O DANO MORAL E A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA



O DANO MORAL E A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

Arthur Leite da Silveira Filho

Diante da pretensão da União em caracterizar a indenização por dano moral como fato gerador de imposto de renda, analisaremos as disposições legais sobre este imposto.

A Constituição Federal (1988), no Título VI, “Da Tributação e do Orçamento”, capítulo I, Seção III, artigo 153, inciso III, determina que seja da competência da União para fins de tributação a “renda e proventos de qualquer natureza”:

TÍTULO VI
Da Tributação e do Orçamento
CAPÍTULO I
DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
...........
Seção III
DOS IMPOSTOS DA UNIÃO
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
...........
III - renda e proventos de qualquer natureza;

Neste mesmo título da Carta Magna, na Seção I, artigo 146, inciso III, letra “a”, determina:

Art. 146. Cabe à lei complementar:
........
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

O Código Tributário Nacional, Lei Federal no. 5.172, de 25 de Outubro de 1966 elevado ao status de Lei Complementar por força do artigo 7º do Ato Complementar no. 36, de 13 de Março de 1967, assim dispõem no Capítulo III, “Imposto sobre o Patrimônio e a Renda”, seção IV, “Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza”, no artigo 43º:
CAPÍTULO III
Impostos
.........
Seção IV
Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza.
Artigo 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
Parágrafo 1º. – A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e forma de percepção.

A análise dos dispositivos legais retro expostos institui o que se denomina em direito de “Conceito Aberto”.

O eminente jurista, baiano, Aliomar Baleeiro (1981, p.182), explica-nos:

A Constituição deixa ao legislador complementar e à doutrina a incumbência de definir o fato gerador e elaborar o conceito de renda. Sendo extremamente complexa a noção de renda, só a legislação complementar e ordinária poderá minudenciá-la; para isso a Constituição deixou o campo aberto, falando inclusive de proventos, termo que tem significado residual, a abranger situações não contempladas sob o conceito de renda.

Em uma primeira visão, pela abrangência da terminologia usada: “proventos de qualquer natureza” indicariam que estaríamos diante de caso de incidência tributária em hipóteses de “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”. Todavia, complementado o dispositivo, no inciso “II”, existe a previsão de necessários “acréscimos patrimoniais”.

Questionamos a ocorrência de aquisição de “acréscimos patrimoniais”. Será que o valor recebido realmente agrega valores ao patrimônio do indenizado?

A ação de indenizar traz como unidade motriz a patente motivação de recompor, este fato, por si só, afasta de pronto qualquer possibilidade de interpretação de ganho patrimonial. Na reparação do dano moral visa-se exclusivamente a recomposição imperfeita do status quo ante, sem a possibilidade da efetiva reposição plena, de modo compensatório, abrandando por meio indireto os efeitos da lesão jurídica.

Tenta recompor o dano imaterial da vítima, via pecúnia, amenizando-o pela reconhecida perda de impossível reposição.

O Dicionário Jurídico (De Plácido e Silva, 1991, p.453) define “indemnis” como:

Derivado do latim “indeminis” (indene), de que se formou no vernáculo o verbo “indenizar” (reparar, recompensar, retribuir), em sentido genérico quer exprimir toda compensação ou retribuição monetária feita por uma pessoa a outrem, para reembolsá-la por despesas feitas ou para ressarci-la de perdas tidas.

Segundo Roque Antonio Carrazza (apud, De Plácido e Silva, 1991, p.452), quando afirma “que uma pessoa esta indene quando “foi compensada com alguma coisa em substituição de outra” e por isso mesmo, não sofreu nenhuma perda, vale dizer, saiu livre, sem qualquer prejuízo”.

Acrescemos ao brilhante doutrinador, que não ocorreu, de qualquer forma, ganho a qualquer título.

O ingresso de recursos financeiros no patrimônio da vítima, sobre forma de disponibilidade econômica, ou pela transferência de bem material outro, como sucedâneo e/ou complementar desta primeira forma, não ocorre ao acaso. A razão específica de sua existência esta na ação de indenizar, não podendo sob pena de interpretação contrária aos princípios constitucionais e tributários ser caracterizada de outra forma.

Há que se diferir de outras situações tais como: ganho em loterias, jogos de azar, proventos de atos ilícitos e doações espontâneas, todas com enquadramento específico no Regulamento do Imposto de Renda (RIR - 1999), sendo esta última “não tributável”.

