O Perigo da NeuroTecnologia sem a NeuroÉtica nas Organizações



O Neurocientista Roberto Lent adverte: avanços do mapeamento cerebral podem ser grande ameaça à privacidade das pessoas No entanto, elas passaram a ser usadas no cotidiano das pessoas sem que exista um questionamento ético sobre o assunto. Empresas testam o gosto de um refrigerante com base nas reações de prazer no cérebro de um indivíduo.

Estúdios cinematográficos monitoram o cérebro humano para saber quais cenas de um filme são mais excitantes e merecem fazer parte do trailer. Nos tribunais, o uso da neuroimagem como detector de mentiras é tido como uma grande promessa. Contudo, não há regras nem limites éticos para lidar com o assunto.

É o que alerta o cientista Roberto Lent, afirmando que as pessoas tendem a imaginar que as descobertas feitas com base nas técnicas de mapeamento e registro cerebral são coisas de ficção científica. Eram, mas não são mais. Já está disponível a tecnologia para que uma empresa possa recrutar profissionais baseando-se em como o cérebro dos candidatos reage diante de um problema que, por exemplo, envolva um julgamento moral.

Quais as conseqüências disso?

Informações privadas como essas podem vazar para terceiros. Imagine uma companhia de seguros que consiga os dados sobre a propensão de uma pessoa a ter a uma grave que pode incapacitá-lo. Quem vai querer fazer uma apólice para essa pessoa? Ou ainda: que escola receberia tranqüilamente um adolescente que apresentasse um marcador cerebral indicando predisposição para se tornar psicopata? Além disso, há um debate ainda mais complicado: quem deveria ter acesso a essas informações? A família? O paciente? A escola? O empregador?

Envolve um profundo debate filosófico e existencial. Se uma pessoa é alérgica e seu filho herda isso, é bom saber antes para que possa tomar providências. Mas, se descobrimos que o filho tem propensão fortíssima a se tornar um assassino, isso traz questões éticas muito mais graves. Os cientistas têm o dever de investigar a natureza e informar ao público o que está sendo descoberto, mas é a sociedade que deve discutir os limites éticos da questão.

Existe um método seguro para saber se alguém está mentindo?

Não. Os métodos funcionam estatisticamente. Isso significa que eles podem indicar corretamente a função cognitiva ou emocional mais esperada em um grupo de pessoas. Mas é uma temeridade considerar que se poderá atingir uma precisão válida para cada pessoa individualmente. Esse é o ponto. Generalizar, quando se trata do cérebro humano, é um risco imenso. Cada indivíduo é diferente do outro.

Mas o fato é que padrões de comportamento já estão sendo alterados. A medicina está deixando de ser curativa para ser cosmética. Isso fez com que o conceito de melhorar o desempenho individual se tornasse aceito pela sociedade. Tome-se o exemplo do Viagra, do Prozac e do Botox, remédios criados com fins terapêuticos para resolver o problema da disfunção erétil, da depressão e das alterações de tônus muscular na face.

E se alguns estudantes decidissem utilizar tais medicamentos para melhorar seu desempenho acadêmico enquanto outros se recusassem a fazer o mesmo? Temos um problema ético sério. É difícil responder a isso com segurança. É o mesmo dilema que a sociedade teria ao decidir se autorizaria jovens normais a fazer uso de uma pílula da memória para disputar uma vaga de trabalho ou na universidade. Disputar com outros que não recorreram ao auxílio químico.

Existe enorme pressão para que se comercializem as neurotecnologias porque elas tendem a dar muito lucro. Empresas querem patentear as técnicas e comercializá-las. Imagine quanto dinheiro se ganharia com a pílula da memória. Em uma conferência recente, em que foi um catálogo com algumas técnicas distribuído a médicos nos Estados Unidos. Era um livro que listava empresas americanas que oferecem seus produtos, desde remédios até chips cerebrais. Eles já estão altamente organizados.

O cérebro produz as capacidades mentais fortemente influenciado pelo ambiente. Então, é ao mesmo tempo causa e conseqüência. Estamos tentando entender melhor não só as doenças mentais, mas as propriedades mentais dos indivíduos normais. Isso é fascinante. Decifrar o mistério do que nos torna humanos é o primeiro passo para impedir que um dia possamos ser desumanizados.

O uso das neuroimagens (tomografia computadorizada, ressonância magnética funcional e tomografia por emissão de pósitrons), que revolucionaram e impulsionaram as neurociências, possibilita interpretações distintas e nada neutras, transformando um laudo médico em fonte de pesquisa análoga aos prontuários psiquiátricos e processos criminais já utilizados pelos historiadores. Apesar de salientarmos que os resultados das pesquisas em neurociências indicam correlações que, mesmo sendo importantes, não podem afirmar as causas, esses resultados são freqüentemente mostrados como auto-evidentes.

