Sala De Professores!



Sala de professores em três sets

 

E a vida?
e a vida o que é diga lá, meu irmão?
ela é a batida de um coração?
ela é uma doce ilusão?
mas e a vida?
ela é maravilha ou é sofrimento?
ela é alegria ou lamento?
o que é, o que é meu irmão?

                                                                O que é, o que é? Letra Gonzaguinha

                                                                       In: gonzaguinha.letras.terra.com.br

O sonho que imita a vida

 

Somos quem podemos ser
Sonhos que podemos ter

                                                            GESSINGER, Humberto. Somos quem podemos ser

                                                                  In: engenheiros-do-hawaii.letras.terra.com.br

 

O professor Justino, após uma noite mal dormida: os pesadelos, os suores frios, um mal-estar que não sabia de onde vinha, ouviu um suspiro acompanhado de um grito de dor, estava exausto nem se importou com o fato.Ao despertar,  a primeira lembrança que lhe veio à mente foi isso, além, é claro, de que hoje é o dia de dar aulas para aquelas turmas terríveis.

Abre os olhos, consulta o relógio, a luz havia terminado durante a noite e por esta razão não conseguiu ver a hora de imediato.Abre a janela o sol está radiante, liga a televisão e descobre que ... já passavam das oitos horas...fala consigo mesmo:

-         Vou chegar atrasado, já perdi a primeira aula. Vai correndo ao telefone. Talvez ... dê... tempo de dar as quatro aulas restantes! ... Agora é só dar uma boa desculpa para a diretora...

 

Lava o rosto, escova os dentes, sai do banheiro e veste-se maquinalmente.O café da manhã, definitivamente, ficaria para a hora do almoço.Procura a chave, olha no bolso da calça, no chaveiro, em cima da geladeira, na estante e não a encontra.Esta maldita se encontrava na porta!

Ao abrir a porta, sente-a pressionada para dentro e um leve toque na campainha. Olha pelo olho mágico mas nada vê.Abre a porta e quase que instantaneamente o corpo de uma bela jovem, aparentando não mais que vinte e cinco anos,  cai aos seus pés. Hesita um pouco em tocar no corpo, tira a pulsação ... não há o menor sinal de vida.

-         Ai meu Deus! Ela está mooorta!!! Sente um calafrio em seu corpo que lhe percorre a espinha, olha para o corredor e não vê uma alma viva, nenhum vulto de qualquer boa alma que o passa o ajudar, O que fazer?!!

 

Vai de volta ao telefone, ele não funciona. Há apenas uma mensagem da empresa:

-         Este telefone está temporariamente fora de serviço para serviços de manutenção de linha!...

 

Não sabe de imediato o que fazer com o corpo arrastá-lo para dentro ou deixá-lo no corredor. Suas digitais, seu DNA já estavam gravados no corpo morto? O negócio é levá-lo para dentro e sair para buscar ajuda. Após os primeiros passos na rua, vê uma viatura policial e a pára de assalto:

-         Senhores! Ajudem-me, estou em sérios apuros! Justino não teve tempo de explicar a situação...

 

O relógio toca solenemente sobre o seu criado-mudo.Toda a sua aflição não havia sido nada mais e nada menos que um dos muitos pesadelos que o atormentava.Sobre a sua cama está o texto Versões de Luis Fernando Veríssimo.

  Julho de 2005, pouco antes das férias.

 

 

             

O terceiro sexo e meio

 

Eu não faço questão de ter todas as respostas. Mas certamente vale a pena pensar a respeito das perguntas (Arthur Charles Clakes)

 

Maria Rita de Cássia entre suas conjeturações matemáticas tais como o quadrado da hipotenusa, a Fórmula de Báscara, a Trigonometria, Figura Geométricas defendia uma tese:  - homem era uma coisa  definitivamente em extinção.Os poucos que ainda restavam tratavam logo de arrumar uma mulher ou viravam a casaca.

 

Um dia entrou na sala dos professores e viu um jovem interiorano com a sua aliança no dedo.Ela não teve dúvidas de reafirmar o seu ponto de vista:

-         Eis mais uma prova da minha teoria, este professor nem bem chegou em São Paulo e já está noivo.Esta cidade está empestilhada de mulheres, é só chegar um homem que elas logo agarram.Os homens que por aqui nascem se casam ou viram boiola. Os seus olhos o tempo todo estava fitos no professor Raul Fernandes de Biologia.

