Sistema Prisional Pedagógico - Solução para a Reinserção na Sociedade



APAC COMO SOLUÇÃO VIÁVEL PARA HUMANIZAÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL NAS PRISÕES BRASILEIRAS

Artigo apresentado à professora de Seminário de Direito Penal Dª Laudelina Inácio da Silva, como requisito parcial à obtenção do título de doutora em Ciência Jurídicas e Sociais.

Anabela Sales Oliveira

Buenos Aires

Janeiro de 2009

1- INTRODUÇÃO

Estamos vivendo um momento de desagregação e falta de clareza das regras sociais o que enfraquece a integração dos indivíduos deixando-os sem saber que norma seguir. A desigualdade e a escandalosa concentração de renda constroem um cenário de profunda violência sobre a população e se manifesta no aumento da criminalidade como resposta a esta estrutura desigual, porém hoje o problema não mais se resume na questão da desigualdade, se tornou algo muito mais complexo e exige uma intervenção urgente.

No Brasil em dois anos estipula-se que 500 mil pessoas deverão estar presas, atualmente temos 340 mil presos. Continuando neste ritmo, seria preciso construir um novo presídio a cada 15 dias, sendo que o atual sistema prisional apresenta um índice de reincidência de 85%.

Vivemos recentemente uma explosão de violência que se abateu sobre o País, o crime organizado assusta e a violência já faz parte do nosso cotidiano, e vem sendo alimentada sucessivamente. Precisamos de uma política voltada para a defesa social e isto vai muito além do aumento dos recursos para a melhoria ampliação do efetivo policial e dos presídios. Consiste em propiciar condições para a recuperação e reincersão dos indivíduos.

O atual sistema prisional está falido e é uma estrutura que alimenta a criminalidade, incapaz de dar condições para a recuperação dos presos, contribuindo para a especialização e organização criminosa. A incapacidade das políticas de reintegração produz um alto índice de reincidência; e o fluxo contínuo de novos encarcerados funciona como alimentador da criminalidade.

Por outro lado, nos presídios sem nenhuma condição humana, com doenças sexualmente transmissíveis como AIDS, doenças venéreas, tuberculose, câncer, hanseníase, dentre outras, falta todo tipo de assistência (médica, odontológica, psicológica, social e jurídica) e os presos estão abandonados a toda má sorte.

Por mais que entre nós multiplique o sentimento favorável às medidas mais agressivas como aumento das penas, pena de morte, execução de criminosos sem qualquer tipo de procedimento legal e o abandono da população carcerária, isto retorna para a sociedade em aumento da insegurança e mais violência.

Não podemos mais tratar deste assunto de forma vingativa ou com sentimento de estranheza e distanciamento.

Quem são as maiores vítimas desta política primitiva de encarceramento e de violência? Os números não mentem, as grandes vítimas são os pobres, que vivem em permanente estado de tensão e terror. Milhares de mortos ao ano e um alto custo do aparelho policial e repressor, milhões gastos a serviço de um sistema penitenciário corrupto que geram mais e mais criminosos.

Diante deste fato membros da comunidade em algumas cidades do Estado de Minas Gerais, tendo como aliado a iniciativa pública e privada, pensando em reverter este quadro de criminalidade, se reuniram com o objetivo da recuperação do condenado, enfatizando a sua valorização humana.

A solução encontrada como medida de defesa social foi a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC, que tem apresentado índice de 91% de recuperação, diferente do sistema penitenciário tradicional que, gastando quatro vezes mais, apresenta índice de apenas 15% de reintegração de condenados, aumentando assim o ciclo da violência.

Ao contribuir para resolver este problema social grave, a sociedade como um todo vence o desafio de sensibilizar aqueles que se trancam e agem como se a violência fosse algo distante.

O sistema prisional brasileiro, que causa profunda e justificada preocupação devido à crescente criminalidade, não poderá resolver-se com a modificação de leis, o acréscimo de penas e a construção de penitenciárias.

A segurança depende muito mais de construir escolas, oferecer trabalho, educação e saúde a todos os cidadãos. A preocupação com o aumento da segurança apenas pela prisão, sem o seu objetivo maior - a ressocialização, na busca de soluções para seus efeitos, e não para suas causas.

