O Exercício da Cidadania Como Mecanismo de Prevenção à Corrupção



INTRODUÇÃO

Certa ocasião, o filósofo Immanuel Kant (3 de dezembro de 1783, p. 516)[1], um dos mais importantes da história do pensamento ocidental, escreveu a um jornal tentando responder a questão was ist Aufklärung? Traduzindo a frase do alemão encontra-se "o que é esclarecimento"? Respondendo a questão, Kant propõe que esclarecimento é a saída do ser humano do estado de menoridade para alcançar a maioridade, mais do que alcançar é um libertar-se das cadeias que o prendem dentro da menoridade. A maioridade conduz o ser humano ao esclarecimento, é a passagem que marca uma liberdade de pensamento. Em primeiro lugar, é o ser humano que ousa enfrentar racionalmente aquilo que parece ter sido já consagrado como óbvio. Ainda é possível afirmar que a idéia de Kant representa a maioridade como uma demonstração de autonomia humana. O abandono da menoridade não é um processo subjetivo individualista, mas "é uma mudança história que atinge a vida política e social de todos os homens sobre a superfície da Terra" (FOUCAULT, 2000, pág. 338). A saída do estado de menoridade dar-se-á através de duas condições essenciais, e estas condições são simultaneamente espirituais e institucionais, éticas e políticas e por sua vez, darão ao ser humano a livre possibilidade de raciocinar o quanto quiserem, sem a opressão da obediência externa de alguma autoridade.

O pensamento de Kant e o comentário de Foucault sobre a mesma questão direcionam a reflexão ao problema que será abordado ao longo deste texto monográfico: o exercício da cidadania como mecanismo de prevenção à corrupção. A prática de cidadania pressupõe a participação pública através de direitos e deveres do cidadão na vida política nacional. Não basta ao indivíduo estar em um espaço geográfico, mas ele é convidado a viver ativamente na construção deste espaço, assumindo determinados valores e posições que favorecerão uma melhor possibilidade de vivência, tanto dos governados como dos governadores. O processo dicotômico só faz sentido quando existe, os dois lados que se completam, governado e governante, corruptores e corruptíveis, por exemplo.

A reflexão seguirá apontando caminhos para a prevenção da corrupção com o intuito de mostrar a importância do envolvimento consciente da participação pública no processo de gestão do espaço geográfico brasileiro. A história nos mostra que durante o caminhar dialético dos séculos, inúmeros impérios ruíram por conta da corrupção humana. Este tema já está sendo abordado desde a sistematização racional do pensamento ocidental na Grécia Antiga, como em Platão, por exemplo. O que o texto ousa fazer, é propor a construção de uma maioridade a partir da ênfase no processo educacional, como um mecanismo que sugere aos indivíduos que formam o Estado, uma atitude de libertação da menoridade e de participação ativa no processo de gestão pública. Não é a intenção do texto tratar o exercício da cidadania como um modismo, mas através dos mecanismos já existentes que fundam o processo democrático brasileiro, tornar consciente a reflexão sobre o papel de cidadania que é cabível a todos os que compõem o Estado brasileiro. Tal atitude poderá levar os indivíduos à maioridade.

1. CONTROLE INTERNO

O trabalho que segue tem por objetivo apresentar uma reflexão sobre a prevenção da corrupção. Por muitas vezes quando fala-se em política com os jovens eleitores, eles traçam uma relação direta entre ela e a corrupção. O que os leva a tal reflexão? É desnecessário por hora, responder diretamente esta questão, mas buscar refletir sobre os mecanismos de combate à corrupção e à prevenção. Antes de começar a falar propriamente do tema proposto – A prevenção da corrupção – é fundamental abrir um parêntese e comentar sobre a origem dos termos em questão: prevenção e corrupção. Como a primeira pode direcionar a uma ação em relação a outra. Estes pressupostos abertos neste capítulo serão de suma importância, porque proporcionam conhecer o mecanismo para depois apontar possíveis soluções. E é evidente que quando trata-se de corrupção, enfatiza-a dentro da perspectiva da corrupção política.

A palavra "corrupção" tem origem no latim, corruptus, corruptione que significa deterioração, podridão, ou ainda, putrefação. Termos pesados e fortes. Pela definição é evidente que a palavra em si não propõe uma atitude digna e por si mesma, ética. O problema mencionado dos jovens eleitores que a relacionam com a política deflagra outro problema, a relação da política entendida como administração do bem público com o ato da corrupção em si, estendendo duas realidades diferentes e distintas sobre o mesmo patamar. Voltando a palavra, observa-se que sua estrutura etimológica direciona a certa repulsa. Para entender tal repulsa é possível traçar uma comparação com certos costumes que se mantêm nas relações diárias, por exemplo, uma simples ida à feira. Quando se depara com algum alimento estragado, a tendência do comprador é de buscar um local onde o alimento desejado mostre um aspecto mais agradável. Não se rejeita somente o produto deteriorado, mas também toda a banca que o oferece. Busca-se então buscar alternativas para concretizar a tal compra. A analogia do produto estragado pode ser facilmente transportada para o cenário político. Encontram-se inúmeras pessoas que abnegam seu direito de escolha proporcionado nas eleições, generalizando todas as opções sob o fatídico rótulo de corruptos. Ao longo deste texto haverá mostras de que a comparação entre política e corrupção é uma generalização desnecessária e que é preciso um olhar atento e adequado sobre os fatos. Com tal postura, será possível conhecer algumas práticas e resultados que possivelmente poderiam ser adotados como uma atitude de combate à corrupção. Toma-se aqui corrupção, por definição, como uma ação prática inidônea e ilícita. Não haverá uma postura subjetiva, mas por evidência dos fatos históricos, pretende-se deixar aqui registrado que não há corrupto, sem corruptor.

A palavra "prevenção" nos dá a idéia de uma tomada antecipada de postura frente a alguma coisa. Pode-se afirmar, portanto, que é um conjunto de medidas antecipadas que visa precaver algum mal subseqüente, ou ainda, favorecer uma ação cautelar. Exemplificando: quando uma determinada comunidade oferece uma campanha de vacinação como prevenção a uma doença qualquer, significa que existe a real possibilidade de tal doença manifestar-se dentro desta comunidade. A campanha de vacinação preventiva não elimina radicalmente a doença, mas diminui consideravelmente as possibilidades de ela se manifestar. Uma campanha de prevenção não é um ato isolado oferecido apenas em uma oportunidade, mas uma ação que deve ser repetida inúmeras vezes e por casos em períodos regulares, quanto forem necessários. A campanha em si não resolve os problemas, apenas amenizam e criam nova expectativa frente àquela realidade na qual a vacina é concebida. Mas esta "amenização" aliada a uma nova expectativa, gera uma possibilidade de crescimento e desenvolvimento. Esta mesma prática, a da "vacinação", pode ser aplicada tranquilamente dentro da realidade política brasileira.

Outra delimitação que se faz necessária é que a análise dos fatos que aqui serão mencionados destinar-se-á a realidade política operatória brasileira, visando uma aplicação prática. Com a definição dos termos prevenção e corrupção presentes, é possível a partir de agora descrever as ações que nortearão este texto monográfico. E a primeira ação para nossa reflexão será a importância do Estado no controle de prevenção à corrupção.

1.1 O PAPEL DO ESTADO

Quem nunca passou por uma situação cotidiana onde o carro é abastecido por gasolina adulterada, o peso no mercado é superior ao peso real do produto, ou mais simples ainda, os ingressos para aquela partida importante de futebol apenas são encontrados nas mãos dos "cambistas". Podem ser atos simplórios, mas estão carregados de uma ação corrupta e ilegítima onde uma das partes tenta ganhar alguma vantagem em detrimento da outra parte envolvida. Nos casos mencionados, a solução do problema está ligada diretamente a ação de um órgão público fiscalizador. Segundo Weber (1967) o Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detém o monopólio legítimo do uso da força (coerção, especialmente a legal).

