Shenei Assar: Uma Análise Sobre a Unidade Literária dos Doze Profetas Menores



*Pastor George Emanuel (Th.B, Th.M)

Introdução:

Os Profetas Menores, assim chamados por Agostinho, não por serem de menos importância, mas pela menor quantidade de oráculos quando comparados com o grande volume de material profético dos chamados Profetas Maiores (Isaias, Jeremias, Ezequiel, Daniel). No Cânon dos judeus, os Profetas Menores são agrupados como um único livro. Na TANAK, os Profetas Menores são conhecidos pela rubrica Shenei Assar: "Os Doze", tal terminologia foi copiada para a LXX, e o volume deste rolo profético ficou conhecido como Dodekapropheton, ou simplesmente os Doze; são eles: Oséias, Joel, Amós, Obadia/Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

Durante a maior parte do chamado período crítico dos estudos bíblicos, iniciado no séc. XVIII, os Doze foram tratados como livros individuais. Nas últimas décadas, tem encontrado muitos proponentes a hipótese de que os Dozeformam uma unidade, um livro. Uma questão que muito se debate atualmente napesquisa sobre os Profetas Menores é se eles constituem um único livro ou doze2. Atualmente na exegese bíblica o status do rolo tornou-se alvo dos estudiosos se dividem entre aqueles que entendem que os Doze devem ser considerados como uma obra literária unificada e aqueles que entendem que os escritos que integram esse rolo devem ser vistos como independentes em relação aos demais. Visando oferecer uma contribuição para a discussão da problemática dos Doze (apresentando o corpus profético e status quaestionis da pesquisa dos Doze), e, passando por um estudo dos textos dos livros, apresentaremos argumentos favoráveis e contrários a essas duas posições, segundo seus defensores e oponentes.

1.A UNIDADE DO CORPUS PROFÉTICO DO LIVRO DOS DOZE.

De acordo com os partidários da tese de que os Doze formam uma unidade, esse conjunto de livros era considerado um único volume nos tempos mais antigos, conforme podemos perceber em várias fontes judaicas e cristãs primitivas. Assim, o que se verificaria na época atual seria um retorno ao tratamento desse conjunto como uma unidade, após um silêncio quase completo da crítica bíblica sobre esse assunto. Entretanto, eruditos da critica bíblica dizem ser possível identificar o trabalho de diferentes escribas nos livros proféticos. Confirmando a evidência de que o(s) redator(es) não eram meros copista(s), mas homens responsáveis pela interpretação das Escrituras, editando, ampliando e estruturando os textos, trazendo seu significado para o seu tempo. É consenso geral da critica que os escritos proféticos foram retocados ou complementados, e que tais procedimentos possuem um horizonte que ultrapassa o próprio livro. Essas alterações intencionais realizadas pelo(s) antigo(s) redator(es) têm um grande significado para a evolução da história literária do Livro dos Doze Profetas e para a compreensão da sua relação ao processo canônico. Essas adaptações, que transformaram a coleção dos escritos proféticos, alcançaram o objetivo na mediação da palavra de Deus, no contexto histórico. Sendo assim, cumpriram a função original dos profetas: os livros trazem palavras de Deus para o povo de Deus. Todavia, quanto ao conjunto dos Doze como uma unidade parece já estar formado no século II a.C. É o que faz pensar a referência encontrada no livro do Eclesiástico (ou Sirácida), obra cuja data de composição é situada pelos estudiosos em torno do ano 180 a.C., e cuja tradução foi realizada por seu neto, provavelmente no ano 132 a.C., como se pode deduzir de seu prólogo. Nesse livro, na seção chamada "Elogio dos antepassados", contida nos capítulos 44-50, após referir-se a Isaías (48.22), Jeremias (49.7) e Ezequiel (49.8), citados segundo a ordem da Bíblia Hebraica, Jesus Ben Sirac fala dos Doze Profetas, em 49.10, referindo-se a eles como um conjunto. A tradição textual massorética é constante em apresentar os Doze em um único rolo, com seus escritos sempre na mesma seqüência: Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. O material encontrado nas grutas de Qumran evidencia que a ordem dos livros no texto massorético parece já estar definida em torno de 150 a.C., embora o manuscrito 4QXIIa possa ser uma exceção, com Jonas em último lugar, após Malaquias.

Na Septuaginta, tradução das Escrituras Sagradas do hebraico para o grego, realizada ainda antes da era cristã, encontra-se uma mudança na ordem dos seis primeiros livros, em relação à que encontramos no texto massorético, estando os seis últimos na mesma ordem em ambos os testemunhos de transmissão do texto dos Doze. Enquanto o TM traz, em seqüência, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, a LXX apresenta esses livros na seqüência: Oséias, Amós, Miquéias, Joel, Obadias, Jonas. Mas todos os testemunhos conhecidos de transmissão do texto dos Doze, tanto do TM quanto da LXX, os apresentam em conjunto, num mesmo rolo. A LXX coloca-os todos sob o título Dodekaprópheton.5

Uma passagem do Novo Testamento, Atos 7.42s, cita o trecho de Amós 5.25-27, segundo a versão grega dos LXX, chamando sua fonte de "o livro dos profetas", o que parece poder ser entendido como referência ao rolo dos Doze. Porém, outras duas passagens de Atos não parecem confirmar esse entendimento: Atos 13.40s citam Habacuque 1.5, encabeçando a citação com "o que está dito nos profetas"; e Atos 15.15-18 citam Amós 9.11s, referindo-se à fonte da citação como "as palavras dos profetas", o que faz pensar que o autor de Atos tem em mente todo o corpus profético6 E duas outras citações neotestamentária de escritos que integram o conjunto dos Doze são feitas pelo nome do profeta ao qual o escrito está relacionado, a saber: Romanos 9.25s, que cita em seqüência Oséias 2.25 e 2.1, e Atos 2.16-21, que cita Joel 3.1-5.

O historiador judeu, Flávio Josefo (c. 38-100 d.C.) parece ter contado os Doze como um só livro, entre os vinte e dois (número que parece aludir às letras do alfabeto hebraico) que ele cita como os registros de tempos passados:

1.Cinco de Moisés, certamente os livros do Pentateuco atual: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

2.Treze recordando eventos entre Moisés e Artaxerxes; incluindo com grande probabilidade, Josué, Juízes (mais Rute), Samuel, Reis, Isaías, Jeremias (mais Lamentações), Ezequiel, Dodeka, Crônicas, Esdras-Neemias, Jó, Ester, Daniel.