A Lei de Execução Penal nº. 7.210, de 11 de julho de 1984, alterada pela Lei nº. 10.792, de 01/12/2003, não precisaria ser alterada, pois foi fruto de acurados estudos dos maiores juristas brasileiros, dentro dos objetivos da pena: a reeducação e a ressocialização do indivíduo.

No entanto, todos reconhecem que a prisão, como é hoje aplicada, em jaulas e nos depósitos de homens e mulheres, não oferece jamais as desejáveis e legais soluções.

Ao fazer-se um estudo do sistema prisional, é mister que se distinga sistema penitenciário e regime penitenciário. O primeiro são corpos dessas doutrinas que se realizam através de formas políticas e sociais constitutivas das prisões; o segundo são formas de administração das prisões e os modos pelos quais se executam as penas.

Os sistemas penitenciários são: sistema filadélfico (1790), que preconizava o isolamento celular; o sistema auburniano (1818), baseado no trabalho coletivo sob silêncio absoluto, e os sistemas progressivos, como o modelo inglês, em três períodos: isolamento celular diurno e noturno, o trabalho em comum e a liberdade condicional, e o modelo irlandês, que aperfeiçoou o modelo inglês e que constava de isolamento celular diurno e noturno, isolamento noturno e trabalho diurno, período intermediário, com trabalho ao ar livre e liberdade condicional. Ainda completando o sistema penitenciário, existem os reformatórios, destinados a adolescentes e jovens infratores (Prado, 2002, p.472).

A Lei de Execução Penal vigente define os estabelecimentos penitenciários:

I - Cadeia pública ou presídio, destinado à custódia dos presos à disposição do juiz processante ;

II - Penitenciária, para o sentenciado em regime fechado;

III - Colônia agrícola industrial ou similar, para o sentenciado em regime aberto; IV - Casa do albergado, para o sentenciado em regime aberto;

V - Centro de reeducação do jovem adulto;

VI - Centro de observação para realização de exame criminológico;

VII - Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, para inimputáveis e semi-imputáveis.

O artigo 33 do Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão a ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, e a de detenção, em regime semi-aberto ou aberto.

Diante da precariedade do sistema prisional, tendo em vista o crescimento da população carcerária em todo o país e o conseqüente aumento dos conflitos gerados pelas condições precárias de vida nas superlotadas prisões, torna-se relevante estabelecer programas que possam agenciar produtivamente as forças desses homens em direção a seu desenvolvimento como cidadãos.

A permanência de presos sentenciados nas cadeias públicas e o ócio nas penitenciárias são certamente cultura fácil para a continuidade da vida delituosa. A priorização da custódia, em detrimento de um atendimento mais humanizado, tem contribuído para a revolta e a violência que vem assolando o sistema prisional em nosso país.

Vários programas têm surgido com o objetivo de sanar ou minimizar essa situação.

No ano 1972, um grupo de pessoas, preocupadas com o grave problema das prisões em São José dos Campos, SP, decidiu pesquisar, no próprio presídio e no acervo da Faculdade do Vale do Paraíba, a situação em nível nacional. Diante do resultado alarmante que encontraram, iniciou-se um trabalho que se desenvolveria paulatinamente em busca de métodos mais adequados, que humanizasse a prisão e preparasse o preso para seu regresso ao convívio social.

Descobriram, através da pesquisa, que 97% (noventa e sete por cento) dos presos era fruto de famílias desestruturadas. Ainda nessa pesquisa, foi detectada grande promiscuidade, com destaque para a ociosidade, a violência, a falta de confiança, a ausência da família, os sentimentos de autopunição e culpa a perda da auto-estima, o sentimento de inferioridade e a ausência de esperança (Ottoboni, p. 2001).

Desse estudo, e com o apoio das autoridades, surgiu o método APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que representa uma revolução no sistema penitenciário, segundo seu criador, Mario Ottoboni.

O método APAC consiste em atos religiosos, educacionais, culturais, palestras de valorização humana, biblioteca, instituição de voluntários padrinhos, pesquisas sociais (conhecer as causas), representantes de cela, faxinas e outros trabalhos, reunião de grupo, concurso de composição e higiene das celas, contato com a família, conselho de sinceridade e solidariedade dos recuperandos.

Esse método tem atingido grande número de estabelecimentos penais em todo o Brasil, principalmente no Estado de Minas Gerais.

Atualmente, são 46 comarcas envolvidas com o método APAC, com 1,5 mil recuperandos. Existem nove APACS funcionando em prédios específicos, denominados Centros de Reintegração Social, o que possibilita a efetiva aplicação da metodologia, dispensando inclusive a presença das polícias militar e civil.