A Lei de Introdução ao Código Civil, Lei no. 4657/42, já no seu início, traz determinações de que ninguém pode alegar ignorância para não cumprir a lei e, ainda, quando houver omissão no conjunto normativo, deverá a justiça ser feita com base nos princípios gerais do direito.

Tributar esta perda imaterial personalíssima, sua dor, com afronta à integridade dos preceitos constitucionais, é no caso concreto, sob o manto de tributo a perpetração de confisco, atentando contra o direito da liberdade, da propriedade, instituto com expressa vedação constitucional, com o Princípio do Não-Confisco :

A Carta Magna prevê a única possibilidade de confisco, condicionada a conduta típica ilícita do agente, no artigo 243 – “Das Disposições Gerais”, com incidência patrimonial, decorrente de conduta ilícita do proprietário pela cultura de plantas psicotropicas, aonde fica patente o interesse da sociedade sobrepujando o direito individual .

Neste caso excepcional a autorização, vontade, do poder constituinte pelo confisco, fica patente a preservação do patrimônio coletivo imaterial, do social, da dignidade, que prevalece sob o direito à propriedade material.

Todavia, em sentido contrário se insurgem as normas tributárias infraconstitucionais e regulamentos administrativos do Estado, no caso concreto o Regulamento do Imposto de Renda. Neste sentido o doutrinador Hugo de Brito Machado (1997), in verbis:

No âmbito do imposto de renda, em nosso sistema jurídico-tributário, os conceitos de patrimônio e de renda são rigorosamente conceitos econômicos, de natureza material. Não há patrimônio moral, para fins tributários, nem o imposto de renda incide sobre algo que tenha apenas valor moral. O tributo é prestação pecuniária e incide sobre riqueza expressa em moeda. (...) O patrimônio, em sentido amplo, compõe-se de elementos materiais e pecuniários, e de elementos imateriais, ou de valor apenas moral (...). Em sentido estrito, porém, como é concebido no Direito Tributário, o patrimônio compõe-se apenas de elementos materiais, de valor pecuniário. Não integram o patrimônio, para fins tributários, os elementos de valor exclusivamente moral, ainda que eventualmente possam ser convertidos em elementos de valor econômico. (...) O direito ao lazer, do qual é manifestação o direito à licença prêmio, ou às férias, é direito que não integra o patrimônio, no sentido estrito que lhe atribui o Direito Tributário. Direito de conteúdo moral pode, é certo, ter esse conteúdo convertido em pecúnia, pelo recebimento da indenização, que neste caso é induvidoso auferimento de renda, vale dizer, acréscimo patrimonial, ou acréscimo do patrimônio, no sentido que lhe atribui o Direito Tributário.

Não obstante, a própria Constituição Federal determina nos seus “Princípios Fundamentais”, no título I, em seu artigo primeiro, inciso III, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana :

Ao assim fazer, a nossa Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão. Configurando-o na essência de qualquer dos direitos da personalidade. O direito à honra, ao recato, a imagem, a intimidade, ao nome, ao aspecto físico e moral da estética humana, ao trabalho, a segurança física e ao culto religioso estão englobados no direito à dignidade.
Nesta linha de interpretação constitucional é inadmissível qualquer pretensão de não reconhecimento há existência deste acervo patrimonial imaterial. Restando infundadas, sem consistência legal, as pretensões tributárias presentes na edição de regulamentos fazendários, de menor preponderância hierárquica no campo normativo em foco, mesmo a título de “conceito aberto” de proventos de qualquer natureza.

Não podendo ser afastada a interpretação conforme a constituição por qualquer regulamento tributário estatal, por falta de percepção lógico-material, econômica, ou da efetiva impossibilidade de quantificar sob forma de tabelas e planilhas, como na práxis das bases de cálculos e alíquotas tradicionais.

A efetiva indenização do agente passivo do dano, por este tipo de reparação, quer nos casos de aceite sem contestação do agente ativo, causador, quer na contestação judicial, ou ainda, homologada por decisão judicial, independente da apreciação ou não de mérito, faz negócio jurídico perfeito.

A imaterialidade do bem em lide não pode estar atrelada ao conceito de não-patrimonialidade de curto alcance e oportunista. Esta prática iria de encontro frontal, colidindo, com princípios axiológicos da Carta Magna, base do nosso ordenamento jurídico.