 

Ante a platéia masculina que era a totalidade da sala não ouve nenhuma manifestação de concordância e nem de discordância, exceto uma visível manifestação de irritação por parte do professor Raul, assim que ela saiu, ele não mais se conteve:

 

-         Qualquer dia desses vou dizer umas poucas e boas para essa mulher. O que ela pensa que é? Viu que ela disse isso só para me ofender. Diante dos olhares inquisitórios da platéia masculina, ele logo respondeu:

-          Não sou do terceiro sexo não.Tenho namorada, eu acho que minha vida sentimental não é travesseiro de pena aberta em sacada de edifício, isso só interessa a mim e a Lucíola, e a mais ninguém.Não suporto nem mais ver esta mulherzinha!

 

Nesse meio tempo Sofia, a diretora da escola entra na sala e ouve, sem que Raul perceba, a declaração de desafeto.Como se nada percebesse retira-se e volta para dar início à reunião programada. Já certificada de que, Maria Rita já havia entrado em sala-de-aula e dirige palavra ao grupo:

 

-         Boa tarde para quem eu ainda não cumprimentei, eu tenho algo para dizer ao grupo que pode ajudar a melhorar o nosso ambiente de trabalho. A Maria Rita é uma excelente profissional e uma grande amiga minha.Não estou aqui para defendê-la e muito menos aprovar a sua atitude, acontece que o seu casamento com Cleomar acabou de uma maneira chocante, após apenas oito meses!

-         Ele faleceu?Perguntou Raul mostrando interessado no assunto e já dominando a sua cólera.

-         Antes fosse isso! Prossegui ironicamente Sofia. O fato aguçou a curiosidade do grupo ainda mais.Vocês lembram aquele dia em que vocês foram para o Playcenter com os alunos em excursão. Ela chegou em casa,mais cedo, cheio de amor para dar, pois estava certa de que aquele dia ele ficaria em casa para finalizar mais uma produção de um comercial, ele é publicitário.

-         Conta logo essa história! Reclamou o professor Heitor.

-         Abriu com cuidado a porta do apartamento, andando nas pontas dos pés foi dirigindo-se ao quarto.Pensou consigo mesma será que ele não está passado bem!Esta hora e ainda está na cama.Ao abrir a porta de seu quanto vê o melhor amigo, o padrinho de casamento – Cleiton -  nuzinho da silva em caloroso beijo com seu ex-marido, Cleomar, sob as suas roupas de cama de cetim!

-         Você está tirando uma lasquinha, só para nos gozar falou o professor Félix!

-         Agora vocês entenderam? Porque para ela homem não mais existe?!!

 

Agosto de 2005, inverno em um hemisfério e verão no outro.

 

      Aos primeiros vermes que... prefácio de Brás Cubas

(In memória ao professor Flávio)

 

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado

Olhando o esquife longamente

Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade

Que a vida é traição

E saudava a matéria que passava

Liberta para sempre da alma extinta

BANDEIRA, Manuel. Momento num café.In: Antologia poética.

                                                        7.ed. Rio de Janeiro, José Olympio,1974.p.103

 

 

O professor Eustáquio  era conhecido por sua paixão por Machado de Assis, Brás Cubas era a sua obra predileta, o bom aluno em sua opinião era aquele que se tornava “machadofilo” como ele.O episódio que se sucedeu a sua morte trazia muitos ingredientes dos enigmas machadianos.

 

Conta-se que tudo começou com um churrasco de confraternização em seu sítio  com turma que o escolhera para professor paraninfo.Marcela, aluna mais sensual da turma, após umas e outras, mesmo diante da mulher e dos filhos do professor, não teve o menor constrangimento de dizer que seu sonho era fazer um filho com professor para ver se ele pegava um pouco da sua inteligência, se o professor quisesse não precisava esperar nem até o final do churrasco. Eustáquio não teve tempo de fazer qualquer remendo a situação, Aurora, sua esposa em um ataque de ciúmes:

 

-         Olha aqui, minha filha, quem você pensa que é? Se você não aprendeu com tua mãe eu vou te mostrar!

