O ESTADO E A REVOLUÇÃO (FICHAMENTO)



A DOUTRINA DO MARXISMO SOBRE O ESTADO E AS TAREFAS DO PROLETARIADO NA REVOLUÇÃO


PREFÁCIO A PRIMEIRA EDIÇÃO

Atualmente a questão do Estado obtém uma consideração peculiar. O processo de conversão do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista do Estado foi magnificamente salientado e obteve maior velocidade por causa da guerra imperialista.

A corrente do social-chauvinismo foi criada pelos elementos de oportunismo amontoados por décadas de progresso relativamente tranqüilo, exercendo forte influência nos partidos socialistas oficiais de todo o mundo. A presença de “chefes do socialismo” conformados ao interesse do “seu” Estado e não unicamente da “sua” burguesa nacional é o que identifica esse chauvinismo.[223]

A Doutrina de Marx e de Engels a respeito do Estado será observada em primeiro lugar, e depois nos ocuparemos de Karl Kautsky, o principal representante das deturpações feitas a esta doutrina.Por último, os ensinamentos essenciais da experiência das revoluções russas de 1905 e particularmente de 1917 serão extraídos.[223-224]

O Autor

Agosto de 1917



PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO

A atual edição, a segunda, torna-se publica quase sem modificações. Adicionou-se somente o parágrafo 3 ao capítulo II.[224]

O Autor

Moscovo.

17 de Dezembro de 1918.

CAPÍTULO I

A SOCIEDADE DE CLASSES E O ESTADO

1. O ESTADO, PRODUTO DO CARÁCTER INCONCILIÁVEL DAS CONTRADIÇÕES DE CLASSE

Semelhante ao que já ocorreu com doutrinas de pensadores revolucionários e dos líderes das classes dominadas no combate pela sua libertação, acontece atualmente com a doutrina de Marx. Arranca-se ou desfigura-se o conteúdo revolucionário desta doutrina destacando, portanto, o que parece conveniente para a burguesia.

Diante disso, a nossa função resumi-se em restaurar a autêntica doutrina de Marx sobre o Estado.No entanto, para que isso possa ser feito é de suma importância à apresentação de um conjunto de longas citações das obras de Marx e Engels.[225]

A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Friedrich Engels será a obra em que iniciaremos nossa reflexão. A opinião essencial do marxismo a respeito da controvérsia do papel histórico e da importância do Estado se encontra expressa nesta obra. È por causa das inconciliáveis contradições de classe que surge o Estado. E inversamente: a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis.

A desfiguração do marxismo surge a partir deste ponto e segue duas vertentes principais.Por um lado, Marx é “corrigido” pelos ideólogos burgueses, e particularmente pequenos burgueses, de modo que o Estado apresenta-se como um instrumento que tem a função de fazer as classes entrarem em acordo. Segundo Marx, se essa conciliação fosse possível o Estado não poderia surgir nem se sustentar. O Estado, segundo ele, é um órgão de dominação de classe.[226]

Por outro lado há a desfiguração feita por Kautsky, onde ele, teoricamente, não nega “nem que o estado seja um órgão de dominação de classe nem que as contradições de classe sejam inconciliáveis”.Segundo Marx, não somente uma revolução violenta, mas também a destruição do aparelho do Estado é necessária para que aconteça a libertação da classe oprimida.

2. DESTACAMENTOS ESPECIAIS DE HOMENS ARMADOS, PRISÕES E ETC..

Segundo Engels, o Estado se caracterizaria primeiramente por dividir os cidadãos segundo uma região. A segunda característica seria o estabelecimento de um poder público existente em cada Estado. Este seria uma “força” que se resumiria em distinções especiais de homens armados tendo a sua disposição prisões, instituições de coação de toda a ordem e etc..[227]

Esta distinção especial de homens armados não corresponde diretamente com a organização armada espontaneamente da população. Se assim o fosse, esse armamento conduziria a uma luta armada entre as classes que se encontram em estado de hostilidade por terem interesses contrários.

