O Ensino Da Língua Padrão E Novas Concepções No Processo De Ensino-aprendizagem



INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido sobre o ensino da língua padrão e suas implicações e isso não se limita apenas em ser contra ou a favor da mesma, o tema é muito amplo e abre espaço para debates que vão desde a questão do preconceito lingüístico até a de que a língua é resultado de trabalho humano e se constitui entre sujeitos não sendo apenas uma atuação concreta de interação.

Nesse sentido, a diferença no ensino do português não se fundamenta em mudanças nas técnicas e métodos a serem utilizados. É uma concepção de linguagem diferente que pressupõe não só uma nova metodologia, mas, fundamentalmente, um novo conteúdo de ensino (GERALDI, 1997, p. 40-1).

O presente trabalho tem por objetivo expor e discutir idéias, como o de que a língua padrão deve ou não ser ensinada na escola, divergir sobre o surgimento de variações na língua e de que modo isso interfere no processo de ensino da escola.

Discute-se ainda nesse artigo a gramática, seu conceito e sua introdução ou não na prática de ensino no que diz respeito à língua culta.

Discutir que ensinar português na escola é tão polêmico quanto relevante, pois trata-se não só de defender ou reprovar teses de lingüistas e doutores dessa área, mas de repensar o papel que a escola exerce sobre a vida do indivíduo.

Por ser a escola uma instituição social, logicamente ela sofrerá interferências da sociedade em que está inserida, daí a justificativa de algumas vozes que defendem que a função da escola não é ensinar o português padrão, visto que isso seria uma violência, ou uma justificativa impor a um grupo social os valores de outro grupo.

Por ser a língua padrão o dialeto dos grupos sociais mais favorecidos, tornar seu ensino obrigatório para outros grupos sociais menos privilegiados como se fosse o único dialeto válido, seria uma violência cultural.

[...] participar da construção do novo, ter acesso Às instâncias públicas de uso da linguagem é construir-se em cidadão. Não se trata, então, de aprender a língua padrão para ter acesso à cidadania. Trata-se de construir a linguagem da cidadania, não pelo esquecimento da 'cultura elaborada', mas pela reelaboração de uma cultura (inclusive a lingüística) resultante do confronto dialógico entre diferentes posições (GERALDI, 1997, p. 39).

Contrariando essa idéia populista e individualista está claro que o indivíduo só tem a ganhar quando inserido ao ensino de outra modalidade da língua, nesse caso, a modalidade culta.

Um grande equívoco é pensar que cada grupo de falantes só pode aprender um dialeto, visto que o aprendizado de outro dialeto é uma tarefa árdua para certos grupos e afirmam ainda que o dialeto da elite reforça o uso de padrões que são próprios da classe dominante socialmente, que seu ensino pretende silenciar os outros usos.

Sobre esse assunto Dillinguer (1985, p. 39-40) afirma:

um problema inicial com o princípio da norma culta é que não faz sentido nenhum: ninguém sabe explicar porque exatamente estudar uma variante da língua seria melhor, nem porque esta variante específica da língua em vez de outras. Transporto para outro campo, defender esse princípio seria como afirmar que basta estudar meu vira-lata para saber tudo a respeito de cachorros.

Conveniente com esta idéia são estas as palavras de Bagno (2000, p. 105): "Muita gente acredita e defende que é a norma culta que deve constituir o objeto de ensino/aprendizagem em sala de aula. Mas o que é e onde está essa norma culta?".

É importante que fique claro que não se pretende aqui menosprezar as outras variantes da língua, visto que se deve ter em mente que a língua apresenta variações, e isso se deve a alguns fatores que determinam tais variações como fatores geográficos de classe, de sexo, de idade, de profissão ou até mesmo de etnia e que isso é de suma importância para que haja uma concepção interacionista da língua.

A questão aqui em debate é o porquê de a escola ensinar a língua padrão, mas sem deixar de se preocupar com outra manifestação da linguagem: a não padrão.

Sendo assim, serão apresentados a seguir argumentos que destaquem a importância de ensino da língua padrão até porque é papel da escola, criar condições para que o indivíduo seja exposto a essa modalidade da língua, uma vez que a norma culta é a mais escrita socialmente e o indivíduo que não a emprega é tudo pela sociedade letrada como menos escolarizado, menos inteligente ou até menos capaz, e a sociedade por sua vez cobra dos indivíduos o domínio da língua culta.