-         Fica na tua velha! Sou a aluna mais gostosa que seu marido já teve!

-         Atrevida! Vou te mostrar como se faz com meninas como você!

 

A galera do “deixa disso” não teve tempo de entrar em cena. Eustáquio com a sua mão em seu peito, cai no chão e começa a se retorcer, a convulsionar....Os filhos gritam pai! Paii!. Os seus lábios começar a ficar rocheados, seu rosto empalidece... Ele está enfartando, vamos levá-lo depressa para o hospital.

 

                 O dia da formatura se aproxima, após uma semana e meia na UTI, ele solicita insistentemente a presença da coordenadora até que sua esposa e seus filhos atendem o pedido, mesmo sem poder se levantar ele solicita que esta tome a sua pasta e leve as notas finais dos alunos.Mesmo com dificuldades por causa dos aparelhos ele diz ao ouvido da coordenadora Capitolina:

-         Leve as notas que depois da cirurgia eu vou estar lá na formatura!

-         Já está na hora da senhora deixar de importunar meu pai! Fala rispidamente o filho mais moço, ao que o pai dá mais um gemido de dor!

 

O médico de plantão examina e conclui que Eustáquio deverá ser conduzido o mais rápido possível para a cirurgia reparadora, pois acabara de sofrer mais um infarto do miocárdio, as chances de que ele pudesse sobreviver eram mínimas.

 

No dia seguinte quando Fideliz, presidente do Centro dos Professores, chegou à escola o clima era de comoção generalizada.Capitolina estava passando mal, e em seu desabafo disse:

-         Só falta dizer que eu fui  culpada da morte !

-         Culpada é aquela maldita Marcela! Falou,com muito destempero,  a professora Nicole.

-         Se ela andou se jogando para cima dele é por que ele deu motivo! Falou a professora Clarice, que saiu em defesa da aluna, os homens não se seguram quando um rabo de sai arrasta as asas.

-         Estimados professores, estamos convidando alguns colegas e alunos para formar uma comissão representativa  para levar uma palavra de conforto e um abraço a família enlutada, anunciou solenemente o presidente do centro dos professores.

-         Isto é um absurdo! Bradou Clarice:

- “ ’ta na cara que ele andou tendo um caso com a aluna, agora é só esperar o filho dele nascer!”

-         Bem que ele andava arrastando as assas para ela! Estelita disse maliciosamente!

A torcida estava formada dos que eram a favor da ida ao enterro e dos que se contrapunham.A decisão foi adiada até se encontrar  um veículo para o transporte da comissão composta por alunos e professores.As duas torcidas já estavam formadas. A hora da decisão era chegada e professor Fideliz voltou para instauração da comissão representativa.Agora eram a palavras exatas e da forma certa:

-         Colegas professores, aqui não se trata de fazer o julgamento moral do colega que partiu mas sim um ato de solidariedade ao ex-colega e a sua família enlutada, em reconhecimento ao trabalho que prestou a nossa instituição educacional!Discursou o presidente.

-         A mulher dele e os filhos vão botar vocês a correr e por isso eu não vou! Bradou em alto e bom tom Capitolina.

 

Fez se um silêncio geral e aos poucos alguns professores foram deixando a sala de professores, local onde a reunião acontecia.  Alguns poucos, entretanto, se  prontificaram timidamente a acompanhar o professor Fideliz e os alunos ao velório.Quando chegaram ao local do velório, mais uma vez fez se necessário flexionara o verbo com muita precisão:

 

-         O teu pai, meu amigo, não podia ter escolhido um dia melhor para partir, por que hoje ele é um professor nota dez, foi no dia dez que ele partiu para se encontrar com Deus!

-          

As poucas palavras de Fideliz foram retribuídas com um pedido de desculpa por parte dos filhos de terem sido deseducados com a professora Capitolina e  um abraço caloroso no presidente do Centro de Professores.

 

O episódio  não é apenas uma lembrança na memória de Fideliz; mas plena confirmação da dedicatória de Brás Cubas aos vermes, eles não deixam de trabalhar como operários incassáveis da ruína material e espiritual. Às vezes ele são tão boníssimos que nem desconfiamos da sua verdadeira identidade.

 

Agosto de 2005, Dia dos pais!

 

 

       

 

 


Autor: Orlando Hanusch


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