A APAC é uma alternativa ao modelo prisional comum, promovendo a humanização da pena de prisão e a valorização do ser humano.

O que torna uma APAC diferente do sistema carcerário comum é que os próprios presos são co-responsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada por voluntários da comunidade. Freqüentam cursos supletivos, participam de oficinas de arte e profissionalizantes, para evitar a ociosidade e buscar a reinserção social.

O Projeto Novos Rumos, lançado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em dezembro de 2001, surgiu justamente porque se viu nas APACS uma grande parceira, que auxilia o Judiciário na execução da pena e mostra resultados eficazes na ressocialização do condenado.

O objetivo do projeto é incentivar a criação dessas associações, orientando as comarcas interessadas, através de seus segmentos sociais, no sentido de implantar e desenvolver a metodologia por todo o Estado de Minas Gerais.

Nas APACS, os presos em regime fechado passam a cumprir pena no estágio inicial, que se distingue pela separação de cela e pelos estímulos criados. Este acontece em regime fechado e procura-se desenvolver o senso de responsabilidade do preso; no segundo estágio (regime semi-aberto), os presos ajudam nos serviços burocráticos da própria APAC. Depoimentos de várias autoridades atestam a validade do método APAC, como o do Desembargador Joaquim Alves de Andrade, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: "A sinceridade, a solidariedade, o amor à justiça e uma conduta irrepreensível são armas usadas para mudar a cabeça do preso, reciclando seus valores e potencializando suas qualidades."

A filosofia da APAC consiste em que, enquanto o sistema penitenciário praticamente mata o homem e o criminoso que existe nele em razão de suas falhas e mazelas, a APAC propugna por "matar o criminoso e salvar o homem."

O método socializador empregado pela APAC tem alcançado grande repercussão no Brasil e no exterior. Hoje mais de cento e vinte entidades funcionam em doze Estados brasileiros e até no exterior (Argentina, Equador, Coréia do Sul e Rússia).

Em parceria com as prefeituras, comunidades locais e com diretoria de APACS já criadas, já foram realizados seminários de estudos sobre a metodologia em diversos municípios de Minas Gerais, no sentido de orientar e incentivar a impantação deste novo modelo de sistema prisional.

Outro foco importante é o incentivo e orientação à formação de equipes voluntárias, bem como a capacitação de juízes e promotores na metodologia APAC.

A APAC é um projeto modelo que está em funcionamento no Estado de Minas Gerais e consiste em recuperar o infrator e a sua inserção no convívio social, onde a ênfase da metodologia apaqueana está na valorização do indivíduo como ser integral, restaurando valores inerentes à sua personalidade humana.

Promove ainda a sua transformação e capacitando-o a conviver normalmente, de forma harmoniosa e pacifica, em seu meio social. Mas para que isso ocorra e a eficácia da metodologia, é necessário o envolvimento da sociedade através de sua participação voluntária no trabalho da recuperação do condenado.

A sociedade deve participar efetivamente através do voluntariado, é o único sistema prisional que oferece realmente três regimes penais: fechado, aberto e semi-aberto, com instalações independentes e apropriadas às atividades desenvolvidas.

Não há presença de policiais e guardas penitenciários e as chaves ficam em poder dos próprios recuperandos.

A religião é fator fundamental para a recuperação; a valorização humana é a base da recuperação, promovendo o reencontro do recuperando com ele mesmo. Há um menor numero de recuperando juntos evitando a formação de quadrilhas, subjugação dos mais fracos, pederastia, tráfico de drogas, indisciplina, violência e corrupção; tem-se assistência à família do recuperando e a vitima ou seus familiares como uma forma de se manterem vivos os elos afetivos, reascendendo o ânimo do condenado para se recuperar.

A metodologia apaqueana, já é implantada em diversos estados do Brasil e teve inicio na década de 70, idealizado pelo advogado paulista Mario Ottoboni e um grupo de amigos Cristãos que se uniram com o objetivo de amenizar as constantes aflições vividas pela população prisional da Cadeia Pública de São José dos Campos.

A metodologia ainda é usada em quase todos os municípios de Minas Gerais, onde o Juiz de Direito foi conhecer o APAC modelo de Itaúna-MG, onde o índice de reincidência naquele sistema prisional chega a ser apenas 5%, enquanto que 95% dos internos saem com 100% recuperados.

