O Adjetivo Como Força Argumentativa Polifônica nas Produções Textuais dos Alunos



Fernanda Schneider

Universidade de Passo Fundo

Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo analisar o uso do adjetivo em produções textuais dos alunos de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Para a realização deste estudo, apresentamos, num primeiro momento, noções e conceitos sobre a Teoria da Argumentação, desenvolvida inicialmente por Oswald Ducrot e Jean-Claude Anscombre, Marion Corel e colaboradores. No interior desse capítulo, destacamos duas seções: a primeira diz respeito à Teoria da Argumentação da Língua e aborda a polifonia, já na segunda, elucidamos alguns aspectos importantes sobre a Teoria dos Topoi e fizemos uma rápida explanação sobre os modificadores. O terceiro e último capítulo compreende o desenvolvimento da metodologia e da análise do corpus desta pesquisa, composta por três textos: uma redação, uma narração e um bilhete. Nesses textos, partindo-se da concepção de que a argumentação está na língua, constatamos que o adjetivo não acrescenta sentido à palavra lexical a qual está aplicado, mas altera a força argumentativa desse léxico, e essa argumentação acontece polifonicamente.

Palavras-chave: adjetivo; Teoria da Argumentação; polifonia.

INTRODUÇÃO

Sabemos que o homem é um ser social e racional, e estando ele em contato permanente com seus semelhantes, sempre teve a necessidade de argumentar. Seja para defender seu ponto de vista ou até mesmo para sobreviver. Desde a Grécia Antiga, até os dias atuais, o interesse pela argumentação não é muito diferente. Do ponto de vista da retórica, a argumentação é o conjunto de estratégias que organizam o discurso persuasivo. Numa perspectiva lógica, a argumentação é um tipo de raciocínio fundado na prova e na demonstração, que procura estabelecer o verdadeiro.

Considerando a concepção tradicional de argumentação, um texto possui sua argumentatividade baseada nos fatos e valores descritos através da linguagem. A estrutura lingüística não tem nenhuma relação com o encadeamento argumentativo do discurso. A argumentação tem como suporte, apenas esses fatos e valores. Nessa perspectiva, a língua desempenha um papel secundário: o de instrumento pelo qual o discurso persuasivo é transmitido; e é considerada como um código pelo qual se transmite uma mensagem. Assim, a língua permanece exterior à atividade argumentativa, pois são as informações veiculadas pela linguagem que promovem a seqüência argumentativa.

Contrariando essa concepção tradicional de argumentação e considerando a linguagem como criatividade, Oswald Ducrot (1977) propõe-se a construir um conceito de argumentação que se distancie dessa noção tradicional. Para o estudioso francês, a argumentatividade está inscrita na própria língua, sendo assim, argumentativa por si mesma.

Assim, este trabalho aborda aspectos da argumentação, e o que se pretende discutir é a relação entre as palavras lexicais (substantivos, verbos) e o adjetivo, suscitando-se, dessa forma, uma reflexão acerca do uso do adjetivo como força argumentativa polifônica. Para isso, tomamos como pressupostos teóricos os da Semântica Argumentativa, desenvolvida por Oswald Ducrot, Jean-Claude Anscombre, Marion Corel e colaboradores. Segundo essa teoria a argumentação está na língua, assim, partimos do pressuposto que o adjetivo não acrescenta sentido à palavra lexical a qual está aplicado, mas altera polifonicamente a força argumentativa desse léxico.

1.A argumentação na língua

Neste capítulo, pretendemos sublinhar algumas questões teóricas sobre a Teoria da Argumentação da Língua (TAL) desenvolvida, inicialmente, por Oswald Ducrot e Jean-Claude Anscombre. De acordo com Ducrot (1998) as palavras, organizadoras do discurso, dizem muito mais do que parecem estar dizendo. Assim, o que está explícito, na superfície textual, é um dos componentes da construção do sentido de um texto, mas não é o único. Para melhor entendermos essas idéias, passamos para a explanação dessa teoria.

