O Jus Postulandi No Juizo Cível Comum, A Isenção Do Magistrado E As Guildas



Jus Postulandi é o direito de postular. Mas de quem é o direito de postular? Pertence este direito á esfera de domínio da advocacia ou pode ser estendido ás partes? Seria o jus postulandi uma reserva de mercado? Seria o jus postulandi uma proteção aos advogados? Criou a lei um nicho onde os interesses de uma classe econômica querem ser preservados? Pretendemos a seguir responder as estas perguntas relacionando-as com as possíveis intenções do legislador ao criar tal mecanismo.

Partindo da Norma Máxima, encontramos em seu conteúdo o disposto no capítulo DAS FUNÇÕES ESSENCIAS À JUSTIÇA, artigo 133, a seguinte disposição:

" o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

A CF/88 definiu claramente que o advogado é "indispensável", ou seja, que a administração da justiça não pode acontecer sem a sua presença. Indispensável é sinônimo de imprescindível. A CF/88 assegurou a necessidade da participação da advocacia na realização de atos de promoção de interesses privados. Em face da inépcia do juiz, em face da isenção necessária ao exercício da judicatura, impossibilitado, portanto, de manifestar-se para este ou aquele lado da lide, carecem as partes de acompanhamento e representação nos atos processuais, considerando-se que a defesa de interesses deva ser assegurada plenamente ás partes. A CF/88, certamente, visou à proteção do cidadão. Não visou à criação de uma casta privilegiada. A CF/88, por conta das duas décadas precedentes de despotismo militar, acabou por consolidar em seu texto o máximo possível de direitos, abordando temas que, inclusive, não seria, em tese, objeto do Direito Constitucional.A CF/88 tem texto amplo considerando constituições exíguas estrangeiras. No que pese o que diz o art. 5º. XXXIV, "a", da CF/88, quando afirma que: " são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de seus direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;".Tal dispositivo, na modesta opinião do autor deste artigo, não criou o jus postulandi, pois o Lex Máxima não deve ser interpretada às fatias, mas sim em sua integridade. A sua supremacia nasce exatamente da sua harmonia e não malversação de seus retalhos.

A lei 8.906/94, que é o Estatuto da Advocacia, dispõe em seu capítulo introdutório:

Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1127-8)

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.

§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),

§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional.

§ 2º O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste.

Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido - no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia.

O Estatuto da Advocacia, no tocante à capacidade postulatória, é uma proposição evidente por si mesma. Não carece demonstração. É uma verdade axiomática. O Código de Ética e Disciplina da OAB, também dispõe sobre a necessidade da presença do advogado para a prática dos atos processuais:

Art 2º. O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinado a atividade do seu Ministério privado à elevada função pública que exerce.

Este artigo segundo repete aquilo que está esculpido na CF de 1988 e no Estatuto da OAB de 1994. O Código de Ética, lei interna corporis, apenas reforça o que a CF já havia definido claramente.

No ano seguinte veio o tiro de misericórdia no Judiciário. A Lei 9.099/95, dispensou a assistência do advogado naquelas ações que tem valor da causa inferior a vinte salários mínimos:

"Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória."

A Lei 9.099/95 vislumbrou a ampliação do acesso ao poder judiciário. A intenção foi muito boa ao democratizar o aceso fazendo com que pequenas lides fossem solucionadas sem que as partes tivessem gastos com honorários advocatícios. Como efeito colateral desta democratização, aconteceu uma enxurrada de micro-ações, em sua maioria, desprovidas de possibilidade de acolhimento por carência completa de previsão legal. Sem precisar exemplificar, tivemos recentemente uma tempestade de ações contra prestadoras de serviços. Leve-se em consideração ainda, que parte boa das ações impetradas nos Juizados Cíveis decorrem de boataria acerca de hipotética vitória de uma ou outra causa. Esta demanda, não reprimida, tem abarrotado os juizados fazendo com que o objetivo dos mesmos seja prejudicado. Ou seja, A liberdade para postular nos Juizados Cíveis contém o germe da auto-destruição. Parte boa dessas micro-ações de teto inferior a 20 salários mínimos acabam esquecidas pelas partes. Sem falar que ao desconhecimento da burocracia forense e dos trâmites legais levam as partes desacompanhadas a causarem transtornos aos advogados que tem que disputar o tempo e o espaço com pessoas leigas.

Um outro grande problema da extensão do jus postulandi às partes é que em acolhimento as necessidades do hipossuficiente o juiz perde sua isenção de ânimo, movendo no sentido de ajudar ou contribuir para proteger o mais frágil.

A extensão do jus postulandi não foi uma novidade da Lei 9.009/95. Já tem previsão no CPC, que é lei de 1973.

"Art. 36. A parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver."

Mas a intenção do CPC foi outra. Foi outra em relação a CF/88 e em relação a Lei 9.009/95. Num país com pouquíssimos advogados o Judiciário não poderia deixar de apreciar causas, especialmente nas comarcas do interior. Aqui, a extensão do jus postulandi, pensou, numa hipótese remota, nos menos favorecidos das comarcas menores das cidades interioranas. Não visava, certamente, o CPC minar a advocacia.

