Análise da Legalidade da Extradição de Juan Carlos Ramirez Abadia



Requisitos para a concessão da extradição:

* Fundamento jurídico;

* Competência da Justiça do Estado requerente;

* Existência de acusação ou condenação criminal;

* Ocorrência da dupla tipicidade;

* Inocorrência da prescrição da pretensão punitiva ou executória;

* Não sujeição do extraditando a julgamento, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção;

* Não cominar a lei brasileira, ao crime, pena igual ou inferior a um ano de prisão;

1. Fundamento jurídico. O Judiciário deve apurar a presença dos pressupostos necessários à extradição, arrolados na lei interna e no tratado, se houver. O fundamento jurídico de todo pedido extradicional deve ser um tratado entre os dois países envolvidos. Na falta de tratado, o pedido de extradição só fará sentido ante uma promessa de reciprocidade. No caso em tela, o pedido de extradição do colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia pelos EUA se fundamentou no tratado bilateral[1] existente entre este país e o Brasil.

Cumpre salientar que a extradição quando envolve os EUA, país de tradição common law, deve sempre se fundamentar em tratado, dado ao principio que lá vigora do "Non extradition without treaty"[2]. Assim, em se tratando de extradição envolvendo o citado país, fica afastado o fundamento de que na falta de tratado o pedido de extradição deverá ser feito ante a promessa de reciprocidade, tal como pode ocorrer nos os países de tradição civil law.

2. Competência da Justiça do Estado requerente. Outro requisito importante para a concessão da extradição é a competência exclusiva da Justiça do Estado requerente. No caso em tela, é competente a Justiça dos EUA para processar e julgar o extraditando, tal como analisado pelo Ministro Eros Grau, relator do processo de extradição de Ramirez Abadia.

Nesse sentido enuncia Rezek: "O fato delituoso determinante do pedido há de estar sujeito à jurisdição penal do Estado requerente, que pode, acaso, sofrer a concorrência de outra jurisdição, desde que não a brasileira". [3]

3. Existência de acusação ou condenação criminal. O fato determinante da extradição será necessariamente um crime, de direito comum, vedada a extradição por crime político, observadas as suas exceções,[4]ou de qualquer outra natureza que não seja a criminal.

Vejamos trecho do parecer do Ministro Relator Eros Grau, quando do julgamento do pedido de extradição de Ramirez Abadia em 29 de janeiro de 2008:

O Governo dos Estados Unidos da América, com fundamento em Tratado Específico1, formalizou pedido de extradição instrutória do nacional colombiano JUAN CARLOS RAMIREZ ABADIA, em virtude de mandado de prisão expedido pela Corte Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Oeste de Nova Iorque, onde é processado pelos delitos de engajamento em um "empreendimento criminoso continuado"; de "conspiração para possuir com intenção de distribuir cocaína"; de "conspiração para importar cocaína"; de "conspiração para distribuição internacional" e de "conspiração para lavagem de dinheiro"2, conforme Nota Verbal 435 (fls. 12/494). [5]

Conforme transcrito acima, podemos ver que o pedido de extradição, além de cumprir os requisitos anteriores (existência de tratado, competência da justiça dos EUA) cumpre o requisito da existência de um processo penal, tendo o extraditando contra si mandado de prisão pelos crimes de empreendimento criminoso continuado, conspiração para importação e distribuição internacional de cocaína, além da conspiração para lavagem de dinheiro. "Percebe-se, outrossim, que os crimes não possuem conotação política, afastando, portanto, a vedação do art. 4º, a do Tratado bilateral de extradição."[6]

4. Ocorrência da dupla tipicidade. Segundo Rezek "o fato, narrado em todas as suas circunstâncias, deve ser considerado crime por ambas as leis em confronto"[7]. Motivo pelo qual o inciso II do art. 77 da Lei 6.815/80 prevê que não se concederá a extradição quando o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente.

Tendo em vista o princípio da dupla tipicidade, manifestou-se o Ministro Eros Grau:

Os delitos que fundamentam o pedido de extradição atendem ao requisito da dupla tipicidade. As condutas que envolvem o tipo penal de conspiração para o tráfico internacional de entorpecentes, em tese, equivalem aos delitos tipificados nos arts. 12 e 14 da Lei nº 6.368/76. Atualmente, encontram correspondência nos arts. 33 e 35 da Lei nº 11.343/06, que revogou expressamente a Lei nº 6.368/76. A conduta de conspiração para lavagem de dinheiro tem correspondência no Brasil com o art. 1º, I da Lei nº 9.613/98 e o homicídio, segundo descrição dos autos, com o art. 121 do Código Penal.

(...)

Satisfeitos, portanto, os requisitos da dupla punibilidade e dupla tipicidade em relação aos delitos imputados ao extraditando.[8] (grifos do autor)

5. Inocorrência da prescrição da pretensão punitiva ou executória. Esse requisito obedece ao "princípio da lei prescricional mais favorável" inserto no inciso VI do art. 77 da Lei 6.815/80, segundo o qual não se concederá a extradição quando estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente. Vejamos o que enunciou o Ministro relator do caso:

Não há que se falar de prescrição em relação aos delitos de homicídio, conspiração para o tráfico internacional de entorpecentes e de lavagem de dinheiro. O regime de prescrição do direito norte-americano, na forma da legislação juntada aos autos (fls. 107), impede a punição daqueles crimes não capitais cuja pronúncia se deu após cinco anos contados da prática da conduta delituosa (Título 18, seção 3282, do Código dos Estados Unidos). Os fatos imputados na pronúncia do Distrito de Nova Iorque teriam ocorrido no período de 1989 continuando até a data do protocolo do terceiro indiciamento supletivo, que ocorreu em 2007. Não há, portanto, entre a data de cessação da conduta e a data da pronúncia o lapso de cinco anos.