Com a destruição do aparelho do Estado após cada revolução, fica exposta claramente a luta de classes e como a classe dominante se esforça por restaurar as distinções especiais de homens armados que estão submissas a ela (polícia, exército permanente).[228]

Na medida em que os antagonismos de classe no interior do estado se tornam agudos e em que os Estados com fronteiras comuns se tornam maiores e mais populosos, é que, segundo Engels, o poder público reforça-se.

Isso foi escrito por Engels no inicio dos anos 90(considerando-se o século XIX) quando a guerra imperialista apenas começava na França, na América do Norte e na Alemanha. Engels apontou já em 1891 a disputa de conquistas (que muitas vezes agravada, gerou a guerra imperialista) como uma das principais características da política externa das grandes potências.[229]

3. O ESTADO – INSTRUMENTO DE EXPLORAÇÃO DA CLASSE OPRIMIDA

Os funcionários do Estado ocupam uma posição distinta, acima da sociedade, como órgãos do poder do Estado.

O atual Estado parlamentar, como Estado da classe economicamente dominante, é meio de exploração do trabalho assalariado pelo capital.[230]

Segundo Engels, numa república democrática a riqueza desempenha o seu domínio indiretamente, porém com mais segurança. Isso porque não depende de determinadas falhas do mecanismo político. Assim, depois do capital ter se apossado deste invólucro, que é a república democrática, alicerça o seu poder e nenhuma substituição poderá abalar-lo.

Para Engels, o sufrágio universal é um meio de dominação burguesa. No entanto, essa declaração de Engels é deturpada na propaganda e na agitação dos partidos socialista ‘oficiais, ou seja, oportunistas.[231]

Segundo ele, a necessidade do surgimento do Estado se deu a partir da divisão em classes da sociedade. Porém, como esta divisão não somente se tornou necessária como também um obstáculo, ela inevitavelmente será derrubada e com ela o Estado.

Esta citação dificilmente se encontra nas literaturas de agitação e de propaganda da social democracia contemporânea.

4. A “EXTINÇÃO” DO ESTADO E A REVOLUÇÃO VIOLENTA

Devido as freqüentes citações das palavras de Engels sobre a “extinção” do Estado feita por oportunistas, faz-se necessário determo-nos nelas.[232]

Segundo Engels, o proletariado apodera-se do poder do Estado e começa a transformar os meios de produção em propriedade do Estado. Porém, após este feito, o proletariado anula-se a si mesmo como classe e assim destrói todas as divergências e antagonismos de classes e também o Estado como Estado. Não há mais necessidade do Estado, pois não existe mais uma classe social a manter na opressão. Não há mais necessidade de um órgão de intervenção entre as relações sociais e nem de repressão. Assim, ele não é abolido, mas extingue-se.[232-233]

Este raciocínio de Engels sofreu deturpações ficando apenas uma idéia vaga de uma mudança gradual, uniforme, lenta, da ausência de revolução. Assim, não levando em consideração que essas palavras exprimem a experiência de uma das maiores revoluções proletárias, a da Comuna de Paris de 1871. [233]

Primeiro.Engels fala da supressão do Estado da burguesia e posteriormente da extinção do Estado proletário ou semi-Estado.

Segundo. De uma “força especial para a repressão” da burguesia pelo proletariado substituindo a “força especial para a repressão” do proletariado pela burguesia, que é o Estado.

Terceiro. Ao falar de “extinção”, Engels faz referência ao período depois da revolução socialista onde a democracia, também sendo um Estado, apenas pode extinguir-se com ele.

Quarto. Ao formular a tese: “O Estado extingui-se”, Engels explica que ela é dirigida contra os oportunistas e anarquistas. A conclusão contra os anarquistas foi muito divulgada, mas a conclusão contra os oportunistas foi obscurecida [234]

Quinto. Engels constrói um raciocínio sobre a importância da revolução violenta nesta mesma obra em que foi exposto o raciocínio sobre a extinção do Estado. Porém, este raciocínio e a importância dele foi “esquecido” pelos partidos socialistas contemporâneos, apesar de estarem indissoluvelmente ligados à “extinção” do Estado, num todo harmonioso.[235]

Segundo Marx e Engels a substituição do Estado burguês pelo proletário é impossível sem uma revolução violenta, isto é, a supressão de todo Estado, é impossível a não ser pela via da “extinção”.Essa doutrina foi traída, através do esquecimento, pela corrente social-chauvinista e pela corrente kautskiana.[236]



CAPÍTULO II

O ESTADO E A REVOLUÇÃO.

