Criminalidade Organizada (2) - As Organizações Tradicionais



A "MAFIA" é o paradigma do crime organizado. Alias, há quem reduza o conceito deste ao fenómeno "MAFIA".

Na verdade, não há uma MAFIA, mas antes várias organizações, com diferentes designações e modos comuns de actuação criminal geralmente designados por "mafiosos".

O escritor italiano Leonardo Sciascia, ha cerca de 30 anos, definia a Máfia como "uma associação de delinquentes com fins de enriquecimento ilícito dos associados, que se coloca como intermediária, imposta pela violência, entre a propriedade e o trabalho, entre a produção e o consumo, entre os cidadãos e o Estado " enquanto, numa outra perspectiva, o sociólogo Raimondo Catanzaro a definiu recentemente como "a industria da violência".

Evolução

A "MAFIA" (italo - americana) terá tido origem na Siclia, nos séculos XII ou XIII, assumindo-se desde então como insurreição organizada as sucessivas ocupações que esta ilha do Sul de Itália sofreu ao longo dos tempos. As suas raízes culturais são rurais, apenas se transferindo para as grandes urbes (principalmente Palermo) nas décadas primeiras deste século, implantando rapidamente os seus métodos tradicionais de acção: a "protecção paga" ou seja, a extorsão. Primeiro nas feiras e mercados, a seguir nos sectores do comércio e de construção civil, exigindo percentagens progressivamente mais elevadas as empresas e, posteriormente, acabando por constituir as suas próprias empresas de construção, que passavam a dominar o mercado.

Todavia, o factor decisivo que marca ainda hoje a sua evolução, acontece nos anos 70 quando, com o desmantelamento dos laboratórios clandestinos e das redes da "French Connection" (sedeada em Marselha - Sul de Franga), a MAFIA toma posse do tráfico europeu de heroína e correspondentes lucros avultados.

Assim, de uma posição subalterna (apoio ao trânsito do produto pela Sicília) passou a processar nos seus próprios laboratórios a morfina proveniente da Asia e do médio -Oriente e, num curto espaço de tempo, reorganiza a sua presença na cena do tráfico internacional. Torna-se fornecedora de 65 a 70% da heroína consumida nos E.UA e, já nos anos 90, assume uma crescente intervenção no trafico de cocaína para a Europa. Concomitantemente, actualizava-se e adaptava-se a feições mais "empresárias" e "executivas, em detrimento da sua "imagem de marca" violenta.

Tipos e métodos

Hoje, é usual falar-se em Máfia do leste, Máfia turca, Máfia japonesa, Máfia chinesa, e outras. Na verdade estamos a falar de grupos de crime organizado, que histórica e culturalmente nada têm a ver com a Máfia siciliana, tendo em comum com esta apenas os métodos de actuação criminosa.

a) Em Itália, a criminalidade organizada de tipo mafiosa esta dividida em quatro ramos distintos, saídos de fronteiras regionais tradicionais no Sul de Itália: "COSA NOSTRA", na Sicília, "CAMORRA", em Nápoles; "N' DRANGHETTA", na Calaria; "SACRA CORONA UNITA", no sudeste.

A "Cosa Nostra" é a mais importante, envolvendo cerca de 140 famílias que podem ser compostas entre 30 a 300 mafiosos de base, os soldados ou "homo d' onore". É uma estrutura articulada, unitária e hierarquizada.

A"Camorra" napolitana e a "N'dranghetta" calabresa, bem como a "Sacra Corona Unita", não têm esta estrutura verticalmente hierarquizada e compartimentada mas sim uma estrutura horizontal, pretendendo as "famílias" o controle das actividades ilegais em todo o território de acção regional (na "Cosa Nostra", para evitar conflitos maiores, cada "família" tem o seu território de acção, ao nível do bairro).

A base de acção destas organizações são as actividades tradicionais de extorsão ("protecção paga"), manipulação de contratos de obras, trafico ilícito de estupefacientes e branqueamento de dinheiro.

A "N'dranghetta" é a mais sanguinária e violenta, tendo-se especializado em raptos e resgates, a par da acção sobre os importantes mercados regionais de frutas e legumes e produção de óleo, sendo muito activa no trafico de estupefacientes para zonas do Canada, E.U.A., Austrália, Sul de França e Alemanha (onde encontramos comunidades calabresas).