A idéia do pensador alemão sugere que a instituição maior que cerca e controla as possibilidades de ação do indivíduo deve ser capaz de controlar também todas as instituições sociais que estão envolvidas no processo, como a si mesma, a fim de evitar prejuízos e apropriações ilícitas. Ainda seguindo as idéias de Weber, caberia ao Estado legitimar sua ação garantido um controle interno sobre todos os processos, mesmo que seja necessário fazer uso de forças coercitivas externas para garantir tal situação. Essa ação se justifica diante dos atos onde o ser humano não possui uma linearidade das ações.

Ocorre que o homem, em obediência à sua natureza real, é capaz de nos dar uma flor ou um tiro. Esse comportamento, aparentemente paradoxal, não deve nos espantar uma vez que tanto o gesto de dar flores como o de dar tiros provém de princípios naturais. Por isso, não devemos nos empolgar muito quando recebemos flores, para que possamos entender o gesto de quem nos der tiros, de quem nos furtar, de quem nos fizer chantagem, de quem nos enganar. (BATISTA, 2008, pág. 11).

Amarrando o conceito weberiano de Estado com a idéia de Batista, percebemos que se faz necessário a prática do conceito de Estado defendida por Weber para garantir a soberania das idéias dentro de uma situação de legalidade. O olhar para as organizações políticas deve ser um olhar cauteloso onde surjam mecanismos de fiscalização que tentem ser mais transparentes possíveis com o intuito de garantir uma participação livre de idéias corruptas. O Estado antes de buscar práticas externas deve garantir sua integridade nos processos internos que lhe estruturam. E como o Estado faria isto?

Não cabe aqui expor inúmeros atos violentos e desumanos de repressão que foram largamente usados na história da humanidade, mas sim propor um estado forte e politicamente bem organizado. Um Estado onde a máquina governamental seja transparente e enxuta. O filósofo francês Jean-Jaques Rousseau (1987) afirma que para garantir o bom funcionamento da máquina do Estado é preciso uma estrutura pequena e bem acertada. Como pensar esta estrutura num país de dimensões continentais como o Brasil? Novamente volta-se mesma idéia de que é mais do que necessário uma postura fiscalizadora em todos os escalões, independente das dimensões, contrariando o pensador francês. O Estado, através da formação dos três poderes, judiciário, legislativo e executivo, deve garantir meios de fiscalização e a população, acompanhando de perto as ações dos parlamentares do executivo e judiciário, pode contribuir significativamente. O acompanhar aqui tem a idéia de uma prática presencial através dos meios que os próprios poderes oferecem.

A esta altura alguém poderia questionar o que há de novo na proposta do texto? Não há nada novo apresentado aqui. O Brasil é uma estrutura democrática onde há a interação constante entre os três poderes: judiciário, legislativo e executivo. Estabelece meios internos de fiscalização e inúmeros instrumentos externos para garantir a participação da população como agentes fiscalizadores. Se tudo isso já está presente, então, o que há de errado? Por que a corrupção se faz presente?

As respostas para os questionamentos que aparecem no parágrafo anterior estão na educação e na formação escolar do cidadão brasileiro. "Qual é a função da educação? Não é a de preparar o estudante, o jovem ou a jovem, para enfrentar a vida, para viver sem temor?" (KRISHNAMURTI, 1954, pág. 153). A prática educacional deveria garantir que todos os estudantes tivessem condições mínimas de se instrumentalizar para conseguir o suporte mínimo para o acesso a informação e a participação consciente do processo político. A educação deve primar para a formação de cidadãos e permitir que eles atuem nos mais diversos setores da política brasileira, seja na práxis eleitoral ou no acompanhamento consciente e consistente das práticas políticas.

Aqui se tem agora uma ação paradoxal. O capítulo inicia com o pensamento weberiano onde o Estado exerce um controle, mas é encerrado com a idéia que o cidadão deve ter um controle fiscalizador. As duas ações completam-se dentro de si. Quem forma o Estado? O Estado é formado por pessoas que devem desapropriar-se de intenções particulares e assumir o Estado de Direito para garantir a liberdade civil, a proteção jurídica e os direitos humanos fundamentais. A formação do Estado depende diretamente da ação daqueles que hão de controlar a prática estatal e dos demais que exercerão uma atitude consciente.

1.2 ALGUMAS LIÇÕES COM A HISTÓRIA

Após a reflexão do papel do Estado e da ação do cidadão, há outro ponto importante para nortear o eixo de prevenção à corrupção: o apontamento de alguns dados históricos. O que faz uma sociedade cultivar tais atitudes? O termo "cultivar" é usado porque analisando historicamente o caso do Brasil, observa-se que desde a implantação do sistema de exploração do Pau Brasil tem aqui indícios da ação corrupta. A degeneração do ato não aponta a história e seus fatos como geradores, mas sim, a prática da corrupção que se junta a diversas atitudes de aceitação e de não combate. O não combate a corrupção que é o fato mais agravante. Mas volta-se questão desde parágrafo, o que faz a sociedade cultivar tais atitudes?

Ao apontar a corrupção como algo inerente a sociedade, atesta-se junto aos seus costumes, uma patologia enraizada muito forte. Uma patologia social [2] própria de uma sociedade que está em processo de colapso. Apenas será deflagrado o colapso da sociedade que aceitou passivamente a corrupção, onde o Estado de Direito deixa de existir. Agora, havendo uma sociedade onde é permitido buscar soluções conscientes e instrumentalizar os cidadãos para que haja um combate efetivo da corrupção, haverá uma esperança de reversão do quadro patológico. O quadro patológico somente será definitivo se não houver reflexão da práxis social. Embora a história do Brasil esteja marcada por inúmeros fatos ligados a corrupção, houve também iniciativas de combate e tentativas de reversão.

No processo de corrupção e combate são inevitáveis algumas marcas sintomáticas, por exemplo, o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, em 1992. Neste momento delicado da história, um extremo pessimismo nacional em relação ao sistema político brasileiro se instalou no país. No ano seguinte, ocorreu um plebiscito onde a população deveria escolher qual sistema político seria adotado. O quadro desenhado era o seguinte: Itamar Franco como presidente do país, desconhecido de grande parte da população e a sombra do desgastante processo de Collor. As primeiras pesquisas sobre a intenção de voto no plebiscito apontavam que o Parlamentarismo seria o melhor sistema político [3]. Depois da campanha chegou-se a outro resultado. Tudo isto objetiva mostrar que os processos de denúncia, investigação, esclarecimento e julgamento deixam algumas cicatrizes, não é um processo dialético simples e direto. Acredita-se que este fato ficará marcado na história do país e será lembrado pelas manifestações populares e pelo apelo à mudança, mas carrega consigo também um olhar atento aos problemas periféricos. É inevitável olhar para a história e não relacionar os dois acontecimentos: o impeachment e o plebiscito. Embora houvesse um processo marcado pela condenação da corrupção é importante salientar que algo de profundo e sintomático ficou registrado na história.

Os fatos históricos aqui rapidamente mencionados enfatizam que é preciso refletir sobre mecanismos de prevenção e de combate a corrupção. A aceitação simples de tal ato ilícito, apenas agravará os sintomas de uma patologia social. É preciso justificar as ações e direcionar um gerenciamento de atitudes para que a sociedade brasileira não entre num colapso definitivo, para tanto, há de se salientar a importância da ética nos processos públicos, bem como a transparência e o controle social, impedindo conflitos de interesses entre os setores públicos e privados.