3.Quatro contendo hinos e preceitos – que devem ser Salmos, Provérbios, Cânticos dos Cânticos e Eclesiastes7

No livro pseudepígrafo de II Esdras, os Doze figuram também como um só livro, entre os vinte e quatro de que se diz que Esdras ditou e fez publicar.8

No Talmude babilônico, no tratado Baba Batra, 13b-15a, encontramos referências que também serviriam de confirmação da unidade do Livro dos Doze9

oEm primeiro lugar, essa passagem fornece instruções para a cópia de livros bíblicos. Tais instruções estabelecem quatro linhas como espaçamento entre os livros canônicos, mas fazem uma exceção quanto ao Livro dos Doze, requerendo como intervalo entre os livros apenas três linhas.10

oEm segundo lugar, essa passagem se refere à ordem em que os livros bíblicos aparecem, e cita os Doze coletivamente, como um único livro, não doze livros individuais.

·Na literatura cristã, a mais antiga lista de livros das Escrituras hebraicas que sobreviveram preservadas por Eusébio de Cesaréia, e a de Melito de Sardes (morto em cerca de 190), também fala dos Doze Profetas como constituindo um livro.11

·Agostinho (354-430) seria outro a entender que os Doze formavam um só livro, enumerando os elementos desse grupo na mesma seqüência do texto hebraico. 12

·Jerônimo (morto em 420) também confirmaria a unidade do Livro dos Doze, ao afirmar no prólogo de sua tradução dessa seção das Escrituras: "unum librum esse duodecim prophetarum"13

Também falaria em favor da unidade do conjunto o fato de o TM trazer uma massora finalis para todo o conjunto, e não apenas para cada escrito individual, e uma indicação do versículo central do conjunto (em Mq 3.12), como ocorre também, por exemplo, com o Pentateuco, cuja unidade é amplamente aceita.

Embora a hipótese de que o conjunto dos Doze deva ser lido como uma obra literária unitária tenha se desenvolvido com mais força nas últimas décadas, é possível observar que, já desde a segunda metade do séc. XIX, exegetas críticos têm tratado do processo de composição do Livro dos Doze como uma unidade.

·Mas como o Livro dos Doze se teria formado?

·Como teria vindo a se constituir essa unidade?

Esta é uma indagação que os defensores da unidade dos Doze têm buscado responder. Tais estudiosos podem ser divididos em dois grupos: os que propõem que o suposto Livro dos Doze seria resultado de um extenso processo redacional ao longo dos séculos e os que propõem que o referido livro seja visto como uma compilação editorial.

Karl Budde foi o primeiro estudioso a defender a idéia de que os Doze sejam fruto de trabalho redacional. Para ele, o Livro dos Doze originou-se da redação sistemática de tradições proféticas com vistas à criação de um livro que contivesse unicamente discurso divino, do qual estivessem ausentes palavras "meramente humanas", e que assim estivesse apto a ser aceito no corpus de escritos sagrados. Tal atividade redacional teria ocorrido no século IV ou III a.C., buscando apaziguar os precursores de grupos como os samaritanos e saduceus, que viam apenas a Torá como autoritativa.14

Rolland Emerson Wolff15 sugere uma história redacional para o Livro dos Doze em treze estratos ou camadas, desenvolvendo-se entre meados do séc. VII a.C. e o início do séc. II a.C. Esses estratos seriam:

1.O editor judaíta de Oséias (c. 650).

2.O editor anti-lugares altos (621-586).

3.O editor exílico tardio (540- 500).

4.O editor anti-vizinhos (500-450).

5.O messianista (520-445).

6.Os editores da escola nacionalista (360-300).

7.O editor do "dia de YHWH" (325).

8.Os escatologistas (310-300).

9.O doxologista (período pós-exílico primitivo).

10.O polemista anti-ídolos (300-275).

11.O editor salmista (275-250).

12.Os escribas primitivos (250-225).

13.As escolas de escribas posteriores (200-175).

Wolff postula o crescimento do corpus dos Doze em grupos de dois, seis, nove e doze escritos. Os dois são Oséias e Amós; a eles foram acrescentados Miquéias, Sofonias, Naum e Habacuque, para formar seis; Joel, Jonas e Obadias foram acrescentados para fazer nove; Ageu, Zacarias e Malaquias completam o número de doze.16

Joseph Blenkinsopp fala de acréscimos aos escritos no Livro dos Doze, substanciais em vários deles, de caráter escatológico, que provariam que eles formam mais do que uma simples coleção de escritos independentes17.

Peter Weimar, em um estudo sobre Obadias, afirma que o ponto de partida do corpus dos Doze foi uma coleção deuteronomista (incluindo Oséias, Amós, Jonas, Miquéias e Sofonias), baseado nos títulos e no conteúdo dos livros. A esta coleção foram acrescentados Obadias, Naum e Habacuque pelo fim do exílio. Ageu, Zacarias 1-8 e Malaquias teriam possivelmente entrado no corpus em outro nível redacional do livro, enquanto que Joel e Zacarias 9-14 foram acrescentados mais tarde. Weimar fala também de "ligações cruzadas" (Querverbindungen) entre os escritos, produzidas com a ajuda de "correspondências de palavras-gancho" (Stichwortentsprechungen)18. Tanto as observações de Blenkinsopp quanto as de Weimar levantam a possibilidade de que a forma final dos escritos individuais que compõem os Doze tenha sido afetada por sua transmissão e/ou incorporação no conjunto do Livro dos Doze.19

Erich Bosshard20, em recente artigo sobre o Livro dos Doze, no qual faz observações sobre a unidade desse conjunto de escritos, documenta uma forte correlação de temas e vocabulário que aparece em locais paralelos entre Isaías e o Livro dos Doze. Este fenômeno exibe uma continuidade substancial, falhando apenas com Jonas e Malaquias. O autor afirma que várias das passagens contendo paralelos (Joel 1.15; 2.1-11; Ob 5s, 15ss; Sf 2.13-15; 3.14-18) demonstram sinais de formulação redacional em que as passagens do Livro dos Doze deliberadamente assumem o vocabulário e motivos das passagens de Isaías.

Por fim, Bosshard esforça-se por relacionar os paralelos ligados a Isaías no Livro dos Doze a ênfases redacionais em Isaías. O seu trabalho busca prover evidência para afirmar que os mesmos círculos transmitiram Isaías e o Livro dos Doze durante um período de tempo significativo, que afetou a forma do corpus posterior. Entre os que vêem o suposto Livro dos Doze é fruto de um trabalho de compilação editorial, o primeiro nome a surgir é o de Heinrich Ewald21 (1803- 1875), que propõe um processo de coleção em três estágios, baseado nas informações contidas nos títulos dos livros:

·O primeiro estágio é datado por ele no século VII a.C., contendo os livros de Joel, Amós, Oséias, Miquéias, Naum e Sofonias.

·O segundo estágio consiste da adição pós-exílica de Obadias, Jonas, Habacuque, Ageu e Zacarias 1-8, com um re-ordenamento do corpus.

·O terceiro estágio se deu nos últimos anos de Neemias, acrescentando Zacarias 9-14 e Malaquias.