Considerando os direitos a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso X, determina:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Na legislação infraconstitucional o Código Civil, Lei 10.406 de 01.01.2002, tratando dos “Direitos da Personalidade”, nos artigos 11º e 12º, comanda:
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Assegurando desta forma, sob a orientação constitucional, os direitos da personalidade, reconhecendo o direito à indenização em decorrência de “perdas e danos” e, ainda, estendendo aos sucessores de até quarto grau a legitimação para defesa destes direitos quando se tratando morto, no parágrafo único.
Ao tratar de perdas e danos, fica óbvio para a mais rasa exegese literal a existência de diminuição quantitativa ou qualitativa, independente de sua imaterialidade física. Ninguém perde ou sofre dano sem que o objeto atingido seja modificado à menor. Devendo ressaltar que a expressão retro utilizada de imaterialidade física, não tratar-se de redundância, visto que embora imaterial, intangível, do ponto de vista físico, a honra tem materialidade jurídica com respaldo constitucional.
Temos o Código de Defesa do Consumidor (artigo 6°, incisos VI e VII):
São direitos básicos do consumidor:
...........
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais , individuais, coletivos e difusos.
VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos, assegurada à proteção jurídica, administrativa e técnica.

O dano moral na ordem jurídica constitucional é conceituado como violação ao direito da dignidade, sendo objeto incontestável ao direito de indenização dele decorrente. A tentativa de qualificá-lo como “base de cálculo” para fim de incidência tributária, com fundamento na sua imaterialidade para fins de aferimento de “acréscimos patrimoniais”, gerando riqueza nova para o sujeito indenizado, não reconhecendo a sua índole patrimonial, não tem suporte normativo para transformá-lo em fato gerador de tributo.
A indenização por dano moral é por essência compensatória, visto a irreparabilidade plena do dano, quer seja por sua subjetividade, quer por sua caracterização de bem personalíssimo, insubstituível.
O não acolhimento deste direito constitucional como patrimônio imaterial irreparável e levando-o a tributação volta a ferir a integridade do agente passivo do dano, ocasionando novos danos, desta vez pelo ente tributante, vejamos:
Inicialmente pelo não reconhecimento do seu patrimônio moral e, em seguida, pela sua efetiva tributação, ocasionando redução do valor que lhe foi atribuído como forma de compensação indenizatória, ilegalmente diminuindo-lhe o valor acertado.
Congruente com o tema em tela, quando focamos a conduta ilícita do agente causador de dano moral, estamos de igual forma, buscando a recomposição da integridade moral do indivíduo lesionado, que no caso concreto é autorizado a perpetrar diminuição do patrimônio material do agente causador em razão da compensação do seu patrimônio imaterial, via pagamento.

A tentativa de tributar, via imposto de renda, indenização por dano moral não pode ser objeto de lei federal ou portarias, seja a nível legal ou infralegal, é matéria inconstitucional. A Carta Magna não outorgou competência para tal.

Ensina Roque Antonio CARRAZZA (2002, p.601) afirma: “Se, amanhã, lei federal pretender submeter às indenizações à tributação por via de imposto sobre a renda, será inconstitucional”.

Neste sentido decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial de no. 410.347 SC, por unanimidade, tendo como Relator o Ministro Luiz Fux, em 07/11/2002, em processo contra a Fazenda Nacional, decidiu por unanimidade pela não incidência de Imposto de Renda em indenização por dano moral, nos seguintes termos:


RECORRENTE: FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR: MARCELO COLETTO POHLMANN E OUTROS
RECORRIDO: JEANINE MENDONÇA PINHEIRO MAY
ADVOGADO: JONAS NUNES DE FARIA E OUTROS

EMENTA

TRIBUTÁRIO - INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL -
INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA - IMPOSSIBILIDADE -
CARÁTER INDENIZATÓRIO DA VERBA RECEBIDA.

1. As verbas indenizatórias que apenas recompõem o patrimônio do indenizado, físico ou moral, tornam infensas à incidência do imposto de renda. Aplicação do brocardo ubi eadem ratio ibi eadem dispositio .
2. Precedentes.

3. Recurso improvido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, após o voto-vista do Sr. Ministro José Delgado, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros José Delgado (voto-vista) e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros (RISTJ, art. 162, § segundo).
Brasília (DF), 07 de novembro de 2002(Data do Julgamento).


Lapidar decisão, de igual forma unânime, no acordão proferido pelo TJ-RO, no recurso de Agravo de Instrumento de no. 02.008200-2, em 01/04/2003, decidindo pelo improvimento do agravo Banco do Brasil S/A, irresignado contra a decisão interlocutória que indeferiu a retenção de imposto de renda quando do pagamento do valor da condenação por danos morais.

Sustentava o agravante a aplicação do artigo 46, da Lei no. 8.541/92, que determina a retenção na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento de condenação judicial.