2. GERENCIAMENTO DE RISCOS

O Estado tem papel essencial no gerenciamento do espaço geográfico. Como foi possível perceber no capítulo anterior, o Estado deveria estar para além do ser humano. A instituição deve ser superior ao próprio indivíduo a fim de garantir e gerenciar sua estrutura, obedecendo aos contratos legais estabelecidos por meio de seus gestores. Esta definição de Estado é um olhar, em certo grau, utópico sobre o papel, que de fato, se desenha sobre a ação do sistema para com o ser humano, que é parte intrínseca do sistema. No plano teórico, concebe-se o Estado através de uma estrutura imaculada, porém, em sua aplicação empírica, o Estado é uma instituição passível de falhas. Gerenciar as possibilidades de falhas de forma competente é o que vai determinar o sucesso ou o fracasso da instituição diante daqueles que a compõe. Compreender a definição de Estado e buscar sua reflexão no plano teórico é um fator primordial, mas é preciso compreendê-lo também na práxis cotidiana com a intenção de traçar um paralelo entre aquilo que é o ideal e aquilo que ocorre.

A análise histórica é rica porque ela nos permite tomar como exemplo um grande número de impérios grandiosos e nações de menor expressão como exemplos para a reflexão do quadro político atual. O testemunho da história permite notar que numa administração, seja ela qual for, pode haver generalizações, ou melhor, rotular aqueles que a compõe. Portanto é arriscado usar expressões do tipo, todos são corruptos ou todos são honestos. Existem pessoas que agem de acordo com o ponto de vista legal, como também existem outras que buscam todas as possibilidades de falhas dentro do sistema que permitam alguma ação ilícita de beneficiamento particular ou público de acordo com seus interesses. Mas o combate deve ser algo sistemático com um gerenciamento a curto, médio e em longo prazo. Como o objetivo deste capítulo é uma reflexão sobre o gerenciamento de riscos é de obrigação estabelecer, pelo menos, um critério para a análise da prática de corrupção. A análise, para evitar ou diminuir os riscos diante daquilo que é considerado ilícito ou prática corrupta, deveria partir do critério que a corrupção é um crime tão grave quanto o assassinato, roubos ou furtos. Não é objetivo de este texto levar em consideração o aspecto moral que é envolvido nos crimes citados a pouco, mas sim, enquadrar a corrupção dentro das penas previstas em leis com um crime que merece num possível julgamento um olhar de repúdio tão grande como aquele que o povo brasileiro demonstrou no caso dos meninos João Hélio e Isabella Nardoni [4].

No final do ano de 2000, o então deputado federal pelo Estado do Pará, João Batista, o Babá, propôs no Projeto de Lei n°. 3.961/00 que enquadra os crimes de corrupção ativa e passiva[5] como crimes hediondos. Casos em que a corrupção ocasiona grave dano individual ou coletivo, o projeto preveria uma pena de reclusão de 10 a 25 anos e multa. Este pequeno exemplo tem como objetivo ilustrar e fortalecer aquilo que é mencionado no parágrafo anterior, um olhar atento para despertar no todo que forma o Estado, uma necessidade de interação e mediação entre todas as camadas da população. Mas adiante o texto dedicar-se-á atentamente aos aspectos legais de combate a corrupção.

Para fins de discussão, será apontando qual tipo de comportamento é concebido como prática de corrupção. Não somente crimes subsidiários como o suborno e o nepotismo são considerados práticas corruptas. O tráfego de influência, o beneficiamento através da obtenção de favores, facilitação em processos de licitação pública são alguns exemplos daquilo que pode ser considerado crimes. A definição do que é e do que não é corrupção não é uma questão objetiva, há variações de acordo com o país analisado, o que permite dizer que as práticas corruptas têm uma dimensão cultural, embora se enfatizará aqui, a situação brasileira.

Para compreender esta questão brasileira é importante também conhecer o que as leis que regem o país falam a respeito. A Constituição Federal no Artigo 37 afirma que "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)". O artigo permite perceber sem a necessidade de uma análise mais detalhada que qualquer possibilidade de corrupção já deveria ser banida sumariamente. E a Lei n° 8.443/92 enfatiza que:

Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação dos recursos repassados pela União (...) da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos, ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao erário a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração da tomada de contas especial para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis equantificação do dano.

A quem caberia a prática de gerenciar as situações de riscos? Esta pergunta é o eixo que determina a discussão dentro deste capítulo. Como já se discutiu no capítulo anterior, a ação de fiscalização dentro da corrupção é algo que envolve o Estado como um todo: seus gestores, órgãos fiscalizadores e toda a população. Já sabendo o que é corrupção, a busca por esta resposta consiste na análise e conhecimento das tipologias de corrupção. Para justificar a participação dos vários segmentos do Estado, percebe-se que as próprias leis que o regem já prevêem este tipo de cooperação e mecanismo, vamos observar alguns apontamentos legais.

O Artigo 194, da Constituição Federal, afirma que "a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social." Não se deve apenas esperar a iniciativa do Poder Público, mas a sociedade como um todo, deve buscar e criar mecanismos que assegurem e garantam suas necessidades frente ao Estado. Apesar da necessidade da participação pública, o próprio sistema possui mecanismos internos que deverão se auto-controlar, conforme o Artigo 70, onde diz que "a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida (...) pelo sistema de controle interno de cada Poder" e prossegue no Artigo 74, "os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno".

Dentro do espaço democrático há a possibilidade de estar junto a estes sistemas internos e um amparo legal que garante a participação, embora que indireta, de toda a população. O amparo legal é pautado sobre a Lei n° 8.112/90 que no Artigo 114 afirma que "as denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade." Após apuradas as denúncias A Lei n° 10.683/03, no Artigo 18 aponta as atribuições da Controladoria Geral da União frente as denúncias, "À Controladoria-Geral da União, no exercício de sua competência, cabe dar o devido andamento às representações ou denúncias fundamentadas que receber, relativas a lesão ou ameaça de lesão ao patrimônio público, velando por seu integral deslinde". E enfatizado no Artigo 74 da Constituição Federal: "Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União".

2.1 TIPOLOGIAS DE CORRUPÇÃO

A prática ilícita da corrupção pode ser classificada primariamente em dois grupos distintos: os agentes ativos e os agentes passivos. O primeiro grupo ilícito, os agentes ativos são aqueles que oferecem ou doam dinheiro ou outro tipo de beneficio. O segundo grupo ilícito, os agentes passivos, é formado a partir das ações da prática daqueles que pedem ou recebem algum tipo de benefício, em grande escala, dinheiro. Os benefícios aqui mencionados devem ser entendidos como obtenção de vantagens não previstas pelo código legal e pelo plano de vista ético. Enfim a de corrupção é um ato onde um agente que busca aumentar seu poder político e financeiro está diante de outro agente ou usa do poder público para atingir seus fins.

A partir do tipo de ação que envolve os dois grupos mencionados pode-se destacar algumas formas ilícitas mais comuns de corrupção. Estas formas são elas: suborno ou propina; nepotismo; extorsão; tráfico de influência; utilização de informação governamental privilegiada para fins pessoais, ou de pessoas amigas ou parentes; compra e venda de sentenças judiciárias e recebimento de presentes ou de serviços de alto valor por autoridades.

A obra de Nas (1986) aborda a tipologia da corrupção analisando a ótica que envolve as "causas derivadas de características pessoais" e as "influências estruturais". Percebe-se como a ação ilícita tem relação direta com o meio que está envolvida, como já se mencionou neste capítulo. As características pessoais podem ser resumidas em desejo por poder derivado de status social ou de aumento do poder político e financeiro. As influências estruturais são divididas em capacidade e qualidade do envolvimento dos cidadãos que deveriam funcionar como um mecanismo de vigilância constante. A análise de Nas nos remete ao pensamento de Rousseau (1987) quando menciona a sociedade como um meio corruptível ao ser humano que nasce bom, é corrompido pelas práticas sociais e através da propriedade privada.

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores pouparia o gênero humano aquele que, arrancado as estacas ou enchendo o fosso (...) tivesse gritado aos seus semelhantes: defendei-vos de ouvir esse impostor, estareis perdido se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém. (ROUSSEAU, 1987, pág. 38).

