NOTAS SOBRE O ABORTO NA AMÉRICA E EUROPA: DIREITOS REPRODUTIVOS VERSUS SAÚDE PÚBLICA



1.1DIREITOS REPRODUTIVOS

Para entender as discussões sobre o aborto inseguro é necessário que se esclareça o contexto em que elas foram desenvolvidas. O aborto tem sido bastante discutido mundialmente como uma questão de direitos humanos, por via do que foi denominado como direitos reprodutivos, entretanto, a manutenção de sua criminalização aporta para o entendimento do aborto, nesse caso, como um problema de saúde pública. Inicialmente, verificaremos o aborto no contexto de direitos reprodutivos.

O conceito de "direitos reprodutivos" mais frequentemente adotado consta do Programa de Ação da Conferência Internacional para População e Desenvolvimento, realizada no Cairo, em 1994, sob os auspícios da ONU (1990). Essa conferência foi muito significativa porque substituiu o conceito de planejamento familiar para o conceito de saúde reprodutiva nas agendas políticas. Em sua Plataforma de Ação, parágrafo 7.3, vemos que:

...os Direitos Reprodutivos abarcam certos direitos humanos que já estão reconhecidos por leis nacionais, nos documentos internacionais sobre direitos humanos e em outros documentos pertinentes das Nações Unidas aprovados por consenso. Esses direitos se baseiam no reconhecimento do direito básico de todos os casais e indivíduos a decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos, o espaçamento dos nascimentos e os intervalos entre eles e a dispor de informações e de meios para fazê-lo, e o direito de alcançar o nível mais elevado de saúde sexual e reprodutiva. Também inclui seu direito a adotar decisões relativas à reprodução sem sofrer discriminação, coação, nem violência, conforme o estabelecido nos documentos de direitos humanos. No exercício desse direito, os casais e os indivíduos devem ter em conta as necessidades de seus filhos nascidos e futuros e suas obrigações com a comunidade. A promoção do exercício responsável desses direitos deve ser a base primordial das políticas e programas estatais e comunitários na esfera da saúde reprodutiva, incluído o planejamento familiar (Nações Unidas: 1994).

Entretanto, antes que o uso deste conceito se disseminasse, ele teve que percorrer um longo caminho até influenciar os rumos das políticas de saúde das mulheres. Particularmente, para a questão dos direitos reprodutivos em âmbito nacional e internacional, os anos 80 foram fecundos para as discussões e elaborações de conceitos específicos para a esfera da saúde da mulher, pois outros atores sociais, tais como: políticos, médicos e especialistas em Direitos Humanos, surgiram no cenário para dialogar com as feministas e enriquecer os conceitos.

Elisabeth Vieira (2003) nota que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, subscrita em 1948 pela Assembléia das Nações Unidas, não mencionou a questão de direitos reprodutivos, entretanto, a preocupação com a reprodução humana estava presente em 1968, em Teerã, na Conferência Internacional de Direitos Humanos. Nessa conferência, a menção à reprodução humana estava vinculada à preocupação com o controle populacional. Na Conferência Mundial de População, realizada em Bucareste em 1974, o direito da mulher nas decisões reprodutivas foi reafirmado. No final de 1970 e início de 1980 o movimento feminista introduziu a discussão sobre os direitos da mulher às decisões sobre seu corpo, sua sexualidade e sua vida reprodutiva na agenda política da ONU. A Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada nas Nações Unidas em 1979, comprova a influência dessa militância. Essa influência também pode ser notada em1984 na II Conferência Mundial Sobre População e Desenvolvimento, no México, que teve como pauta o "direito de fazer escolhas reprodutivas com base nas noções de integridade corporal e controle".Sônia Corrêa e Maria Betânia Ávila (2003:20) informamque em 1984 iniciou-se o uso sistemático do conceito de direitos reprodutivos, mesmo ano em quealgumas feministas brasileiras retornaram ao país após participarem do Encontro Internacional de Saúde e Direitos Reprodutivos em Amsterdã: "No encontro, organizado pelas campanhas Icasc (International Campaign in Abortion Sterilization and Contraception, Europa) e Carasa (Comittee for Abortion Rights and Against Sterilization Abuse, EUA), introduziu-se o termo direitos reprodutivos". A partir de então, os direitos reprodutivos adentram a década das conferências da ONU (1990), sendo definitivamente incorporados na pauta de discussões da III Conferência Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo e da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, realizada em Beijing, respectivamente em 1994 e 1995. Na plataforma de ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, o Capítulo IV intitulado: Objetivos Estratégicos e Ações, parágrafo 94, traz o conceito adotado sobre "saúde reprodutiva":

A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não de mera ausência de enfermidade ou doença, em todos os aspectos relacionados com o sistema reprodutivo e suas funções e processos. A saúde reprodutiva implica, assim, a capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem risco, e que se tem a capacidade de procriar e a liberdade para decidir fazê-lo ou não fazê-lo, quando e com que freqüência. Esta última condição implica o direito para o homem e a mulher de obter informação e ter acesso a métodos seguros, eficientes e exeqüíveis de planejamento familiar de sua escolha, assim como a outros métodos por eles proibidos, e o direito de acesso a serviços apropriados de atendimento à saúde que permitam às mulheres o acompanhamento seguro durante a gravidez, e partos sem riscos, e dêem aos casais as melhores possibilidades de terem filhos sãos (ONU, 1994).

No Brasil, o reconhecimento do conceito "direitos reprodutivos" deu-se com a sua entrada na agenda política graças aos movimentos da democratização que se seguiram após o longo período de ditadura. Leila Barsted (2003, p.81) destaca a importância que o movimento feminista teve nesse período para trazer essa discussão para o campo social. Ela afirma que a atuação deste no Legislativo por políticas públicas na atenção à saúde, no direito decisório da mulher, e contra a violência, marcou a trajetória da luta do movimento no Brasil na década de 80. Assim sendo, os direitos reprodutivos se tornaram bandeira de luta dos movimentos feministas no Brasil, e dentre esses direitos está o direito ao aborto seguro, isto é, realizado em condições higiênicas adequadas e não realizado clandestinamente como ocorre no Brasil e na maioria dos países da América Latina.

O aborto é considerado pelos especialistas e estudiosos como um grave problema de saúde pública que afeta milhares de mulheres todos os anos em todo o mundo, pois as conseqüências de abortos inseguros, praticados em locais com pouca higiene, vitimam-as à morte e a danos físicos e psíquicos. Ademais, o aborto tratado como questão de saúde pública foi evidenciado na IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (Beijing-China/1995 p. 79), conforme sua Plataforma de Ação, parágrafo 97: "O aborto em condições perigosas põe em perigo a vida de um grande número de mulheres e representa um grave problema de saúde pública, porquanto são as mulheres mais pobres e jovens as que correm os maiores riscos.".

É interessante, então, que se faça um panorama sobre a situação do aborto nos demais países da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa. As diversas e contrastantes situações encontradas nos dois continentes ajudam a compreender a trajetória do debate sobre o aborto no Brasil.