Sobre isso Possenti (2004) afirma:

[...] o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico. A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se em parte no preconceito, segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isto é falso, tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão.

Nesse sentido, o papel da escola não é o de substituir a língua não padrão pela norma culta, mas de dar subsídio para que os alunos aprendam também as variantes que são peculiares ao meio em que vivem, como também aqueles de uma cultura mais elaborada.

É bom salientar que para muitas crianças esse acesso só é possível na escola, ficando claro que o ensino da língua padrão só deve acrescentar na vida do indivíduo e irá favorecê-lo, pois o mesmo poderá seguir áreas diversas e estar apto a usar efetivamente a norma culta da linguagem em situações em que a mesma se faça necessária.

Evanildo Bechara (1999, p. 59) afirma: "Mas o professor de língua portuguesa, sem desprestigiar o valor da língua coloquial, deve centrar sua atenção no padrão culto, que presidirá à produção lingüística do educando, seja falando, seja escrevendo".

Enfim, não há dúvida que em tempos atuais, a maioria de sócios-lingüistas, gramáticos e professores, bem como a sociedade que se baseia no respaldo de que a língua não é só um processo de expressão, mas também de comunicação reconhecem a relevância desse tema.

Outro assunto, mas não menos interessante, que tem norteado debates diz respeito ao surgimento de variantes da língua, mesmo porque toda língua seja ela português, espanhol ou francês apresenta variantes que não devem ser menosprezadas, pois numa situação informal o uso das mesmas é perfeitamente possível.

A variedade lingüística é o reflexo da variedade social, como já foi dito a mesma se dá por diversos fatores externos.

"Pessoas que moram em lugares diferentes acabam caracterizando-se por falar de algum modo de maneira diferente em relação a outro grupo" (POSSENTI, 2004, p. 34).

A variedade lingüística é uma fonte de recursos de expressão que não desvaloriza a língua culta, mas a enriquece.

Veja bem, não há aqui uma contradição, não está sendo defendido que alunos de classes populares utilizem apenas suas variedades lingüísticas sem serem introduzido ao uso da norma culta, o fato é que a atenção da escola deve estar voltada, sobretudo a ajudar o aluno a compreender a realidade de modo que o mesmo atinja sua emancipação individual e coletiva.

Considerando o fato de que ao chega à escola, todos já falam a língua para fins de comunicação, todos trazem consigo uma imensa bagagem cultural, sendo assim torna-se importante a possível utilização de variedades lingüísticas no cotidiano em situações informais.

Embora haja princípios e afirmações sem respaldo algum pelo menos no sentido pedagógico como este a seguir encontrado nas palavras de Luft (1993, p. 66):

A língua é nossa! – Assim, deveria chamar a consciência dos alunos e falantes em geral, [...] Não é propriedade de gramático e lingüistas, professores, doutores e escritores. Cada falante tem direito de proclamar: - A língua é minha!

É obvio que em se tratando de linguagem informal o indivíduo pode sim, ou até certo ponto utilizar sua linguagem da maneira que quiser, mas em se tratando de situação formal, a sociedade exige uma linguagem bem definida.

Embora seja o povo que faz a língua, não se deve aceitar tudo o que é criado por ele, pois não é muito conveniente o surgimento de muitos dialetos, o que seria um distanciamento entre uma modalidade e outra.

Embora Bechara (1999, p. 6) ironicamente afirme que "tudo é válido na língua, desde que se logre comunicar-se", Silva (1995, p. 27) diz que:

[...] na prática, o que se vê como modo geral, é que, apesar do reconhecimento da diversidade de usos e de normas, de sua compreensão científica como usos próprios a grupos identificáveis que compõem a sociedade, se procede no sentido de implementar mecanismos de regulação lingüística com base nos dialetos de prestígio.

Desse modo, a escola deve se preocupar-se também com a competência comunicativa do aluno, ou ainda com as diversas competências lingüísticas do mesmo como se constata pela afirmativa de Travaglia (1996, p. 17) e Bechara (1989, p. 14) respectivamente: "... podemos dizer que o objetivo precípuo da escola consiste na formação, aperfeiçoamento e controle das diversas competências lingüísticas do aluno". "... no fundo, a grande missão do professor da língua portuguesa (...) é transformar seu aluno num poliglota dentro de sua própria língua...".