2.2 COMBATE À CORRUPÇÃO

Agora que já foram colocados os pontos fundamentais, é preciso compreender como deve ser realizado o gerenciamento da situação proposta.  Não é intenção aqui classificar o ser humano como um ser demasiadamente bom ou demasiadamente ruim, apenas levar em consideração que qualquer ser humano, diante das mais variadas possibilidades, pode estar cometendo um crime de corrupção. Como o texto propõe a abordagem da corrupção política, a solução para o gerenciamento destas tipologias estará pautada sobre o gerenciamento da análise política.

A discussão neste ponto do texto volta à prática que envolve o Estado, os órgãos fiscalizadores e os cidadãos. Como estes três níveis deveriam interagir? O ponto de interação entre estes três níveis está no domínio da informação. O acesso à informação ocorrerá apenas numa sociedade onde todos os membros dela terão domínio dos conceitos básicos da formação educacional. Uma sociedade que alcança níveis significativos na área educacional também é uma sociedade com indicadores consideráveis na percepção da corrupção, conforme podemos analisar nos dados que seguem. A educação de um país está inversamente relacionada com a prática de atos ilícitos. Vejamos os dados que seguem nas tabelas que seguem.

TABELA 1

INDICADOR DE PERCEPÇÃO DE CORRUPÇÃO (2005)

1. Islândia (9,7)

2. Finlândia/Nova Zelândia (9,6)

3. Dinamarca (9,5)

4. Cingapura (9,4)

5. Suécia (9,2)

6. Suíça (9,1)

7. Noruega (8,9)

8. Austrália (8,8)

9. Áustria (8,7)

10.Holanda/Reino Unido (8,6)

11.Luxemburgo (8,5)

12.Canadá (8,4)

13.Hong Kong (8,3)

62. Brasil (3,5)

FONTE: Transparency International. Disponível em <www.transparencia.org.br>

TABELA 2

ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

1. Islândia (0,968)

2. Noruega (0,968)

3. Austrália (0,962)

4. Canadá (0,961)

5. Irlanda (0,959)

6. Suécia (0,956)

7. Suíça (0,955)

8. Japão (0,953)

9. Holanda (0,953)

10. França (0,952)

11. Finlândia (0,952)

12. Estados Unidos (0,951)

13. Dinamarca (0,949)

70. Brasil (0,800)

FONTE: Relatório do IDH, ANO, PNDU, Lisboa: Trinova, pág. 157-160.

Estes dados revelam a relação entre os países que possuem os melhores dados no IDH[6] também possuem um nível considerável de confiança e são apontados como menos corruptos. Numa sociedade onde todos têm acesso à escola, as pessoas podem exercer mais plenamente a cidadania. O exercício da cidadania impele que nenhum cidadão tenha uma postura de aceitação diante dos fatos conhecidos, mas que busque criar condições dignas dentro do espaço geográfico que habita. Na mesma relação direta, quando maior a escolaridade, maior o desenvolvimento humano, maior o domínio das informações e menor o envolvimento com a corrupção.

Com base do domínio das informações, deverão ser acompanhadas de perto algumas situações próprias que funcionam como incentivo a corrupção. Partindo das informações que são vinculadas nos noticiários, destacam-se alguns processos de riscos consideráveis à prática da corrupção. As situações que merecem um olhar cauteloso são: grandes investimentos governamentais; grandes incentivos de crédito subsidiado; a presença de uma consistente cultura de não-prevenção e de não-punição dos agentes de corrupção ativa e passiva; a falta de organismos da sociedade civil e de organismos governamentais: ambos os setores devem atuar em conjunto para prever e investigar as atividades e promover a punição de agentes de corrupção ativos e passivos; planos incoerentes de cargos e salários para funcionários públicos; processos eleitorais desenhados para facilitar a corrupção, não levando em consideração à vida pública, judicial e financeira dos aspirantes ao cargo e a ausência de controles específicos que impeçam o suborno implícito nas chamadas "doações de campanha".

Nomeados os grupos, reconhecida as tipologias, apontado o caminho para fazê-lo não resta outra coisa, senão, a prática. De antemão, sabe-se que crimes de corrupção continuam acontecendo. Não somente é necessário, mas, sim urgente uma campanha de conscientização para a prevenção à corrupção, campanhas que abordem todos os níveis da população e enfoquem especialmente a educação básica. Campanhas como a "Cartilha sobre o Voto Consciente" que fora realizada em setembro de 2006 na Câmera Federal mostrou a importância do voto consciente através de ditos populares; o trabalho de ONGs como a Contas Abertas que mantém uma consulta pública em sua página virtual de dados sobre o orçamento da União; a "Cartilha Voto Ético" desenvolvida desde 2004 pelo TRE-RJ e o Movimento Voto Consciente são outros bons exemplos. Embora sejam mencionadas as eleições, as cartilhas e campanhas não se restringem ao período eleitoral, mas querem usar deste tempo forte para despertar o senso de busca ao domínio da informação e ao exercício coerente da cidadania.

3. ÉTICA E INTEGRIDADE PÚBLICA

A preocupação com os conceitos e com as atitudes é uma prática milenar. Esta preocupação vem desde os trabalhos de Pitágoras e Aristóteles na Grécia Antiga. Segundo Sá (2001) num sentindo mais amplo, a ética é entendida como a ciência da conduta humana perante o ser e seus semelhantes. O desempenho do ser humano dentro da sociedade é analisado sob a perspectiva do bem e a idéia do bem é que vai conduzir o ser humano à felicidade. E felicidade aqui é entendida como a prática cotidiana de virtudes[7] que promove o ser tanto na esfera individual como também na esfera coletiva. Para a ética é importante analisar os meios empreendidos, a formas de conduta e a correlação entre os meios e as formas. Como diria Aristóteles (1973, Livro I, 4) "para o homem não existe maior felicidade que a virtude e a razão", a virtude e a razão a serviço da correlação entre os meios e as formas aplicadas para atingir as metas desejadas.

A correlação entre os meios e as formas dentro de qualquer esfera do processo político deveria ser conduzida de forma íntegra, honesta e com as medidas de justeza para todos as partes envolvidas. Dentro do plano político brasileiro em qualquer processo, os representantes devem ter a obrigação de explicar e justificar com transparência todas as ações e atitudes tomadas, como por exemplo, prevê o capítulo II Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. Este registro menciona que os parlamentares dentro de suas atribuições devem "promover a defesa do interesse público e da soberania nacional", "respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da Casa e do Congresso Nacional", além de "prestar contas do mandato à sociedade, disponibilizando as informações necessárias ao seu acompanhamento e fiscalização (Resolução n° 25, Art. 3)

A análise comportamental ética dentro de qualquer participação em ações públicas é importante porque envolve gastos de fundos públicos, atividades onde direta ou indiretamente está envolvida toda a população brasileira. Não é apenas o interesse particular que é sujeito da ação, mas o interesse coletivo daqueles que formam o Estado. Quando no capítulo anterior é citado o exercício da cidadania, está o texto apontando indiretamente, a prática das virtudes éticas com a intenção de promover uma cultura ética dentro de um espírito de justeza, a fim de garantir este pressuposto sobre aquilo que supostamente é chamado de "cultura da corrupção".

Para garantir a prática das virtudes éticas e a integridade públicas, os representantes políticos deveriam agir dentro do processo de gestão, levando em consideração mecanismos que foram criados pelo próprio sistema para dar conta dele. Dentro destes mecanismos, é importante destacar ações subjetivas como o respeito pela própria lei, o respeito pelas pessoas, a integridade humana. Estes pontos são destacados partindo do pressuposto que todo representante conhece e domina as leis e os procedimentos legais próprios da formação e do funcionamento do sistema estatal. Mesmo com afirmações e argumentações como a de Lord Acton[8], citado por Barros (2003) que diz que o poder tende a corromper o ser humano mesmo que este ser seja dotado inicialmente de igualdades, esta perspectiva negativista também já se fazia pressente em Rousseau (1987), é preciso acreditar e confiar no respeito, na integridade e na diligencia dos gestores públicos. Mas a expectativa criada a partir dos contratos assinados, das leis estabelecidas e dos mecanismos de controle (tanto interno como externo) deve assegurar meios para que não caiamos numa patologia social.