1.2 ESTADOS UNIDOS: A LUTA POR DIREITOS REPRODUTIVOS

A legislação permissiva ao aborto nos Estados Unidos data da década de 70, como resultado da contracultura de 1960, contando com a politização dos movimentos feministas. As discussões sobre a interrupção voluntária da gravidez objetivaram sua retirada do contexto ilícito, assumindo novos contextos, envolvendo: a privacidade, a necessidade e o bem-estar no âmbito da saúde.

As transformações sociais dos gêneros, isto é, a inserção da mulher no mercado de trabalho, a busca pela autonomia e o empoderamento[1], assim como novas concepções de união e família, construíram um novo modo de pensar a prática do aborto, estimulando a entendê-lo como um direito[2] da mulher. Surge pelas falas das feministas norte-americanas, na década de 70, um slogan que modificaria as percepções sobre a saúde e a autonomia da mulher, "nosso corpo nos pertence". Foi com esse slogan que essas feministas trabalharam pela descriminalização e legalização do aborto em seu território. A politização das mulheres norte-americanas, especificamente as feministas, as levou a indagar sobre a questão da autonomia da mulher: Por que o Estado tinha que decidir pela mulher?

A discussão sobre a legalização do aborto nos Estados Unidos deu-se pela via dos direitos humanos e não através da denúncia de milhares de mortes em conseqüência de abortos inseguros. O indivíduo norte-americano foi o principal foco de discussão nos debates, a historicização do aborto nos Estados Unidos, portanto, é fundamental para entender o aborto como um direito reprodutivo.

A primeira lei permissiva ao aborto nos Estados Unidos foi aprovada pelo estado de Colorado em 1967[3]. A seguir, os demais estados passaram a flexibilizar suas leis e entre 1967 e 1970, e metade do país contava com leis mais brandas em relação ao aborto. Entretanto, as leis permitiam o aborto somenteaté o primeiro trimestre de gravidez e sob condições bem específicas (variáveis de estado para estado) e nunca a pedido da mulher.

Em 1970, Nova Iorque foi o primeiro estado a legalizar o aborto a pedido da mulher. A lei permitia que o aborto fosse praticado quando necessário (isto é, sem restrições de prazos) para garantir a vida da gestante, e a pedido da mulher até o quinto mês. Para se beneficiar da lei, não era necessário comprovar domicílio no estado, o que provocou uma migração de mulheres para Nova Iorque a fim de se submeterem aos procedimentos. Tal fato mobilizou a mídia e gerou discussões no país.

Diante das discussões e das recentes flexibilizações nas legislações, grupos contrários ao aborto traçavam estratégias para impedi-las. Para estes grupos, denominados como "pró-vidas", a vida do feto tem importância anterior à vida da gestante, isto é, o feto já é considerado como um ser - humano desde o momento da concepção, e quando houvesse necessidade de ter de optar pelas vidas ou da gestante, ou do feto, deveria dar-se prioridade ao feto. Destaco aqui um exemplo sobre a radicalização dos argumentos "pró-vida" ocorrido em 1972, contra a legislação Nova Iorquina, que facultava à mulher a livre escolha pelo aborto. Os movimentos contrários ao aborto realizaram uma "exposição" de fetos tardios[4] abortados nas portas do Legislativo, e indagavam a cada político que parava para examinar se: ao votar a favor da lei da despenalização do aborto no país, o político tinha consciência de que o aborto significava aquilo que estava vendo? Poucas semanas após a "exposição", os legisladores votaram por unanimidade pela revogação da lei que permitia o aborto a pedido da gestante. O que a "exposição" pretendeu e conseguiu foi que os legisladores se sentissem culpados perante aqueles fetos tardios – inteiros- mortos e espalhados na frente da Câmara. Entretanto, o governador de Nova Iorque, Nelson Rockfeller, usou seu direito de veto sustando a mudança na lei.

Porém, o caso de Nova Iorque tornou-se um escândalo e, por volta de 1973, 33 estados norte-americanos (excetuando-se a Flórida) revogaram suas leis, depois de acirradas discussões sobre a prática do aborto. A única permissão mantida foi em caso de risco para a vida da gestante.

Em 1973, uma jovem gestante solteira do Texas, recorreu à Suprema Corte dos EUA dando início ao caso queficou conhecido como Roe versus Wade (Lewis, 2003).Quando Roe (cujo nome verdadeiro era Norma McCorvey) engravidou pela terceira vez, ela imediatamente procurou fazer um aborto, mas não teve a permissão. Em seguida, duas advogadas, Sarah Weddington e Linda Coffe que eram membros do movimento de mulheres em Austin, no Texas, procuraram Roe oferecendo seus serviços, argumentando que o aborto era um direito da mulher. A lei do Texas sobre o assunto consideravacrime ter ou praticar um aborto a não ser que fosse para salvar a vida da mãe. Para reverter essa situação, as advogadas reclamaram que a lei era inconstitucionalmente vaga. Por outro lado, temos Henry Wade, procurador do Dallas County District, quedefendia o argumento do estado do Texas.A Corte do Estado do Texas constatou que as leis restritivas ao aborto eram realmente vagas e, desse modo, deu ganho de causa a Roe. Entretanto, Wade apelou para a Suprema Corte dos Estados Unidos, que:

Depois do caso "Griswold versus Connecticut" em 1965, a Suprema Corte reconheceu o "direito à privacidade" (a frase não aparece na Constituição) e proteção constitucional para o controle de nascimento para ambos os membros de uma união civil formal, como para pessoas não-casadas. Baseado nessas decisões judiciais, a Suprema Corte tentou definir e aplicar esse "direito à privacidade" para a questão do aborto (Spingola, 2005).

Baseada nessa argumentação, a Corte percebeu implicações para um constitucional "direito de privacidade" na 4º, 5º, 9º e 14º emendas que seriam suficientes para garantir à mulher o direito de decidir sobre o término de sua gravidez. O caso foi discutido na Suprema Corte em dezembro de 1971 e rediscutido em outubro de 1972. Sete entre os nove juízes envolvidos no caso decidiram a favor de Jane Roe em 22 de janeiro de 1973. O juiz Harry Blackmun, nomeado pelo Presidente Richard Nixon, mostrou-se claramente de mesma opinião que a maioria dos magistrados presentes. Nessa ocasião, o filho de Roe já havia nascido e estava sendo criado por uma família adotiva. A Corte concluiu que a palavra pessoa ("person") na Constituição não incluía o não-nascido. Essa conclusão foi baseada na décima quarta emenda da Constituição (feita em 1868) que declarava que os negros eram cidadãos americanos. Sendo expressa da seguinte forma: "Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos são cidadãos dos Estados Unidos. Nenhum estado poderá aprovar nenhuma lei que restrinja os privilégios dos cidadãos dos Estados Unidos". A Corte considerou que o feto era um não-nascido, não-naturalizado e, portanto, não era um cidadão americano. Sendo assim, a décima quarta lei tornou inconstitucional qualquer lei estadual que proibisse o aborto.Desta forma, quando a sentença foi dada em 23 de janeiro de 1973, a Suprema Corte de Justiça (baseando-se na décima quarta lei) declarou que: "a personalidade legal não existe nos Estados Unidos antes do nascimento" (Spingola, 2005).