1.1 A Teoria da Argumentação na Língua, de Oswald Ducrot

Oswald Ducrot desenvolveu estudos sobre os operadores argumentativos, escalas argumentativas e polifonia. Suas contribuições têm exercido grande influência no Brasil, ao que se refere às pesquisas lingüísticas. A Teoria da Argumentação, tem se destacado como uma teoria de sentido alternativo a outras que se têm disponíveis.

Oswald Ducrot é precursor da semântica enunciativa, ele foi o iniciador do estudo que enfatiza a força argumentativa nos enunciados, ou seja, o que conhecemos por operadores argumentativos. De uma forma geral, o que esse pesquisador defende é a idéia de que o ato de enunciação tem suas funções argumentativas, ou seja, leva o tu a uma determinada conclusão ou a desviar-se dela.

Segundo a visão ducrotiana, dizemos sempre alguma coisa em favor de algo. De acordo com essa afirmação, Ducrot ocupa o conceito de polifonia de Bakhtin, mas na lingüística, questiona a concepção da unidade do sujeito de Benveniste e Bakhtin. Assim, para Ducrot (1988, p.16), um mesmo enunciado traz presente vários sujeitos com status lingüísticos e salienta,

[...] o autor de um enunciado não se expressa nunca diretamente, sempre põe em cena em um mesmo enunciado, certo número de personagens. O sentido do enunciado nasce de do confronto dos diferentes sujeitos: o sentido do enunciado não é mais que o resultado das diferentes vozes que nele aparecem.

De acordo com esta concepção é que se pode compreender a questão das diferentes vozes no enunciado. O texto é argumentativo e o diálogo ocorre entre pontos de vista, assim todo enunciado apresenta certo número de pontos de vista (enunciadores), relativos às situações das quais se fala.

A questão discutida por Ducrot a respeito da polifonia desenvolve conceitos estudados por Bakhtin e propõe uma reflexão importante: as palavras dizem muito mais do que parecem estar dizendo.

Para Carla Moraes (2007, p.01), o estudo de Ducrot,

[...] propõe uma reflexão importante, para os estudos da linguagem porque demonstra que as palavras, organizadoras do discurso, dizem muito mais do que parecem estar dizendo, ou seja, a superfície textual, o que está explícito através das formas lingüísticas é um dos componentes da construção do sentido do texto; não é, pois, o único componente.

Assim, para entendermos as informações de um texto, bem como os efeitos de sentido produzidos por determinado uso da linguagem, temos que, no papel de co-autores desse texto, nos remeter aos elementos que cingem os atos de linguagem.

Ao que se refere ao sujeito, ou melhor, à unicidade desse sujeito, Bakhtin e Ducrot, entre outros, desenvolveram trabalhos demonstrando o equívoco da tese da unicidade do sujeito comunicante.

Ducrot salienta que

De minha parte, penso que essa unidade do sujeito falante é muito menos evidente do que normalmente se pensa; no entanto, parece-me que acarreta muitas dificuldades. Para resolvê-las, constrói-se uma teoria polifônica da enunciação, segundo a qual em um mesmo enunciado há vários sujeitos presentes, com status lingüísticos diferentes. (1988, p. 16)

Considerando-se que um mesmo enunciado tem presente vários sujeitos com status lingüísticos diferentes é que Ducrot (1988 p. 16-17), apresenta os sujeitos que remetem a funções diferentes: o sujeito empírico: o ser real, o autor; o locutor: aquele que fala no texto e a quem se confere a responsabilidade enunciativa e o (s) enunciador (es): que são os pontos de vistas abstratos que apresentados e que podem ser identificados com o do locutor. Num enunciado, apela-se ao discurso do próprio locutor, mas também a pontos de vistas de outros. E nesse sentido, a noção do Outro não é somente a de que este está sempre presente (em que se fala sempre para alguém), como também o seu ponto de vista e de outros está incorporado no discurso do locutor.

