BREVE COMENTÁRIO SOBRE PANTOMIME DE DEREK WALCOTT



Eliomar Rodrigues da Rocha

Pantomime (1ª publicação - 1978), do escritor caribenho Derek Walcott (1930 -), é uma peça teatral que retrata a tensão entre a figura do colonizador e do colonizado a partir da reescrita de Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Walcott estrutura sua peça tendo por base a relação senhor/escravo retratada em Robinson Crusoe.

Nessa narrativa colonialista, Defoe constrói a figura do “senhor” em Robinson Crusoe - um britânico que é capaz de construir seu império em uma ilha do mediterrâneo, nomear as coisas e seres em inglês, de ensinar a sua língua (inglesa) ao seu escravo (Friday), bem como instruir-lhe no cristianismo – e Friday, um nativo da ilha que fora salvo da morte por Robinson Crusoe e passa a servir seu ‘senhor’, porém aprende sua língua para amaldiçoá-lo, também. A reescrita de obras consideradas canônicas na literatura mundial é uma característica de escritores pós-colonialistas, como Derek Walcott, por exemplo.

Em Pantomime, há apenas dois personagens: Harry Trewe, um ator inglês aposentado, na faixa dos quarenta anos de idade, dono de um hotel e Jackson Philip, natural de Trinidad, quarenta anos de idade, empregado de Harry (factotum – empregado que faz de tudo). A peça se inicia em uma casa próximo a um penhasco na ilha de Tobago. A primeira fala é de Harry que entra dançando e cantando uma pantomima natalina chamada Robinson Crusoe. No momento que ele sai, Jackson entra trazendo o café, põe à mesa e chama pelo patrão. “Sr. Trewe, o senhor ta aí? Seus ovos mexidos estão aqui?” Sai e chega Harry cantando e dançando: Is this the footprint of a naked man, or a is it the naked footprint of a man that startles me this morning on this bright and golden sand. Fala para a platéia: “There is no one here but I, just the sea and lonely sky…” Jackson retorna, saúda o chefe com bom dia! Harry o chama de Friday e Jackson pede que não insista nessa conversa. Assim, para Harry, Jackson representa Friday e ele o Robinson Crusoe. Harry está preocupado em encenar algo que apresentará aos turistas que se hospedarão no hotel após sua reforma. Também, para Harry, Jackson pode representar o papagaio, já que Robinson Crusoe tem um, porém, um papagaio crioulo, já que Jackson é um nativo crioulo.

A única idéia que Harry tem para poder entreter seus hóspedes hipotéticos é a pantomima de Robinson Crusoe e, como se pode esperar, Harry pede que Jackson encene Friday. A peça fica interessante quando Harry propõe reverter os papéis. Quando Jackson anima-se com a idéia, o resultado não parece bom para Harry, que começa a pensar que sua sugestão de inverter os papéis não foi ideal para ele. Ao longo da peça, o diálogo mostra a exibição de seus talentos, pois os homens invertem os papéis numerosas vezes, mas não sem lutar – (colonialismo não bem sucedido nas Guianas, por exemplo/ onde houve colonização, houve resistência). Ao final, ambos têm ganhado com a exploração das suas diferenças.

A escolha de Walcott de reencenar o modelo Crusoe-Friday permite-lhe a troca de papéis dos atores. A pantomima de Crusoe funciona como uma peça dentro de uma peça, daí a subversão, pois as facetas dos atores podem ser exploradas tanto pelo autor quanto pelos autores envolvidos. Ao mesmo tempo, embora Harry e Jackson estejam apenas encenando, no hotel mantém-se a posição mestre/servo. Walcott lembra ao público que a vida do colonizado é sempre um ato, ou seja, só resta o drama ao colonizado: "We already had the theatre of our lives". Harry Trewe vive sua vida como um ator, imagina-se a si mesmo seguindo um script: "I'd no idea I'd wind up in this ironic position of giving orders, but if the new script I've been given says: HARRY TREWE, HOTEL MANAGER, then I'm going to play Harry Trewe, Hotel Manager, to the hilt, dammit. So sit down!". Isso implica que a dominação do colonizador sobre o colonizado tem sido sempre um ato. Pantomime mostra a situação de servidão que se encontra o colonizado e o condena à imitação: "You mispronounce words on purpose, don't you Jackson?" says Harry, "Don't think for one second that I'm not up on your game Jackson. You're playing the stage nigger with me". Walcott torna claro ao leitor/espectador, como também aos personagens, que eles seguem um modelo – o modelo da metrópole.

Em Pantomime há o poder de nomear objetos/seres, como fez Adão, conforme discurso religioso cristão, no Éden. Em Pantomime, Jackson toma o controle e chama o personagem da narrativa de Daniel Defoe não de Friday, como quer Harry, mas "Thursday", e segue nomeando outros objetos (mesa, patamba – p. 114) ao seu redor, tentando ensinar ao patrão a língua do servo.
Autor: Eliomar Rocha


Artigos Relacionados


Servir E Proteger - O Vizinho (filme)

A Adaptação No Cinema

Para O Dia Das MÃes - Ser MÃe

‘paquetá’ E Os Seus Homônimos

O Salmo 23 Explicitado

Pasma Imaginação

Doze Lugares Chamados ‘paquetá’