O HOMEM: CONSTRUÇÃO SUBJETIVA



Resumo

Neste artigo, promovo uma breve releitura dos textos referentes a questão da subjetividade. González Rey e Silva Lane discutem a construção da subjetividade e, com isso pontuo alguns aspectos do filme Vermelho Como o Céu na tentativa de tornar a interpretação de tal construção mais didática. Nessa medida, sublinham a dicotomia entre indivíduo/sujeito tornando este último produto e produtor de uma cultura, de uma história diferentemente de um ser estático e passivo como era visto pelas ciências naturais em tempos passados. Palavras – chave: subjetividade, indivíduo, Vermelho como o céu.

Introdução

Este artigo tem a pretensão de refletir sobre questões relacionadas ao conceito de subjetividade no universo da psicologia a luz das visões de González Rey (2004) e Silva Lane ( 2002). Pontua alguns aspectos do filme Vermelho Como o Céu, na tentativa de relacionar a teoria à prática. Veremos, pois, como a subjetividade vai ganhado espaço e, partindo do entendimento de tal conceito, faz-se emergir a valorização das experiências particulares de grupos e indivíduos com seus respectivos códigos e de mundos com diferentes campos e objetivos. Além do reconhecimento de uma heterogeneidade dentro de uma singularidade. O que nos fica claro é que precisamos entender o conceito de subjetividade para garantir uma compreensão dos significados construídos pelo sujeito dentro de uma complexidade a qual é condicionada pela história e determinada pela cultura.

Subjetividade, um novo modelo

A emergência da subjetividade ocorre quando as ciências por si só não dão conta de um universo maior do homem no contexto em que ele vive sem fazer oposição do homem x objeto. Rey (2004), nos seus estudos sobre A Emergência do Sujeito e a subjetividade vai nos dizer que os saberes em diferentes campos não conseguiram mais legitimar suas regras por filosofias universais da história. Para o autor, perderam legitimidade os discursos totalizantes e universais e que as práticas científicas, políticas modernas devem ser pensadas em termos de uma subjetividade. Nos vários campos das ciências humanas observa-se hoje uma tendência em se redefinir os discursos em torno das idéias de verdade/falsidade, objetividade/subjetividade como forma de trazer uma nova dimensão na relação sujeito/objeto. O sujeito seja ele em si ou a sociedade, não, existe sem o outro; objetivamente o objeto não existe especificamente sem que o sujeito dele fizesse parte:

A categoria sentido permite visualizar a especificidade da psique humana e incorporar um atributo ao social: o caráter subjetivo dos processos sociais. Com isso desvanece a dicotomia objetivo-subjetivo, que era inseparável da dicotomia interno-externo. A subjetividade não é o oposto do objetivo, é qualidade da objetividade nos sistemas humanos produzidos culturalmente.(Rey 2004, p. 125)

Para González, o resgate da subjetividade numa perspectiva dialética, foi capaz de alcançar o entendimento e a compreensão da produção de sentidos no que tange os processos e formas de organização da atividade humana. Sentidos estes, que estão a todo instante, num verdadeiro processo de construção, desconstrução e reconstrução. O termo subjetividade veio a englobar o que antes nós chamávamos de ser humano, psiquismo, homem íntimo, indivíduo psíquico... e caracterizar esta relação sujeito/objeto não numa dimensão de pólos contrários , mas das relações que os mantém . O sujeito se constitui numa relação com o outro sujeito e é construídopela integração do sujeito psíquico que tem uma história individual e, portanto, desejos, sonhos e fantasias, e o sujeito social, concebido como o sujeito da história social que a produz e dela recebe as transformações necessárias.

Ao seu modo, Lane (2002) trata da questão da subjetividade também de forma dialética, ou seja, a pessoa é a síntese do singular e do universal e que nessa unidade de contrários se forma o psiquismo, cujas categorias são a consciência, a atividade e a afetividade. A linguagem, que faz parte das mediações dessas categorias (as quais formam o todo complexo, a sociedade) precisa ser compartilhada para garantir a sobrevivência. Nesse sentido, ela diz:

Indivíduo e sociedade são inseparáveis, segundo a dialética, pois o particular contém em si o universal; deste modo, se desejarmos conhecer cientificamente o ser humano, é necessário considerá-lo dentro do contexto histórico, inserido em um processo constante de subjetivação/objetivação (p. 12).

Como se constrói a subjetividade?

Precisamos entender a organização social como sendo esta, Subjetividade Social com todos os emaranhados de significações, com suas transformações, emoções e nuances. Aqui se constitui o ser humano: NO e PELO contexto sócio-histórico afastando qualquer possibilidade de existir uma essência humana como queria algumas correntes teóricas do passado.

Com muita propriedade, Lane (2002, p.13-16) traduz a partir do nosso cotidiano e, através de nossas percepções (sentimentos, reflexões, ações, etc., objetivando nossa subjetividade), como seria a construção das nossas subjetividades. Nosso primeiro contato se dá, normalmente, no lar, com a família onde experimentamos várias sensações. Aos poucos nosso principal objetivo passa pelas mediações das palavras, de emoções e de ações. Iniciamos os questionamento acerca dos valores de nossa sociedade e, de repente, nos sentimos perdidos. Vamos, assim, caminhado num processo de aquisição de nossa subjetividade, desenvolvendo novas habilidades nessa relação dialética com a sociedade.