A "Camorra" reconverteu as suas actividades de contrabando de cigarros para a mais lucrativa actividade de trafico de estupefacientes, assumindo um papel de quase monopólio no trafico de cocaína entre a América do Sul (nomeadamente Peru e Colombia) e a Europa, detendo "bases" em varias países europeus. No trafico de heroína e haxixe, opera nos espaços menores deixados pela actividade da "Cosa Nostra", a qual, por seu turno, ocupa um papel de quase monopólio no trafico internacional destes produtos para os E.U.A. A "Cosa Nostra" dedica - se ainda, relevantemente, ao trafico de armas, trafico de divisas e ao branqueamento de dinheiro (nomeadamente, com recurso a instituições de crédito que controla e a empresas que criou, fundamentalmente nos sectores da construção civil transportes e da indústria).

b) Desde há muito que a Máfia se converteu também num problema americano de relevo criminal - a partir do princípio do século, acompanhando as correntes migratórias de sicilianos para o "Novo Mundo", muitos foram os "mafiosas" que se instalaram nos E.U.A. desenvolvendo as suas "famílias", A imagem e estrutura da organização - mãe siciliana, mantendo inicialmente uma relação de tipo "filial". Com o correr dos anos esta relação de subalternidade desapareceu, dando origem a uma completa autonomia da "Cosa Nostra" americana, apesar das profundas relações de colaboração que, por interesse comum, as duas organizações mantêm.

Alias, podem-se detectar algumas diferenças significativas: enquanto os americanos tem entre as suas principais actividades a exploração de casas de jogo e prostituição, especializando-se nos mercados ilegais, os sicilianos recusam estas actividades, tendendo a articular a actuação nos mercados ilegais com uma conveniente presença nos mercados legais.

c) No leste Europeu, a abertura económica e política, conjugada com uma evidente crise de autoridade nos vários Estados em processo de democratização, abriu caminho ao desenvolvimento operacional do crime organizado.

O Ministério do Interior Russo contabilizou em actividade cerca de 3 000 "gangs" que integram centenas de milhares de elementos, com ramificações em todos os escalões sociais. Noutros territórios da ex-Uniao Soviética (nomeadamente na zona do Báltico), na Polónia, Hungria, na antiga Checoslováquia e Bulgária, grupos criminais organizados tem-se implantado e ganho expressão activa. Com raízes na velha "nomenkulatura" ou nos grupos que então dominavam o mercado, estas "Máfias do Leste" dedicam-se fundamentalmente ao trafico de droga (nomeadamente na Rússia e República Checa), mas tamb6m aos negócios de armas, prostituição e trafico de automóveis (sobretudo na Polónia, face a contiguidade territorial com a Alemanha), bem como ao trafico e contrabando de produtos de primeira necessidade, medicamentos, discos, cassetes e vídeos, assim como produtos de luxo (perfumes, relógios, pedras preciosas.).

Os métodos utilizados são próximos aos da "indústria de violência"siciliana mas, todavia, a estrutura destas "Máfias do Leste" não é comparável á hierarquia e organização inerente a "Cosa Nostra" italo-americana.

As redes mafiosas russas, por exemplo, tem uma base étnica na sua constituição (azeris na liderança; tchechenos como operacionais armados; uzbeques e tadjiques no trafico de ópio; ucranianos e russos no trafico da papoila e drogas sintéticas; tártaros no jogo, espectáculo e terrorismo; os georgianos nos carros roubados; os daguestaneses no grande banditismo), são individualistas e mutuamente conflituosas, sem qualquer organismo central de controle (a não ser o "Meio" que congrega apenas 20 grandes grupos da zona de Moscovo).

Contudo, o crescimento da produção de drogas, a dinamização dos circuitos de trafico e de lavagem de dinheiro (em Moscovo, p. ex., existem mais casinos do que em Las Vegas), ditaram já a transformação de cidades como Moscovo, Praga e Budapeste em nevrálgicas placas giratórias mundiais do crime organizado, em geral, e do trafico ilícito de estupefacientes, em particular - conferindo as ditas "Máfias do Leste" um acrescido poder e importância criminal, não apenas no contexto regional, mas também no contexto europeu e mundial.

d) Referencia ainda para duas formas de expressão criminal organizada muito importantes, com origem no Oriente: os "YAKUZA" (ou Máfia japonesa)) e as "TRÍADES" (ou Máfia chinesa).

Ambas representam verdadeiras sub - culturas criminais, com seculares tradições e raízes, constituídas por grupos de rigoroso recrutamento selectivo e rigidamente disciplinados em estruturas hierarquicamente estabelecidas.

