O processo de informatização do poder judiciário brasileiro: uma análise sob a perspectiva do direito de informática como meio de efetivar polícias de otimização da jurisdição



O PROCESSO DE INFORMATIZAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO:

uma análise sob a perspectiva do direito de informática como meio de efetivar polícias de otimização da jurisdição

 

Paulo David da Silva Coimbra

Vinícius Batista Ribeiro**

 

Sumário: Introdução; 1 O atual contexto do Poder Judiciário e sua crise; 2 O acesso à justiça; 3 Processo eletrônico e o acesso à justiça; Conclusão; Referências..

 

RESUMO

No presente artigo, buscar-se-á uma análise do processo de evolução histórico da tecnologia da informática e suas implicações sociais, buscando enfatizar o modo no qual esta revolução científica vem sendo cada vez mais aplicada à realidade, e a partir dela como os indivíduos passam a organizar suas vidas. Em decorrência disto, também será proposto como tema principal do trabalho a informatização do Poder Judiciário, refletindo sobre a crise institucional deste órgão, e, por conseguinte, como esta modernização deste pode nos servir de arcabouço para uma superação parcial dos problemas existentes e a efetivação de uma ordem jurídica justa, pautada nos princípios processuais e constitucionais.

 

PALAVRAS-CHAVE

Poder Judiciário. Modernização. Ordem jurídica justa. Tecnologia da informática.

 

INTRODUÇÃO

 

Na sociedade hodierna é inegável a radical e revolucionária evolução das tecnologias de informação que estão sendo realizadas ao longo da história. Desta forma as constantes modificações tecnológicas trazem consequências significativas às práticas e atividades usuais do cotidiano dos indivíduos. Esta revolução científica trouxe-nos para dentro de seu próprio contexto, fazendo com que grande parte das pessoas adéquem sua realidade (muitas vezes de forma impositiva, pois até então ela não era informatizada) a esse novo paradigma de saber e produção. A partir disso, a sociedade global como um todo passa a integrar uma mesma rede de relações, fazendo com que muitas barreiras históricas e geográficas sejam rompidas. Não obstante, esta nova revolução técnico-científica proporciona mudanças em âmbitos plurais, alcançando desde os relacionamentos pessoais, acadêmicos, trabalhistas, até questões institucionais, como a administração de um ente federado ou de órgãos do poder público. Desta forma,

 

no futuro, inexoravelmente, os esforços científicos, incluindo os do direito, terão de aprofundar suas percepções e construir os instrumentos necessários para lidarmos com estas novas realidades.

As mudanças tecnológicas em curso têm gerando enorme surpresa em todas as áreas do convívio social. Afinal, situações ou casos antes tratados como ficção científica já fazem parte do dia-a-dia das pessoas e desafiam os cientistas e técnicos de todas os setores, entre eles os operadores do direito[1] (ALMEIDA FILHO; CASTRO, 2005, p.10).

 

Assim sendo, observamos que não apenas é necessária uma informatização formal/procedimental do Poder Judiciário, mas também a informatização do próprio estudo do direito, tendo em vista que neste novo paradigma tecnológico há implicações no âmbito material do direito. Destarte, atualmente já é possível se falar em crimes online, em penhoras online, em sistemas de segurança de rede, etc.. tudo isso nos prova a nova dinâmica social na qual o direito não pode se olvidar em pesquisar e buscar soluções adequadas para estes problemas. Comprova-se então a necessidade de estudar e desenvolver técnicas que possibilitem a solução de conflitos em ambientes digitais, bem como novos métodos de obtenção de provas judiciais que sejam capazes de comprovar fatos que ocorreram neste ambiente.

 

1 O ATUAL CONTEXTO DO PODER JUDIÁRIO E SUA CRISE

 

Tomando por consideração os aspectos históricos que determinaram o desenvolvimento da instituição do judiciário brasileiro, podemos concluir que a nossa atual organização judicial é baseada em um modelo alienígena que ao longo de nossa trajetória vem sendo adequado à realidade vigente, e notadamente construída com fim de manter a estrutura do status quo. Isto porque, desde os primeiros cursos de direito criados no Brasil, sempre foi declarado o caráter elitista de seus membros, fazendo com que a maior parte da nossa história jurídica ser marcada pelo controle social exercido por meio de mandamentos normativos

Em decorrência desta própria herança, vem se discutindo cada vez mais o problema da crise no Poder Judiciário, tomando como escopo uma questão estrutural que tem como principal característica o difícil acesso a este, desencadeando uma deficiência na prestação da tutela jurisdicional. Outrossim, não termina aqui as críticas ao judiciário brasileiro, há ainda uma situação de inchaço na máquina judicial, causado pelo grande acúmulo de demandas sem julgamentos, tornando a justiça morosa e quase sempre tardia.