Carl Steuernagel22 determina sete estágios na formação do Livro dos Doze, a partir das características formais dos títulos.

a.O primeiro estágio teve lugar durante o reinado de Josias, contendo Oséias, Miquéias e Sofonias.

b.O segundo acrescentou Amós, durante o exílio.

c.O terceiro, Ageu e Zacarias, por volta de 500 a.C.

d.O quarto, uma forma original do livro de Naum, antes de 300 a.C.

e.O quinto, Habacuque e o capítulo primeiro de Naum, cerca de 300 a.C.

f.O sexto, Zacarias 9- 14, pouco depois.

g.O sétimo estágio acrescentou Joel, Obadias e Jonas, no século III a.C.

D. A. Schneider, influenciado por artigos de Franz Delitzsch e Umberto Cassuto23, que mencionam a importância das palavras-gancho (catchwords) como um princípio para a coleção dos escritos no Livro dos Doze, propõe um "crescimento gradual de tradições proféticas" em quatro estágios.

1.O primeiro estágio consiste de Oséias, Amós e Miquéias, que formam o núcleo do Livro dos Doze, surgido no tempo de Ezequias.

2.O segundo estágio se deu quando a coleção composta de Naum, Habacuque e Sofonias, surgida na época de Josias, foi adicionada à coleção anterior, durante o exílio.

3.O terceiro estágio, os livros de Joel, Obadias e Jonas foram acrescentados aos seis primeiros, no período exílico tardio.

4.O quarto estágio, os livros de Ageu, Zacarias e Malaquias teriam sido acrescentados, pelo fim do séc. V a.C.

Porém, Schneider entende que os profetas são os autores de suas próprias obras e reuniram as obras de profetas anteriores que os influenciaram. Ele trabalha contra a idéia de uma atividade redacional multidimensional, não levando a sério o crescimento dos textos ao longo de várias gerações. Assim, embora admitindo a presença e importância do fenômeno das palavras-gancho no Livro dos Doze, assume a priori que a forma dos escritos não foi afetada por essas palavras-gancho.24

Por sua vez, Andrew Y. Lee sustenta, por um lado, que há uma atividade redacional pós-exílica no Livro dos Doze, a qual "eleva", por assim dizer, o senso de esperança; por outro lado, ele alega que a maioria das passagens que falam de esperança, tipicamente consideradas como acréscimos redacionais, são, na realidade, pertencentes ao nível primário das obras em que se encontram, ou seja, entraram no corpus dos Doze como parte da transmissão dos livros individuais. Para esse autor, o livro dos Doze é simplesmente uma coleção compilada no tempo e sob a direção de Neemias.25

Terence Collins26 também pensa em termos de uma formação do Livro dos Doze em quatro estágios:

(1)Um estágio exílico combinando Oséias, Amós (incluindo o cap. 9), Miquéias (incluindo os caps. 4 e 5), Naum, Sofonias e Obadias.

(2)Um estágio pós-exílico estimulado pela reconstrução do templo, que acrescentou Ageu, Zacarias 1-8 e expansões ao livro de Sofonias, esp. Sf 3.9-20, Jonas e possivelmente também Joel.

(3)Um estágio datado de meados do século quinto, que acrescentou Joel (se ainda não estava presente), Habacuque, Malaquias e alguns acréscimos escatológicos, notadamente a Sofonias.

(4)Acréscimos posteriores, especialmente Zacarias 9-14 e Malaquias 3.22-24.

James Nogalski27, em seu estudo em dois volumes sobre o Livro dos Doze, apresenta, como motivação de seu trabalho, dois fenômenos: primeiro, a existência de tradições de longa data, remontando à antiguidade, que tratam os escritos do Livro dos Doze como uma unidade. Segundo ele, tais tradições indicam claramente que esses escritos não foram apenas transmitidos em um único rolo, mas também considerados como um único livro.

O segundo fenômeno é o uso de palavras-gancho (catchwords) para unir dois escritos subseqüentes, que, de acordo com Nogalski, é muito consistente. Ele mostra como o fim de um escrito contém várias palavras e frases que reaparecem no início do escrito seguinte. O fenômeno não se apresenta em todos os escritos que compõem os Doze, mas isto também é significativo para iluminar outro fenômeno. As duas passagens que não exibem o fenômeno das palavras-gancho são: Jonas cap. 4, sem ligações fortes com Miquéias 1, e Zacarias 14, sem laços estreitos com Malaquias 1. Mas, se Jn 4 não se liga a Mq 1 por palavras-gancho, o hino de Jn 2.3ss compartilha palavras comuns com Mq 1. E, se removermos Jonas de consideração, uma conexão ainda mais forte aparece entre os versículos finais de Obadias e os versículos iniciais de Miquéias. Isto levanta a questão a respeito de se o hino entrou no livro de Jonas quando de sua incorporação aos Doze, e ao mesmo tempo sugere a possibilidade de que o livro de Jonas como um todo tenha sido inserido em um contexto previamente existente entre Obadias e Miquéias.

Quanto ao segundo caso, se Zc 14.1ss não apresenta fortes conexões com Ml 1.1ss, Zc 8.9ss o faz. Isto é indicativo de que Zc 1-8 deve ter existido como corpus independente, antes do acréscimo de Zc 9-14. Assim, como no caso de Jonas, pode-se pensar que havia uma ligação entre Zc 1-8 e Ml, que foi obscurecida pela inserção entre eles de Zc 9.1-4 num contexto já existente.28

 

O fenômeno das palavras-gancho, para Nogalski, não é acidental. Ele indica que a unidade atual do Livro dos Doze é produto de trabalho redacional, embora nem toda ocorrência de palavras comuns reflita a mão de um redator. Isto significa que os escritos que integram o Livro dos Doze não foram simplesmente incorporados ao conjunto em sua forma final, como pensam vários estudiosos, mas que há um processo intencional de crescimento dos escritos no corpus, que os afetou em maior ou menor extensão, dependendo de cada caso, e que pode ser detectado e demonstrado, com maior ou menor certeza, também variando de caso para caso, articulando-os entre si.29

Assim, Nogalski fala, no primeiro volume de sua obra, de "precursores literários" ao Livro dos Doze, que são duas coleções de escritos formadas e transmitidas antes da compilação do Livro dos Doze, o corpus deuteronomista (composto de Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias) e o corpus Ageu-Zacarias (composto de Ag e Zc 1-8), cujas passagens iniciais e finais receberam adaptações mínimas, geralmente em forma de curtas glosas redacionais e pequenas expansões editoriais, orientadas especificamente para o Livro dos Doze.30

No segundo volume de sua obra, Nogalski trata dos escritos restantes que integram o Livro dos Doze, Joel, Obadias, Naum, Habacuque, Malaquias, Jonas e Zacarias 9-14, que sofreram uma atividade redacional mais marcante. O autor fala da existência daquilo que chama de "camada relacionada a Joel" (Joel-related layer). Esta camada combinou o corpus deuteronomista e o corpus Ageu-Zacarias, e expandiu-se sobre a estrutura cronológica suprida por esses corpora, incorporando Joel, Obadias, Naum, Habacuque e Malaquias aos dois corpora pré-existentes. Desses escritos, Naum e Habacuque são considerados como tendo tido uma existência como obras literárias com estruturas reconhecíveis, mas também como tendo sido substancialmente expandidos para o horizonte literário mais amplo, o do Livro dos Doze. Joel e Obadias, por sua vez, parecem ter sido compilados, a partir da adaptação de material existente, como parte da produção literária do Livro dos Doze. Joel, segundo Nogalski, serviu como âncora literária para o corpus mais amplo31. Malaquias, o quinto escrito dessa camada, assim como Naum e Habacuque, teria também tido uma existência independente como uma disputa profética, mas não em sua forma atual, também expandida para integração do escrito no horizonte literário mais amplo dos Doze. Após a inserção da camada relacionada a Joel, dois outros blocos de textos entraram no corpus para completar o Livro dos Doze: Jonas e Zacarias 9-1431.