A sentença dada ao caso resultou na liberalização do aborto em todo o país. Assim,Norma McCorvey (que usou o pseudônimo de Jane Roe) levou a Suprema Corte dos Estados Unidos a legalizar o aborto em todos os 55 estados. Entretanto, o aborto não estava sob a jurisdição do Governo Federal, mas eram responsabilidade e decisão de cada estado. Porém, essa batalha e suas circunstâncias mudaram para sempre esse cenário, pois a Suprema Corte interpretou qualquer restrição ao aborto como uma violação dos direitos constitucionais.

O direito ao aborto ainda gera conflitos nos Estados Unidos. O partido do atual presidente do país, George W. Bush (Republicano), que é maioria no congresso, aprovou uma série de medidas restritivas à questão do aborto, entre elas: a proibição de uso de fundos federais para o aborto (salvo quando se trata de preservar a vida da gestante e/ou casos de incesto ou estupro) e limitações às contribuições aos órgãos internacionais de planejamento familiar que promovessem o aborto em outros países.

O percurso do direito ao aborto nos Estados Unidos destaca-se sobre o assunto, porque as mulheres norte-americanas não basearam seus argumentos iniciais na questão de saúde pública, nos índices de mortalidade materna e nas conseqüências do aborto inseguro. O discurso foi planejado sobre os direitos humanos, posicionando os direitos das mulheres nesse contexto. As feministas norte-americanas alegaram que o corpo da mulher pertence apenas a ela e a mais ninguém, nem ao homem, nem ao Estado. Para as feministas norte-americanas, a mulher deveria decidir quantos filhos gostaria de ter e estar livre para interromper uma gestação com segurança quando quisesse. Roe versus Wade, foi um marco nessa área de discussão justamente por não ter sido um debate marcado pelos indicadores de saúde, e sim pela respeitabilidade de direitos e pela alegação de que o feto não era possuidor de cidadania, não sendo considerado um membro da nação norte-americana.

1.3 EUROPA: O ABORTO COMO DIREITO REPRODUTIVO

A discussão sobre o aborto nos países europeus, data de 1960 com o advento da revolução sexual e a introdução da pílula como método contraceptivo, que forneceu à mulher o controle sobre seu corpo[5]. A discussão sobre os direitos individuais crescia na Europa, e a entrada dos movimentos feministas foi o estopim para a exigência das mulheres sobre o direito ao aborto seguro na década de 70. As organizações feministas deram visibilidade ao assunto, esclarecendo-o à sociedade européia, e pressionaram o Poder Central por resoluções no sentido da descriminalização e legalização do aborto (Garcia, 1998). O primeiro país a descriminalizar o aborto foi a Rússia em 1920, seguida da Europa Setentrional – Islândia em 1935, Suécia em 1938, Dinamarca em 1939, Finlândia em 1950 e Noruega em 1960. Após, temos a Suíça em 1942, França e Áustria em 1975, Alemanha em 1976, Itália em 1978, Holanda em 1981, Espanha em 1985, Bélgica em 1993 e Portugal em 2008. O discurso sobre o aborto dentro dos países europeus aconteceu num contexto de laicidade de seus Estados e de respeito aos direitos humanos, tratando o direito ao aborto como um direito reprodutivo da mulher, assim como nos Estados Unidos. A Igreja e setores conservadores rebateram os argumentos de direitos humanos, afirmando o direito à vida desde a concepção. Para esses atores, o aborto significa assassinato e desrespeito à vida. Entretanto, esta posição não é consenso nas religiões, pois o protestantismo e o luteranismo são mais tolerantes em relação ao aborto.Os grupos conhecidos como "pró-life" (isto é, contrários ao aborto) são bem atuantes na Europa e baseiam seus argumentos focando o feto e não o contexto, isto é, o corpo da mulher é entendido apenas como o local que abriga o feto, excluindo essa mulher de direitos sobre si mesma. Já os partidários do "pró-choice" (o direito de escolha) afirmam que o direito ao aborto seguro pertence ao campo dos direitos humanos, baseado no direito da mulher à vida e à saúde (sendo que nos países onde a prática é criminalizada temos altas taxas de mortalidade materna, como veremos na América Latina). Os direitos reprodutivos, mais especificamente, o direito ao aborto, é reconhecido na Europa também pela União Européia, que divulgou o seguinte boletim:

1.2.1. Resolução do Parlamento Europeu sobre direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva.

Aprovação pelo Parlamento Europeu em 3 de Julho. O Parlamento sublinha as desigualdades existentes na União Européia no que respeita os direitos em matéria de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, a contracepção, a educação sexual, o aborto e a gravidez. Sublinhando a competência dos Estados-Membros em matéria de saúde reprodutiva e o princípio de subsidiariedade, nota que a União Européia pode desempenhar um papel de apoio através do intercâmbio das melhores práticas. Recomenda assim a elaboração de políticas nacionais de saúde sexual e reprodutiva de qualidade, em cooperação com as organizações da sociedade civil, bem como a igualdade de acesso a toda uma gama de métodos contraceptivos de qualidade, aos métodos destinados a promover a consciência da fertilidade e aos da contracepção de emergência. O Parlamento incentiva os Estados-Membros e os países candidatos à adesão a pugnarem pela implementação de uma política de saúde e social que permita uma diminuição do recurso ao aborto e deseja que esta prática seja legalizada, segura e acessível a todos. Por último, insta estes últimos a melhorar a informação dos jovens no âmbito da educação sexual dos adolescentes e o seu acesso aos serviços de saúde sem discriminação por motivos de orientação sexual, sexo ou estado civil. [6]

Abaixo segue um quadro com um resumo sobre as permissividades da legislação a respeito do aborto em países da Europa que fazem parte da União Européia[7]. Essas permissividades foram discutidas tendo por base "prazos" estipulados para a realização de cada situação de abortamento, variável de país para país, conforme cada legislação. É importante ressaltar que dentre os 27 países aqui representados, em 17 deles, o aborto é permitido a pedido da mulher. Isso demonstra que as políticas públicas sobre a prática do aborto nesses países, tiveram embasamento na questão dos direitos reprodutivos como argumento fundamental para a elaboração das mesmas.

Quadro 1.3

Permissividades quanto ao aborto na União Européia

Alemanha

12 semanas: a pedido da mulher, após aconselhamento médico; em caso de violação ou outro crime sexual.

Além das 12 semanas: razões médicas (a definição que consta na lei é bastante abrangente e inclui riscos de saúde mental para a mulher ou má-formação do feto, além de conseqüências para a saúde de condições sócio-econômicas adversas).

Áustria

12 semanas: a pedido da mulher

Além das 12 semanas: perigo de vida para a saúde física ou mental da mulher; risco de má-formação do feto; mulher menor de 14 anos.

Bélgica

12 semanas: risco para a saúde da mulher; razões sociais ou econômicas.

Além das 12 semanas: sério risco para a saúde.

Bulgária

12 semanas: a pedido da mulher

20 semanas: razões médicas

Além de 20 semanas: má-formação do feto

Chipre

Permitido até 28 semanas de gestação: caso a saúde física ou mental da mãe esteja em risco; em casos de má-formação do feto e em casos de incesto ou violação.

Dinamarca

12 semanas: a pedido da mulher

Além das 12 semanas: risco de vida ou saúde física da mulher; alto risco de má-formação do feto.