Tal problemática pode ser identificada por nós baseada em dois pilares essenciais, o primeiro deles é a condição absoluta (e quase divina) que ocupa os magistrados, fazendo com que estes não atuem como funcionários do próprio povo, mas sim como sujeitos hierarquicamente superiores, dotados da verdade e do poder de dizer o que é certo ou errado para os indivíduos. O segundo consiste na excessiva burocracia e no excessivo volume de documentos (muitas vezes desorganizados), desta forma surge a necessidade de tornar o processo mais célere, justo e acessível a todos.

Desta forma, antes de iniciar nossos estudos a respeito da incorporação do processo eletrônico como um meio de efetivar o acesso à justiça, serão feitas algumas considerações sobre os aspectos teóricos deste principio fundamental na teoria jurídica.

 

2 O ACESSO À JUSTIÇA

O julgamento de acesso à justiça, para Cappelletti, tem sofrido uma alteração importante. Nos séc. XVIII e XIX o direito ao acesso à proteção judicial significava fundamentalmente o direito formal do indivíduo de alvitrar ou obtemperar uma ação.

 

A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defende-los adequadamente, na prática. Afastar a “pobreza no sentido legal” – a incapacidade que muitas pessoas têm de utilizar plenamente a justiça e suas instituições – não era preocupação do Estado. A justiça, como outros bens, no sistema do laissez-faire, só podia ser obtida por aqueles que pudessem enfrentar seus custos; aqueles que não pudessem fazê-lo eram considerados os únicos responsáveis por sua sorte. O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva. [2]

 

Hodiernamente, o acesso efetivo à justiça, embora venha sendo aceito como um direito social básico das sociedades contemporâneas, traz o conceito de efetividade que é, por si só, algo elusivo. Existem alguns entraves a serem superados, para um efetivar o acesso à justiça, são eles: as custas judiciais, pois a resolução formal de litígios, particularmente nos tribunais, é muito dispendiosa na maior parte das sociedades modernas; a possibilidade das partes, que diz respeito à noção de que algumas espécies de litigantes gozam de um leque de prerrogativas ardilosas; as dificuldade específicas dos interesses difusos, os quais são interesses fragmentados ou coletivos, tais como o direito ao ambiente saudável ou à proteção do consumidor e, por fim, as barreiras ao acesso, que dizem que os obstáculos criados por nossos sistemas jurídicos são mais pronunciados para as pequenas causas e para os autores individuais, especialmente os pobres. [3]

Conforme Boaventura de Sousa Santos, “o tema acesso à justiça é aquele que mais diretamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdades sócio-econômicas”. [4]

No princípio do século XX, houve inúmeras denúncias sobre a oposição entre a procura e a oferta da justiça tanto na Alemanha quanto na Áustria, mas foram também inúmeras as tentativas feitas para minimizá-la – por parte do Estado e por parte da organização das classes mais baixas. Porém, foi no pós-guerra que toda esta polêmica explodiu. Em contrapartida, os direitos sociais e econômicos aplicados na Constituição tornaram o direito ao acesso à justiça um direito central, em que a recusa deste ocasionaria a de todos os outros. Daí vem a certeza de que a organização da justiça civil não podia ser reduzida à sua dimensão técnica, socialmente imparcial. [5]

Segundo Boaventura de Sousa Santos, são três os obstáculos ao acesso efetivo à justiça: econômicos, sociais e culturais. Em relação aos econômicos, observou-se que, nas sociedades capitalistas, os custos da litigação eram muito altos e que a relação entre o valor da causa e o custo da litigação acrescia na dimensão que baixava o valor da causa. Acometendo-se dos obstáculos sociais e culturais, percebe-se que a separação dos cidadãos em face ao acesso à justiça é maior quanto mais baixa é a classe social a que pertencem e que tal distância é causada tanto por fatores econômicos como por sociais e culturais. Destarte, os cidadãos que pertencem os estratos sociais mais baixos tendem a conhecer menos os seus direitos e, assim, a ter maior dificuldade em reconhecer seus problemas como problemas jurídicos. Mesmo quando reconhecem o problema como jurídico, faz-se necessário que a pessoa se disponha a interpor a ação, onde se constata que os indivíduos de classes baixas hesitam mais que os outros em recorrer à justiça. [6]

Os fatores que esclarecem esta desconfiança são experiências anteriores com a justiça das quais resultou uma alienação em relação ao mundo jurídico. Entre esses fatores, estão a situação de dependência e de insegurança que produz o temor de represálias quando se recorre aos tribunais, a verificação de que o reconhecimento do problema como problema jurídico e o desejo de recorrer aos tribunais para o resolver não são suficientes para que a iniciativa seja de fato tomada. Dessa forma, constata-se que a discriminação social no acesso à justiça é fenômeno muito mais complexo do que pode parecer primeiramente, pois além das causas econômicas, logicamente mais visíveis, envolve causas sociais e culturais resultantes de processos de socialização e de interiorização de valores dominantes muito difíceis de transformar. [7] 

 

3 PROCESSO ELETRÔNICO E ACESSO À JUSTIÇA

 

Então, com o objetivo de efetuar alterações nas estruturas e formas procedimentais do judiciário, promovendo mudanças em toda a sua estrutura processual e física no intuito de imprimir celeridade aos processos e uma maior satisfação da sociedade, mediante a entrega rápida e efetiva da prestação jurisdicional, é que foi idealizado o processo judicial.