A EXPERIÊNCIA DOS ANOS 1848-1851

  1. A VÉSPERA DA REVOLUÇÃO

A Miséria da filosofia e o Manifesto Comunista são obras do marxismo datadas da véspera da revolução de 1848. Nos deteremos em analisar o que elas disseram justamente por elas estarem situadas antes da experiência de 1848-1851.[237]

Nestas obras, Marx e Engels expõe a idéia do desaparecimento do Estado após a supressão das classes. No Manifesto Comunista é dito que o primeiro passo na revolução operária é a elevação do proletariado à classe dominante, a luta pela democracia. Esta é uma das idéias mais importantes do marxismo no que diz respeito à problemática do Estado, exatamente a idéia da “ditadura do proletariado” (termo usado por Marx e Engels após a Comuna de Paris) e da definição (pertencente às palavras “esquecidas” do marxismo) do Estado como “o proletariado organizado como classe dominante”.[237-238]

A concepção dos democratas pequeno-burgueses relacionada a admissão de um Estado colocado acima das classes, dirigia na prática á traição dos interesses da classe trabalhadora, pois o Estado nada mais é que uma “organização da violência para a repressão de uma classe qualquer”, que no caso da sociedade atual é a classe trabalhadora.[238]

Segundo Marx, a derrubada do domínio da classe burguesa só é possível pela transformação do proletariado em classe dominante capaz de reprimir a resistência inevitável da burguesia desesperada e de dirigir as massas exploradas na construção da economia socialista. Isso, devido ao seu papel econômico na grande produção. Assim, ele combateu durante toda a sua vida o socialismo pequeno-burguês.

O proletariado tem um papel revolucionário na história, o de tomar o poder e conduzir todo o povo ao socialismo. Ou seja, de adquirir o domínio político e instalar a ditadura proletária.

Sendo assim, chega-se a conclusão (que Marx já havia chegado) de que não se poderá suprimir previamente a máquina do Estado, pois ela será necessária na organização especial da violência contra a burguesia. È desta conclusão que Marx fala quando faz o balanço da revolução de 1848-1851.[239]

  1. O BALANÇO DA REVOLUÇÃO

No balanço feito por Marx após a revolução de 1848-1851 ele chega a conclusão de que “todas as revoluções anteriores aperfeiçoaram a máquina do Estado, mas é preciso demolia-la, quebrá-la”. Assim ele dá um salto em comparação com o Manifesto Comunista.[240]

Esta conclusão é fundamental na doutrina do marxismo a respeito do Estado, e, no entanto, não só foi esquecida como também deturpada.

O Manifesto Comunista conduz a conclusão de que é extremamente necessário que o proletariado tome o poder político. E mais, que este Estado se extinguirá logo após a sua vitória.

O poder do Estado centralizado surgiu logo após o fracasso do absolutismo, tendo como suas instituições mais características o funcionalismo e o exército permanente. O Estado é considerado pelo marxismo como um organismo parasitário na sociedade burguesa, mas o oportunismo kautskiano considera este atributo ao Estado como dado pelo anarquismo, deturpando, assim, incontestavelmente o marxismo.[241]

Mas aparente se torna para as classes oprimidas a sua hostilidade em relação a toda a sociedade burguesa, quanto mais acontece a redistribuição dos aparelhos burocráticos do Estado entre os diversos partidos burgueses e pequeno-burgueses. Como conseqüência disso, surge a necessidade dentro de todos os partidos burgueses de consolidar e reforçar o aparelho de repressão, ou seja, o Estado, contra o proletariado revolucionário. Isso faz com que a revolução concentre todas as suas forças de destruição com o intuito de quebrar a máquina de Estado. Este raciocínio é fruto da experiência viva dos anos 1848-1851, que levaram a dispor assim esta tarefa.[242]