Foi o voto do relator:
VOTO
DESEMBARGADOR RENATO MIMESSI


Dispõe o art. 46 da Lei n. 8.541/92:
O imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa física ou jurídica obrigada ao pagamento, no momento em que, por qualquer forma, o rendimento se torne disponível para o beneficiário.

O artigo supramencionado, em perfeita consonância com os arts. 43 e 45 do CTN estabelecem que o imposto de renda incidente sobre rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial será retido na fonte pela pessoa obrigada pelo pagamento.

Como cediço, o imposto de renda tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda (produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos), e de proventos de qualquer natureza (qualquer espécie de ganho decorrente do trabalho).
................

Destarte, o fato de a indenização por dano moral não constituir produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, nem qualquer ganho decorrente do trabalho, ou, em outras palavras, não constituir rendimento, impede a retenção do imposto de renda na fonte, nos termos do art. 46 da Lei n. 8.541/92.

Como se não bastasse, o referido artigo deve ser interpretado de acordo com o parágrafo único do art. 45 do CTN, que dispõe que "a lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam" (grifei), ou seja, o imposto de renda somente deve ser retido na fonte, nos termos do art. 46 da Lei n. 8.581/92, pela fonte pagadora da renda ou dos proventos, o que efetivamente não é o caso do agravante, já que é responsável apenas pelo cumprimento de decisão estatal decorrente da inevitabilidade da tutela jurisdicional.

Deste modo, o agravante não possui legitimidade para realização da retenção, seja em decorrência da natureza jurídica da verba indenizatória, seja pelo fato de não se enquadrar no conceito de fonte pagadora autorizada para tanto.

Ademais disso, a jurisprudência do STJ, em recente julgado, reconheceu a impossibilidade não apenas do desconto na fonte do imposto de renda decorrente de indenização por dano moral, mas da própria incidência do imposto de renda sobre tal verba.

Tributário. Indenização por dano moral. Incidência do imposto de renda. Impossibilidade. Caráter indenizatório da verba recebida.
Indispensável à determinação do instituto da indenização a necessidade de recomposição do patrimônio lesado do sujeito passivo, assim como o comportamento do agente causador. Neste sentido o Código Civil especifica as condutas do agente causador do dano no artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Disciplinado como obrigação pela reparação, recomposição, dispõe o Código no artigo 927: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano o outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Inexiste previsão normativa, em qualquer âmbito, que ampare a prática confiscatória pretendida ao se tributar, via imposto sobre a renda, as indenizações por dano moral. Tributar esta perda imaterial personalíssima, sua dor, é primordialmente uma afronta amoral que atinge, colide frontalmente, com a integridade dos princípios constitucionais.

A própria Constituição Federal veta a possibilidade da União em criar novo tributo ou ainda em diferir o dano material do moral, apresentando-nos o Princípio da Legalidade, expresso nas seguintes disposições:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

e especificamente tratando de tributos:

Seção II
DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
O próprio CTN assim trata do assunto:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
........
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

Trazendo como exemplo, para um caso em concreto, vamos imaginar a situação de um acidente de transito aonde irmãs gêmeas são vítimas de colisão, estando ambas no mesmo veículo. A primeira, proprietária do veículo sobre perda material, decorrente da impossibilidade de recuperar o seu automóvel, completamente danificado, sem ter sofrido qualquer lesão física. A segunda, por sua vez, sofreu lesão física, sendo atingida na face, restou-lhe cicatriz desfigurante. Determinada a culpa do condutor do outro veículo e estabelecido judicialmente indenização a ambas, sendo a primeira por dano material e a segunda por dano moral. Pergunta-se:

Pode-se atribuir tratamento desigual entre ambas e tributar a indenizada por dano moral?

E quando houver conjugação de danos moral e material? Deve-se diferi-los exclusivamente para satisfazer a tributação?

Por certo que não. Ambas são indenizações e por tanto cumuláveis. Neste sentido a súmula 37/STJ diz: “São cumuláveis as indenizações por dano material oriundos do mesmo fato”.

Como fica a previsão constitucional constante no TÍTULO II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, do capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, configurando o Princípio da Igualdade ou Isonomia:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Também, tratando em específico de tributos, o comando constitucional, constante no artigo 150º é:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

A dignidade humana esta presente na formulação das bases de cálculos e alíquotas do imposto de renda, com a efetiva observância, orientação, no sentido de não atingir, preservando, o mínimo necessário à existência do indivíduo, contribuinte, na sua capacidade de manutenção material própria, o aspecto moral se torna ainda mais contundente, visto que, não podemos a luz da civilidade, bons costumes, e principalmente dos ditames constitucionais, pensar em qualquer forma de constrangimento quantitativo da honra subjetiva do individuo.

