Uma Reflexão Sobre a Ética, Multiculturalismo e Educação



1- INTRODUÇÃO

Vivemos um momento único na história de toda humanidade. O mundo tornou-se uma aldeia global que partilha problemas como crises econômicas, ambientais e sociais.

Somos testemunhas de uma era de enormes carências de conhecimento, de efetividade e de espiritualidade. Nossa sociedade é dominada por princípios voltados quase que exclusivamente ao lucro e a manipulação através do poder ­­­– político, social, econômico, religioso e interpessoal. Como as demais estruturas sociais, também a escola precisa resignificar-se em suas antigas práticas, costumes e crenças. É inegável reconhecer que o modelo institucionalizado de escola que temos, de pouco ou nada adianta para as sofisticadas exigências de sobrevivência do mundo globalizado, que requer sujeitos autônomos, críticos, participativos, comunicativos, emocionalmente capazes, flexíveis a mudanças, adaptáveis a transformações, rápidos nas decisões, eficientes em julgamentos, enfim sujeitos com qualidades e habilidades, não raras vezes, opostas àquelas que a escola preconiza hoje, uma vez que a idéia de multiculturalidade parte do princípio da coexistência das diversas tradições culturais e espirituais; a capacidade humana de assimilar outras tradições sem rejeitar ou negar sua cultura original.

2, Educação como fator para humanização e socialização do homem

A busca de novos ambientes de aprendizagem, mais adequados às necessidades de nossos alunos e ao mundo como ele hoje se apresenta, abre-nos uma perspectiva para refletirmos sobre a adoção de novo referencial para a educação, considerando a gravidade dos problemas vivenciados não somente no setor educacional, mas também nas diferentes áreas do conhecimento humano. No entanto, não podemos desprezar os paradigmas que foram construídos ao longo do tempo, pois sabemos que, historicamente, a educação sempre foi um fator importante para a humanização e socialização do homem.

As mudanças que estão ocorrendo no mundo da ciência tornam necessário rejeitar visão arcaica em que ela é compreendida como um conjunto de verdades de natureza acumulativa, substituindo-a por uma concepção em que as teorias científicas vão se sucedendo ao longo da história, de acordo com modelos explicativos provisórios e parciais, e realizando sucessivos saltos qualitativos que significam verdadeiras mudanças totais na visão de mundo.

Nossos sistemas de pensamento não são independentes de nossa história. Este fato nos leva a um questionamento profundo do que é aprendizagem e dos conhecimentos que constituem sua matéria prima. Assim, devemos discutir com os educadores que não é apenas o conteúdo da ciência que muda a cada instante, mas o ponto de vista pelo qual ela é praticada e contemplada.Implica em uma mudança nas atitudes de quem a pratica, em uma nova compreensão do que se entende pelo estudo da realidade, em uma abordagem inovadora das disciplinas curriculares das metodologias de ensinos.

Nesse contexto, um multiculturalismo, desde que bem entendido, não constitui uma rua de mão única para auto-afirmação de grupos com identidade própria. A coexistência em pé de igualdade de diversas formas de vida exige ao mesmo tempo uma integração dos cidadãos e o reconhecimento recíproco de sua qualidade de membro subcultural no quadro de uma cultura política comum. A sociedade pluralista democraticamente constituída garante as diferenciações culturais sob a condição da integração política.

Os cidadãos da sociedade são autorizados a formar seu modo cultural próprio sob a pressuposição de eles se entendam juntos com todos os outros, e por assim dizer para além dos limites subculturais, como cidadãos da mesma coletividade política. As justificações e as autorizações culturais encontram seus limites nas bases normativas da Constituição, unicamente a partir da qual eles se fundamentam.

Nas sociedades primitivas, por exemplo, tivemos uma educação difusa, havendo uma distinção entre educação, ensino e doutrinação. A educação desse período tem um conceito genérico, enquanto que o ensino se refere à transmissão de conhecimentos acumulados e a doutrinação é vista como uma pseudo-educação que não respeita a liberdade do educando. A visão de mundo da idade média, por sua vez, estava ligada ao processo da natureza em relações caracterizadas pela interdependência dos fenômenos materiais e espirituais e na subordinação das necessidades individuais às da comunidade. Nessa visão orgânica assentava-se o naturalismo aristotélico e a fundamentação platônico-agostiniana. A idade moderna teve no Renascimento um dos fatores marcantes que reposicionou o homem como centro do significado histórico. É o período do antropocentrismo e do racionalismo, com o advento da experimentação científica. Segundo a concepção de um novo homem, no renascimento Educar torna-se questão de moda e uma exigência. A cultura renascentista é caracteristicamente humanista.

A relação ética x educação

Uma forma de julgamento da validade das morais é o que chamamos de ética. Entre a moral e a ética á uma tensão permanente: a ação moral busca uma compreensão e uma justificação crítica universal, e a ética, por sua vez exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para reforçá-la ou transformá-la. A ética tem sido necessária e importante por regular o desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. Sem ética, ou seja, sem a referência a princípios humanitários fundamentais comuns a todos os povos, nações, religiões, etc, a humanidade já teria se despedaçado até à autodesnutrição. As nações do mundo já entraram em acordo em torno de muitos desses princípios. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU (1948), é uma demonstração de o quanto a ética é necessária e importante.