Eslováquia

12 semanas: a pedido da mulher

Além das 12 semanas: razões médicas; risco de vida ou para a saúde da mulher; perigo de má-formação ou deficiência do feto; violação ou outros crimes sexuais.

Eslovênia

10 semanas: a pedido da mulher

Além das 10 semanas: perigo de vida ou pra saúde da mulher; má-formação do feto.

Espanha

12 semanas: em caso de violação

22 semanas: em caso de má-formação fetal

Além das 22 semanas: perigo grave para a saúde física ou mental da mulher

Estônia

11 semanas: a pedido da mulher

20 semanas: perigo para a saúde da mulher; risco de má-formação do feto; mulheres menores de 15 anos ou com mais de 45.

Finlândia

12 semanas: razões sociais; sócio-médicas ou sócio-econômicas; risco para a saúde mental da mulher; violação ou outro crime sexual.

20 semanas: perigo de vida ou risco para a saúde física da mulher; mulheres menores de 17 anos.

24 semanas: perigo de vida da mulher; risco de má-formação do feto.

França

12 semanas: a pedido da mulher, caso não tenha condições para ser mãe; razões sociais e econômicas.

Além das 12 semanas: sério risco de vida ou perigo grave para a saúde física da mulher; risco de má-formação do feto.

Grécia

12 semanas: a pedido da mulher

20 semanas: perigo de vida ou para a saúde física ou mental da mulher; violação ou outros crimes sexuais.

24 semanas: risco de má-formação do feto

Hungria

12 semanas: a pedido da mulher

Além das 12 semanas: alto risco para a vida da mulher; violação ou outros crimes sexuais; a legislação refere também "grave situação de crise".

Irlanda

Apenas em situação de risco de vida para a mulher, incluindo risco de suicídio.

Itália

90 dias (entre a 12 e 13 semanas): razões sociais; sócio-médicas ou socioeconômicas.

Além dos 90 dias: perigo de vida ou para a saúde física ou mental da mulher; risco de má-formação fetal; em caso de violação ou crime sexual.

Letônia

12 semanas: a pedido da mulher; em caso de violação.

22 semanas: razões médicas especiais

Lituânia

12 semanas: a pedido da mulher

22 semanas: perigo de vida ou para a saúde física ou mental da mulher; risco de má-formação do feto.

Luxemburgo

Apenas para salvar a saúde da mãe e preservar a saúde física e mental

Malta

Proibido em todas as circunstâncias

Países Baixos

13 semanas: a pedido da mulher

24 semanas: em situação de perigo, definida em conjunto pela mulher e um médico.

Polônia

Apenas permitido em caso de violação, incesto ou má-formação grave do feto.

Portugal

Até 10 semanas: a pedido da mulher

Até 16 semanas: em caso de violação

Até 24 semanas: má-formação fetal

Permitida em qualquer momento em caso de risco para a grávida ou no caso de fetos inviáveis.

Reino Unido

24 semanas: razões sociais; sócio-médicas ou socioeconômicas.

Além das 24 semanas: risco de deficiência grave; risco de problemas graves e permanentes para a vida da mulher.

República Checa

Sem restrições

Romênia

12 semanas: a pedido da mulher

24 semanas: risco de vida para a mulher; perigo de má-formação do feto.

Suécia

18 semanas: a pedido da mulher

22 semanas: a lei refere-se a "razões fortes"

Fonte: Legislação Sobre o aborto na União Européia (UE, 2007).

Para compreender melhor a discussão sobre a questão do aborto dentro da Europa, escolhi dois países que foram responsáveis pela colonização da América Ibérica e marcados pela religiosidade: Portugal e Espanha, e um terceiro país responsável pela difusão do catolicismo no mundo ocidental, a Itália. Portugal e Espanha possuem uma história peculiar, ambos foram alvos da Reconquista (Conquista Cristã) que foi um movimento cristão iniciado no século VIII, cujo objetivo era reconquistar as terras (e tudo que estivesse nelas) da Península Ibérica que foram tomadas pelos muçulmanos (mouros). Essa guerra durou cerca de oito séculos, finalizando com a reconquista de Granada, na Espanha. Durante a guerra, nasceram os reinos de Portugal e de Espanha. Isto explica a influência do catolicismo desses países e suas trajetórias diferenciadas em relação à discussão do aborto, quando comparadas com o restante da Europa.

1.3.1 A RECENTE DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO EM PORTUGAL

A Lei 06/84 permitiao aborto em Portugal em casos específicos: se a vida da gestante estivesse em risco por causa da gestação, se houvesse perigo de lesão grave e duradoura para a saúde física e psíquica da mulher, se existisse má-formação fetal ou ainda se a gravidez fosse decorrente de estupro. A conseqüência desta lei restritiva equivale às realidades latino-americanas: mulheres morrendo em decorrência de abortos mal feitos, ou mulheres com graves seqüelas por causa de abortos clandestinos, constituindo-se como a primeira causa de morte materna em Portugal. O aborto era considerado ilegal com pena de 03 anos de prisão para a mulher que opraticasse e de até 08 anos para o médico que fizesse a intervenção:

Sete mulheres foram presas este ano [2004] na comunidade de pescadores de Aveiro [Portugal] por interromperem as gestações [aborto ilegal]. Elas foram condenadas a sentenças de 03 anos de prisão juntamente com 10 "cúmplices" que incluem maridos, namorados, pais e um taxista que conduziu uma mulher grávida a uma clínica (Kristof, 2004).

A discussão sobre o aborto foi repassada à população portuguesa, para que expressasse sua opinião sobre este assunto delicado. O "sim" à interrupção voluntária da gravidez teve mais de 59% dos votos, a taxa de participação dos votantes superou os 43%, participação superior à tentativa de 1998 (31,91%), quando houve o plebiscito pela primeira vez. Nas 4260 "freguesias" do país (freguesia em Portugal são distritos com relativa autonomia administrativa), o "sim" obteve 2.238.053 votos e o "não" obteve 1.539.078 votos. Ainda tiveram 48.185 votos em branco e 26.297 votos nulos. Entretanto, a meta de 50% não foi atingida e a questão foi para a Assembléia da República.

Aníbal Cavaco Silva, presidente de Portugal, sancionou do dia 10 de abril a lei (16/2007) que descriminalizou o aborto nas dez primeiras semanas de gravidez.Cavaco Silvatinha o poder de vetar a lei[8], mas decidiu pela sua aprovação após a mesma ter sido aprovada no Parlamento (Saúde Pública, 2007). No entanto, ele sancionou-a com as seguintes ressalvas: que a mulher seja informada da possibilidade de entregar seu futuro bebê pra adoção e evitar assim o aborto; que a publicidade sobre o aborto seja restrita; que os médicos contrários a essa prática possam ser consultados e recusarem-se; que os médicos não sejam excluídos das consultas prévias; que se crie uma rede pública de acompanhamento psicológico e social para as mulheres que desejam abortar, e as clínicas privadas que o fazem devem estar sob controle do Estado e contar com a presença do pai [do feto] na consulta, no acompanhamento clínico e na intervenção.