Segundo Engels, a França foi o país mais avançado em relação às lutas históricas de classes. Assim ela deteria os traços gerais da evolução moderna dos países capitalistas em geral. Isso justificaria a transplantação das generalizações das observações e conclusões feitas por Marx a limites mais amplos do que a história França durante três anos, 1848-1851.[243]

Segundo Marx, o que ele fez de novo foi, 1º demonstrar que a existência das classes está meramente ligada a fases históricas determinadas do desenvolvimento da produção; 2º que a luta de classes conduz necessariamente a ditadura do proletariado; 3º que esta mesma ditadura constitui apenas a transição para a abolição de todas as classes e para uma sociedade sem classes.

Limitar o marxismo à doutrina da luta de classes significa truncar o marxismo, deturpá-lo, reduzi-lo ao que é aceitável para a burguesia.[244]

O oportunismo não estende o reconhecimento da luta de classes precisamente até aquilo que é o essencial, até ao período de transição do capitalismo para o comunismo, até ao período do derrubamento da burguesia e da sua completa supressão.

As formas dos Estados burgueses são extraordinariamente variadas, mas a sua essência é apenas uma: em ultima análise, todos estes Estados são de uma maneira ou de outra, mas necessariamente, uma ditadura da burguesia.[245]

CAPÍTULO III

O ESTADO E A REVOLUÇÃO.

A EXPERIÊNCIA DA COMUNA DE PARIS DE 1871.

A ANÁLISE DE MARX

1. EM QUE CONSISTE O HEROÍSMO DA TENTATIVA DOS CUMMUNARDS?

Apesar de, em alguns meses antes da Comuna, Marx ter prevenido os operários parisienses, provando que a tentativa para derrubar o governo seria uma asneira inspirada pelo desespero, ele não apenas se entusiasmou com o heroísmo dos communards como também arrancou deste episódio a tarefa de tirar lições de tática e rever na base dele a sua teoria.[246]

Uma das lições principais e fundamentais da Comuna de Paris tinha uma importância tão gigantesca para Marx e Engels que eles a introduziram como uma correção essencial ao Manifesto Comunista. Assim, a idéia de Marx consiste em que a classe operária deve quebrar, demolir a máquina do Estado que encontra montada e não se limitar simplesmente a sua conquista.[247]

Segundo Marx, a destruição da máquina burocrática e militar do Estado é a condição prévia de uma verdadeira revolução popular. Quebrar esta máquina, tal é a condição prévia da livre aliança dos camponeses pobres e dos proletários, e sem tal aliança a democracia é instável e a transformação socialista é impossível.[248]

Ao falar de uma verdadeira revolução popular, Marx, tinha em conta a efetiva correlação das classes na maioria dos Estados continentais da Europa em 1871.

2. PELO QUÊ SUBSTITUIR A MÁQUINA DO ESTADO QUEBRADA?

Em 1847, no Manifesto Comunista, Marx indicava as tarefas, mas não os meios para as resolver. A máquina de Estado quebrada deveria ser substituída pela “organização do proletariado como classe dominante”, pela “luta pela democracia”.[249]

A Comuna de Paris Substitui aparentemente a máquina de Estado quebrada “apenas” por uma democracia mais completa, converte-se de democracia burguesa em proletária, de Estado em qualquer coisa que já não é Estado. Assim reprimir a burguesia e a sua resistência continua a ser necessário, porém, uma vez que a própria maioria do povo que reprime os seus opressores, já não é necessária uma “força especial” para a repressão.É neste sentido que o Estado começa a extinguir-se.[250]

Segundo Marx, as medidas tomadas pela Comuna – abolição de todos os dinheiros de representação, de todos os privilégios pecuniários dos funcionários, redução dos vencimentos de todos os funcionários do Estado ao nível do “salário operário” –, unindo completamente os interesses dos operários e da maioria dos camponeses, servem ao mesmo tempo de uma ponte que conduz do capitalismo para o socialismo.[251]