Pensar em honra mínima?

O STJ também já formou jurisprudência no sentido que não há incidência de imposto de renda sobre férias não gozadas, licenças prêmios, e sobre as verbas indenizatórias de PDV - Programa de Demissões Voluntárias, matéria esta objeto da súmula no. 215: “A indenização recebida pela adesão a programa de incentivo à demissão voluntária não esta sujeita a incidência do imposto de renda”.

Tratando no caput da retenção do imposto de renda na fonte sobre as indenizações e excluindo no parágrafo 5º, exclusivamente

INTERPRETAÇÕES DA RECEITA FEDERAL


Para examinar a legislação do imposto de renda em relação às indenizações, visando entender seus comandos, é indispensável admitir-se previamente a existência de uma nova forma de interpretação, que denomino de exegese pró-tributária.

Um emaranhado de leis e decretos trata do instituto das indenizações de modo esparso, disperso, somando-se a este cenário a particularidade especialíssima do “conceito aberto”, ou seja, tudo aquilo que não estiver expressamente excluído como fato gerador, dentro dos critérios de “rendas e proventos de qualquer natureza”, conjugado com “acréscimos patrimoniais”, será tributável.

O Regulamento do Imposto de Renda – o RIR, decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, com sigla de certa forma irônica, determina:

Capítulo I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados (Lei nº 5.172, de 1966, art. 43, incisos I e II, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 1º).
.......
Art. 38. A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título (Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º).

O artigo imediatamente posterior do mesmo RIR trata das exceções, dos rendimentos isentos ou não tributáveis. Vejamos o artigo 39º e as suas determinações aonde faremos de forma pontual apreciações dos itens que possam ter relação ao nosso tema, à indenização decorrente de dano moral:
Capítulo II
RENDIMENTOS ISENTOS OU NÃO TRIBUTÁVEIS
Seção I
Rendimentos Diversos
Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:
.......
Embora não tenha relação direta com indenizações, causa perplexidade a constatação de que ao efetuar o pagamento de uma indenização por dano moral, se o fizermos sob forma de doação, não haverá incidência.
Doações e Heranças
XV - o valor dos bens adquiridos por doação ou herança, observado o disposto no art. 119 (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XVI, e Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 23 e parágrafos);

Os danos físicos fixados por condenação judicial são isentos, com a exceção do pagamento continuado. Por determinação legal devem estar equiparados os fixados por juízo arbitral. Questiona-se: e o acordo, o contrato particular, que é negócio jurídico perfeito, como fica?
Indenização Decorrente de Acidente
XVI - a indenização reparatória por danos físicos, invalidez ou morte, ou por bem material danificado ou destruído, em decorrência de acidente, até o limite fixado em condenação judicial, exceto no caso de pagamento de prestações continuadas;
No acidente de trabalho o “conceito aberto” poderia ser invertido, bilateralidade, para entender que tratando expressamente de “indenização por acidente de trabalho” estaria a receita federal, a União, tratando de indenizações da forma que entendemos, como gênero?

Indenização por Acidente de Trabalho
XVII - a indenização por acidente de trabalho (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso IV);
O dano patrimonial, material, não sofre tributação do imposto de renda.

Indenização por Danos Patrimoniais
XVIII - a indenização destinada a reparar danos patrimoniais em virtude de rescisão de contrato (Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, art. 70, § 5º);

O dispositivo legal citado no inciso é a Lei Federal no. 9.430 de 27 de Dezembro de 1996, que dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências, que estabelece:


CAPÍTULO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
SEÇÃO VI
CASOS ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO

Art. 70. A multa ou qualquer outra vantagem paga ou creditada por pessoa jurídica, ainda que a título de indenização, a beneficiária pessoa física ou jurídica, inclusive isenta, em virtude de rescisão de contrato, sujeitam-se a incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento.

§ 5º O disposto neste artigo não se aplica as indenizações pagas ou creditadas em conformidade com a legislação e àquelas destinadas a reparar danos patrimoniais.