Para a lei atual ser aprovada, os partidos políticos portugueses foram muito influentes.Os partidos mais importantes para a aprovação da lei de legalização do aborto em Portugal foram: o Partido Socialista, o Partido Comunista Português, os Verdes e ainda os partidos do Bloco de Esquerda e uma parte do partido direitista PSD. Ou seja, foi uma união de forças entre a sociedade civil e o Estado que culminou na despenalização do aborto em Portugal. Um aspecto interessante é que a imigrante, em situação legal ou não, possui os mesmos direitos a submeter-se ao aborto em Portugal. Respeita-se, neste caso, a vontade da mulher, os dispositivos das resoluções da UE e das Conferências do Cairo e de Pequim. Apesar de ser um país extremamente católico, o direito ao aborto foi incorporado à legislação, constituindo-se em maior cidadania às mulheres portuguesas, que agora podem interromper suas gestações com segurança e respaldo constitucional.

A discussão sobre a descriminalização do aborto em Portugal permanece ativa, mesmo após o plebiscito de 2007, no qual a população aprovou a despenalização, reconhecendo-o como um direito reprodutivo. Embora a Igreja e grupos conservadores tenham feito campanhas contrárias à aprovação, permaneceu o desejo da sociedade no contexto laico do Estado português e o reconhecimento do direito ao aborto como pertencente aos direitos humanos. Portugal discutiu a descriminalização do aborto amparado por estatísticas de mortalidade materna. A questão da saúde dessas mulheres foi o ponto crucial para a discussão e legalização sem restrições, diferindo de muitos países da Europa que viabilizaram o aborto como uma questão de direitos reprodutivos.

1.3.2 O DISCURSO ATUAL DO ABORTO NA ESPANHA

A legislação referente ao aborto na Espanha é alvo de pressões de grupos conservadores e da Igreja Católica, por um lado, que pretendem restringir os permissivos ou até mesmo pedem que estes retrocedam em virtude do Direito do Nascituro. Por outro lado, os grupos de mulheres, a Onu, a União Européia e o Conselho Europeu pressionam o governo de Zapatero para que haja aumento nos permissivos restritos da lei espanhola sobre o aborto. A maior parte das legislações permissivas ao aborto nos países da UE permite o abortamento por prazos bem específicos, como vimos no quadro 1.3. A discussão sobre os "prazos" é o mote da revisão da legislação atual sobre o aborto no país.

O aborto foi parcialmente despenalizado na Espanha em 1985 com a Lei Orgânica 5 de Julho 1985, número 9/85 (Governo do Estado). Esta foi uma das promessas do governo socialista para a modernização da sociedade espanhola. A interrupção voluntária da gravidez pode ser realizada em centros públicos ou privados reconhecidos, com o consentimento expresso da mulher quando das situações seguintes: quando houver risco de vida física ou psíquica para a gestante; quando houver violação sexual; e quando houver risco de má-formação fetal.

Em dezembro de 2007, José Luis Rodríguez Zapatero - presidente do Governo Espanhol reeleito em 2008 - explicou que o Executivo gostaria que houvesse um exercício de reflexão sobre a atual legislação de permissividade do aborto no país, pois muitas mulheres continuam a recorrer às clínicas para realizarem abortos em estágios avançados de gravidez que não são contemplados na lei. Ele explicou que pode haver no país um abuso nas alegações de "riscos para a saúde física e psíquica da mãe" e propõe uma análise do quadro evolutivo do aborto na Espanha.

Sobre esse assunto há um embate entre forças oposicionistas no Governo espanhol: a coalizão de esquerda IU-ICV, que pretende que a lei no país sobre a permissão para o aborto seja baseada "por tempo" de gravidez, e o governista Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que propõe "o máximo consenso" para realizar mudanças na legislação baseando-se na questão dos direitos reprodutivos, proposta não aceita pela coalizão IU-ICV.

O problema alegado para uma lei baseada em "prazos" consiste na seguinte situação: muitas vezes é impossível detectar uma má-formação fetal em 22 semanas de gravidez, por exemplo. Caso a parturiente seja informada de que o feto possui má-formação, como problemas cardíacos que o levará à morte já com seis meses de gestação, ela não poderá abortar.

O conservador Partido Popular (PP) e o Partido Nacionalista Catalão (CIU) são contrários a quaisquer mudanças na atual legislação sobre a despenalização do aborto. Isto é, a legislação, para esses partidos, deve permanecer como está sem alterações de nenhuma natureza. O partido de esquerda, Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), se mostrou favorável às mudanças na legislação quanto aos prazos para cada tipo de permissividade ao aborto. Entretanto, uma votação no Congresso realizada ano passado para ampliar as permissividades do aborto na Espanha, sofreu derrota por apenas um voto. O jornal espanhol "El País" – um dos mais influentes na Espanha – destacou esse episódio:

Os socialistas voltaram ao poder em 2004 (...) e não houve modificação da lei apesar de esta ter sido uma das promessas eleitorais do partido [Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE)] "reformaremos a legislação sobre o direito à interrupção voluntária da gravidez para adotar um sistema de prazos" dizia a página 100 do programa socialista. Tampouco se fará mesmo que Zapatero renove seu mandato em 2008. Em uma guinada ao centro, os socialistas decidiram tirar os temas mais controversos-como o aborto ou a eutanásia - de seu programa (Belaza, Sahuquillo, 2008).

O presidente do Instituto de Política Familiar, Eduardo Hertfelder, se mostrou favorável a uma revisão da atual lei até porque ela, nas palavras de Hertfelder, pode ser fraudada quanto à permissividade do aborto quando a gravidez coloca a vida psíquica e física da mulher em risco. Segundo dados apresentados por Hertfelder, sob a alegação de "risco para a saúde psíquica da mulher", foram realizados cerca de 100 mil abortos/ano.

A maior parte dos abortos é feita em clínicas particulares.Menos de 3% dos abortos amparados pela lei são realizados pelos centros de Saúde Pública, porque estes centros afirmam que os profissionais desaúde alegam objeção de consciência para praticar o aborto, restando às mulheres, que estão amparadas pela lei, a procura pelos serviços em clínicas particulares.

As interrupções voluntárias de gravidezes na Espanha ocorrem em clínicas privadas a um preço médio de 2 mil euros e aproximadamente 95% dos abortos são realizados dessa forma e neste custo. A Ministra da Saúde da Espanha, Elena Salgado, tornou público que o governo agilizará o processo burocrático nos hospitais públicos e o diagnóstico das mulheres que estão amparadas pela lei a praticar o aborto. Portanto, o que podemos perceber é que a questão da ampliação ou não das permissividades ao aborto na Espanha esbarram na interpretação da lei. Esta interpretaçãopropicia as propostas de ampliação às permissividades, de manutenção das permissividades e de restrição às permissividades existentes para o aborto no país. Os grupos conservadores e a Igreja fazem pressão no sentido de restringir as permissividades e pedem o retrocesso dessa legislação atual, afirmando o direito à vida do embrião e o reconhecimento de um Estatuto do Nascituro. Por outro lado, o cerco contra a manutenção da criminalização do aborto possui o respaldo da União Européia e do Conselho Europeu, além de grupos progressistas atuantes.