O sentido de um enunciado depende da decodificação dos pontos de vistas (enunciadores), no entanto o enunciado dá indicações sobre qual conclusão se "deve" chegar. Nesse sentido é que a teoria polifônica de Ducrot está associada a uma perspectiva de argumentação na língua e as conclusões retiradas no potencial argumentativo do enunciador podem ser implícitas e assumidas por ele ou não. O estudo envolvendo a argumentação tem-se direcionado em aspectos de coesão, função dos advérbios, conjunções e locuções conjuntivas, e incluímos aqui o adjetivo. A intenção argumentativa de um discurso poderá depender, entre outros fatores, do uso destas palavras.

Ao longo do desenvolvimento da sua teoria, Ducrot e seus colaboradores, vêm questionando e reformulando a teoria de argumentação da língua, que apresenta três versões. A primeira é denominada como a forma standard e compreende os trabalhos pertinentes às primeiras noções da teoria. A segunda ficou conhecida pela forma "recente", apresentada nas conferências de Cali (1988), e tem como principal característica a introdução das noções de polifonia e de topos no estudo da argumentação. E, a terceira versão é tratada como a teoria dos blocos semânticos. A seguir, faremos apresentamos noções da Teoria dos Topois, elucidando assim algumas idéias acerca dos modificadores.

1.2. A Teoria dos Topoi

A noção de topos é desenhada por Aristóteles como um tipo de depósito em que há todo tipo de argumento necessário a um orador para a defesa de sua tese. Ducrot e Ascombre (1995) recuperando esse conceito e adaptando à sua teoria, tomam o topos como um lugar argumentativo comum que orienta para determinada conclusão. Essa noção é fundamental para este trabalho considerando-se que tomamos o adjetivo como uma força argumentativa que impulsiona a argumentação para que se cheque a dada conclusão. Retomaremos essa noção no terceiro capítulo.

O topos é considerado um elemento intermediário, pois permite a passagem de um argumento (A) para a conclusão (C). Possui três propriedades: a universalidade, ou seja, é partilhado por uma coletividade em que participam o "enunciador" e o "destinatário"; a generalidade, pois tem validade para um grande número de situações similares às da situação específica em que é empregado no enunciado; e a gradualidade, em que duas escalas de valor podem ser relacionadas pelos topoi, duas gradações na passagem do Argumento para a Conclusão, sendo essa passagem uma inferência argumentativa. Dessa forma, a interpretação de um enunciado argumentativo ocorre por meio da identificação do topos utilizado na enunciação.

Ascombre (1995) distingue ainda o topos intrínseco, o qual precisa de informações alheias ao âmbito lingüístico para a recuperação de sentido para uma unidade lexical, e o topos extrínseco, o qual necessita recorrer a outro topos para o resgate do sentido.

Os estudos de Ducrot e Ascombre voltam-se a observação da gradualidade do topos como força argumentativa. Assim, para os pesquisadores o topoi pode ser empregado com maior ou menor força, em determinada situação. A orientação e a força argumentativa são estudadas com a atenção na influência de alguns modificadores. Faremos, a seguir, uma breve elucidação de alguns conceitos a respeito desses modificadores, no entanto interessa-nos neste momento, apenas o modificador "adjetivo" cujo emprego nas redações escolares, é o foco deste trabalho.

1.2.1 Os Modificadores Realizantes, Desrealizantes e Sobre-Realizantes

Os Modificadores são de acordo com Ducrot (1995) palavras que interferem na semântica dos predicados (substantivos e verbos), modificando-os, considerando-se que estes já têm argumentação própria. Para a análise neste trabalho, tomamos apenas os adjetivos, no entanto, apresentaremos uma síntese geral dos modificadores. Encontramos os modificadores divididos em três grupos: os Modificadores Desrealizantes (MD) que atenuam ou invertem, abrandando a força com a qual se sobrepõem os Topoi que formam sua significação; os Modificadores Realizantes (MR) que aumentam a força argumentativa do predicado ao qual está relacionado e os Moificadores Sobre-realizantes (MR) que reforçam a aplicabilidade de um predicado ou os topoi que constituem sua significação.