Em artigo publicado poucos anos depois, Nogalski volta à questão da unidade dos Doze, trabalhando com detalhes a categoria da intertextualidade. Para ele, o Livro dos Doze exibe pelo menos cinco tipos diferentes de intertextualidade: citações, alusões, palavras-gancho, motivos e elementos emolduradores (ou estruturadores). Por citação, o autor entende "o uso de uma frase, sentença ou parágrafo preexistente que é tomado de outra fonte"32. Uma alusão "consiste de uma ou mais palavras cuja ocorrência pretende evocar a lembrança do leitor de outro texto (ou textos) para um propósito específico"33. As palavras-gancho "funcionam como um tipo de alusão pela utilização/reutilização de palavras significativas para se referir a outros(s) texto(s)".34

Temas e motivos são desenvolvidos naturalmente em obras literárias, as quais os usam como elementos para "contar a história"35 ou comunicar sentido. Os elementos emolduradores constituem uma categoria um tanto mais ampla, na qual se incluem pelo menos cinco tipos: os títulos, que desempenham um papel-chave na macroestrutura dos Doze, sendo que seis deles provêem a estrutura cronológica do todo e representam o maior grupo que influencia a leitura dos Doze; a repetição ou recorrência de gêneros similares, especialmente nos começos e finais de escritos40; os paralelos estruturais, encontrados em passagens adjacentes nas junções dos escritos; a justaposição de palavras-gancho, nos começos e finais dos livros, realçando a tensão entre uma promessa e uma realidade presente; e alusões canônicas, como as encontradas em Zc 13.9, que alude a Ml 3.3 e Os 2.25 (fim e início do livro dos Doze); Zc 14.1-21, que alude a Is 2 e 66 (início e fim do primeiro dos Profetas Posteriores); e Ml 3.2-24, que alude a Js 1.2, 7 (início dos Profetas Anteriores). Para Nogalski, todos esses elementos emolduradores, advenientes da redação, servem para transformar livros outrora independentes que hoje fazem parte dos Doze em um único livro, e são o mais forte argumento em favor da unidade dos Doze.

Aaron Schart reconhece a importância dos dois volumes de Nogalski, acima referidos, para a questão do crescimento do Livro dos Doze, e constrói sobre eles. Ele nota a relativa indiferença de Nogalski ao surgimento do corpus deuteronomístico e começa por aí, descobrindo um primeiro estágio com a formação de uma obra em dois volumes, abarcando versões primitivas de Amós e Oséias. Segue-se um segundo estágio, constituído pela formação do corpus deuteronomístico, com quatro volumes: Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias.

Então, Schart volta-se para o surgimento do restante do Livro dos Doze, discordando de Nogalski quanto à centralidade de Joel. O estágio três foi à expansão do corpus deuteronomístico, com a inserção do corpus constituído por Naum e Habacuque. O corpus Ageu-Zacarias foi acrescentado no estágio quatro; o corpus Joel-Obadias, no estágio cinco, e, por fim, individualmente, fora incorporados Jonas e Malaquias36.

Uma posição mais recente, que de certa forma sintetiza a dos que propõem considerar o conjunto dos Doze como um único livro, o qual passou por um complexo processo de composição, é a de Erich Zenger37, que agrupa, nas seguintes teses, os resultados da pesquisa quanto ao processo de surgimento do Livro dos Doze:

·O mais tardar no tempo do exílio, os livros de Oséias, Amós, Miquéias e Sofonias são compostos para formar um "Livro de vários profetas I" (discussão com a experiência da catástrofe da ruína do estado de Judá e da época do exílio).

·No tempo imediatamente posterior ao exílio, Ageu e Zacarias 1-8 são reunidos como "Livro de vários profetas II" (explicação da reconstrução do templo bem como discussão com as condições sociais e religiosas da "comunidade dos cidadãos reunidos ao redor do templo").

·Junção das duas composições de Livros de vários profetas I e II, bem como a (gradativa?) inserção de Joel, Obadias, Naum, Habacuque, e a redação continuada de Zacarias 1-8 pelo trecho de Zacarias 9-11; 12-14 (sucessivamente) e, finalmente, conclusão por meio do livro de Malaquias, nos séculos IV e III (ênfases peculiares são agora o relacionamento de Israel com as nações e a escatologização da história)38.

Ainda com relação ao grupo dos que admitem a unidade dos Doze, mencionamos, à parte, aqueles que optam por uma abordagem fundamentalmente literária da obra, trabalhando numa perspectiva meramente sincrônica, e deixando de lado qualquer consideração de corte diacrônico. Um nome representativo dessa posição é o de Paul R. House, que trabalha a questão da unidade dos Doze a partir de uma estrutura tripartida, marcada pelos temas do pecado, do castigo e da restauração. Para ele, o tema do pecado de Israel e das nações caracteriza o Livro dos Doze de Oséias a Miquéias; o tema do castigo desse pecado é abordado de Naum a Sofonias; e o tema da restauração, de Ageu a Malaquias. House vê o enredo dos Doze como cômico, no sentido literário clássico do termo, em contraste com o trágico, fazendo uma abordagem sincrônica dos diversos escritos, que, para ele, exibem um caráter literário, mas sem considerar como se formaram e como foram reunidos em conjunto. Ele rejeita, portanto, a crítica da redação. Sua apresentação pode ser considerada deveras esquemática e reducionista, ignorando, entre outras coisas, a complexidade do processo de composição dos escritos e o fato de que há seções que falam de salvação nos livros que, segundo ele, tratam do pecado, e passagens que falam de juízo no material que ele relaciona ao tema da restauração39.

Herbert Marks também propõe uma abordagem literária dos Doze, sem negar a complexidade do processo de composição dos diversos escritos que compõem esse conjunto. Ele procura levar em conta tanto à realidade do texto em seu todo quanto à das "vozes" que o compõem, que são os escritos individuais. Para ele, embora a forma final (canônica) do livro tenha sido concebida para consolidar seu conteúdo complexo em uma unidade literária, os aspectos discordantes das "vozes" do livro e seus aspectos discrepantes não podem ser ignorados40. Entretanto, como dissemos acima, a abordagem tradicional na exegese crítica, quanto ao estudo dos Profetas Menores, tem considerado que os escritos que integram o conjunto dos Doze possuem cada um sua própria história de composição e sua mensagem distinta, devendo ser considerados como obras literárias individuais.