Em relação à acusação do assassinato de VLADIMIR BIEGELMAN, também não houve a prescrição da pretensão punitiva. Isso porque, apesar do homicídio ter ocorrido em 2 de dezembro de 1993 (fls. 235/236) e a pronúncia só ter se dado com o terceiro indiciamento supletivo, em 5 de setembro de 2007 (fls. 212/214), trata-se de crime capital, não estando sujeito a prazo prescricional, podendo a ação penal ser iniciada a qualquer tempo7.Pela lei brasileira, a prescrição também não ocorreu. O art. 121, caput, do Código Penal prevê a pena máxima de 20 (vinte) anos para o crime de homicídio. Já o crime do art. 12 da Lei nº 6.368/76 possui a pena máxima de 15 anos, pena essa que não foi alterada pelo art. 33 da Lei nº 11.343/06. Nos termos do art. 109, I do CPB, o prazo prescricional, para ambos os delitos, é de 20 anos.

O crime de associação para o tráfico tem a pena máxima de 10 anos (art. 14 da Lei nº 6.368/76), pena que continua idêntica no art. 35 da Lei nº 11.343/06 e que, conforme dispõe o art. 109, II do CPB, sujeita-se ao prazo prescricional de 16 anos. A legislação brasileira prevê que o delito de lavagem de dinheiro, cuja pena máxima é de 10 anos, prescreverá também em 16 anos (art. 109, II do CPB).[9](grifos do autor)

6. Não sujeição do extraditando a julgamento, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção. Tal requisito enquadra-se no inciso VIII, art.77 da Lei 6.815/80, como impedimento à concessão da extradição. Trata-se "de submeter à juízo a autoridade judiciária que um Estado soberano investiu no poder decisório, havendo-a, conforme o caso, por regular ou por excepcional"[10]. No caso em análise, o extraditando será submetido ao julgamento da Corte Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Oeste de Nova Iorque, não se enquadrando, portanto, a referida Corte em juízo de exceção.

7. Não cominar a lei brasileira, ao crime, pena igual ou inferior a um ano de prisão. Este pressuposto esta em conformidade com "princípio da gravidade do delito", pelo qual o fato imputado ao extraditando deve-se revestir de um mínimo de gravidade, devendo o quantum cominado abstratamente ser apurado à base da lei brasileira. "Frusta-se a extradição quando nossa lei penal não lhe imponha pena privativa de liberdade, ou quando esta comporte um máximo abstrato igual ou inferior a um ano" [11].

Juan Ramirez Abadia é acusado nos EUA pelos crimes de:

* Conspiração para o tráfico internacional de entorpecentes, que equivale aos delitos tipificados nos arts. 33 e 35 da Lei nº. 11.343/06, culminado a pena base de reclusão de cinco a quinze anos no primeiro caso, e reclusão de três a dez anos, sem prejuízo do pagamento de dias-multa.

* Conspiração para lavagem de dinheiro, que tem correspondência no Brasil com o art. 1º, I da Lei nº 9.613/98 tendo como pena reclusão de três a dez anos.

* Homicídio qualificado, equivalente ao tipo do art. 121, § 2º do Código Penal Brasileiro que acarreta pena de reclusão de 12 a 30 anos.

Assim, após análise dos referidos requisitos legais para a concessão do pedido de extradição de Juan Carlos Ramirez Abadia o Ministro relator Eros Graus em parecer se manifestou pelo deferimento do pedido de extradição.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Direito Processual Penal/ Direito Internacional. Extradição nº. 1103. Requerente: GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Extraditando: JUAN CARLOS RAMIREZ ABADIA. Relator: Ministro Eros Grau. Brasília, DF, 22 de outubro de 2007. Disponível em <http:// www.stf.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2008.

DELAÇÃO PREMIADA: Juiz explica porque rejeitou acordo com traficante. Revista Consultor Jurídico, 16 jan. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 16 set. 2008.

FREITAS. Silvana de Freitas. Procurador-Geral sugere que STF autorize extradição de Abadia.Seção Notícias Clipping/ Ministério Público Federal.Disponível em: <http://www.anpr.org.br>. Acesso em: 16 set. 2008.

INTERESSE NACIONAL: Presidente é o juiz do pedido de extradição de Abadia. Revista Consultor Jurídico, 8 fev. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 16 set. 2008.

MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2008. 1018 p.

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva: 2000. 440 p.

__________. Direito internacional público: curso elementar. 11ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva: 2008. 440 p.

SILVA. José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros. 2008. 926 p.

STF autoriza extradição de Juan Carlos Abadia. Notícias STF, 13 de mar. 2008. Disponível em: <http://www. stf.gov.br>. Acesso em: 16 set. 2008.




Autor: Vanessa Ramos Brito


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