Discutir a finalidade da pena é permitir à sociedade, de forma geral, entender a necessidade de compreender os mecanismos de retribuição e ressocialização da pena de forma que preserve sempre a figura da pessoa humana. "Transformação humana e social.

"A APAC é mais uma escola do que uma prisão" conforme bem salienta o eminente desembargador Joaquim Alves de Andrade. Para ele, o condenado vai receber a orientação social que não teve durante a sua infância e adolescência, destacando que toda essa orientação se dá através de trabalho voluntário. "Após dois ou três anos, o recuperando se transforma em outra pessoa", afirma.

O desembargador esclarece ainda que devido à constatação dessa transformação humana, o Projeto Novos Rumos, ao incentivar a implantação e desenvolvimento de APACS, vem desenvolvendo um trabalho de elevado alcance social. "Com a colaboração das comunidades do interior, estamos descentralizando a execução da pena no Estado e promovendo também a transformação social dessas comunidades, onde as APACS estão inseridas. Portanto, esse trabalho transformador, de natureza benéfica e respaldada em compromisso ético, é um projeto caracterizado por grande responsabilidade e valor social", conclui.

O atual sistema prisional está falido e é uma estrutura que alimenta a criminalidade, incapaz de dar condições para a recuperação dos presos, contribuindo para a especialização e organização criminosa.

A incapacidade das políticas de reintegração produz um alto índice de reincidência; e o fluxo contínuo de novos encarcerados funciona como alimentador da criminalidade.

Lado outro, nos presídios sem nenhuma condição humana, com doenças que disseminam e matam, rebeliões, fugas, estão os presos abandonados a toda sorte. Infelizmente essa é a realidade do nosso sistema prisional.

E, por mais que entre nós multiplique o sentimento favorável às medidas mais agressivas como aumento das penas, pena de morte, execução de criminosos sem qualquer tipo de procedimento legal, aumento da maioridade penal e o abandono da população carcerária; isto retorna para a sociedade em forma de aumento da insegurança e mais violência. Não podemos tratar deste assunto de forma vingativa ou com sentimento de estranheza e distanciamento, pois ninguém está imune às conseqüências deste sistema.

Quem são as maiores vítimas desta política primitiva de encarceramento e de violência? Os números não mentem, as grandes vítimas são os pobres, que vivem em permanente estado de tensão e terror. Milhares de mortos ao ano e um alto custo do aparelho policial e repressor, milhões gastos a serviço de um sistema penitenciário corrupto que geram mais e mais criminosos. A resposta é que todos nós temos que contribuir para resolver este problema social grave, vencendo o desafio de sensibilizar aqueles que se tranca e age como se a violência fosse algo distante.

Precisamos urgente vencer a indiferença e contribuir com a melhoria de nossa comunidade.

Foi pensando em reverter este quadro de criminalidade, que foi pensado o modelo APAC- Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que tem como principal objetivo, a recuperação do condenado, enfatizando a sua valorização humana.

A solução encontrada como medida de defesa social tem apresentado índice de 91% de recuperação, diferente do sistema penitenciário tradicional que, gastando quatro vezes mais, apresenta índice de apenas 15% de reintegração de condenados, aumentando assim o ciclo da violência.

É importante lembrar que a APAC antes de tudo é uma metodologia de recuperação de presos e de defesa da sociedade. Mas a APAC também é uma entidade civil, uma associação sem fins lucrativos que usa um método que se baseia na preparação e valorização humana do sentenciado com ação social, educacional e evangelizadora para oferecer aos condenados, condições de se recuperarem, visando dessa forma, proteger a sociedade e promover a justiça.

O Sistema Penitenciário Brasileiro não consegue atingir o seu principal objetivo que é a ressocialização dos seus internos. A superlotação das prisões, as precárias e insalubres instalações físicas, a falta de treinamento dos funcionários responsáveis pela reeducação da população carcerária e própria condição social dos que ali habitam, são sem sombra de dúvidas, alguns dos principais fatores que contribuem para o fracasso do sistema penitenciário brasileiro no tocante a recuperação social dos seus internos.