1.3.3 O ABORTO NA ITÁLIA

A Itália representa um caso singular, porque é o berço, por assim dizer, da Igreja Católica. E, como tal, dificilmente uma lei favorável à realização de abortos seria acolhida pelo país. No entanto, a efervescência das discussões na década de 70 por direitos humanos que afloraram em toda a Europa e o contexto laico do Estado foram terrenos férteis para a mudança na legislação. Essa mudança tirou o aborto do contexto da ilegalidade, fomentou políticas de planejamento familiar e reduziu a mortalidade materna e o número de abortos realizados em toda a Itália.

No ano de 1975, o aborto na Itália não era permitido, entretanto, a jurisprudência aplicava com certa freqüência a justificativa de "estado de necessidade" (previsto no artigo 54 do Código Penal italiano) para não punir alguns casos de abortamento. Tal justificativa era válida para os casos em que o aborto era necessário para salvar a vida da gestante e nos casos de riscos à saúde da mulher. Esses abortos praticados, então na legalidade, levaram à elaboração de uma nova lei sobre abortos no país. A lei italiana sobre a permissividade do aborto data de 22 de maio de 1978 (lei 194 – "Norme per la tutela della maternità e dell'interruzione volontaria di gravidanza[9]). Através de imposição de movimentos a favor da vida[10], a lei foi levada a referendo. Em 1978 a população italiana votou a favor do aborto com 67,9%.

Agora em 2008, a lei 194 completa 30 anos de existência e com ela evitaram-se mais de 3,3 milhões de abortos na Itália – dentre esses, mais de 1 milhão de abortos inseguros – segundo o Departamento de Saúde da Mulher e da Idade Evolutiva. Angela Spinelli (diretora do departamento) informa que em 1982 foram registrados cerca de 240 mil abortos/ano. Em 2006, foram registrados 130 mil (dentro da legalidade). Em relação aos abortos inseguros, foram registrados cerca de 350 mil/ano antes da lei. Após a entrada em vigor da nova legislação sobre o aborto, foram registrados 100 mil em 1983 e em 2006 foram registrados cerca de 20 mil abortos. Apesar de ser um país referência no âmbito do catolicismo, a Itália reafirma sua posição laica, e alinha-se com as propostas da ONU, da União Européia e do Conselho Europeu na implementação e reconhecimento dos direitos humanos acima de qualquer posicionamento religioso. E comprova, através de suas políticas públicas, que a descriminalização e legalização do aborto contribuem para a diminuição do mesmo. Ao contrário de políticas que criminalizam o aborto e o jogam para a esfera da ilegalidade, ocasionando a morte de milhares de mulheres.

1.4 A AMÉRICA LATINA: O ABORTO INSEGURO COMO UM PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

O aborto inseguro na América Latina é um dos principais problemas de saúde pública. A discussão do aborto envolve além de direitos humanos e de saúde pública, outras vertentes, como: a injustiça social (as mulheres pobres correm mais riscos de morte por abortos inseguros, pois as mais abastadas custeiam clínicas particulares clandestinas, com condições de higiene adequadas), o machismo da sociedade, e a influência da Igreja Católica, religião oficial de muitos países latino-americanos.

A negação do direito ao aborto é a negação da mulher como sujeito social, isto é, a mulher é construída como a mantenedora da família, e reguladora e reprodutora social. Negou-se à mulher o espaço público, entretanto, a ela restou o espaço privado como seu reino. Mas, nesse espaço privado há normas a serem seguidas, e as normas foram ditadas pelos homens no poder. Assim, a luta pelo aborto como direito legítimo da mulher é constantemente deslegitimada pela influência da moral conservadora e do discurso (gerador de poder) da Igreja Católica.

Assim sendo, os países latino-americanos também possuem defi ciências no campo dos direitos humanos. Porém, lutar por direitos humanos em uma região que teve um passado de regimes totalitários é bastante complicado. A América Latina é conservadora, e o discurso a favor dos direitos reprodutivos, especificamente o aborto, fica debilitado. A solução encontrada pelas feministas latino-americanas foi a de lutar pelo aborto como uma questão de saúde pública, expondo os altos índices de mortalidade materna[11] existentes na região, como argumento válido. Por exemplo, em toda a América Latina, a taxa de mortalidade materna é de 82,8% para cada 100.000 nascidos vivos, diferentemente da situação da América do Norte, com 19,9% para cada 100.00 nascidos vivos (OPS, 2007).

A luta pela descriminalização do aborto nesta região, inicia-se nos anos 80 com os movimentos feministas bastante atuantes. Nesse primeiro momento, o mesmo slogan utilizado pelas feministas norte-americanas ("nosso corpo nos pertence") ecoava nas bandeiras de luta latino-americanas. Entretanto, a via dos direitos não era a via mais adequada para trabalhar essa questão naquele momento. Portanto, o aborto como parte dos direitos humanos, cedeu espaço para o discurso do aborto como problema de saúde pública.

A união da América Latina em torno dessa questão deu-se com o V Encontro Feminista Latino-Americano e Caribenho em 1990, que lançou a Campanha Regional pela Despenalização do Aborto, e a definição de uma data simbólica dessa luta (28 de setembro). Assim, todos os anos, no dia 28 de setembro, as coordenações ligadas à Campanha reafirmam o problema da ilegalidade do aborto na região. Por outro lado, as forças contrárias às posições progressistas quanto ao aborto, também não se calaram. Enquanto na década de 90, muitos países reviam suas legislações restritivas e a ONU promovia conferências importantes (como Cairo e Pequim), a Igreja Católica marcava seu posicionamento com a discussão sobre o Dia do Nascituro e o direito à vida desde a concepção. Alguns países como El Salvador, Chile e Paraguai incorporaram o direito à vida desde a concepção em suas constituições, por pressões religiosas.

O tema do aborto na América Latina é reflexo de uma sociedade norteada por valores da Igreja Católica como: a inviolabilidade à vida, a proteção ao feto, a sacralização da maternidade, etc., que se prepondera aos argumentos defendidos por organizações, cientistas e legisladores que trabalham o aborto como um problema de saúde pública. Porém, até mesmo para esses atores, não existe um consenso sobre a questão, ou seja, também encontramos posições religiosas marcantes entre cientistas e legisladores, por exemplo.

Diferentemente da forma como o tema foi conduzido nos Estados Unidos, no qual o aborto foi discutido como uma questão de direito reprodutivo, portanto, de direitos humanos, a discussão em torno da descriminalização do aborto na América Latina foi marcada por questões de saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) a América Latina é responsável por aproximadamente 4,2 milhões de abortos inseguros. Dentro dessa cifra, esconde-se outra, a de que ao menos 5.000 mulheres morrem todos os anos vítimas de conseqüências físicas devido aos abortos clandestinos, e cerca de 800.000 mulheres são hospitalizadas por ano devido às conseqüências desses abortamentos inseguros na região, tais como hemorragias, infecções, entre outros. Esses altos índices fizeram com que a ONU recomendasse aos países da região a revisão de suas legislações sobre o aborto. Sendo assim, alguns países após as Conferências da ONU na década de 1990 (Cairo, em 1994 e Pequim, em 1995) rediscutiram a situação do aborto e modificaram suas leis. O aumento da mortalidade materna indica falência das políticas públicas na área da saúde e de planejamento familiar. Os métodos contraceptivos não estão amplamente divulgados e explicados a toda a população, o que resulta em gravidezes não-desejadas. Se a mulher está decidida a não levar esta gestação adiante, ela recorre a diversas formas de se realizar um aborto: chás, talos de mamona ou outra planta resistente, agulhas de tricô, remédios e clínicas clandestinas.