. Os "Yakuza" são entidades ate há pouco tempo permitidos no Japão. De acordo com estatísticas de finais de 1991, existiam no Japão cerca de 3 500 "gangs" e 91000 "gangsters", dominados por três grandes grupos: o "Yamaguchi" (o mais importante, sedeado na região de Kansai, controlando 1330 "gangs" de "Yakuzas"), o "Sumiyoshi" e o "Inagawa" (ambos sedeados em Tóquio).

As suas actividades principais dirigem-se para:

1) Controle e gestão de casas de jogo e bordeis;

2) Extorsão através da "protecção paga" ("mikagime-ryo") ;

3) Chantagem com informações confidenciais de nível económico, financeiro ou comercial ("sokaya"). Porem, as actividades mais lucrativas (35% do seu rendimento) são o trafico de drogas, o trafico de armas e a intervenção na Bolsa (mercado de capitais).

Actuam basicamente no Japão e zonas circunvizinhas, começando nos anos 80 a alargar a sua área de acção a outras zonas do globo, nomeadamente para o Ocidente.

As suas actividades detêm níveis elevados de rentabilidade (p. ex., o grupo "Yamaguchi", em 1991, apresentou mais facturação que a multinacional "Sony"). Situação esta que recente lei de Marco de 1992, tornando ilegais as suas principais actividades, "in fine", apenas afectara em cerca de 20% dos ganhos.

As sociedades secretas chinesas ou "TRÍADES" constituem, hoje em dia, um conjunto de organizações criminosas com implantação nas comunidades chinesas ("CHINATOWNS") espalhadas pelas principais cidades do mundo. Actualmente detêm uma "Pátria" que e Hong¬Kong e varias "sedes": Taiwan, Macau, Birmânia, Tailândia, no Extremo-Oriente; Londres, Amesterdão e Glasgow, na Europa; Nova York, S. Francisco e outras capitais estaduais, nos E.U.A.; Toronto e Vancouver.

Dominando os mercados do cultivo, transformação, trafico de ópio e seus derivados (principalmente, a heroína) a partir do triangulo Dourado - (Birmânia, Laos e Tailândia), as inúmeras "Tríades" existentes abastecem as cidades americanas, canadianas, inglesas e holandesas, através da acção de grupos de "dealers" por si controlados (os membros regulares das "Tríades" não se envolvem ao nível da distribuição de narcóticos nas ruas).

(Quando actuando fora do território de Hong-Kong, os grupos "TRÍADES" são conhecidos por "TONGS", nomeadamente nos E.U.A.)

O trafico de heroína e o jogo (nomeadamente, os jogos de fortuna ou azar chineses) são a sua principal fonte de financiamento, embora também se encontrem envolvidos em actividades criminosas de extorsão ("protecção paga") a comerciantes, roubos, assassinatos, contrabando, escravatura de mulheres asiáticas não chinesas destinadas d prostituição e; ainda, em operações bancárias clandestinas ("shop-shop").

São organizações com raízes multisseculares (os chineses costumam dizer que inventaram a MAFIA e, depois, Marco Pólo trouxe-a para o Sul de Itália), as "Tríades" tiveram, no Ocidente, uma sequencia de desenvolvimento similar a Máfia americana. O envolvimento inicial era ao nível da violência de rua e, agora, a ênfase é colocada no incremento da "legitimidade" da organização: o objectivo e passar do crime aberto para operações mais "legais", utilizando fundos obtidos ilicitamente para ganhar acesso a negócios legítimos (usualmente o dinheiro obtido e "branqueado" em Hong-Kong ou Taiwan e reenviado para os E.U.A. ou outros países ocidentais, como investimentos legítimos).

Obedecendo a uma estrutura piramidal complexa, as "Tríades" organizam-se normalmente em cinco secções (Administração, Finanças, Recrutamento, Educação dos membros e Operações), não costumando ter mais do que 120 membros cada uma (a partir deste numero de membros, geralmente, forma-se outra "Tríade", com ligações á primeira). Os membros são conhecidos por números (para o líder máximo - "Shan Chu" - o nº. "489"; para o chefe de cerimónias e iniciação - "Heung Chu" - o nº. "426"; para o responsável pelo sector de contactos com outros grupos, o nº. "432"; para os membros ordinários, o nº "49").

Os líderes de uma "Tríade" podem também deter posições de chefia em outros grupos, nomeadamente aqueles constituídos após desdobramento da "Tríade" inicial que, entretanto, atingiu o numero máximo de membros - assim se formando as grandes "TRÍADES", operando a nível nacional e transnacional.


Autor: Artur Victoria


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