A ética assim como a escola estão inseridas em uma cultura e não são imunes aos legados da história e da tradição. O peso da cultura ao longo da trajetória humana definiu muito fortemente regras, normas, conceitos utilizados equivocadamente nas relações sociais. Em nome da ética e da moral, já fomos muito desumanos. Ainda que a cultura seja uma variável fundamental, ela não poderia absolutizar a sua compreensão de homem e mundo.

Se estamos preocupados em discutir educação e ética é preciso estar disposto a rever o próprio cotidiano, negar alguns refúgios convencionais. Reinventar o lugar da regra e da norma nas relações sociais e, portanto pedagógicos. A moralidade do diálogo consiste, pois num acerto de contas constante entre aquilo que deve permanecer e aquilo que deve permanecer e aquilo que deve ser transgredido para que as relações humanas de fato sejam éticas.

A ética inclui, portanto o desenvolvimento cognitivo do ser humano, segundo Piaget, a moral heterônoma, estágio ainda elementarda moralidade, respeita regras e normas tão somente em função de um sentimento de medo, de amor ou de sagrado. A pessoa se submete, pois a regra advém de um "outro" que representa poder. Mas este é ainda um nível insuficiente, o processo educativo deve e pode gerar a moral autônoma que implica um sentimento de necessidade – "aquilo que não pode não ser". Neste cenário, as regras não são seguidas por medo ou por amor, mas antes de tudo são compreendidas pela "Razão" e é o sujeito em interação com seus iguais que decide quais as regras e normas obrigatórias e necessárias para o convívio social.

A moral autônoma não evoca o medo, o amor e o sagrado. Repele simultaneamente o egocentrismo e a confiança cega na autoridade. Tende ao reconhecimento de princípios apoiados na cooperação reciprocidade e na necessidade de convívio organizado entre os indivíduos. Neste contexto as regras e normas não são eternas, mas se constituem e se preservam enquanto coerentes.

É hora de resgatar a indagação: Seriam as relações pedagógicas predominantes éticas? Se isto fosse verdade, nossas certezas didáticas seriam tão intensas? Exercitamos de fato a tolerância ou ainda insistimos em classificar e segregar idéias e pessoas? Suportamos o diálogo argumentativo? Ou somos ainda seduzidos por verdades alienígenas?

A ética na educação significa admitir que hoje é necessário respeitar a regra combinada, ainda que amanhã, novas circunstâncias exijam novas regras e normas. Isto implica leveza, leveza de saber respeitar a regra porque compreendida e igualmente saber transgredi-la quando necessário e em benefício do convívio social. Esta é uma postura ética. É preciso investigar, como ocorreu construção da ética nas relações pedagógicas. Parece predominar ainda muito fortemente a moral x moral heterônoma, tanto na instância do privado, quanto do público. Somos ferrenhos defensores de princípios que não assumimos como nossos, mas nos submetemos por convivência. Desejar um processo educativo onde a ética tenha lugar significa não impedir o desenvolvimento do sujeito, que mesmo envolto pela cultura, nunca está reduzido a simplesmente repeti-la, mas deseja compreendê-la.

A escola deveria preocupar-se menos em repetir e exigir regras, normas e atitudes padrão e estabelecer um "clima constituinte", onde alunos e professores reaprendam o processo de construção das próprias regulações sociais, pedagógicas, afetivas, cognitivas. Definidas devem ser repetidas de fato. Quando anacrônicas, devem ser revistas e reinventadas. Seremos nós professores, de fato leves tolerantes, dialógicos, éticos na interação com nossos alunos? Acreditar nesta possibilidade não significa refugiar-se no espontaneísmo, no democratismo, mas antes de tudo admitir que o processo de educação seja indiscutivelmente um processo de reconstrução, que, portanto tem bases firmes, mas não imóveis.

3. Conclusão

A ética não basta como teoria. É preciso que cada cidadão incorpore esses princípios como uma atitude prática da vida cotidiana, de modo a pautar por eles seu comportamento. Isso traz uma conseqüência inevitável: freqüentemente o exercício pleno da cidadania (ética) entra em colisão frontal com a moral vigente. Até porque a moral vigente, sob pressões dos interesses econômicos e de mercado, está sujeita a freqüentes e graves degenerações. É neste contexto que se deve pensar os rumos da educação que se processa na escola. Esta, por sua vez, deve exercer uma função democratizadora. Por um lado, deve preparar o cidadão em formação para o exercício da autonomia, lendo, interpretando e compreendendo criticamente o mundo a sua volta, perguntando pelos fatos e interpelando a realidade sempre que necessário. Engendrar processos de ensino que instrumentalizem o trabalhador em formação a prover sua existência futura, de maneira satisfatória no horizonte da economia globalizada. Por outro lado, deve ser por excelência um processo de humanização, desenvolvimento e realização humana, que privilegie valores de liberdade e autonomia, moral e ética, cooperação e solidariedade. Tudo isso não passará de bonito palavrório se não soubermos realizá-lo. É na prática da sala de aula que realizaremos essa nova escola nova.

Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da educação. São Paulo: Moderna, 1989.

SOARES, Magda. Linguagem e Escola: Uma perspectiva social. 14ª ed. São Paulo: Ática, 1996.


Autor: Regina Aparecida Freitas da Costa Diniz


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