A seguir, apresento as situações do abortamento inseguro em alguns países da América Latina, enfatizando o problema da mortalidade materna, as legislações repressivas e as discussões atuais.

El Salvador, Nicarágua e Chile, são países que criminalizam totalmente o aborto, o que gera graves impactos para os seus indicadores sociais. Por terem as legislações mais restritivas, são os países com maiores porcentagens de mortalidade materna e de realizações de abortos inseguros, entretanto, El Salvador e Nicarágua não reconhecem o aborto como um problema de saúde pública. Em El Salvador,o aborto era permitido no caso de estupro, má-formação fetal grave e pra salvar a vida da mulher. No ano de 1998 houve a reforma do Código Penal salvadorenho e se criminalizou o aborto em todos os casos existentes. Durante a discussão da reforma, a Igreja Católica e grupos "pró-vida" fizeram pressão no intuito de se preservar a vida do feto. A taxa média de hospitalizações por abortamentos inseguros é de 86%, o que revela que as políticas públicas de saúde em El Salvador provaram ser ineficazes. Caso parecido ocorreu com a Nicarágua. Após mais de 130 anos de legalização do aborto terapêutico[12] no país, uma lei proibindo a feitura do aborto foi aprovada em 2006, também pressionada pelos setores religiosos. Isto significou um retrocesso mediante a sociedade internacional, que entende o aborto inseguro como um grave problema de saúde pública, e recomenda aos países da América Latina (dentre outros) a reverem suas legislações proibitivas quanto à prática do aborto, que vitima milhares de mulheres a cada ano:

O Comitê dos Direitos da Criança e as Nações Unidas recomendaram ao estado nicaragüense a criação de condições para que as crianças e adolescentes possam ter acesso à educação sexual e serviços de saúde reprodutivos, assim como os serviços de aborto em condições seguras, especialmente para as crianças que sofreram violação ou foram vítimas de incesto (Quintana, 2007 p. 8).

NoChile o aborto está criminalizado, mas é reconhecido como um problema de saúde pública. A cada ano ocorrem cerca de 150.000 a 160.000 abortos. 35% das gravidezes no Chile terminam em aborto (Situacion Legal em Chile, 2007). Esses três países, El Salvador, Nicarágua e Chile mantêm o aborto criminalizado em suas legislações, apesar do alto índice de mortalidade materna. El Salvador e Nicarágua revisaram suas constituições, mas cederam às pressões religiosas e de grupos conservadores, criminalizando qualquer tipo de aborto. Nem mesmo a possibilidade de a gestante vir a falecer em detrimento de uma gravidez complicada mereceu legalização. O que percebemos é que nestes países, o feto, isto é, o vir-a-ser, possui mais direitos e plena cidadania do que as mulheres-gestantes. E, apesar das recomendações das organizações internacionais de promoção da cidadania, o aborto segue como crime e como um grave problema de saúde pública nestes países latino-americanos.

Segundo a pesquisadora Clyde Soto (2006), no Paraguaio aborto épermitido somente quando realizado para salvar a vida da gestante (Código Penal de 1998). Segundo dados do Ministério da Saúde e Bem Estar Social do Paraguai (MSPBS), 36 mulheres morreram devido às conseqüências do aborto inseguro durante o ano de 2005. Entre 2001 e 2005, o MSPBS registrou 179 mortes de mulheres por aborto, representando 24,4% da totalidade de mortes maternas no país.O Ministério da Saúde do Paraguai estima que ocorra uma média de 27 abortos clandestinos por dia, mas a posição oficial não reconhece o aborto como problema de saúde pública. A sociedade paraguaia é uma sociedade marcada por valores machistas, na qual as mulheres, por exemplo, possuem pouca representatividade na vida pública. É também um dos países mais pobres da América do Sul, marcado por uma guerra que deixou marcas na população, a Guerra do Paraguai. Ademais, apesar de seus habitantes descenderem de índios guaranis, a religião monoteísta predomina no país, isto é, a Igreja Católica possui laços fortes com a cultura paraguaia e influencia nas decisões políticas, como na Constituição Paraguaia que garante a vida do feto e os direitos de cidadania desde a concepção.

No Uruguai, são registrados cerca de 30 mil abortos/ano conforme dados do Parlamento e da Associação Uruguaia de Planejamento Familiar.A lei uruguaia, atualmente vigente, data de 1938 e criminaliza o aborto em qualquer situação, mas atenua a pena das intervenções ocorridas até o primeiro trimestre de gestação, em casos de gravidez por estupro, parasalvar a honra da família, em "situações de angústia econômica" e risco muito grave para a saúde física da mulher. A lei uruguaia é a que possui maiores permissivos legais ao aborto, pois o permite até mesmo quando a família ou pessoa comprovadamente não possui condições de criar aquela criança em gestação. No entanto, apenas se atenuam as penas nos casos mencionados acima, pois o aborto continua criminalizado no país. Também há um aspecto curioso a respeito dessa legislação a respeito do aborto praticado para salvar a honra da família. Vemos aqui emergir o simbólico, isto é, a proteção ao nome da família, e, neste caso, o feto perdeu sua proteção, pois foi fruto da desonra. Parece contraditório com a própria proibição ao aborto, quando se coloca a inviolabilidade fetal nos debates sobre o tema. Essa é uma discussão importante no país atualmente, pois o Senado aprovou no dia 06 de novembro de 2007 (por 18 votos a favor) a lei de Saúde Sexual e Reprodutiva, na qual consta a despenalização do aborto, entretanto, a Câmara dos Deputados irá debater essa lei em 2008. O texto aprovado pelo Senado permitiria a prática do aborto até a 12ª semana de gestação devido às razões econômicas ou familiares, à idade da gestante, aos riscos à saúde e à má-formação fetal. Quando a vida da gestante estivesse em grande risco ou quando o feto possuísse má-formação grave, incompatível com sua sobrevivência fora do útero após o período de gestação, sua interrupção poderia ser feita a qualquer momento.

A Colômbia, por sua vez, insere a preocupação com a saúde do feto em sua legislação, desencadeando a discussão da viabilidade fetal desde 2006.O aborto é permito nos casos de estupro, má-formação fetal, e riscos à saúde da mulher. Atualmente, são realizados cerca de 200 mil a 400 mil abortos/ano. É a segunda causa de morte materna no país (Mujeres Hoy, 2005). Entretanto, apesar dessas situações legalizadas, o aborto segue sendo uma preocupação para o governo colombiano, devido às conseqüências do abortamento inseguro.

Paraguai, Uruguai e Colômbia possuem situações bem peculiares quanto ao aborto. Paraguai possui uma legislação mais restritiva e protege a vida do feto desde a concepção, o que não ocorre com os outros dois países. Neste conjunto, a Colômbia é o país que mais permissivos permite. Entretanto, para estes três países, o aborto segue como um grave problema de saúde pública.