“A Comuna – dizia Marx – fez da palavra de ordem de todas as revoluções burguesas, governo barato, uma verdade ao suprimir as duas maiores fontes de despesa, o exército e o funcionalismo”.[252]

  1. A SUPRESSÃO DO PARLAMENTARISMO

Toda critica ao parlamentarismo foi declarada “anarquista” pelos ministros parlamentares de profissão, os traidores do proletariado e os socialistas interesseiros. Fazendo, assim, que as palavras do marxismo fossem esquecidas.[252]

Mas, no entanto, Marx soube fazer uma critica verdadeiramente proletária e revolucionária do parlamentarismo. A essência do parlamentarismo burguês - não só nas monarquias constitucionais parlamentares, mas também nas repúblicas mais democráticas -, consiste em decidir uma vez em cada certo numero de anos que membro da classe dominante reprimirá, esmagará o povo no parlamento. Assim, o meio para sair do parlamentarismo consiste na transformação das instituições representativas de lugares de charlatanice em instituições de trabalho onde não há situação privilegiada para os deputados.[253]

Uma democracia proletária não pode ser concebida sem instituições representativas, mas podemos e devemos concebê-la sem parlamentarismo. Portanto, em Marx não existe utopismo. Ele estuda, como um processo de história natural, o nascimento da nova sociedade a partir da velha, as formas de passagem da segunda para a primeira. Ele toma a experiência do real, “aprende” com a Comuna.[254]

Reduziremos os funcionários públicos ao papel de simples executantes de nossa diretiva, de capatazes e contabilistas.Tal começo conduz por si mesmo a gradual “extinção” de todo funcionalismo. [255]

  1. A ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE DA NAÇÃO.

Para Marx, a unidade da nação não devia ser quebrada, mas, pelo contrário, organizada pela Constituição Comunal. Assim, a Comuna deveria ser a forma política mesmo da aldeia mais pequena.[256]

Os oportunistas atribuem “federalismo” a Marx, confundindo-o com o fundador do anarquismo. No entanto, nos citados raciocínios de Marx acerca da experiência da Comuna não há nenhum vestígio de federalismo. Porém, há uma coincidência entre o anarquismo e o marxismo no que diz respeito à defesa da “quebra” da máquina de Estado atual.[257]

Intencionalmente, Marx usa a expressão “organizar a unidade da nação” para contrapor o centralismo consciente, democrático, proletário, ao burguês, militar, burocrático.[258]

  1. A SUPRESSÃO DO ESTADO PARASITA

Marx deduziu de toda a história do socialismo e da luta política que o estado deverá desaparecer e que a forma transitória do seu desaparecimento será “o proletariado organizado como classe dominante”.Porém, ele não se propunha a descobrir as formas políticas deste futuro.[259]

Segundo Marx, a Comuna é a forma “finalmente descoberta” pela revolução proletária para quebrar a máquina de Estado burguesa e a forma política “finalmente descoberta” pela qual se pode e se deve substituir o que foi quebrado.



CAPÍTULO IV

CONTINUAÇÃO

EXPLICAÇÕES COMPLEMENTARES DE ENGELS

Engels, por várias vezes, voltou ao tema da experiência da Comuna, explicando a análise e as conclusões de Marx e esclarecendo com tal relevo aspectos da questão que é necessário determo-nos nestas explicações.[260]

  1. O “PROBLEMA DA HABITAÇÃO”

Segundo Engels, uma revolução social resolveria esta questão não dependendo somente das circunstâncias em que se realizasse, mas relacionando-se também com questões mais amplas. No entanto, “dificilmente” o Estado proletário distribuirá habitações sem pagamento, “pelo menos durante um período de transição”.[261]

A passagem de um estado de coisas em que poderão ser distribuídas habitações gratuitas está ligada a “extinção” total do Estado. Devido a este reconhecimento da abolição do Estado, muitos oportunistas têm classificado Engels entre os anarquistas. Sendo assim, é necessário recordar uma certa polêmica entre Marx e Engels com os anarquistas.[262]