Destarte o judiciário vem aos poucos ingressando na era da Tecnologia da Informação, se valendo da internet e do processo totalmente eletrônico como uma alternativa a morosidade da justiça de acordo com a Lei nº. 11.419/06.

Tai instituto apóia suas pretensões no referencial do acesso à justiça, buscando o alargar como direito básico do cidadão, sem o qual não tem como alcançar a satisfação dos seus interesses, vislumbrando uma maior facilidade do real acesso à justiça através da informatização do processo.

A realidade é que o processo judicial tradicional não atende mais há longas datas os anseios populares, causando a demora na resolução de litígios, proporcionando um incômodo e insatisfação geral, acabando por gerar um grande descrédito no poder judiciário, tais fatos evidenciam a necessidade de alteração do sistema processual em vigor.

A busca por melhorias no que concerne ao efetivo acesso à tutela do judiciário encontra guarida em nossa carta magna, quando em seu artigo 5º, inciso LXXVIII prevê que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

A Lei 11.419/06 não foi a primeira a tratar das tentativas de informatização do processo, antes dela a Lei do Inquilinato e a 9.800/99 tentaram de forma suave impor algumas mudanças a tramitação processual, entretanto não lograram êxito, mas ao contrário, em alguns casos as mudanças inseridas por tais leis retardaram o andamento do processo.

Finalmente com o advento da criação da Lei 11.419/06 foi-se inserido a utilização de meios eletrônicos na tramitação dos processos judiciais, na comunicação de atos e envio de peças processuais, com igual aplicação aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição como podemos observar em seu artigo 1º:

 

Art. 1º O uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido nos termos desta Lei.

§ 1º Aplica-se o disposto nesta Lei, indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.

§ 2º Para o disposto nesta Lei, considera-se:

I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;

II - transmissão eletrônica toda forma de comunicação a distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;

III - assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:

a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica;

b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.

 

         A instauração do processo eletrônico (ou Projudi) vem proporcionando grandes benefícios ao sistema processual nacional. A movimentação processual em meio eletrônico permite o peticionamento de qualquer lugar do mundo e a qualquer hora facilitando o trabalho de advogados e procuradores públicos devido a sua facilidade de acesso, além de diminuir gastos do escritório com papel, cartuchos de impressora, armários para arquivos e fotocópias. Com relação aos magistrados o Projudi inova ainda mais, pois os juízes poderão impulsionar os feitos de qualquer lugar.

Notamos quão grandes são os benefícios que vem com a inovação do processo, trazendo uma maior celeridade, ajudando a proporcionar um real e efetivo acesso à justiça, o que acaba proporcionando uma maior confiança e respeito ao judiciário.

 

CONCLUSÃO

 

Como foi visto, a cultura jurídica nacional passa por um momento de grave crise, esta decorrente da excessiva demora e dificuldade de entendimento dos processos judiciais. Contudo, ao longo da trajetória da teoria do direito, foi incorporado no Brasil princípios processuais que tem como cerne promover uma prestação jurisdicional mais célere, econômica e justa. A partir disso, a tecnologia da informação aplicada ao processo judicial pode contribuir para facilitar o acesso à justiça, de forma ágil, simples e econômica.

Desta forma, no Brasil já vem sendo aplicado de forma gradativa essa informatização do processo, trazendo à baila uma perspectiva mais humanista e também mais adequada às revoluções científicas que são cada vez mais presentes na contemporaneidade. Pode-se então chegar a uma expectativa de que num futuro próximo o Poder Judiciário poderá iniciar um novo rumo, rompendo com a atual crise na qual se encontra, e construindo uma perspectiva nova e acessível.

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araujo; CASTRO, Aldemario Araujo. Manual de informática jurídica e direito da informática. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

ALVES, Francisco Luís Rios. O processo eletrônico no juizado especial e a ampliação do acesso à justiça. Disponível em: Acesso em: 07 de jun. de 2010.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

LUZ, Vladimir de Carvalho. Assessoria Jurídica Popular no Brasil: paradigmas, formação histórica e perspectivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

 


** Alunos do 5º período de direito (Vinicius Batista Ribeiro – Matricula 002-003773; Paulo David Da Silva Coimbra – Matricula 002-002988) na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, 2008.1.

[1] ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araujo; CASTRO, Aldemario Araujo. Manual de informática jurídica e direito da informática. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.10.

 

[2] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002, p. 9.

[3] Cf. CAPPELLETTI op. cit., p. 15-29.

[4] SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 167.

[5] Cf. SANTOS, op. cit., p. 167.

[6] Ibid, p. 168-170.

[7] Ibid, p. 170-171.

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Autor: Vinicius Batista Ribeiro


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