Hoje até mesmo a área de marketing faz uso dessas técnicas para descobrir preferências de carros ou refrigerantes. Imagens são linguagens específicas e a sua interpretação e forma de divulgação denotam um saber estruturado que deve gerar outras interpretações e estruturações. O que não quer dizer que o espectador seja passivo diante do que vê, pois analisa as informações de acordo com as suas vivências e preconceitos.

Nossa cultura (conceito também complexo e não consensual), apesar de sua heterogeneidade, tende à classificação relacionada a uma memória do saber científico-acadêmico, cujo conhecimento construído é constantemente vulgarizado pelas mídias, além de usado politicamente na construção de uma memória oficial. A própria definição de memória, por exemplo, apresenta opções teóricas de campos distintos que são marcadas por "restrições e esquecimentos".

O que é interessante neste assunto é o fato de que um equipamento poder ler a nossa mente e quem pode garantir qual a finalidade será dada a uma tecnologia? seu bom ou mau uso é um dilema tão antigo quanto à própria humanidade.

Como de hábito, as pesquisas na leitura de imagens do cérebro começaram com as melhores intenções. A meta era descobrir qual área cerebral estava lesionada e, se possível, testar alternativas para solucionar ou amenizar o problema. Esse é o caminho trilhado, por exemplo, por pesquisas que buscam devolver movimentos a pessoas paralisadas ou permitir que se escreva num computador a partir de comandos cerebrais. Mas não demorou para outras possibilidades serem vislumbradas por empreendedores atentos.

A norte-americana Cephos Corporation deverá ter dentro de poucos meses um detector de mentiras 90% confiável, assegura seu diretor-executivo, Steven Laken. Segundo ele, o produto teria clientes certos nas comunidades de inteligência. Novidades também foram prometidas para breve em termos de mensurar a compatibilidade de candidatos a sócios, a honestidade de cônjuges ou a escolha de determinada marca de produto por um consumidor. Essa rapidez inquieta Judy Illes, diretora do programa de neuroética da Universidade de Stanford. “Não é tão futurístico imaginar um empregador capaz de testar quem seria um bom integrante de equipe, um líder ou um seguidor”,“O potencial de abuso dessa tecnologia é imenso.”

Como as leis ainda não estão preparadas para as situações abertas pela leitura do cérebro, as dúvidas vão brotando. Em princípio, parece abusivo fixar eletrodos no crânio de alguém contra sua vontade – mas e se um promotor exigir que um acusado passe por um detector de mentiras que use essa tecnologia? Um candidato a um emprego numa empresa importante se recusaria a passar por uma leitura cerebral se ela fosse pré-requisito para o cargo? Pais poderiam fazer testes desse gênero para saber se seus filhos estão envolvidos com drogas?

Já conseguimos fazer computadores controlar seus braços mecânicos usando os impulsos nervosos produzidos pelos neurônios de um macaco. A promessa médica embutida nisso é a de que, um dia, será possível movimentar um membro artificial ou uma cadeira de rodas apenas pela "vontade" do indivíduo. Isso seria uma excelente solução para deficientes físicos. Mas está claro que a possibilidade se abriria também para pessoas normais. Começam aí os problemas. Vamos supor que uma grande empresa adotasse uma política de recrutar apenas operários que concordassem em implantar um chip no cérebro capaz de, por exemplo, comandar robôs submarinos com alta precisão. Apresentam-se 500 candidatos, e quem não quiser implantar o chip está fora. É aceitável exigir dos trabalhadores o risco de se submeterem a uma intervenção cerebral dessa magnitude?

Estamos muito perto de desenvolver medicamentos que possam melhorar a memória. Seria uma maravilha para ajudar a vida de pacientes com Alzheimer. Mas e se alguns estudantes decidissem utilizar tais medicamentos para melhorar seu desempenho acadêmico enquanto outros se recusassem a fazer o mesmo? Temos um problema ético sério. Achamos difícil responder a isso com segurança.

..." se o homem não tiver receio de cometer más ações, se não sentir vergonha de praticar atos impuros, nem pena de fazer os outros sofrerem, esse homem já perdeu o valor como ser humano. Por mais que fale de teorias excelentes e se orgulhe de ter instrução, somente isso não lhe confere valor como ser humano."... (Mokiti Okada - maio de 1949).
Autor: Sandra Regina da Luz Inácio


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