O grande defensor atual dessa linha é Ehud ben Zvi, cujas idéias sobre o assunto encontram-se reunidas no artigo "Twelve Prophetic Books or 'The Twelve': A Few Preliminary Considerations".41

Segundo ben Zvi, o rolo dos Doze constitui uma coleção ou antologia de livros separados, não uma obra unificada. Isto não significa que os livros não possam ser lidos como uma unidade, se alguém assim escolher fazê-lo, mas não há como garantir que essa fosse à intenção daqueles que o transmitiram42.

O fato de os escritos dos Doze serem transmitidos em um único rolo não implica em que formem uma unidade literária, visto que, por um lado, coleções de obras ou unidades literárias independentes existiram na antiguidade e no antigo Israel (exemplos contidos na Bíblia são os livros de Salmos e de Provérbios), e, por outro, existem obras escritas em vários rolos (como, por exemplo, o Pentateuco e a História Deuteronomista)43.

Também o fato de terem sido encontrados em Qumran pesharim de escritos individuais que compõem o conjunto dos Doze (Habacuque e Naum) pode ser interpretado como indicação de que, naquela comunidade, os Doze eram considerados como obras separadas, ainda que transmitidas em um único rolo. Para ben Zvi, o texto do Talmude (b. B. Bat. 13b) que fala do espaço em branco a ser deixado entre os livros bíblicos seria um testemunho em favor da independência das obras que compõem o conjunto dos Doze, não o contrário.44

Também o fato de haver uma nota massorética relativa ao número total de versículos do rolo dos Doze não seria um argumento em prol de sua unidade literária, visto que há notas masoréticas concernentes aos Profetas (incluindo Anteriores e Posteriores) e a toda a Escritura. O fato de que não parece haver uma ordem fixa para os escritos no conjunto dos Doze também deporia contra a hipótese de uma compreensão desse conjunto como uma obra unificada, pois, se a ordem dos livros era determinante para seu sentido, seria de se esperar uma ordem fixa55. A presença de alusões, textos "paralelos" (ou citações) e semelhanças temáticas entre os Doze também não seria um argumento em favor de sua unidade literária, pois essas características podem ser encontradas entre os Doze e os outros três livros proféticos, e entre os Doze e textos não-proféticos na Bíblia Hebraica. Essas características podem ser devidas ao fato de que os escritores e redatores dos textos bíblicos viviam sob circunstâncias semelhantes, e compartilhavam um mesmo discurso teológico/ideológico e uma mesma linguagem literária. Além do mais, não só semelhanças devem ser levadas em conta, mas também dessemelhanças (descontinuidades) de estilo, perspectiva e mesmo de ideologia/teologia, para se avaliar se os livros contidos no conjunto dos Doze formam uma unidade45.

Ainda para ben Zvi46, a presença de títulos em cada um dos livros proféticos que integram o conjunto dos Doze, bem como a ausência de título ou qualquer outra marca que identifique os Doze como obra unificada é "a mais significativa e inequívoca evidência interna" de que eles devem ser considerados como livros proféticos separados, como Isaías, Jeremias e Ezequiel. Não se compreende por que teriam sido transmitidos assim, sem um título geral para todo o conjunto e com títulos para cada um de seus integrantes individuais, caso a intenção de seu(s) editor (es) fosse apresentá-los aos leitores como uma obra literária unificada47.

Isso fica mais claro se fizermos uma comparação entre o rolo dos Doze e o de Isaías, em que três conjuntos distintos identificados de há muito pela crítica bíblica (Is 1-39; 40-55; 56-66) são apresentados sob um único título, sem que outros títulos demarquem a segunda e a terceira partes, as quais, embora sejam obras de autores diferentes e de épocas diferentes, segundo consenso da exegese crítica, parece que devem ser lidas como formando uma unidade literária com a primeira parte, e não como obras independentes. De outra forma não se compreende por que se encontram inseridas em um mesmo rolo sem nenhuma indicação ou identificação de sua singularidade.

David L. Petersen também considera que não se deve pensar no conjunto dos Doze como um único livro. Para ele, os Doze seriam "uma antologia tematizada" (a thematized anthology), com foco sobre o yôm YHWH, que seria o tema predominante.

·Implicações Conclusivas:

O fato de os escritos dos Doze Profetas Menores serem transmitidos em conjunto, num único rolo, não implica necessariamente que devam ser considerados como um único livro. Por outro lado, também não se deve pensar que sua reunião seja aleatória. O número de livros que integram esse rolo pode ser explicado não apenas por razões meramente práticas, para facilitar sua transmissão, visto que outros escritos pequenos que fazem parte da Bíblia Hebraica são transmitidos em separado, como os Megillot, mas principalmente a partir do simbolismo do número doze, que evoca os doze filhos de Jacó, respectivamente as doze tribos de Israel. Se considerarmos que os Doze são precedidos, na Bíblia Hebraica, de três assim chamados Profetas Maiores, poderíamos ver uma correlação entre Isaías, Jeremias e Ezequiel, por um lado, e os três patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, por outro, e assim todo o conjunto dos Profetas Posteriores corresponderia à seqüência (segundo o esquema 3 + 12) encontrada no Pentateuco. Não se pode negar, em princípio, todo e qualquer valor à hipótese que propõe que o conjunto dos Doze seja considerado como um único livro e à pesquisa diacrônica dos Doze. Por outro lado, não se pode deixar de observar o caráter discutível de seus fundamentos e conclusões. Parece que os defensores dessa hipótese incorrem num erro de petição de princípio, ou de argumentação circular.

Também não se pode negar que os escritos que compõem o conjunto dos Doze tenham passado por um processo relativamente longo e complexo de transmissão e composição, como o demonstra, sobretudo, o fato de conterem palavras de juízo e de salvação, um discurso que seria incoerente e contraproducente se considerado como tendo sido feito por um mesmo autor em uma mesma época. Outra coisa que não se pode negar é que os autores dos escritos mais recentes que integram o conjunto dos Doze tenham conhecido os escritos anteriores, e tenham elaborado suas obras utilizando temas e motivos já trabalhados pelos que os antecederam, mesmo que os escritos sejam considerados como independentes, cuja intenção não fosse necessária e exclusivamente a de fazer parte de um suposto conjunto em crescimento, mas sim a de responder a problemas de seu próprio contexto.