Em países como o Peru, a Argentina e a Bolívia, percebemos uma flexibilização das leis a respeito do aborto. Esse conjunto de países traz alguns permissivos quanto ao abortamento, sempre alegando a saúde da gestante como justificativa. Estes, dizem respeito às condições de saúde da mulher e aos casos de violência sexual ainda bastante evidentes na América Latina, embora com ressalvas pela Argentina e Bolívia que não asseguram a toda mulher a garantia do aborto seguro nos casos de violação sexual.No Peru estima-se que ocorramcerca de 410 mil abortos/ano e o aborto é considerado a terceira causa de mortalidade materna no país. A legislação só o permite quando a gravidez coloca em risco a vida da mulher (desde que o feto não tenha mais que 06 meses) e se o feto for produto de violência sexual (Mídia Independente, 2005). Na Bolívia ocorrem cerca de 120 abortos/dia e cerca de 40 mil a 50 mil/ano. O aborto é criminalizado na Bolívia, salvo os casos estipulados no Código Penal, que são: violência sexual em menores e risco para a saúde da gestante (Cimac noticias, 2007). Na Argentina, a legislação só permite o aborto quando feito para evitar perigo para a vida e a saúde da mulher, ou se a gravidez resultou de violência sexual em "mulher idiota ou demente" (artigo 86, inciso 1 e 2 do Código Penal). Apesar desse grupo de países terem mais permissivos do que os outros estudados, notamos que o aborto ainda se constitui como problema de saúde pública pelos mesmos motivos que os demais. Apesar de todos os dados aqui expostos, há que se ressaltar que os números de abortos inseguros e de mortes em decorrência de abortos são estimados, isto é, não sabemos na realidade o número exato, pois os hospitais não diagnosticam corretamente todos os casos de abortos inseguros, temendo conseqüências judiciais tanto para os hospitais, como para seus/suas profissionais, e pacientes.

1.4.1 A Cidade do México (México)

No México houve uma mudança constitucional recentemente, originária de discussões na sociedade que resultaram em políticas públicas que visaram garantir o direito à saúde das mulheres. Os dados oficiais do governo estimaram que 110.000 mulheres/ano recorreram a abortos inseguros. O Código Penal Mexicano autoriza o aborto em casos específicos como: estupro, má-formação fetal, perigo para a vida da mãe e em casos de inseminação artificial não consentida. Há uma peculiaridade no México que o distingue dos demais países da América Latina: ele funciona nos moldes de uma república federalista, isto é, seus estados possuem leis próprias. Assim, é possível que uma cidade mexicana aprove o aborto e as demais, não. E foi o que ocorreu com a Cidade do México (DF) em 2007. O discurso sobre o aborto na Cidade do México (DF) foi respaldado nas milhares de mortes evitáveis em conseqüência de abortos inseguros, mal realizados, ou realizados em condições muito precárias em toda a América Latina. A lei vitoriosa do Distrito Federal do México, teve como resultado 46 votos a favor e 19 contra, contando com uma abstenção. Os votos contrários a essa lei vieram do partido do presidente Felipe Calderón que se posiciona contrário à legalização.

A lei em vigor na Cidade do México legaliza o aborto até o primeiro trimestre de gravidez por quaisquer razões, inclusive por vontade da mulher. O serviço é gratuito nos hospitais municipais, embora os centros privados possam realizar o procedimento a qualquer mulher que o queira. Mesmo depois de aprovada essa lei, as discussões sobre o aborto persistiram no México. Houve a polêmica de um arcebispo de Acapulco, Felipe Aguirre Franco, que condenou à excomunhão os políticos que votaram a favor da lei. O Papa Bento 16 também condenou a nova legislação sobre o aborto da Cidade do México: "A ação legislativa em favor do aborto é incompatível com a participação na Eucaristia e os políticos que votaram a favor do aborto deveriam eles mesmos se excluírem da comunhão religiosa" (Goodstein, 2007). A Igreja foi implacável nas declarações e suas atitudes fizeram com que Jorge Díaz Cuervo (parlamentar do Partido Alternativo) afirmasse que não havia razão para que a Igreja impusesse suas crenças a 100% da população.

Entre os fatos expostos acima, toda a discussão sobre os permissivos do aborto recaem sobre a área da saúde das mulheres. O foco aqui apresentado não é o debate sobre a questão de direitos das mulheres, mas sim as altas taxas de mortalidade materna que são semelhantes entre os países que colocam restrições à prática do abortamento. Sabe-se que há falhas nessas políticas, pois, a criminalização do aborto não impede sua prática, apenas fomenta a clandestinidade. Esses países (à exceção de El Salvador e Nicarágua) reconheceram o problema do aborto inseguro na IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (Pequim/1995), ao subscreverem o reconhecimento do aborto inseguro como grave problema de saúde pública. Dentre os países latino-americanos e caribenhos, o aborto é permitido sem restrições nas Guianas, em Barbados, em Cuba, nas Antilhas Francesas e em Porto Rico. Em contrapartida, é totalmente proibido no Chile, em El Salvador, na Nicarágua, em Honduras, na República Dominicana e em San Martín.

Neste ensaio quis evidenciar as formas pelas quais o aborto vem sendo discutido em alguns países ocidentais. Nos Estados Unidos e na Europa, o discurso apresentado sobre o aborto foi em relação aos direitos humanos, isto é, a mulher conseguiu se fazer sujeito da história e de seus direitos. Em contrapartida, na América Latina, a mulher ainda se encontra refém da história, sendo obrigada a recorrer aos abortamentos inseguros que as vitimizam. Essa prática alçou esses países a uma condição preocupante em relação às suas altas taxas de mortalidade materna, resultando num problema grave de saúde pública como mote para a luta das feministas pela descriminalização do aborto. Percebemos que as maiores restrições ao aborto ocorrem em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, enquanto o aborto permitido sem restrição alguma ocorre nos países industrializados, que possuem avanços na área dos direitos humanos, com destaque para os direitos reprodutivos. Nosso objetivo neste capítulo foi apontar os discursos utilizados na América e Europa para a discussão sobre o aborto, diferenciando o discurso do aborto como um direito reprodutivo, do discurso do aborto como um problema de saúde pública. Esta diferenciação se tornou visível com os casos bem definidos dos Estados Unidos, da Europa e da América Latina, que embora reconheça o aborto inseguro como problema de saúde pública, continua a criminalizá-lo. 61% da população mundial vive em países onde o aborto é permitido e 26% da população mundial vive em países nos quais o aborto está proibido. Os países em que o aborto está completamente proibido ou permitido apenas para salvar a vida da mulher totalizam 69 países, representando 25,9% da população mundial. Os países em que o aborto é permitido para preservar a saúde física da mulher totalizam 34 países, representando 9,4% da população mundial. Os países em que o aborto é permitido para preservar a saúde mental da mulher totalizam 23 países, representando 4,2% da população mundial. Os países em que o aborto é permitido por motivos sócio-econômicos totalizam 14 países, representando 21,3 % da população mundial. E, finalmente, os países em que o aborto é permitido sem restrições totalizam 56 países, representando 39,3% da população mundial (Center for Reproductive, Rights, 2007).

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Autor: Fernanda P.Amaral


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