Fica claro, então, que, "ensinar português" aos falantes de português é uma atividade que visa desenvolver a capacidade do mesmo de usar a linguagem adequada nas diversas situações de interação que vivencia, ou seja, no dia-a-dia ou em uma situação de comunicação formal, como em seu trabalho, falando com superiores e colegas, que saiba produzir desde bilhetes para deixar na porta da geladeira até produzir textos acadêmicos.

Voltam-se então as atenções para o que se pretende, tratando-se ao ensino da língua padrão, já que existem na norma culta duas modalidades: a escrita e a falada.

Ao passo que um indivíduo é capaz de produzir um texto em português culto, também acredita-se ser ele capaz de ler um texto informativo ou livros técnicos sem dificuldades, mas sendo que, nesse caso, não há reciprocidade, ou seja, um indivíduo poderá ler o mesmo texto ou livro sem ter habilidade para escrever um texto no mesmo nível do texto que leu.

Pode-se dizer então que embora o professor deva desenvolver atividades que trabalhem a oralidade e a leitura, o esforço do professor deve-se voltar para a produção da escrita que na verdade só é desenvolvida na escola, enquanto que na atividade da leitura o aluno está exposto constantemente por meio de jornais, revistas, livros, etc.

Sobrepor o ensino da língua escrita ao da língua falada, não pela importância, pois na verdade isso inexiste, mas por ser a língua escrita mais elaborada que a falada, no que se refere ao ensino da língua padrão, deve centrar basicamente a preocupação do professor.

No que diz respeito à prática do ensino do português na modalidade falada, não se costuma fazer treinamento oral, visto que isso é adquirido no dia-a-dia da escola, contato direto com professores, diretores e em situações de sala de aula, em que se faz necessário uma modalidade de língua formal.

Para tanto é preciso que todos os professores abram espaços e criem situações constantes para que o aluno coloque em prática a norma culta falada.

De um modo geral, o aluno ao entrar em sala de aula nota por meio do professor uma mudança de ambiente e de atitudes, tomando o professor como ponto de referência para o aluno, dispensando assim um treinamento repetido e cansativo, no que diz respeito à língua falada.

Desse modo, o aluno terá praticado inconscientemente um treinamento constante da língua culta falada por meio do convívio com essa modalidade.

Com relação à língua escrita, a situação se torna bem mais complexa, pois muitos professores adotam práticas pedagógicas eficazes e desorganizadas que impedem ou retardam a aquisição eficiente da escrita, de modo que há alunos que ao concluir o ensino fundamental não são capazes de produzir um texto razoável.

Isso se dá porque alguns professores estão perdidos, sem saber o que ensinar aos alunos, culpa da falta de clareza dos objetivos básicos de ensino de português, o que dá ao professor a liberdade de conduzir as aulas à sua maneira não tendo um objetivo pedagógico definido, abrindo assim espaço para que haja dois extremos no ensino da língua portuguesa: de um lado prega-se o gramaticismo ou o estruturalismo, onde se privilegia apenas a transmissão da gramática normativa esquecendo da competência comunicativa que a língua tem, formando assim nos bancos escolares, indivíduos passivos que não interagem com o mundo e não questionam a realidade.

Não se propõe que a gramática seja banida das práticas pedagógicas, visto que ela é necessária para que possamos compreender as regras e estrutura da língua, mas cabe ao professor continuamente decidir que proporção do tempo destinado ao ensino da língua deve ser dedicado ao estudo da gramática.

Essas são algumas palavras de Possenti (2004, p. 56) a respeito:

Falar sobre 'gramática' não significa propor que a escola só seja prática, não reflita sobre questões da língua. Seria contraditório propor esta atitude principalmente porque se sabe que refletir sobre a língua é uma das atividades usuais dos falantes e não há razão para reprimi-la na escola. trata-se apenas de reorganizar a discussão, de alterar prioridades (discutir os preconceitos é certamente mais importante do que fazer análise sintática – eu disse mais importante, o que significa que fazer análise sintática e importante, mas é menos...). além do maias, se quiser analisar fatos da língua, já há condições de fazê-lo segundo critérios bem melhores do que muitos utilizados pelas gramáticas e manuais indicados na escola.

