O Moço De Branco



As crianças comentavam na escola que, se as professoras ouvissem Chica de Chico contar histórias talvez melhorassem suas aulas. Um pouco elas tinham razão. Mas , comparar com aulas havia um certo exagero, pois nossa contadora de histórias não tinha compromisso em ensinar, seu papel era atrair seus pequenos fregueses para comprar seus doces. Por isso, em seu acervo não faltava causos de bruxas que roubavam chicletes e fadas que vendiam doces.
Certa vez ela nos contou a história de um rapaz que visitava todo dia o seu “café” , comprava muitos doces, deixava em cima da mesa e mandava distribuir com as crianças. Segundo ela, o homem sempre se vestia de terno branco, chapéu também branco e levava consigo um guarda – chuva preto. Ela nunca percebera de onde ele vinha quando entrava em sua venda, mas quando ele saía de lá, algumas vezes ela o seguiu e o viu dobrar a esquina, no sentido do cemitério ou do hospital, não sabendo ao certo, porque ambos ficavam na mesma direção. Chica de Chica dizia para nós: talvez o doce que você está levando tenha sido trazido por ele. Algumas vezes, essa brincadeira provocava a desistência das crianças em levar os doces.
Chica tinha uma filha moça: Lurdinha. Ela era alta, morena, bonita e muito faceira, vivia na janela procurando namoro. Sua mãe, com muito cuidado com ela a prendia muito. O máximo que deixava era passear na calçada, no trajeto que o rapaz de branco sempre fazia. Talvez quisesse provocar o encontro da filha com o moço de branco. Parecia um bom partido. Poderia haver até um bom casamento de fazer gosto.
Um dia Lurdinha estava na janela e o moço de branco chegou. Ela puxou a conversa com o desconhecido e ele tratou de ser simpático com ela e a convidou para ir à festa do divino, pois era a celebração mais comentada no lugar. Lurdinha pediu o consentimento de sua mãe que aceitou de pronto. Foram ao baile, dançaram a noite toda, andaram no parque e passearam pela praça.
Assim como é comum em toda festa do interior, onde todos se conhecem, um estranho no ninho causa um certo rebuliço e Lurdinha sentindo isto, tratou de mostrar seu par as suas amigas, colegas e conhecidas para não gerar intrigas ou ciúmes.
Durante todos os dias de festa, geralmente são seis dias, nos famosos dias de reis, de primeiro a seis de janeiro, Lurdinha e o rapaz de branco se divertiram, namoraram e fizeram-se muitas juras de amor eterno, até que chegou o dia dele partir. Ele resolveu dizer o seu nome: - Me procure, Lurdinha, me procure. Eu sou Paulo César. Fique com meu guarda-chuva, você pode precisar. Ela ficou surpresa, não esperava que ele tivesse que partir tão de repente! Ela baixou a cabeça para abrir o guarda-chuva , pois naquele momento começou a ventar muito e a cair uma chuva muito forte e ele sumiu junto com a poeira. Lurdinha não viu mais o rapaz.Chegou em casa em pânico, muito molhada e aflita. Chorava muito e gritava: Paulo, Paulo, cadê você?
Chica de Chico vendo o desespero da filha resolveu ir procurar o rapaz. Que falta de educação! Deixar sua filha ao léu, sem explicação e ainda sem endereço! Maldita hora em que concordou com o romance! Foi com Lurdinha procurar o moço de branco, reparar o desaforo, seguindo as marcas deixadas pela chuva, sem esquecer de levar o guarda –chuva como index para encontrar o desgraçado! Percorreu todos os lugares em que eles estiveram. Fizeram uma retrospectiva de todo trajeto que costumavam fazer a noite e terminaram a caminhada já tarde da noite e chegaram, como não podia de deixar de ser, na porta do cemitério. E Lurdinha gritou , logo ao chegar: mamãe lá está ele, lá está ele! E o vulto ia à frente. E elas iam atrás. Depois sumiu ao dobrar a esquina de um túmulo branco. Esse túmulo estava muito limpo, com uma fotografia dele em um caixote de vidro: terno branco, chapéu branco. Lurdinha chorava, desesperada: meu namorado é fantasma, meu namorado é alma “penada”! Colocou o guarda-chuva sobre sua lápide e ouviu a voz dele: Não chore, Lurdinha. Eu voltarei! Basta me esperar para a festa do próximo ano !
Dizem que Chica de Chico sofre um bocado, todo ano, porque Lurdinha espera o ano inteiro pelo namorado para dançar com ele na festa do divino. Assim, quando chega perto desta data, as crianças não vão ao seu “Café” ouvir histórias nem comprar doces. Alguns passam por longe e gritam: Chica, cadê Lurdinha, a mulher do homem de branco! E eu que não era de facilitar olhava para lá e perguntava: Chica, quando que você pode contar pra nós outra história? Por favor, só não nos conte a história do moço de branco! Foi uma surpresa para mim, chegar aqui no sudoeste do Pará e encontrar uma história semelhante, mas com destaque na figura do Boto!

Vocabulário:

Index: senha ou código de acesso.
Boto: Peixe que se transforma em homem para seduzir as moças.
Café: local onde as pessoas se reúnem para um lanche ou mesmo tomar café; uma espécie de lanchonete.

Autor: Djalmira Sá Almeida


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