Os Modificadores Desrealizantes podem atenuar ou inverter aplicabilidade do predicado, diminuindo a força com a qual se aplicam os topoi. Faz-se necessário salientar que os aspectos sintáticos são muito importantes na Semântica Argumentativa de Ducrot. Isso porque, mudando a organização sintática de uma frase, muda-se o sentido e a argumentatividade da mesma. Por essa razão, esse aspecto também será considerado na análise do corpus.

Como já foi dito anteriormente, o Modificador Realizante (MR) aumenta a força argumentativa do predicado ao qual é aplicado no enunciado. Assim, um substantivo, por exemplo, pode ser modificado por um adjetivo ou por uma oração adjetiva, aumentando assim, sua argumentação.

Quanto ao Modificador Sobre-Realizante (MS), Raymundo da Costa Olioni (2006) explica que Mariam Marta Garcia Negroni estudou essa categoria e verificou que ela se diferencia dos MD e dos MR, principalmente, porque ao reforçar a orientação argumentativa do predicado sobre qual atua, incide em comentário subjetivo do locutor.

Raymundo Olioni argumenta que,

Na Teoria dos Topoi, então, o Modificador de um termo X é um termo Y que, aplicado a X modifica a argumentação normativa (com DONC) de um X. Assim, X é considerado ponto de partida, tendo somente seu potencial argumentativo aumentado (MR), amenizado (MD atenuador), contrariado (MD inversor) – segundo Ducrot (1995) – ou reforçado (MS), segundo Negroni (1995). (OLIONI, 2006, p. 15)

Partindo-se dessas considerações tão discutidas por Ducrot e apresentadas aqui numa síntese de Olioni, reforçamos a ineficiência de alguns livros escolares e sites que orientam a produção de textos, principalmente dissertações. Muitos desses materiais, orientam que seja evitado o uso de adjetivos, para que não se perpasse emoções e para que o texto seja imparcial. Como se isso fosse possível. Desde que seja usado de forma competente, pelo autor do texto, o adjetivo pode ser um recurso de grande poder argumentativo. Isso é o que tentaremos analisar, na análise do corpus, a seguir.

2.Uma análise do Adjetivo com base na Teoria dos Topoi

Com base na teoria apresentada, procede-se a uma análise parcial de fragmentos de textos de três gêneros diferentes. A opção por essa diversidade justifica-se pelo fato de que pretendemos analisar a argumetatividade polifônica do adjetivo, por isso consideramos a necessidade de não nos determos a um único gênero. Além disso, temos a pretensão de analisar o uso do adjetivo por alunos de diferentes séries, níveis e classe social (considerando-se que o texto 1 é de um aluno da escola particular enquanto o texto 3 é de um aluno do noturno, que trabalha o dia todo e está cursando o 1° ano, pela segunda vez). Essa iniciativa é reforçada pelo fato de considerarmos a sala de aula um espaço de produção e leitura de todos os gêneros, e não apenas da dissertação.

Na seqüência, apresentaremos os trechos selecionados, com a respectiva análise. Consideramos importante esclarecer que os trechos analisados encontram-se no corpo do trabalho e, em anexo, os textos transcritos na íntegra.

Texto 1 (anexo 1)

Os trechos analisados a seguir fazem parte de um texto escrito por um aluno do 2° ano do Ensino Médio diurno, de uma escola particular. O tema proposto consistia em um concurso realizado pelo Jornal Zero Hora, em que eram apresentados alguns textos e sugeria-se que os alunos escrevessem um texto dissertativo sobre o tema "Ficar ou namorar?".

TRECHO A


Autor: Fernanda Schneider


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