Quando analisamos os Profetas Menores sob o prisma da unidade literária e teológica percebemos a existência de indícios fortíssimos que apontam para as muitas inter-relações entre esses livros. A análise apresentada do livro dos Doze visto como uma unidade literária sugere que a forma final dos livros (no TM) era uma tentativa de direcionar a sua interpretação. As hipóteses analisadas indicam que a compilação é o resultado da interpretação dos livros individuais dentro da coleção. Essas interpretações distinguiram-se entre os livros individuais, mas não obstante reconheceram um sentido de unidade que torna a compilação coerente e significante. Quando estudamos os profetas, todos eles têm praticamente os mesmos ingredientes básicos:

(1)Advertência por causa da iminente julgamento de Israel e das nações.

(2)Uma descrição do pecado de Israel e das nações que estão sob a ira de Deus.

(3)Uma descrição das sentenças de Yahweh contra Israel e as nações.

(4)Um solene chamado ao arrependimento.

(5)Uma promessa de perdão, restauração e de bênçãos escatológicas.

·Nosso objeto, então, neste dias que se seguiram, é avaliar essa conexão e interdependência entre os textos dos Doze Profetas para verificar até que ponto os mesmos formam uma unidade literária. Dessa maneira, o objeto deste estudo não é fazer uma comparação redacional entre os livros, mas analisar os possíveis aspectos de intertextualidade entre o texto final dos livros que o circundaram a partir do VIII séc. com o interesse em retratar um cenário emergente entre as nações e Israel.

P. Redditt, apontou as possíveis transições literárias de Mq 7 junto a Na 1,2-8: ligação presente no início e no final dos livros. No entanto, é mérito de J. Nogalski ter chamado a atenção para as visíveis conexões entre o semiacróstico em Na 1,2-8 e Mq 7. Para este autor, Na 1 foi refeito com vistas a Mq 7 e ligado a este por meio de vocábulos, que parcialmente destruiu o esquema alfabético de Naum: as linhas d, z e y, assim como a inserção no v. 2b.3a. Enquanto Nogalski pensa que esta fusão foi feita devido ao já existente Mq 7, para Zapff, tal fusão do semi-acróstico deve ser vista no contexto de Mq 7, capítulo considerado em várias partes como continuação redacional do livro.Na visão deste autor, a posição do Livro de Miquéias entre Jonas e Naum não seria um acaso - reflete-se nele a seqüência das diferentes perspectivas dos povos dos livros de Joel, Jonas e Naum. O julgamento dos povos diante de Sião no Livro de Joel encontraria sua correspondência em Mq 4,11-14 e 7,10. À prometida possibilidade de conversão dos povos em Jonas e à disposição para o perdão de YHWH, corresponderia a peregrinação dos povos para Sião em Mq 4,1-3 e Mq 7,12. O julgamento definitivo sobre todos os povos que "não obedecem", a saber, que não peregrinaram para Sião (Mq 5,14; 7,13) deveria ser procurado em Naum 1, onde, conseqüentemente, diferencia-se entre os "inimigos de YHWH" (Na 1,2b) e "aqueles que procuram abrigo em Yahweh" (Na 1,7).

O estudo sobre a unidade do corpus profético e status quaestionisdo Livro dos Doze Profetas Menores, tratado neste primeiro capítulo, apresenta-se como um tema atual e muito discutido nas teses de Doutorado e debates entre os estudiosos. Alguns autores focaram a sua atenção no processo redacional desses escritos elaborando as suas diferentes fases até a forma final, através de vários editores, que reconstruíram as escrituras, criando novas estruturas, relações temáticas e verbais. Esses estudiosos não excluem a atenção aos livros individuais ou mesmo às mensagens individuais dos profetas, no entanto, apresenta por meio de uma leitura diacrônica, uma visão geral de todo o conjunto profético. Em suas observações, apontam à formação complexa do processo do livro dos Doze, que pensam estender-se por um vasto período e por diferentes indivíduos. Outros analisam os documentos proféticos pelo viés da compilação literária, considerando que os materiais pré-existentes, quase prontos, foram reorganizados na coleção, com o objetivo de uni-los num só volume, através de afinidades literárias, temáticas e estruturais. A diferença de pensamento entre os autores apontados neste estudo retrata a dificuldade em concluir se estes pequenos escritos proféticos foram ou não considerados um único livro, ou se foram colocados juntos por uma razão prática para não se perderem. Pode-se afirmar que não há informação segura que indique a unidade dos Doze Profetas Menores.

Embora muitas questões permaneçam ainda sem respostas, algumas afirmações, tais como aquelas dos manuscritos antigos, certificam que estes livros devem ser considerados como um único livro. Aceitando tal possibilidade, não estaríamos perdendo os aspectos individuais e históricos que eles apresentam? Os próprios comentários exegéticos tratam à autoria, conteúdo e teologia de cada livro isolado. Nossa proposta então é que estes pequenos escritos não podem ser compreendidos como um todo coerente - como sugere a maioria dos estudiosos - cada um dos livros é portador de significado como uma obra única.

Estes livros individuais estão claramente marcados por seus próprios títulos como ocorre com o Livro de Jonas. As subscrições indicam que cada um deles é apresentado como uma unidade coerente com seu próprio estilo e conteúdo e particularidades históricas. Outros livros ainda apresentam elementos biográficos e datas precisas que complementam a pregação profética (cf. Ag 2,1- 9). Enfim são livros distintos com comunicação literária própria. Observa-se que a seqüência canônica dos livros, nas versões apresentadas, não é resultado de um trabalho cronológico, seja no TM, na LXX ou no fragmento 4QXIIa (conferir tabela 2).

Notas___________________________________________________________

[1] Cf. AGOSTINHO, Cidade de Deus, XVIII, 29: "Isaías não é do número dos doze profetas chamados menores, porque suas profecias são breves, comparadas com as dos chamados maiores, que compuseram extensos volumes".

[2] Vários nomes se destacam nessa linha de pesquisa, entre eles: Paul R. HOUSE, The Unity of the Twelve (JSOTSup. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1990); James D. NOGALSKI, Literary Precursors to the Book of the Twelve (BZAW 217. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 1993) e Redactional Processes in the Book of the Twelve (BZAW 218. Berlin; New York: Walter deGruyter, 1993); Barry A. JONES, The Formation of the Book of the Twelve: A Study in Text andCanon (SBLDS 149. Atlanta: Scholars Press, 1995); Aaron SCHART, Entstehung des Zwölfprophetenbuchs (BZAW 260. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 1998). Também é dignode destaque que a Society of Biblical Literature tem promovido, desde 1994, um seminário sobreos Doze Profetas, intitulado "Formation of the Book of the Twelve Seminar". Textos apresentadosnesse seminário têm sido publicados em volumes como Reading and Hearing the Book of the Twelve, editado por James D. NOGALSKI e Marvin A. SWEENEY (SBLSS 15. Atlanta: SBL,2000) e Thematic Threads in the Book of the Twelve, editado por Paul L. REDDITT e AaronSCHART (BZAW 325. Berlin; New York: Walter de Gruyter, 2003). Cf. ainda James W. WATTS& Paul R. HOUSE (eds.), Forming Prophetic Literature. Essays on Isaiah and the Twelve inHonor oh John D. W. Watts. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996.