Mas, com esse boom de novos advogados na praça, oriundos de mais de um milhar de faculdades de Direito, espalhadas pelo Brasil inteiro, em maior ou menor densidade, aqui e ali, o fundamento do artigo 36 do CPC acabou. A advocacia, obviamente, não pode e não deve se constituição como uma guilda. a defesa da advocacia não deve ser tratada como uma reserva de mercado, mas acaba sendo. Qualquer categoria que defenda seus direitos, e que restrinja outras categorias de exercer atividades correlatas, acabará defendendo uma reserva de mercado.

O Projeto de Lei do Ato Médico não é outra coisa senão que a defesa das atividades pertinentes ao médico. O referido projeto visa delinear os contornos da profissão. Visa tão somente estabelecer a área e o perímetro. Obviamente ao definir uma abrangência ela exclui interfaces com outras profissões.

No caso das sub-áreas do Direito, não há mais necessidade de se definir cada campo, pois existem claramente definidas as suas respectivas atuações. Magistratura, Ministério Público, Advocacia Pública (Defensoria), Advocacia Privada, Autoridade Policial, etc, todas têm atribuições muito bem definidas no Brasil.

O grande problema reside nas políticas, aos poucos normatizadas, que ampliam o acesso a Judiciário retirando do advogado sua parcela de atribuições.

Primeiramente veio a CLT em1943e trouxe-nos os seguintes dispositivos:

"Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.

§ 1º - Nos dissídios individuais os empregados e empregadores poderão fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 2º - Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência por advogado.

Art. 839 - A reclamação poderá ser apresentada:

a) pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classe;

b) por intermédio das Procuradorias Regionais da Justiça do Trabalho.

Art. 840 - A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

§ 1º - Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do Presidente da Junta, ou do juiz de direito a quem for dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.

§ 2º - Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em 2 (duas) vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no parágrafo anterior."

O que se depreende da CLT é que a presença do advogado é secundária, sendo praticamente dispensável sua presença. A CF/88, na opinião do Autor, derrogou a CLT no que tange ao jus postulandi. O mais interessante é que a CLT inverteu as coisas. O direito material mais complexo é o trabalhista. Por este motivo, na justiça do trabalho, não deveria haver postulação sem a presença de advogado. Se o objetivo é proteger o trabalhador, considerado pela doutrina, como hipossuficiente, que se aparelhe a Defensoria Pública.O que não pode continuar acontecendo é pequenos reclamados indo a audiências com contestações nas mãos esperando aplicá-las, juntá-las, quando não acontecer um bom acordo. O jus postulandi, na justiça do trabalho, tem se constituído um abuso, pois o seu exercício tem sido feito pelas partes reclamadas, em especial, naquelas lides de rito sumaríssimo.

Entende o humilde Autor que a CF/88 derrogou a CLT, neste dispositivo do art. 791.

Compreende-se a CLT nas circunstâncias históricas em que foi elaborada: forte conteúdo ideológico, política demagógica, getulismo, ascensão do socialismo, Welfare State, herança reclamada das Poor Laws, Lei Frumentária....

Não cabe mais o jus postulandi, pois:

1.Viola o princípio da inépcia do juiz;

2.Viola o princípio do equilíbrio processual;

3.Viola o princípio da isenção do julgador ao conduzir o processo;

4.Viola o princípio da imparcialidade do juiz ao julgar;

5.Viola a CF, art. 133;

6.Viola os arts. 1º. e 2º. da Lei Federal 8.906/94.

É interessante aqui falar sobre o habeas corpus: o Estatuto da OAB, lei 8.906/1994, estabeleceu o jus postulandi para a impetração de habeas corpus. Diz o art. 1º. , II,§ 1º. : "Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal."

Não compreendeu o autor, também, o porque desta liberalidade da lei. O que estaria por traz da intenção do legislador, uma vez que não estamos vivendo sob um regime de exceção? Trata-se uma peça de valor crucial, onde o bem jurídico tutelado é dos mais valiosos. E por este motivo, a postulação deveria ser obrigatoriamente conduzida por alguém capacitado. Certamente manteve o mesmo procedimento do CPP, norma de 1.941, art. 654: "Ohabeas corpuspoderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público." Ratifico aqui aquilo que foi dito anteriormente: não estamos mais sob regime de exceção tal qual o Estado Novo de Vargas. Não cabem mais estas licenças. Quem tem instrução suficiente para defender-se, elaborando peças, pode constituir um patrono. Quem não tem capacidade argumentativa pode se valer da Defensoria Pública. Se a mesma não funciona, que seja aparelhada para isto! O que não é correto é permitir que pessoas ignorantes tumultuem o processo!

Em face do que foi exposto, entende o autor que o jus postulandi, na esfera trabalhista, cível especial, e especialmente no juízo cível comum, é escancaradamente inconstitucional, ainda que boas intenções digam o contrário.

Se legisladores forem agir para democratizar a justiça, restringindo cada vez mais a advocacia, nada mais nos restará em breve.

Convida-se os legisladores a expurgarem o jus postulandi do direito pátrio. O Executivo para aparelhar a Defensoria Pública.

Certo não está dar às partes a licença para atuar. Isto é o germe do desprestígio da Advocacia.


Autor: wdileston gomes batista


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