Continuando com o artigo 39º - RIR, a “Indenização Reparatória a Desaparecidos Políticos” é de igual forma intributável, sendo o seu pagamento feito a título inquestionável de compensação, visto que a reposição é impossível. Não há como interpretar a disposição deste instituto legal de outra forma, trata-se de dano moral devido aos familiares:

XXIII - a indenização a título reparatório, de que trata o art. 11 da Lei nº 9.140, de 5 de dezembro de 1995, paga a seus beneficiários diretos;

Os pagamentos de pensão aos “Pensionistas com Doença Grave”, “Proventos de Aposentadoria por Doença Grave” e “Pensões e Proventos a Maiores de 65 anos”, apresentam a obediência ao preceito constitucional da dignidade humana, sendo a sua lógica, justificação, idêntica a que se aplica a indenização do dano moral:

Pensionistas com Doença Grave
XXXI - os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso XXXIII deste artigo, exceto a decorrente de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XXI, e Lei nº 8.541, de 1992, art. 47);

Proventos de Aposentadoria por Doença Grave
XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XIV, Lei nº 8.541, de 1992, art. 47, e Lei nº 9.250, de 1995, art. 30, § 2º);

Proventos e Pensões de Maiores de 65 Anos
XXXIV - os rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma, pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por qualquer pessoa jurídica de direito público interno, ou por entidade de previdência privada, até o valor de novecentos reais por mês, a partir do mês em que o contribuinte completar sessenta e cinco anos de idade, sem prejuízo da parcela isenta prevista na tabela de incidência mensal do imposto (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XV, e Lei nº 9.250, de 1995, art. 28);

Quando do pagamento por pessoa jurídica à pessoa física a legislação do Imposto de Renda, RIR, enquadra a tributação das indenizações por dano moral, dentro do espectro de “conceito aberto”, na:
Subseção VII
Outros Rendimentos
Art. 639. Estão sujeitos à incidência do imposto na fonte, calculado na forma do art. 620, quaisquer outros rendimentos pagos por pessoa jurídica a pessoa física, para os quais não haja incidência específica e não estejam incluídos entre aqueles tributados exclusivamente na fonte (Lei nº 7.713, de 1988, arts. 3º, § 4º, e 7º, inciso II).

Tratando no caput da retenção do imposto de renda na fonte sobre as indenizações e excluindo no parágrafo 5º, exclusivamente, as relativas aos danos patrimoniais, entende a receita federal pela tributação, com retenção na fonte, da indenização não-patrimonial. Escapa ao entendimento do ente tributante o Princípio da Legalidade que estabelece na Constituição Federal que exclusivamente Lei Complementar pode instituir impostos e definição dos fatos geradores, vejamos:

Art. 146. Cabe à lei complementar:
.......
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Isto posto e em decorrência deste emaranhado de normas e das interpretações amplas e unilaterais do fisco, em especial as de origem administrativas, resta o cidadão cativo, sem opções, dependendo de acionar a maquina judiciária para ter garantido o seu direito de reposição e/ou compensação, que no caso concreto não deu origem a acréscimo patrimonial, nem muito menos a qualquer tipo de rendimento




5. A NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA NO DANO MORAL

Não ocorre acréscimo patrimonial na indenização. Neste sentido define Hugo de Brito Machado (1988), in verbis:

Sem acréscimo patrimonial não há, segundo o Código, nem renda, nem proventos.

Como se vê, o Código Tributário Nacional estreitou o âmbito do legislador ordinário, que não poderá definir como renda, ou como proventos, algo que não seja, na verdade, um acréscimo patrimonial.

O eminente doutrinador Roque Antonio Carazza (2002, p.594) tratando das indenizações de forma ampla, nos ensina:

É o caso das indenizações. Nelas mostra-se de todo ausente este sentido de acréscimo patrimonial; transparece, ao revés, sua vocação meramente compensatória ou reparatória, por perdas sofridas.
De fato, o descumprimento, por parte de alguém, de seu dever jurídico, faz nascer, em favor do terceiro que, em razão deste fato, sofreu prejuízos, o direito de ser indenizado, ou seja, de receber o equivalente pecuniário ao dano sofrido.
Como já se visualiza, a indenização serve para coibir os prejuízos causados, de forma que o equilíbrio patrimonial do credor lesado se restabeleça. O montante da indenização é correlato ao valor do bem lesado: restabelece o equilíbrio rompido pelo causador do dano. Quem indeniza repara, isto é, compensa prejuízos........
A indenização não passa da solução possível que o Direito concebeu, como forma de contrapor, em moeda, irremediáveis perdas, sofrimentos ou danos experimentados.