Se de um lado do extremo existe um método estruturalista, de outro lado da moeda há um professor que acredita na criatividade do aluno e na espontaneidade do ensino, ou seja, não há conteúdos, não há métodos, não há objetivos e direção.

As conseqüências dessas duas atitudes, não são nada menos do que o fracasso escolar com significativos índices de evasão e repetência, dificultando assim o processo de transformação social, que é o papel primordial da escola.

Nesse sentido, comprometidos com o amanhã e com o futuro dos alunos, incumbe aos professores, persuadir o público que tem compromisso com a educação, na realidade da família ao professor, da Escola ao próprio Estado, a programar ações voltadas para a formação do futuro cidadão.

Se a linguagem é desenvolvida através da vivência, e esta é a base para o desenvolvimento da inteligência, cabe à escola explorar esta capacidade inata da criança, de maneira natural, através da observação, tentativa, repetição, experimentação, associação de idéias, generalização, motivação, planejamento adequado e criação de regras próprias, aonde ela vai dominando gradativamente a linguagem padrão, como meio e processo, ou seja, como comportamento de lidar com idéias.

Concluindo, pode-se dizer que a atividade mais importante é a de criar situações em que os alunos possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a pouco. É a partir daí que os alunos conseguem intuir, tanto sobre os textos que produzem como sobre os textos que escutam ou lêem. Para que isso ocorra, é necessário que a metodologia desenvolvida pelo professor seja variada e apropriada para cada aluno ou grupo, atendendo aos ritmos e as possibilidades de cada um; que as escolas saibam seguir a seqüência natural, na qual o ser humano manifesta seu pleno domínio da língua: falar, ler e escrever.

Nesse sentido, o método a ser usado pelo professor deve ser aberto para novas práticas, ser flexível e criar situações que sejam significativas para o aluno. O educador deve identificar as necessidades e expectativas dos educandos, antes de planejar o que pretende ensinar, deve também conhecer e valorizar a linguagem do aluno, como um instrumento adequado e eficiente na comunicação cotidiana. Sendo assim, conclui-se que, se desenvolva no aluno muito mais do que a capacidade do estudo da língua padrão, faz-se necessário uma mobilização interna que demande no gosto pelo prazer de ler e escrever, que, conquistado em toda a sua plenitude trará ao educando autonomia e independência, além de segurança de expressão, contribuído dessa forma, para uma linguagem diversificada, de qualidade, com maiores opções de expressão, interpretação e análise crítica, possibilitando ao educando sua participação social no exercício da cidadania.

O ENSINO DA LÍNGUA PADRÃO E NOVAS CONCEPÇÕES NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

ABSTRACT

The objective of the present article is to present a discussion of the study of the language pattern, under the aspect of his/her importance, while it supports for the interaction process and the individual's ascension in the society in that the subject is inserted. The linguists' critics are analyzed, writers, among other, in the sense of the ideas that permeate the subject discussing. The work still discusses the reason of teaching the educated norm, under the social and cognitive aspect and in the one that that implicates in the process teaching-learning in the school life. Equally the variants of the language are approached and to what extent the same ones can be used and that way that can interfere in the life in society. Finally they are still discussed the teaching of the formal language with or without the grammar, with the powders and obstacles, turning like this possible and decision of some teachers that don't know that Portuguese to teach.

KEYWORDS: language pattern – linguistic variations – dialect – grammatical

REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Gramática da língua portuguesa: tradição gramatical, média e exclusão social. São Paulo; Loyola, 2000.

BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? 11.ed. São Paulo: Ática, 1999.

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES Thereza C. Gramática reflexiva. São Paulo: Atual, 1999.

GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.

ILARI, Rodolfo. Português e ensino de gramática. São Paulo: CENP/SEE, 1985.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004.

ROCHA, Luiz Carlos de Assis. Gramática: nunca mais: o ensino da língua padrão sem o estudo da gramática. Belo Horizonte: UFMG, 2002.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º grau. São Paulo: Cortez, 1996.


Autor: Franciele Godoy de Mattos


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