  1. A POLÊMICA COM OS ANARQUISTAS

Não há divergência entre Marx e os anarquistas no que diz respeito à abolição do Estado como meta. Porém, para atingir esta meta é necessário utilizar temporariamente os instrumentos, os meios e os métodos do poder do Estado contra os exploradores, como, para suprimir as classes, é necessária a ditadura temporária da classe oprimida.[263]

Segundo Engels, a idéia anarquista sobre a abolição do Estado é confusa e não revolucionária, pois, é precisamente na revolução, na sua origem e desenvolvimento, nas suas tarefas específicas em relação à violência, à autoridade, ao poder, ao Estado, que os anarquistas não querem ver.[264]

  1. CARTA A BEBEL

A carta de Engels a Bebel é uma obra que contém um dos raciocínios mais notáveis de Marx e Engels. Nela eles dizem que o Estado, sendo apenas uma instituição transitória da qual a gente se serve na revolução para reprimir pela força os adversários, é puro absurdo falar de um Estado popular livre. Isso porque, segundo ele, enquanto o Estado ainda é usado pelo proletariado, ele usa-o não com o interesse da liberdade, mas sim da repressão dos seus adversários, e logo que se pode falar de liberdade o Estado deixa de existir como tal.[265-266]

  1. A CRITICA DO PROJECTO DE PROGRAMA DE ERFURT

Esta critica foi enviada por Engels a Kautsky em 29 de junho de 1891 e publicada apenas dez anos mais tarde.[267]

Nesta critica Engels mostra que está atento às transformações do capitalismo moderno. Para ele, os trusts nunca fizeram, não fazem e nem vão fazer uma planificação completa. Mas, visto que são eles que fazem a planificação, nós permanecemos, apesar de tudo, no capitalismo, embora numa sua nova fase.[268]

Engels dá três tipos de indicações sobre a questão do Estado. Para ele, o partido comunista e classe operária só podem chegar ao poder sob a forma de república democrática, pois, ela é a via de acesso mais próxima para a ditadura do proletariado.[269-270]

Ele defende o centralismo democrático (que para ele não excluí a ampla auto-admnistração local) e a república unitária e indivisível.[271]

5. O PREFÁCIO DE 1891 À GUERRA CIVIL DE MARX

No prefácio à terceira edição de A Guerra Civil em França, Engels faz um resumo de um relevo notável dos ensinamentos da Comuna. Este poderia ser chamado de a última palavra do marxismo sobre a questão do Estado.[272]

Segundo Engels, a social-democracia alemã se arrastava cada vez mais para uma interpretação errônea e filistina da importante fórmula “declarar a religião assunto privado”, como se, também para o partido do proletariado revolucionário a questão da religião também fosse um assunto privado.[273]

No balanço feito por Engels vinte anos após a Comuna, ele sublinha que ela teve que reconhecer, logo de princípio, que a classe operária, uma vez chegada ao domínio, não podia continuar a governar com a velha máquina de Estado. Ela teria que eliminar toda a velha máquina repressiva.[274]

Segundo ele, as pessoas têm o hábito desde de criança a imaginar que os negócios e interesses comuns a toda a sociedade só podem ser tratados por meio do Estado e das suas autoridades bem colocadas.[275]

Engels exortou os alemães à não se esquecerem às bases do socialismo a respeito da questão do Estado, caso houvesse a substituição da monarquia pela república.[276]

6. ENGELS SOBRE A SUPERAÇÃO DA DEMOCRACIA

Para ele, a supressão do Estado é também a supressão da democracia, e a extinção do Estado é a extinção da democracia. A democracia é uma organização para exercer a violência sistemática de uma classe sobre outra, de uma parte da população sobre outra. [277]









CAPÍTULO V

AS BASES ECONÔMICAS DA EXTINÇÃO DO ESTADO

O esclarecimento mais minucioso desta controvérsia é dado por Marx na sua Crítica do Programa de Gotha, onde ele faz uma análise da ligação entre o desenvolvimento do comunismo e a extinção do Estado.[278]