O campo teórico da ética pode apresentar uma dimensão descrente para um povo que freqüentemente acompanha notícias de corrupção na mídia. A questão que surge a partir de agora é de que forma se alcança esta perspectiva ética que seja capaz de transformar a descrença no sistema em confiança. Cabem então as partes envolvidas no Estado, como um todo, o desempenho de imparcial de suas funções, sem que o interesse privado de algumas partes determine a ação do interesse público. Embora que haja desconfiança nessa relação, como menciona Dupas (2003) é preciso ter um olhar otimista. Como proposta Dupas afirma que "o grande desafio para a preservação da cultura democrática implica na reconstrução de um espaço público e a volta do debate político" (2003, pág. 90). Este debate político proposto pelo autor deve ter como pressuposto o exercício da cidadania por um cidadão consciente da relação que o particular deve manter com o público. Para tal situação ocorrer, o autor ainda prossegue argumentando que "o desafio contemporâneo é, pois, tentar constituir uma nova identidade coletiva quando as utopias se foram e a idéia de formar parte de um todo se desacreditou junto com as noções de crença e nação, o que acentua a necessidade inerente ao ser humano de dar sentido à vida e à sua transitoriedade" (2003, pág. 91). E o sentido dar-se-á dentro do espaço público numa postura ética e íntegra.

A partir do momento que o interesse público dominar o interesse privado em todas as ações da esfera estatal, questões como fraude, roubo ou corrupção deixarão de serem situações conflituosas. O termo responsabilidade social passa a possuir uma conotação maior do que normalmente é usado. A conotação do termo sugere que todas as partes do Estado estejam atentamente dispostas a conhecer, analisar e se envolver no processo de condução das políticas públicas. E este processo tem início na formação para o exercício da cidadania, a começar pelo sistema educacional.

O pensador Ortega y Gasset (1966) diz que o homem é o homem em todas as suas circunstâncias. Ele não é tão radical quanto Rousseau e Lord Acton, mas traça uma análise humanista que leva em consideração o aspecto "não bom" do ser humano. Este aspecto torna-o perigoso porque desconsidera as ações públicas como primordiais e dão preferência àquilo que é de interesse privado. Tal comportamento deve ser repreendido, banido e repudiado nas figuras dos gestores públicos. As instituições sociais, como a família, a religião, a escolaridade tem um papel importantíssimo na desconstrução do lado "não bom" do ser humano. Se o homem é o homem em todas as circunstâncias, mesmo quando está promovendo algo não ético (como a corrupção) ele não deixa de ser homem naquele momento. Com este pressuposto, pela lógica, podemos levar em consideração o aspecto da virtude para restabelecer os princípios normativos e legais com a intenção de garantir novamente aquilo que é necessário para a estrutura do bom funcionamento do Estado. Portanto a ação das instituições sociais é importante para a fiscalização do comportar ético das pessoas públicas.

O texto parece patinar sobre alguns pontos. Mas, a partir da idéia humanista de Ortega y Gasset, ele volta a outro ponto que já fora mencionado anteriormente: o domínio da informação. Conhecer e acompanhar todas as situações que envolvem a administração pública é algo inerente ao exercício da cidadania. Somente aquele que conhece tem possibilidades claras de exercer a fiscalização sobre o comportamento bom ou "não bom" do gestor público. Mas o ser humano não possui apenas o lado deplorável. É interessante analisar a abordagem de Batista (2008) quando fala do lado virtuoso do ser humano, justificando que o ser humano não pode ser um todo malvado, como infelizmente não é um todo bondoso.

Quanto ao lado bom do ser humano, é imensurável, tal é a grandeza dos benefícios de sua obra, sobejamente divulgada e homenageada, tanto na vida, quanto na História, partindo do princípio de que, em geral, humanistas e estadistas saem da vida para entrar na História! Daí a necessidade de mostrar o lado oposto do ser humano: ruim ou perverso, para fins culturais e, conseqüentemente, perscrutarmos sobre o verdadeiro sentido da vida e o porquê das coisas e de seus efeitos, numa análise globalizada em prol do saber (BATISTA, 2008, pág. 44).

A análise ética não está apenas na virtude ou na ausência dela em relação aos gestores públicos, outra questão que também merece destaque que é a legitimação do poder do Estado. A partir dos empiristas ingleses[9] e de Rousseau (1987) se estabelece um acordo comum em que os eleitores renunciam ao direito sobre o coletivo em favor daqueles que são escolhidos para que estes ajam em favor do público. Aqui há um acordo em que o poder de cada um é renunciado através de um contrato social. O problema está então os pontos que fundamentam e legitimam o contrato social. Aqui as instituições sociais desempenham um papel importante que confere aos preceitos jurídicos um sentimento que legitimam a ação soberana de algumas pessoas sobre outras. Só que este poder legitimado não pode tornar abusivo, e a corrupção é uma forma de se conseguir isto. O sociólogo Weber (1967) define o Estado como uma estrutura que detém o monopólio do uso da força para legitimar suas práticas. Mas o que hoje legitima a ação dos gestores? A ação dos gestores, dentro de uma política democrática, deve ser garantida a partir dos preceitos jurídicos que reúnam os interesses públicos. Quando se pensa os interesses públicos busca-se diminuir as possibilidades de imperfeições humanas e distanciar a prática administrativa de ações nada virtuosas, como a corrupção do poder absoluto descrita por Barros (2003) comentando Lord Acton.

Para concluir a discussão aberta neste capítulo, é possível afirmar que a corrupção surge num dado momento em que os gestores públicos adotam sobre si uma postura desfigurada da virtude ética. O Estado deve considerar diante do interesse público aquilo que é benefício e privilégio e não submeter este julgamento ao detentor do poder. Os privilégios, as distinções e imunidades do poder conferem-se única e exclusivamente ao cargo público e não a pessoa particular que está num momento qualquer da história ocupando tal cargo.

4. TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E CONTROLE SOCIAL

Antes de qualquer reflexão sobre o tema e suas implicações na prática cotidiana é preciso compreender o sentido usual do termo "transparência" que será tratado neste capítulo. O tema é abordado a partir do conceito de acesso livre às informações, contrapondo ao sigilo das mesmas. Qualquer mecanismo público que visa a participação dos cidadãos que compõe o Estado deve partir do pressuposto que, para o domínio da informação é necessário o livre acesso a elas. Para isto, é preciso uma postura transparente na gestão pública favorecendo esse acesso à informação por todos os que compõem o Estado.

A partir da definição de transparência, surge então, outro problema para o desenvolvimento da proposta do capítulo: como garantir e favorecer o domínio da informação para todos? A resolução deste questionamento pode ser a chave para a problemática apresentada. A democratização do uso das informações se faz necessária numa sociedade contemporânea. Ela não visa apenas o acompanhamento da gestão pública, mas também, a contribuição na formação do ser humano moderno, isto está previsto no artigo quinto, do inciso XXXIII da Constituição Federal (1988): "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Com o domínio das informações, o cidadão poderá construir um mecanismo de avaliação sobre as práticas de gestão pública. Para Thoenig, "a avaliação pode ser caracterizada, em linhas gerais, como uma atividade dedicada à produção e análise de informações relevantes e pertinentes, a respeito da relação entre os atos públicos, seus resultados e impactos" (2000, pág. 71). Os resultados e impactos serão transformados em situações que permitirão o controle social sobre as práticas gestoras. A participação pública neste mecanismo deve transcender a problemática da corrupção e se tornar uma constante no acompanhamento da população diante dos gestores públicos. Uma sociedade participativa é uma sociedade preocupada com a gestão, buscando melhores situações e oportunidades para o Estado. Esta busca representa uma preocupação sadia que vai além das práticas do simples controle ou da prevenção, mas busca construir um espaço público com a justeza de medidas, superando então, o problema da corrupção e tornando natural a prevenção.