Examinada nos capítulos anteriores a legislação nacional, mesmo a parte não escrita, tida como “conceito aberto”, fica claro que a não incidência esta atrelada ao fato de que as indenizações por danos materiais e morais não caracterizam ganho, provento, ou acréscimo patrimonial, e sim a recomposição do bem lesado, tangível ou não.
De igual forma não há que se tratar de isentá-las da tributação, tratando-se de caso de não incidência por determinação constitucional. O instituto não é tributável por essência. CARRAZA (2002, p.601), assim define o tema:

Noutros termos, a obrigação tributária não pode nascer de situações de não-incidência. Mesmo que a lei ou a Administração Fazendária assim o queiram.
........
Se, amanhã, lei federal pretender submeter as indenizações à tributação por via de imposto sobre a renda, será inconstitucional.
O problema todo, portanto, não é de nível legal ou infralegal, mas constitucional. Constituição não outorgou à União competência para tributar indenizações. Inconstitucional – tornamos a insistir – lei federal que eventualmente assim disponha.

A legislação comandada pela Constituição Federal tem que seguir o postulado da unidade, da coerência, de forma que haja a relação indispensável, indisponível, entre as partes e o conjunto, dentro na tábua axiológica constitucional. A interpretação de cada norma deve corresponder a do sistema como um todo, de forma coerente, sincrônica.

O comando constitucional pela dignidade humana delimita o campo de atuação, protegendo, a sua integridade. A incolumidade, garantida por princípio fundamental da Constituição Federal, deste bem personalíssimo, atua como limitador do poder de tributar.

Vai além, a característica básica do imposto de renda e da sua progressividade esta instituída, dentro das possibilidades de incidência, excluídas as indenizações, como forma de possibilitar as condições de desenvolvimento e manutenção da dignidade humana de forma coletiva, sendo, portanto, absurda a idéia de restringi-la na sua inviolabilidade, no caso de indenizações por danos, via tributação, configurando desta forma o confisco.

O ilustre mestre e Humberto Ávila (1999, p.106), à época doutorando em Munique, Alemanha, assim define os limites das normas quanto à sua eficácia:

Ainda que a ponderação entre aqueles fins só se complete no campo concreto, mediante criação de regras de prevalência, a pretensão de eficácia de cada norma implica a proibição de restrição de sua eficácia mínima. É dizer: a instituição de impostos não pode prejudicar os limites mínimos de eficácia do direito da propriedade e de liberdade. Cada norma constitucional pressupõe a existência de bens – situações, objetos ou estados -, que devem ficar à disposição dos sujeitos, de modo a permitir sua eficácia. Confiscar significa, pois, aniquilar a eficácia mínima do princípio da proteção da propriedade e da liberdade em favor da tributação.


Complementa apresentando-nos as conseqüências destes limites:

A existência destes limites traz duas conseqüências. Primeira: a tributação só poderá atingir a esfera de disponibilidade além da qual a propriedade e a liberdade possuem uma mínima eficácia. Caso contrário haverá violação da proibição de confisco (art.150, IV, CF). Segunda: a tributação só pode atingir a esfera da disponibilidade acima daquela necessária à existência digna do cidadão, além da qual a sua capacidade contributiva manifesta-se. De outro modo haverá violação do mínimo vital (art.1º. III CF).

A dificuldade em estimar o valor das indenizações por dano moral, assim como a impossibilidade da recomposição perfeita do dano, a priori se apresentam como fatores de instabilidade para fim de determinação da efetiva reparação. Este conceito deve ser substituído por ser equivocado na sua origem, nascimento, pois, o que se repara não é o próprio bem, mas sim, o conjunto de direito sobre este.

O objeto da recomposição, sob o manto protetor da Carta Magna, é a lesão sobre interesses protegidos. O erro é não considerar a relevância jurídica dos bens em lide, tangível ou não, e a valorização destes nas esferas do ordenamento jurídico de forma sistemática.

A Constituição Federal determina que o dano moral como indenizável, ou seja, pode e deve ser recomposto, o resto e a forma são meros detalhes. A tributação deste bem indisponível é um atentado a ordem jurídica pátria – e no mínimo amoral.

Lapidar o entendimento, interpretação, do jurista Ricardo Lobo Torres (2003, p.566), que atrela a existência de lucro ao conceito de acréscimo patrimonial: “Em síntese, só o lucro consubstanciado no acréscimo patrimonial como produto do capital ou do trabalho ou como proventos, em determinado período, pode se abrir à cobrança do imposto federal sobre renda”.
CONCLUSÃO

O enquadramento da indenização por dano moral como acréscimo patrimonial, valendo-se do “conceito aberto” de renda e proventos de qualquer natureza é um afronte aos fundamentos da nossa constituição e seus princípios.