[3] Para a apresentação do status quaestionis da pesquisa sobre os Doze, pode-se ver, entre outros textos, a Introdução da obra de NOGALSKI, Literary Precursors to the Book of the Twelve, p. 1- 19; o Capítulo 1 da de JONES, The Formation of the Book of the Twelve, p. 1-42; o artigo de Donatella SCAIOLA, "Il Libro dei Dodici Profeti Minori nell´Esegesi Contemporanea. Status Quaestionis", in: Rivista Biblica Italiana XLVIII (2000), p. 319-334; e o artigo de Paul L. REDDITT, "The Formation of the Book of the Twelve: A Review of Research", in: Thematic Threads in the Book of the Twelve, p. 1-26.

[4] O prólogo do Eclesiástico, aliás, faz por três vezes menção da divisão tripartida da Bíblia Hebraica, ainda que não seja certo que essas três partes tivessem já naquela época o mesmo conteúdo e extensão que possuem hoje, sobretudo com relação à terceira delas. Eclo 49.10, segundo a BJ, diz: "Quanto aos doze profetas, que seus ossos refloresçam de seu sepulcro, porque eles consolaram Jacó, eles o resgataram na fé e na esperança". Se a referência é exatamente às pessoas dos profetas ou aos livros que levam seus nomes é uma questão discutida, mas o fato de se falar dos "ossos" dos doze profetas parece favorecer a conclusão de que se trata das pessoas e não dos escritos. Não se pode asseverar, portanto, que o Sirácida estivesse pensando no conjunto dos doze profetas como uma unidade literária.

 

[5] Para os partidários da unidade dos Doze, a despeito da diferença na ordem, a LXX também confirmaria a idéia de que o conjunto dos Doze constitui um único corpus literário. Cf. infra as críticas de ben Zvi.

 

[6]Note-se, entretanto, que o texto de Atos diz: "como está escrito no livro dos profetas", e não "no livro dos doze profetas", como talvez fosse de se esperar, caso este fosse seu título e a obra mencionada fosse apenas o rolo dos Doze. Nada impede que se pense que a expressão se refira ao corpus profético como um todo. (Contra JONES, Formation, p. 10).

 

[7] Cf. Flávio JOSEFO, Contra Apion, I.8.

[8] Cf. 2 Esdras 14.44-45. Outras três obras pseudepigráficas referem-se aos Doze. Em 4 Esdras

1.39s, os Doze são listados na mesma ordem encontrada na LXX. Na obra intitulada As Vidas dos

Profetas, a seqüência é quase idêntica à da LXX, sendo a única diferença o fato de que Miquéias antecede Amós. E em O Martírio e Ascensão de Isaías 4.22, os Doze aparecem na seguinte ordem: Amós, Oséias, Miquéias, Joel, Naum, Jonas, Obadias, Habacuque, Ageu, Sofonias, Zacarias e Malaquias. A partir de todas as ordens conhecidas, parece que se pode afirmar que algum princípio cronológico governou a disposição dos livros na edição final do conjunto dos Doze. Os exegetas, de um modo geral, concordam em que Oséias, Amós e Miquéias devem ser situados no séc. VIII a.C.; Naum, Habacuque e Sofonias, no séc. VII; Ageu, Zacarias e Malaquias no período pós-exílico, nos séc. VI/V. Quanto a Joel, Obadias e Jonas, não se sabe ao certo sua data de composição, mas a maioria dos estudiosos admite que devam ser situados também no período pós-exílico.

[9] O texto diz (cf. BEN ZVI, "Twelve Prophetic Books or 'The Twelve': A Few Preliminary

Considerations", p. 132): !yjyX h[bra hrwt lX Xmwxl Xmwx !yb

!yjyX´g rX[ ~ynX lX aybnbw aybnl aybn lk !yb !kw

[10] Cf. NOGALSKI, Literary Precursors, p. 3; ver infra as críticas de ben Zvi.

[11] Cf. EUSÉBIO de Cesaréia, História Eclesiástica, IV, 26. Melito lista os Profetas Menores como tōn dodeka en monobiblō, "os Doze em um livro", cf. JONES, Formation, p. 12.

[12] Cf. AGOSTINHO, A Doutrina Cristã, II, 8, 13: "Como estão conexos e nunca foram separados, são contados como um só livro". Note-se que Agostinho diz que os Doze são contados como um só livro, o que não significa que necessariamente eles sejam um só livro e que ele os visse assim.

[13]JERÔNIMO, "Incipit Prologus Duodecim Prophetarum", in: Biblia Sacra iuxta Vulgatam Versionem (Stuttgart: Deustche Bibelgesselschaft, 1983), p. 1374.

[14] Cf. JONES, Formation, p. 14-16. Segundo Jones, contra os argumentos de Budde, contam-se a falta de evidência direta para o material supostamente eliminado; a presença de algum materialbiográfico remanescente (e.g. Os 1-3; Am 7.7-14) e a falta de evidência histórica para os grupos que teriam questionado a santidade da literatura profética.

[15] WOLFE, Rolland Emerson. "The Editing of the Book of the Twelve", ZAW 53 (1935), p. 90-

129. Cf. também NOGALSKI, Literary Precursors, p. 5s; JONES, Formation, p. 16-19.

[16] BLENKINSOPP, Joseph. Prophecy and Canon (Notre Dame: Notre Dame Press, 1977), p. 106-

108. Cf. também NOGALSKI, Literary Precursors, p. 8s.

[17]WEIMAR, Peter. "Obadja. Eine redaktionskritische Analyse", BN 27 (1985), p. 35-99. Apud

NOGALSKI, Literary Precursors, p. 8s.

[18] Cf. NOGALSKI, Literary Precursors, p. 9.

[19] Cf. NOGALSKI, Literary Precursors, p. 9.

[20] BOSSHARD, Erich. "Beobachtungen zum Zwölfprophetenbuch", BN 40 (1987), p. 30-62. A

esse respeito, veja-se também: BOSSHARD-NEPUSTIL, Erich. Rezeptionen von Jesaja 1-39 im

Zwölfprophetenbuch. OBO 154. Fribourg, Suisse: Éditions Universitaires; Göttingen:

Vandenhoeck & Ruprecht, 1997. Cf. ainda NOGALSKI, Literary Precursors, p. 9s.

[21] Cf. EWALD, Heinrich. Die Propheten des Alten Bundes erklärt (2. ed. Göttingen: Vandenhoeck

& Ruprecht, 1868), p. 74-82. Apud NOGALSKI, Literary Precursors, p. 4. Cf. JONES,

Formation, p. 23s.

[22] Cf. STEUERNAGEL, Carl. Lehrbuch der Einleitung in das Alten Testament (Tübingen: Mohr,

1912), p. 669-672. Apud NOGALSKI, Literary Precursors, p. 4s. Note-se que não há referência ao livro de Malaquias.

