Autor: Thiago Amorim dos Reis Carvalho


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