O Estado quando condena um indivíduo que cometeu um crime contra a sociedade e por conseqüência aplica a esse uma pena restritiva da liberdade, teoricamente, acredita que após o cumprimento da sentença expedida esse indivíduo estará pronto para voltar, em harmonia, ao convívio social. O que então se costuma chamar de reeducação social, uma espécie de preparação temporária pela qual precisa passar todo criminoso condenado pela justiça.

No entanto, essa "reeducação" que objetiva o Estado na prática não existe. Primeiro porque o que tem sido a principal preocupação do sistema penitenciário ao receber um indivíduo condenado não é sua reeducação, mas sim com a privação de sua liberdade. Isso é fácil de ser constatado na medida em que analisamos as estruturas da maioria das penitenciárias brasileiras, formadas por excesso de grades, muros enormes e um forte efetivo policial, tudo isso com um único objetivo, evitar a fuga.

Enquanto isso a reincidência criminal cresce a cada dia, e na maioria das vezes constata-se que o indivíduo que deixa o cárcere após o cumprimento de sua pena, volta a cometer crimes piores do que anterior, como se a prisão o tivesse tornado ainda mais nocivo ao convívio social.

Partindo dessas considerações é possível constatar que a privação da liberdade única exclusivamente não favorece a ressocialização. Desta forma é preciso que seja feito algo no sentido, senão, de resolver, ao menos, de minimizar ao máximo esse equívoco. Para isso se faz necessário o desenvolvimento de programas educacionais dentro do sistema penitenciário voltados para Educação básica de Jovens e Adultos que visem alfabetizar e, sobretudo, trabalhar para a construção da cidadania do apenado. Conforme o sociólogo Fernando Salla (in: Educação, 1999, p. 67) "[...] por mais que a prisão seja incapaz de ressocializar, um grande número de detentos deixa o sistema penitenciário e abandona a marginalidade porque teve a oportunidade de estudar".

Dessa forma um outro aspecto relevante a ser aqui considerado é o perfil da população penitenciária no Brasil, que segundo os dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, a maior parte da massa carcerária deste país é composta por jovens com menos de trinta anos e de baixa escolaridade (97% são analfabetos ou semi-analfabetos). O restante, quase que na totalidade, são pessoas que não tiveram condições de concluir os estudos por razões variadas inclusive por terem sido iniciadas no crime ainda cedo.

Diante desse quadro podemos afirmar que a criminalidade estar intimamente ligada à baixa escolaridade e ambas à questão econômica e social. De modo que precisam ser desenvolvidos dentro das prisões projetos educacionais que trabalhe para a conscientização dos educandos, fazendo-os o perceber a realidade e conseqüentemente seu lugar na história. Pois um indivíduo que nasceu na miséria e por conseqüência não teve acesso a uma educação satisfatória ou a de nenhum tipo, não pode agir com discernimento em seus atos.

Uma educação dentro do sistema penitenciário deve trabalhar com conceitos fundamentais, como família, amor, dignidade, liberdade, vida, morte, cidadania, governo, eleição, miséria, comunidade, dentre outros. Nesse aspecto, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) salienta a necessidade de trabalhar no reeducando "[...] o ato antissocial e as conseqüências desse ato, os transtornos legais, as perdas pessoais e o estigma social." Em outras palavras, desenvolver nos educandos a capacidade de reflexão, fazendo-os compreender a realidade para que de posse dessa compreensão possam então desejar sua transformação. Assim como saliente o artigo... "[...] uma educação voltada para a autonomia intelectual dos alunos, oferecendo condições de análises e compreensão da realidade prisional, humana e social em que vivem."

O sistema penitenciário necessita de uma educação que se preocupe prioritariamente em desenvolver a capacidade crítica e criadora do educando, capaz de alertá-lo para as possibilidades de escolhas e a importância dessas escolhas para a sua vida e conseqüentemente a do seu grupo social. Isso só é possível através de uma ação conscientizadora capaz de instrumentalizar o educando para que ele firme um compromisso de mudança com sua história no mundo. Sobre isso, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) diz que "Educar é libertar [...] dentro da prisão, a palavra e o diálogo continuam sendo a principal chave. A única força que move um preso é a liberdade; ela é a grande força de pensar."

Em sua análise Paulo Freire (1980, p. 26) afirma que a conscientização é [...] um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais "dês-vela" a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo.

Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em "estar frente à realidade" assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da "práxis", ou melhor, sem o ato ação-reflexão.

Esta unidade dialética constitui de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens.