[22] Cf. STEUERNAGEL, Carl. Lehrbuch der Einleitung in das Alten Testament (Tübingen: Mohr,

1912), p. 669-672. Apud NOGALSKI, Literary Precursors, p. 4s. Note-se que não há referência ao livro de Malaquias.

[23]DELITZSCH, Franz. "Wann weissagte Obadja?", ZLThK 12 (1851), p. 91-102; CASSUTO,

Umberto. "The Sequence and Arrangement of the Biblical Sections" (1947), in Biblical and

Oriental Studies, vol. 1 (Jerusalém: Magnes Press, 1973). Apud NOGALSKI, Literary Precursors,

p. 6.

[24] SCHNEIDER, Dale Allen. The Unity of the Book of the Twelve (Yale University PhD

Dissertation, 1979). Cf. NOGALSKI, Literary Precursors, p. 6s; JONES, Formation, p. 24-28.

[25] LEE, Andrew Y. The Canonical Unity of the Scroll of the Minor Prophets (PhD Dissertation:

Baylor University, 1985). Apud NOGALSKI, Literary Precursors, p. 7s, 14. Cf. JONES,

Formation, p. 29s

[26] COLLINS, Terence. The Mantle of Elijah: The Redaction Cristicism of the Prophetical Books.

(Sheffield: Sheffield Academic Press, 1993). Cf. também REDDITT, Paul L. "The Formation of

the Book of the Twelve: A Review of Research", in: REDDITT and SCHART, Thematic Threads,

p. 2s.

[27] NOGALSKI, Literary Precursors, p. 12.

[28] NOGALSKI, Literary Precursors, p. 13s.

[29] NOGALSKI, Literary Precursors, p. 14-19 et passim.

[30] NOGALSKI, Literary Precursors, p. 18, 276-282.

[31] Sobre essa questão, veja-se também o artigo posterior de NOGALSKI, "Joel as 'Literary

Anchor' for the Book of the Twelve", in: NOGALSKI & SWEENEY, Reading and Hearing the

Book of the Twelve, p. 91-109.

[32] Cf. NOGALSKI, Redactional Processes, p. 274-280.

[33] Cf. NOGALSKI, "Intertextuality and the Twelve", in: WATTS & HOUSE, Forming Prophetic

Literature, p. 102-124.

[34] No original, framing devices. Cf. NOGALSKI, "Intertextuality and the Twelve", p. 103.

[35] Cf. NOGALSKI, "Intertextuality and the Twelve", p. 103. Como exemplos, o autor aponta a

citação de Jr 49.9, 14-16 por Ob 1-5, ainda que com adaptações, e de Am 1.2 por Jl 4.16, cf. p.104-108.

[36] SCHART, Aaron. Die Entstehung des Zwölfprophetenbuchs (BZAW 260. Berlin; New York:

Walter de Gruyter, 1998). Apud REDDITT, "The Formation of the Book of the Twelve", p. 16s.

[37] Cf. ZENGER, Erich et al. Einleitung in das Alte Testament. (3. Auflage. Stuttgart; Berlin; Köln:

Kohlhammer, 1998), p. 467-472. Veja-se também a tradução da primeira edição dessa obra

(Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Loyola, 2003, 460-465), cujo texto, nesse ponto, é exatamente o mesmo da terceira.

[38] A questão é tratada também no artigo de GOTTWALD, Norman K. "Tragedy and Comedy in

the Latter Prophets", Semeia 32 (1985), p. 83-96.

[39] HOUSE, Paul R. The Unity of the Twelve (JSOT 77. Sheffield: Sheffield Academic Press,

1990). Cf. também NOGALSKI, Literary Precursors, p. 10-12; JONES, Formation, p. 30s. A

posição de House, expressa no estudo supracitado, não é modificada em sua obra Old Testament Theology, publicada oito anos depois, em 1998. Se a posição de House pode ser consideradaexcessivamente simplista, a de seus críticos, em contrapartida, pode ser consideradaexcessivamente complexa.

[40] Cf. MARKS, Herbert. "Os Doze Profetas", in: ALTER & KERMODE, Guia Literário da

Bíblia, p. 223-249, esp. p. 225, 228 et passim. Para ele, o Livro dos Doze é o mais heterogêneo da

Bíblia Hebraica, "uma antologia profética que contém escritos compostos em um período de quasequinhentos anos" (p. 223).

[41] Cf. WATTS, James W. & HOUSE, Paul R. Forming Prophetic Literature. Essays on Isaiah and

the Twelve in Honor of John D. W. Watts. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996, p. 125-156.

[42] Cf. BEN ZVI, Twelve Prophetic Books, p. 130.

[43] Cf. BEN ZVI, Twelve Prophetic Books, p. 131. Como ele mesmo diz na nota 20: "In other words, one cannot reconstruct ancient strategies of reading only or even mainly on the basis of the criteria of one scroll versus many scrolls."

[44]2 Cf. BEN ZVI, Twelve Prophetic Books, p. 131-133.

[45] O próprio autor, no entanto, registra no fim da nota 22: "Yet it is also worth noticing that whereas there are Masoretic notes concerning the 'middle verse' of the books of Isaiah, Jeremiah and Ezekiel [namely Isa. 33.21; Jer. 28.11; Ezek. 26.1], there is no correspondent note concerning the middle verse of each prophetic book, but there is one about Mic. 3.12 as the middle verse of the Book of the Twelve."

[46] BEN ZVI, Twelve Prophetic Books, p. 134, n. 24, fala de quatro seqüências diferentes, além da do TM: a da LXX, também sustentada por 4 Esdras 1.39-40; a sugerida pelo Martírio e Ascensão de Isaías 4.22: Am, Os, Mq, Jl, Na, Jn, Ob, Hc, Ag, Sf, Zc, Ml; a sugerida por As Vidas dos Profetas: Os, Mq, Am, Jl, Ob, Jn, Na, Hc, Sf, Ag, Zc, Ml (lista que começa com Is, Jr, Ez, Dn); e a sugerida por 4QXIIa, na qual se encontra a possível seqüência Ml-Jn. Na p. 135, n. 27, ele explica a existência dessas várias seqüências dizendo: "the collection was first ordered in a less than authoritative, somewhat flexible order, which later on become fixed".

[47] Cf. BEN ZVI, Twelve Prophetic Books, p. 137. O restante do artigo é dedicado a mostrar, a partir, sobretudo de referências ao livro de Obadias,amplamente estudado pelo autor, em sua obra A Historical-Critical Study of the Book of Obadiah (BZAW 242. Berlin: de Gruyter, 1996), que não há base segura para se defender a hipótese de que os Doze devem ser considerados como uma obra literária unificada, pelo contrário, cada um dos escritos que compõem o conjunto dos Doze deve ser entendido como uma unidade em si mesmo, e distinto dos demais.


Autor: george ferreira


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