Para garantir uma prática gestora transparente, é necessário a democratização do acesso à informação, como já foi mencionado. Outro ponto tão importante quanto este é a publicação de balanços sociais.Como o texto tem uma preocupação de prevenção à corrupção política, a publicação de balanços sociais a que ele se refere são os balanços das ações da gestão pública. Para Silva (2001) o balanço social pode ser considerado como um demonstrativo técnico-gerencial que engloba um conjunto de informações sociais, onde qualquer pessoa pode visualizar e acompanhar de perto as ações e programas desenvolvidos e defendidos por quem organiza e aplica. Esta prática pode determinar duas ações interessantes entre os gestores públicos e todos os cidadãos, onde os balanços sociais podem ser apresentados como instrumentos importantes para as estratégias da gestão e seu marketing perante toda a população. As situações apontadas direcionam o sistema para uma postura mais ética e transparente no que se refere a prestação pública de contas.

O acompanhamento dos balanços sociais defendidos por Silva está diretamente ligado ao acesso às informações. Para falar do acesso a informações é encontrado um problema grave quando se observa a realidade que a sociedade brasileira mantém com os meios de comunicação. Segundo os dados apresentados pelo IBGE na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD –, em 2005, 91,4% da população brasileira possui pelo menos um aparelho de televisor e 88% um aparelho de rádio. Estes dois constituem os principais veículos para o acesso à informação. O acesso à mídia virtual não é tão grande como o acesso à televisão e ao rádio. Apenas 18,6% da população têm microcomputadores em suas casas, mas o acesso a internet está presente em 21% na população, há um número significativo de pessoas que acessam a internet fora de suas casas. A pesquisa não revela o número de pessoas que tem acesso a jornais escritos e revistas, mas é evidente supor que o acesso é restrito aos grandes centros urbanos. A partir destes dados é apresentado outro problema próprio da realidade brasileira: como democratizar o acesso a informação se a maioria da população é limitada a mídia áudio-visual? E dentro deste contexto, ainda existe outro agravante, que grupo presta serviço de radiodifusão à maioria da população? A mesma pesquisa do IBGE mostra que a maioria da população localizada fora dos grandes centros urbanos, está limitada a cobertura televisa de apenas três redes: Rede Globo, Sistema Brasileiro de Televisão e Rede Record. Apesar do discurso da democratização da informação ser um discurso válido e preciso, antes de qualquer tentativa de concretizá-lo, é necessário rever as bases que sustentam os números apresentados pelo IBGE.

Diante da problemática que envolve o acesso à informação e a importância dele, há um paradoxo quase intransponível. É preciso resolver um problema para partir para a resolução do outro. Dentro das normas que regem a liberdade de imprensa é preciso fazer com que os meios de comunicação prestem um serviço de informação ao maior número possível de brasileiros. Diante dos números do PNAD de 2005, não pode haver outro plano em curto prazo, senão este. Este capítulo termina sem mostrar necessariamente uma solução, apenas apontando os problemas que existe diante daquilo que poderia favorecer ao combate da corrupção. O problema está que a garantia da informação é comprometida por diversos entraves existentes entre o interlocutor e o receptor da mensagem. Aqui foram apontados apenas alguns, mas estes já são suficientes para paralisar o processo e impedir o acompanhamento das ações que envolvem os gestores públicos.

5. CONFLITO DE INTERESSES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

A relação entre público e privado é um tema que vem sendo discutido deste a antigüidade clássica. O texto pretende, neste capítulo, apresentar uma reflexão a partir das idéias do filósofo Platão (427 – 347 a.C.) que lista as ações humanas através da tripartição da alma, apontando a corrupção pessoal como mola propulsora para a corrupção pública: a ação pública é o reflexo da ação privada. Discípulo de Sócrates (469 – 399 a.C.), parte dos mesmos pressupostos do mestre, onde a virtude está no conhecimento e o vício reside na ignorância do ser, enquanto que a ignorância é fruto de uma alma corruptível[10].

Sócrates preocupa-se em mostrar a relação direta que há entre a política e o comportamento ético, mas com sua morte, Platão distancia-se desta proposta. Se Sócrates ensinava nas ruas e nas praças, Platão busca vagar com tranqüilidade e de forma discreta, discutindo temas relacionados às torpezas e às corrupções da cidade, a polis em locais seguros. Porém, como a cidade é a manifestação das ações pessoais daqueles que a compõe, ela permanece como fala central de Platão. A polis era composta pelos homens livres, estrangeiros, escravos, mulheres e crianças, porém somente eram considerados cidadãos os homens livres e a reflexão platônica era direcionada para esta classe. Ao refletir sobre as formas de vida, Platão propõe um olhar sobre o ser humano buscando apontar um modelo de felicidade. O modelo platônico tem como base a tripartição da alma, obedecendo a seguinte classificação: a alma logística (correspondendo a cabeça humana) na qual está ligada a figura do filósofo; a alma irascível (peito) caracterizada pela coragem e valentia que está ligada ao cavalheiro a ao soldado e a alma apetitiva (baixo ventre) ligada aos artesãos, comerciantes e ao povo de forma geral. Com a divisão das almas, Platão busca estabelecer uma relação direta com as potencialidades humanas (psyché).

Cada parte da alma humana representa uma potencialidade e a ela é dada uma função sincronizada e direcionada para um fim: a ordem e a coordenação das atividades humanas. A corrupção da alma consiste no momento em que o ser humano livre, deixa de exercer aquilo que lhe é próprio, dentro da classificação da tripartição proposta pelo filósofo. A partir do momento que o ser humano possui domínio pleno sobre seus atos e as tendências irascíveis, conseguirá evitar as ações torpes que o levam a corromper o próprio espírito ou alma, como chamaria Platão. A ação de evitar a corrupção da alma é chamada de virtude, em grego areté. "Assim, um homem é virtuoso ou justo quando a alma racional domina a irascível e a faz corajosa, e quando a alma corajosa domina a concupiscente e a faz temperante." (Chauí, 2002, pág. 218). Para Chauí ao comentar Platão, fica claro que, para evitar a corrupção da alma é preciso cultivar a areté através do domínio racional dela sobre as demais classificações. O controle e o domínio da alma logística para Platão é o fator primordial para determinar aquilo que é moral ou não dentro da polis. É possível através deste pensamento, afirmar que o comportamento humano pessoal será refletido, para o grego, diretamente na ação pública do cidadão ateniense. Aquilo que determina as qualidades humanas pessoais (a alma) vai determinar também aquilo o cidadão é na vida pública. A alma do cidadão grego é a mesma em qualquer situação que ele se encontra.

O vício (a ignorância) está onde reina o caos entre as partes da alma. O vício manifesta-se a partir do momento que a vida humana não é mais regida pela alma logística e sim pela parte inferior do ser humano – a alma apetitiva ou ele é dominado pelos instintos próprios da alma irascível. Ao ser controlado pelos impulsos, o ser humano platônico tende a deixar de lado aquilo que o conduz a areté aproximando-se da desordem interior. A desordem interior transportada para o campo público será motivadora de uma ação caótica de desgoverno do interesse público.