A dignidade humana não pode ser atingida sem a devida reparação, quem assim o diz é a Constituição Federal.

A sua intangibilidade não pode estar atrelada a sua não materialidade no campo físico. A sua concretude, solidez, esta plenamente determinada como fundamento da Nação. Não estamos tratando de um simples bem, como os materiais, passiveis de reposição perfeita e in natura, estamos tratando de um conjunto de direitos que consubstanciam os direitos do ser humano, conjunto este indisponível até para a própria ávida, sequiosa, Fazenda Pública Federal.

Em nome da unidade e da coerência necessária ao sistema normativo, comandado pela Constituição Federal, harmonizando as partes e o conjunto, demanda-se o reconhecimento interpretativo das delimitações do poder de tributar.

A honra tem sua integridade protegida no conceito fundamental da dignidade humana e é de forma inconteste o patrimônio indisponível do cidadão. Em contraposição aos bens materiais, desejáveis, mas disponíveis, esta não pode ser negociada, esta fora do campo do comércio.

A tentativa de tributá-la não é nada mais, nem menos, de que confisco.

A Constituição Federal veda o confisco e a sua prática, travestida de tributo, é praticar contra o sistema jurídico vigente, é aniquilar a eficácia dos preceitos basilares da liberdade.

Não considerar a relevância da proteção do manto constitucional, atentando, via tributação, contra este, atingindo as indenizações por dano a honra, é a completa corrosão do ordenamento jurídico.

A mais rasa interpretação, passível a qualquer leigo, é que não existe a menor possibilidade da existência de lucro numa indenização de dano moral e, ainda, por via de conseqüência, acréscimo patrimonial. Não há como enquadrá-la como produto do capital, do trabalho, ou muito menos ainda como provento.

O reconhecimento do patrimônio moral independe de regulamentos, decretos, portarias, etc. Não depende de nada. É fato consumado com base constitucional, não se discute, nem se altera, é cláusula pétrea.

A vocação nata da indenização por dano moral é compensatória e quem compensa não aumenta, muito pelo contrário, tenta restabelecer o equilíbrio por via reparatória. Isto posto, não há que se tratar de acréscimo patrimonial.

Atrelar esta indenização a figura de ganho é amoral, apresenta claro intuito de equipará-la à de ganhos decorrentes da prática de jogos de azar, por contemplação, prêmio. Resta deixar patente que a caracterização, qualificação, do agente passivo do dano é de vítima, longe da pretensa sorte, aliás, muito ao contrário.

Para denotar a soberba fictícia de uma existência de “fato gerador”, vale relembrar a definição de dano moral de José Dias de Aguiar (1987, p.247):
Consiste na penosa sensação da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, enfim, nos efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela vítima do dano, em conseqüência deste, seja provocada pela recordação do defeito, ou da lesão, quando não tenha deixado resíduo mais concreto, seja pela atitude de repugnância ou de reação a ridículo tomada pelas pessoas que o defrontam.

Lamentável, nestes casos, é a Presunção de Legalidade que reveste os atos dos entes públicos, pois qualificar este instituto como tributável, longe de ser uma tarefa óbvia de engarrafar vento, vai, pela diferença de forças entre a União e o Cidadão, contra o indenizado, vitimizando-o outras vezes, de duas formas:

1 – Pelo não reconhecimento do seu patrimônio moral; e

2 – Ao tributar, reduzindo-lhe a compensação já imperfeita que receberia.



REFERENCIAS.


AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 11ª ed., 2005.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.
ÁVILA, Humberto Bergmann. A Distinção entre princípios e regra e a definição do dever de proporcionalidade. Rio de Janeiro: RDA 215, Renovar, 1999.
BALEEIRO, Aliomar . Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: 71ª. Ed., Malheiros, 2002.
DIAS, José de Aguiar. Responsabilidade Civil em Debate. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Malheiros. São Paulo: 12ª ed., 1997.

MACHADO, Hugo de Brito. Regime Tributário das Indenizações. obra coletiva, Coordenador Hugo de Brito Machado, SP, Dialética, 2000.


MACHADO, Hugo de Brito. O Conceito Jurídico de Renda. 15º. Volume, São Paulo: Repertório IOB de Jurisprudência, 1988.
MACHADO, Hugo de Brito. Temas de Direito Tributário. RT, 1994.
Autor: ARTHUR LEITE DA SILVEIRA FILHO


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