(...) pois a subjetividade se produz de forma simultânea em todos os espaços da vida social do homem. Isso faz com que o sujeito, subjetivamente constituído ao longo de sua história, desenvolva processos de subjetivação em cada uma de suas atividades.(...) As emoções associadas à condição de vida do sujeito se integram em sua produção de sentido. González Rey (2004 p.127).

É importante salientar que, nessa produção de sentidos, o processo de subjetivação constituído pelos sistemas humanos se dá de maneira que suas necessidades sejam supridas. Destarte, a produção de realidades (mitos, histórias e valores, por exemplo) obedece, de igual maneira, a uma ordem interna, ao sistema subjetivo ali constituído e, por isso mesmo, alheias a uma ordem natural externa. Dizendo de outra forma, recai nessa produção de sentidos (de culturas distintas) uma certa hegemonia, elaborada por racionalidades, as quais fundamentam a orientação de ações. Exemplo disso são as guerras étnicas.

Filme: Vermelho Como o Céu

Vermelho Como o Céu é baseado em fatos reais, cuja autoria é de Daniele Mazzocca e Cristiano Bartone em Toscana, verão de 1970, retrata bem a questão da subjetividade. O Mirco, protagonista do filme, nasceu e criou-se numa comunidade pequena, sob os cuidados dos pais e, portanto, tinha uma vida tranqüila, sem muitas inquietações. Seus desejos, suas aspirações, seus sentimentos, sua visão de mundo foram construídas conforme sua cultura, seu contexto sócio-histórico.

Um certo dia sofreu um acidente, perdeu, praticamente, cem por cento da visão. Daí sua vida tomou uma outra dimensão...No primeiro momento, Mirco é obrigado a deixar a proteção do seu primeiro convívio para passar a viver e a conviver com uma outra realidade, um internato para deficientes visuais, com uma subjetividade social totalmente avessa à sua. Entretanto, como o sujeito subjetivo é aquele que pode (e deve) interferir no meio no qual está inserido, apesar de todas as dificuldades para (re) socializar-se, uma vez que, se assim não fosse ele não conseguiria viver naquele ambiente. Pois, como assinalado nesse trabalho: indivíduo e sociedade são inseparáveis.

Lane (2002), ao discorrer sobre a construção da subjetividade pontua os seguintes aspectos: "Atividade, consciência, afetividade, identidade estão em processo de conciliação – elas podem se cristalizar e teremos um cidadão bem comportado, ou elas assumem o desafio de se reinventarem, a partir de metamorfose da própria identidade" (p.12-15). Partindo desse princípio, vimos que Mirco preferiu ir a luta (se permitindo vivenciar sentimentos novos e com a ajuda das emoções e das palavras foi tomando consciência e adquirindo novas habilidades para uma nova realidade) a ficar numa posição de coitadinho. Fica claro, assim, que Mirco, enquanto sujeito subjetivo, tinha por objetivo, mostrar a si e ao grupo no qual foi inserido (mesmo a sua revelia) que a deficiência não era impedimento para transformar o sistema vigente daquela escola.

Considerações finais

Quais as contribuições dessa releitura para os estudos sobre o homem enquanto construção subjetiva para a Psicologia Social? A importância do conceito de subjetividade traz à Psicologia Social uma nova visão do homem em detrimento daquele indivíduo com uma essência, biologizado como se fosse mero reprodutor. A produção de sentidos produzidos a partir da teia interligada homem/sociedade define uma maneira de ver a psique. Aqui, nessa configuração de sentidos a Psicologia tornará distante o que está próximo e próximo o que está distante. Em Vermelho Como o Céu foi perfeitamente possível perceber o quão íntimo se torna essas definições de sentidos subjetivos e, principalmente, suas implicações para o contexto social, em termos de interferência na realidade e, na medida em que o homem produz e reproduz sentidos dentro de outros sentidos, normalmente, condicionados pela história e determinados pela cultura.

REFERÊNCIAS

REY, Fernando Gozález. O Social na Psicologia e a Psicologia no Social. Petrópolis, Editora Vozes, 2004

LANE, Silvia T. Mourer. A dialética da subjetividade versus objetividade. In: FURTADO, Odair & REY, Fernando L. Gozález (org). Por uma epistemologia da subjetividade: um debate entre a teoria sócio-histórica e a teoria das representações sociais. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

Filme:

BORTONE, Cristiano. Filme Vermelho como o Céu (Rosso come il Cielo). Produção de Bortone, C. e Mazzocca, D., roteiro de Bortone, C., Zapelli, M. e Sassanelli, P., direção de Bortone, C., DVD, duração 95 minutos, gênero drama, classificação etária 12anos, distribuição nacional: California Filmes, Itália, 2004.

Obs.:Este artigo foi orientado por Wedna Cristina Marinho Galindo, mestra em Sociologia pela UFPE, professora da Disciplina Psicologia Aplicada as Relações Sociais, na UFRPE.


Autor: Mônica Mota


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