A resposta para o problema em Platão é evidente. Enquanto que o vício distancia o ser humano da sabedoria, a areté o aproxima, então, cabe à alma logística a contemplação verdadeira da realidade, a fim de evitar a corrupção da alma. A ação de domínio é muito bem ilustrada por Platão no Livro VII da obra A República quando ele descreve a Alegoria da Caverna[11]. Os habitantes do interior da caverna (chamados de cavernícolas) estavam presos e contemplavam a vida somente a partir da falsa noção de realidade que fora construída como fruto de uma ação corruptível. Dado o momento que um dos cavernícolas consegue romper as cadeias da ignorância e atinge o sol, que o ofusca no primeiro instante, consegue se libertar de todas as torpezas e atinge a verdadeira realidade que é motivada única e exclusivamente pela areté. O romper das cadeias que prendem o cavernícola pode ser compreendido como um romper de ações que levam a alma à corrupção. A saída dos cavernícolas desta situação representa o domínio da alma logística perante a ação da alma irascível e da alma apetitiva. A alma logística leva o cidadão a ação onde a vontade pessoal dá espaço à vontade coletiva: o bem da polis deve ser superior ao desejo pessoal. Partindo de tal concepção, é inconcebível alguém desrespeitar as leis porque elas são superiores aos indivíduos. Isso justificaria a ação de Sócrates que aceita passivamente a condenação à morte e não faz nada para impedí-la, porque as leis da cidade devem prevalecer sobre a vontade pessoal – como Platão descreve na obra Apologia a Sócrates. Mas este pensamento se rende a outra verdade como aponta Ferry (2007), que para além da vontade coletiva ainda há a vontade infalível e absoluta que governa o universo (kósmos). Diante da "cosmologia" o ser humano se prostra porque nela é que se encontra a realidade que dá sentido a existência do toda ação humana.

A existência de um pensamento cósmico que tudo ordena na filosofia grega ajuda a entender que, para o ser humano buscar a felicidade, é preciso submeter à alma irascível e apetitiva ao controle da alma logística. O controle racional integrará o ser humano com tudo aquilo que existe fora dele formando assim um todo com o universo. Este todo servirá como um instrumento que deve evitar qualquer ação que leve o ser humano à corrupção da própria alma. Onde Platão pretende chegar com todo este discurso? E a questão ainda mais importante, qual a relação deste discurso com o tema central do texto? A questão fecha-se no momento na obra Fédon, Platão (1999), onde ele mostra a estrutura da tripartição da alma como o objetivo de apontar a relação que há entre o público e o privado.

A ação pública em Platão é uma manifestação da ação privada que é elucidada na prática constante da areté. Embora o discurso platônico caia numa perspectiva metafísica, a idéia do bem público é construída de acordo com padrões comportamentais orientados pela estrutura da tripartição da alma. O bem pessoal determina o bem público. "No controle das almas, pela alma racional reside a harmonia da virtude; no descontrole, o vício" (BITTAR, 2002, pág. 154). Platão afirma que é responsabilidade da educação (Paidéia) destinar a alma ao apego universal e ao bem absoluto livrando-a de toda ação corruptível que não lhe é própria.

É necessário entender que a concepção platônica é diferente da concepção de público e privado utilizada no cotidiano. Porém, em Platão há algo que enriquece esta discussão. É praticamente descartada qualquer intenção de conflito entre o público e o privado. O que determinada a ação pública é a areté e não há qualquer possibilidade, como foi mostrado, de se instalar tal conflito. Porém a história atual mostra outra possibilidade de análise quando o termo "público" refere-se aquilo que é próprio da competência do Estado e da sociedade, enquanto que aquilo que é "privado" refere-se ao universo familiar. Mas mesmo diante desta distinção ainda é possível sustentar o pensamento platônico. O que Platão alimenta é o interesse público, que se manifesta na ação própria dos gestores e que não deve, sob nenhuma justificativa, ser motivada por ações individuais. Souza (2002) parece estar de acordo com Platão quando afirma que "a corrupção, em qualquer dos sentidos, não é uma estrutura estática de realidade, mas antes, exatamente, um processo que se põe em curso, seja pelo ciclo da própria natureza, seja pela vontade articulada de corruptor e corruptível" (pág. 294). Com esta idéia de Souza, é possível confirmar a teoria de Platão, a qual declara que para combater o conflito de interesses entre o privado e o público, é a educação a grande ferramenta.

A importância que a educação possui para a discussão do tema já foi mostrada no capítulo segundo, porém abordando as idéias de Platão, novamente se faz necessário apontar este tema. A idéia de Souza sugere ainda que a corrupção somente aconteça num processo de via dupla estabelecida entre o corruptor e o corruptível. Para isto acontecer, é imprescindível a presença dos dois agentes. Diante desta possibilidade, a educação é um instrumento importantíssimo porque permitirá a todos que compõe o Estado a devida formação para reconhecer que tal atitude é indigna e imoral. A corrupção, segundo a idéia platônica, seria um "desvirtuamento" do público diante de interesses particulares.

Utilizando a tripartição da alma platônica, a política brasileira vive um momento de degeneração, não apenas estrutural, mas também no sentido humano. O sentido platônico sugere que a prática de corrupção acaba por afetar diretamente a ação pública e a ação privada de todos aqueles que compõem o Estado. Diante da problemática da degeneração, Souza (2002) aponta que "tal degeneração é o verdadeiro catalisador que ativa o desencadeamento dos perigosos ciclos de corrupção" (pág. 296). O que poderá impedir o clico degenerativo somente será a tomada de consciência da realidade que cada um está inserido impedido o domínio do apetitivo sobre o racional. Este domínio demarcará as fronteiras adequadas para que todos os que estão envolvidos com a gestão pública não misturem aquilo que é público com aquilo que é privado, eliminando assim possibilidades de conflitos entre aquilo que é privado daquilo que é público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de autonomia e de cidadania dos indivíduos que compõe o Estado não é gratuito e espontâneo. Para alguém dentro do Estado exigir seus direitos e exercer seus deveres deve, por primazia, conhecê-los e para conhecê-los, é importante o processo educacional. Um indivíduo que não o conhece é não capaz do exercício da cidadania. A autonomia ou a maioridade e a cidadania são práticas que se fundamentam no próprio exercício. Aqui há uma questão importante que o texto tentou responder: a ação de prevenção da corrupção só faz sentido dentro de um processo de exercício onde aqueles que compõem o Estado o façam de forma consciente aquilo que lhes é próprio, dentro de suas possibilidades. Não se pode exigir a maioridade de um governante da mesma forma que é cobrado de um governado, mas esta hierarquização não desmerece nenhuma instância que a compõe e cada qual deve, a partir de suas peculiaridades, vivenciarem a administração daquilo que é res publico (aquilo que é todos) de forma consciente e digna conforme prevê os mecanismos normativos legais.

A apropriação do público prevê um comportamento positivo. O fato do bem público pertencer a todos os que compõem o Estado, não dá direito a ninguém de usufruir ou legislar em causa própria. Em níveis menores, é possível afirmar que ninguém possui o direito de depredar o público por sentir-se dono dele. O bem público é destinado a todos os cidadãos. Para garantir tal possibilidade, se enfatizou durante as páginas à importância do exercício a cidadania. O exercício prevê que cada qual se torna consciente de seu papel ativo dentro do mecanismo estatal. Não estamos mais diante de um grande Leviatã, como proponha Thomas Hobbes, onde apenas o governante é capaz de controlar, mas sim, o controle da gestão pública depende da participação consciente de todos e não apenas do governante.

Conseguiremos atingir a maioridade? Será possível tal atitude num país de dimensões continentais como o Brasil? Se nada for feito, o que acontecerá com a gestão pública? Talvez o texto peque em não conseguir responder tais questões, mas ele cumpre aquilo que se propõe a demonstrar ao longo da reflexão. A busca de um indicador para tais problemas somente será possível quando todos os que formam o Estado se tornarem conscientes de sua participação ativa através das transformações sociais. Somente o processo educacional poderá gerar numa nação a promoção do individuo como ser humano e este ser torna-se mais importante que qualquer outra finalidade dentro do Estado. O exercício livre da cidadania e a gestão pública transparente são mecanismos que poderão garantir o processo democrático brasileiro consciente através de um exercício de geração autônoma, de maioridade, através de um conjunto adequado às políticas públicas que caminhe rumo ao desenvolvimento sustentável e transparente.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

[1] A indicação da página do jornal alemão "Berlinische Monatsschrift refere-se à seguinte nota da frase: "Será aconselhável ratificar posteriormente o vínculo conjugal por meio da religião? Do Sr. Preg. Zöllner: "O que é esclarecimento?", título em alemão Was ist Aufklärung? (KANT, p. 1)

[2] O termo Patologia Social aqui é usado segundo a conceituação trabalhada por Émile Durkheim. O sociólogo buscava retratar a sociedade do final do século XIX que vivia um momento delicado de transição e crise. Ele descreve uma sociedade onde os valores tradicionais eram rompidos e surgiam novos valores e estes novos valores não davam conta dos problemas sociais aumentando cada vez mais os marginalizados. O número crescente de excluídos não podia ser ignorado. A esta sociedade Durkheim (1989) chamou de Anomona e os problemas de "Patologia Social", onde a Sociologia seria a saída para tais problemas.