1. A COLOCAÇÃO DA QUESTÃO POR MARX

Para Marx, a sociedade atual é a sociedade capitalista que existe em todos os países civilizados. Pelo contrário, o Estado atual varia com a fronteira do país. Contudo, os diferentes Estados dos diferentes países civilizados têm em comum o fato de se erguerem sobre o chão da moderna sociedade burguesa. Assim o comunismo se desenvolve historicamente do capitalismo e provém dele como resultado da ação de uma força social que é gerada pelo capitalismo.[279]

2. A TRANSIÇÃO DO CAPITALISMO PARA O COMUNISMO

Segundo Marx, entre a sociedade capitalista e a comunista há um período de transição política onde o Estado passa a ser a ditadura revolucionária do proletariado.[280]

Na sociedade capitalista temos um democratismo mais ou menos completo na república democrática. Porém, este democratismo permanece comprimido nos limites estreitos da exploração capitalista e, por isso, permanece sempre um democratismo para a minoria, apenas para as classes possuidoras, apenas para os ricos.[281]

A modificação da democracia na transição do capitalismo para o comunismo consiste numa democracia para a maioria gigantesca do povo e repressão pela força, isto é, exclusão da democracia, para os exploradores, para os opressores do povo.[282]

No período de transição capitalismo para o comunismo ainda é necessária a repressão da minoria pela maioria, porém com a extensão da democracia a uma maioria esmagadora da população não se fará mais necessário o Estado, ou seja, ele começará a desaparecer.No comunismo quanto mais plena for verdadeiramente a democracia, mais rápida ela se extinguirá por si própria. [283]

3. A PRIMEIRA FASE DA SOCIEDADE COMUNISTA

Esta primeira fase ou fase inferior da sociedade comunista(ou ainda socialismo) é marcada por vários sinais da velha sociedade. Nela, como em todas as sociedades, segundo Marx, de todo o trabalho social será preciso descontar um fundo de reserva social, e feito esse desconto, cada operário receberá da sociedade o quanto lhe deu. [284]

Porém, para Marx, temos aqui o direito igual, mas ele é ainda o direito burguês, que é um mal, pois como todo direito, pressupõe a desigualdade, dado que todo ele é a aplicação de uma medida idêntica a pessoas diferentes.[285]

4. A FASE SUPERIOR DA SOCIEDADE COMUNISTA

Para Marx, somente nesta fase superior da sociedade comunista (ou comunismo) onde o trabalho se transforma de um meio para viver em necessidade vital, pode o horizonte estreito do direito burguês ser completamente ultrapassado.[286]

Nesta fase, quando a sociedade realizar a regra “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades”, o Estado, então, poderá extinguir-se completamente.[287]

Até a chegada desta fase, os socialistas impõem o mais severo controle por parte da sociedade e por parte do Estado (operários armados) sobre a medida do trabalho e a medida do consumo, porém este controle deve começar com a expropriação dos capitalistas.[288]

Marx analisa os graus da maturidade econômica do comunismo. No primeiro grau, o comunismo não pode ainda, no plano econômico, estar completamente maduro. Daí a conservação do “horizonte estreito do direito burguês”, onde subsiste um Estado burguês, porém sem burguesia.[289]

O desenvolvimento do capitalismo cria, por sua vez, as premissas para que todos possam realmente participar da administração do Estado.[290]

Toda a sociedade será um único escritório e uma única fábrica, com igualdade de trabalho e igualdade salário. Porém este será apenas um degrau necessário para continuar o movimento para frente.[291]

CAPÍTULO VI

A VULGARIZAÇÃO DO MARXISMO PELOS OPORTUNISTAS

A deturpação do marxismo e a sua completa vulgarização se deram a partir do abandono, por parte dos integrantes da II Internacional, no que diz respeito da questão da atitude do Estado para com a revolução social e vice-versa, o que foi aproveitado pelos oportunistas.[292]

1. A POLÊMICA DE PLEKHÁNOV COM OS ANARQUISTAS

Plekhánov tratou da questão da atitude do anarquismo em relação ao socialismo em Anarquismo e Socialismo. Ele tratou deste tema falando da atitude da revolução para com o Estado e da revolução em geral.Os anarquistas tentavam declarar “sua” a Comuna de Paris, mas, no entanto, não compreenderam absolutamente nada das lições da Comuna e da análise destas lições por Marx.[292-293]