[3] As primeiras pesquisas, realizadas em novembro de 1992, pelo Instituto Gallup, dava uma vantagem de 41,7% contra 36,3% do presidencialismo, enquanto que nos dias entre os dias 15 e 16 de dezembro, o DataFolha mostrava a vantagem do parlamentarismo de 38% a 33%. Mas depois de toda a campanha realizada o resultado final fora invertido, o presidencialismo foi escolhido com 68% dos votos válidos. Dados apresentados por Santa Rita (2002, pág. 125).

[4] A pesquisa CNT/Sensus divulgada nesta segunda-feira apontou que 98,2% da população brasileira têm conhecimento do assassinato da menina Isabella Nardoni, ocorrido no final de março. Apenas 1,2% afirmaram desconhecer o episódio, contra 0,7% que não soube ou não quis responder. Segundo Ricardo Guedes, pesquisador do Instituto Sensus, esse foi o maior índice de conhecimento sobre algum assunto já registrado na série de pesquisas CNT/Sensus, iniciada em 1998. Para 71,8% dos entrevistados, a mídia tem acompanhado o caso de forma adequada e com competência. Outros 24,3% acreditam que a cobertura noticiosa tem sido feita de forma inadequada ou incompetente. Enquanto que no caso do menino João Hélio Fernandes Vieites, de apenas 6 anos, morreu após ser arrastado por mais de sete quilômetros, preso ao cinto de segurança do carro onde estava, no bairro Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio, 91,3% afirmaram ter conhecimento, 8% afirmaram não conhecer e apenas 0,7% não responderam ou não sabiam alguma coisa sobre o assunto. (VIZEU, Rodrigo, CNT/Sensus: 98,2% da população conhecem caso Isabella Nardoni, Globo on-line, publicado em 28/04/08. Http://oglobo.globo.com, acessado em 11 de agosto de 2008).

[5] As diferentes formas de corrupção serão tratadas no tópico seguinte, intitulado "tipologias de corrupção".

[6] O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa adota pela Organização das Nações Unidas (ONU) para caracterizar as condições médias de vida da população. O IDH foi desenvolvido a partir de 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq.

[7] Pedro Galvão (2008) aponta que para compreender filosoficamente a noção de virtude, deve-se inspirar em Aristóteles, os que defendem uma ética das virtudes procuram geralmente uma alternativa tanto à ética consequencialista como à ética deontológica. Ao passo que estes dois tipos de ética se concentram na procura de princípios morais que regulem a conduta, a ética das virtudes tenta examinar os traços de caráter próprios de um agente virtuoso, como a coragem, a benevolência ou a honestidade. Assim, para muitos defensores da ética das virtudes o que interessa primariamente não é saber que atos devemos realizar, mas que tipo de pessoa deve ser.

[8] Lord Acton, o eminente historiador liberal inglês do século XIX, falecido em junho de 1902, elegeu como os principais inimigos da individualidade e das minorias, o Estado e as multidões. Sua obra concentrou-se basicamente num conjunto de ensaios onde defendeu o principio de que a História deveria ser entendida na perspectiva da liberdade, dela progredir ou regredir. Celebrizou-se igualmente por suas frases, quase todas elas repudiando a concentração do poder, adversário da liberdade, tornando-o um precursor do pensamento neoliberal dos dias de hoje (Barros, 2003).

[9] Perspectiva filosófica de acordo com a qual todo o nosso conhecimento substancial deriva da experiência e das impressões colhidas pelos cinco sentidos. Um dos primeiros grandes filósofos empiristas foi o inglês do séc. XVII John Locke. Este defendeu que a nossa mente se compara a uma folha de papel em branco (ou a uma tábua rasa, como dizia Aristóteles) na qual os nossos sentidos vão deixando registradas as impressões colhidas do exterior. O filósofo escocês do séc. XVIII David Hume enfrentou, sempre numa perspectiva empirista, algumas das dificuldades apontadas pelos racionalistas, acabando por tirar a conclusão céptica (ver cepticismo) de que era impossível basear na experiência ideias tão importantes para a ciência como as de causalidade e de universalidade. O inglês Stuart Mill (séc. XIX), o alemão Rudof Carnap e o filósofo americano W. V. Quine estes já no séc. XX são alguns dos mais destacados empiristas. (BLACKBURN, Simon, Pense: Uma Introdução à Filosofia, Lisboa: Gradiva, 2001).

[10] Segundo Souza (2002) para o grego o termo corrupção tem um sentido diferente daquele apresentado no primeiro capítulo deste texto. O grego clássico ao falar de corrupção possui duas divisões importantes. Pode estar se referindo ao clico vital de nascimento, amadurecimento e decomposição usando a palavra phtoras. Quando vai falar de corrupção abordando o significado utilizado neste trabalho usa a palavra dorodókos aonde a ação busca descrever uma situação onde a pessoa é seduzia por presentes.

[11] Segue a descrição de Reale e Antiseri (1990) sobre a Alegoria da Caverna de Platão: imaginemos homens que vivam numa caverna cuja entrada se abra para a luz em toda a sua largura, com um amplo saguão de acesso. Imaginemos que os habitantes dessa caverna tenham as pernas e o pescoço amarrados de tal modo que não possam mudar de posição e tenham de olhar apenas para o fundo da caverna. Imaginemos ainda que, imediatamente à frente da caverna, exista um pequeno muro da altura de um homem e que, por trás desse muro e, portanto, inteiramente escondidos por ele, se movam homens carregando sobre os ombros estátuas trabalhadas em pedra e em madeira, representando os mais diversos tipos de coisas. Imaginemos também que, por trás desses homens, esteja acesa uma grande fogueira e que, no alto, brilhe o sol. Finalmente, imaginemos que a caverna produza eco e que os homens que passam por trás do muro, estejam falando de modo que suas vozes ecoem no fundo da caverna. Se isso acontecesse, aqueles prisioneiros da caverna nada poderiam ver além de pequenas estátuas projetadas no fundo da caverna e ouviriam apenas o eco das vozes. Entretanto, acreditariam, por nunca terem visto coisa diferente, que aquelas sombras eram a única e verdadeira realidade e que o eco das vozes representassem as vozes emitidas por aquelas sombras. Suponhamos, agora, que um daqueles prisioneiros consiga desvencilhar-se dos grilhões que o aprisionam. Com dificuldade, ele se habituaria à nova visão com a qual se deparava. Habituando-se, porém, veria as estatuetas moverem-se por sobre o muro e compreenderia que elas são muito mais verdadeiras do que as coisas que antes via e que agora lhe parecem sombras. Suponhamos que alguém traga nosso prisioneiro para fora da caverna e do outro lado do muro. Primeiramente, ele ficaria ofuscado pelo excesso de luz; depois, habituando-se, veria as coisas em si mesmas; e, por último, veria inicialmente de forma reflexa e posteriormente em si mesma a própria luz do sol. Compreenderia, então, que estas e somente estas são as realidades verdadeiras e que o sol é a causa de todas as outras coisas visíveis (pág. 167).


Autor: Albio Fabian Melchioretto


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