2. A POLÊMICA DE KAUTSKY COM OS OPORTUNISTAS

Na polêmica de Kautsky com os oportunistas, na sua maneira de colocar a questão, podemos perceber a traição dele ao marxismo. Ele, em suas obras contra o oportunismo (em especial Bernstein), evitou a análise de toda a profundidade da deturpação do marxismo pelo oportunismo no que diz respeito à tomada do Estado.[294]

Com isso, ele não polemiza, mas faz uma concessão a Bernstein na medida em que admite a conquista do poder sem a destruição da máquina do Estado. Assim, há uma separação entre Marx e Kautsky no que diz respeito à tarefa do partido operário de preparar a classe operária para a revolução.[295]

Como diz Kautsky, haverá sim uma espécie de parlamento de deputados operários que estabelecerá as regras do trabalho e fiscalizará a administração do aparelho, porém, e é nisto que ele erra, este não será mais burocrático.[296]

Kautsky não compreendeu a diferença entre o parlamentarismo burguês, que une a democracia ao burocratismo, e o democratismo proletário, que tomará imediatamente medidas para cortar pela raiz o burocratismo.[297]

3. A POLÊMICA DE KAUTSKY COM PANNEKOEK

Pannekoek interveio contra Kautsky como um dos representantes da corrente radical de esquerda. Ele caracterizou a posição de Kautsky como de radicalismo passivo, como uma teoria da espera inativa.[298]

Kautsky refutou a posição de Pannekoek dizendo que a diferença entre sociais-democratas e anarquistas era que os primeiros queriam conquistar o poder do Estado, os últimos destruí-la e Pannekoek queria ambas as coisas. Assim, com essa interpretação falsa, ele se afasta do marxismo deturpando-o e vulgarizando-o definitivamente.[299]

A revolução consiste na quebra da velha máquina do Estado e que a nova classe comande e administre com ajuda de uma máquina nova. È esta idéia fundamental do marxismo que Kautsky não entendeu de modo algum.[300]

Para Kautsky, uma vez que subsistirão funcionários públicos eleitos, subsistirá também a burocracia. Porém a verdade é que Marx mostrou que, no socialismo, os funcionários públicos deixam de ser burocratas à medida que se introduz, além da elegibilidade, amovibilidade em qualquer momento, a redução dos vencimentos ao nível dos operários e a substituição das instituições parlamentares por instituições de trabalho.[301]

A possibilidade da destruição da velha máquina do Estado é assegurada pelo fato de que o socialismo reduzirá o dia de trabalho, elevará as massas a uma vida nova, colocará a maioria da população em condições que permitam a todos sem exceção desempenhar as funções públicas, e isto conduzirá a extinção completa do Estado em geral.[302]

* * *

Podemos concluir, que a maioria dos representantes oficiais da II Internacional caíram completamente no oportunismo. A experiência da Comuna além de ser esquecida foi também deturpada.[303]

















*No manuscrito segue-se:

CAPÍTULO VII

A EXPERIÊNCIA DAS REVOLUÇÕES RUSSAS DE 1905 E 1917

O tema indicado deste capítulo é tão imensamente grande que sobre ele se pode e se deve escrever tomos. Na presente brochura nos limitaremos às lições mais importantes da experiência às tarefas do proletariado na revolução em relação ao poder do Estado.(Interrompe-se aqui o manuscrito- N.ed.).

PÓSFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO

O atual livro foi escrito em Agosto e Setembro de 1917. Mas, o segundo fascículo do livro, que será consagrado à experiência das Revoluções Russas de 1905 e 1917, provavelmente será adiado por muito tempo devido a estarmos às vésperas da revolução de Outubro de 1917.[305]

O Autor



Petrogrado.

30 de Novembro de 1917.


Notas

Nas páginas 710 a 715 constam as notas referentes aos termos e obras citadas.


Autor: Juliana A. Santana


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