A conscientização trabalha a favor da desmistificação de uma realidade e é a partir dela que uma educação dentro do sistema penitenciário vai dar o passo mais importante para uma verdadeira ressocialização de seus educandos, na medida em que conseguir superar a falsa premissa de que seja difícil a recuperação.

REFERÊNCIAS BibliogrÁFICAS

DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. 2ª ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,1998.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 24ª ed. Petrópolis, RJ : Vozes, 1987.

FRANÇA , Fátima. Reflexões sobre Psicologia Jurídica e seu Panorama no Brasil. In Psicologia: Teoria e Prática, vol.6, nº 1, jan./jun. 2004.

KELLER, E.F. O Paradoxo da Subjetividade Científica. In Schnitman, D.F. (org). Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. Porto Alegre : Artes Médicas, 1996.

OTTOBONI, Mário. Ninguém é Irrecuperável. 2ª ed. São Paulo: Cidade Nova, 2001.

PRADO, L. R. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol.1. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

ROGERS, Carl R. Um Jeito de Ser. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária,1983.


LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.


CONSULEX. Porque explodem as rebeliões de presos. Entrevista feita ao Elói Pietá, 1997. Disponível em: <http://www.sul-sc.com.br/afolha/pag/direito.htm>.


Constituição Federal Brasileira de 1988


 

APAC COMO SOLUÇÃO VIÁVEL PARA HUMANIZAÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL NAS PRISÕES BRASILEIRAS

Artigo apresentado à professora de Seminário de Direito Penal Dª Laudelina Inácio da Silva, como requisito parcial à obtenção do título de doutora em Ciência Jurídicas e Sociais.

Anabela Sales Oliveira

Buenos Aires

Janeiro de 2009

1- INTRODUÇÃO

Estamos vivendo um momento de desagregação e falta de clareza das regras sociais o que enfraquece a integração dos indivíduos deixando-os sem saber que norma seguir. A desigualdade e a escandalosa concentração de renda constroem um cenário de profunda violência sobre a população e se manifesta no aumento da criminalidade como resposta a esta estrutura desigual, porém hoje o problema não mais se resume na questão da desigualdade, se tornou algo muito mais complexo e exige uma intervenção urgente.

No Brasil em dois anos estipula-se que 500 mil pessoas deverão estar presas, atualmente temos 340 mil presos. Continuando neste ritmo, seria preciso construir um novo presídio a cada 15 dias, sendo que o atual sistema prisional apresenta um índice de reincidência de 85%.

Vivemos recentemente uma explosão de violência que se abateu sobre o País, o crime organizado assusta e a violência já faz parte do nosso cotidiano, e vem sendo alimentada sucessivamente. Precisamos de uma política voltada para a defesa social e isto vai muito além do aumento dos recursos para a melhoria ampliação do efetivo policial e dos presídios. Consiste em propiciar condições para a recuperação e reincersão dos indivíduos.

O atual sistema prisional está falido e é uma estrutura que alimenta a criminalidade, incapaz de dar condições para a recuperação dos presos, contribuindo para a especialização e organização criminosa. A incapacidade das políticas de reintegração produz um alto índice de reincidência; e o fluxo contínuo de novos encarcerados funciona como alimentador da criminalidade.

Por outro lado, nos presídios sem nenhuma condição humana, com doenças sexualmente transmissíveis como AIDS, doenças venéreas, tuberculose, câncer, hanseníase, dentre outras, falta todo tipo de assistência (médica, odontológica, psicológica, social e jurídica) e os presos estão abandonados a toda má sorte.

Por mais que entre nós multiplique o sentimento favorável às medidas mais agressivas como aumento das penas, pena de morte, execução de criminosos sem qualquer tipo de procedimento legal e o abandono da população carcerária, isto retorna para a sociedade em aumento da insegurança e mais violência.

Não podemos mais tratar deste assunto de forma vingativa ou com sentimento de estranheza e distanciamento.

Quem são as maiores vítimas desta política primitiva de encarceramento e de violência? Os números não mentem, as grandes vítimas são os pobres, que vivem em permanente estado de tensão e terror. Milhares de mortos ao ano e um alto custo do aparelho policial e repressor, milhões gastos a serviço de um sistema penitenciário corrupto que geram mais e mais criminosos.

Diante deste fato membros da comunidade em algumas cidades do Estado de Minas Gerais, tendo como aliado a iniciativa pública e privada, pensando em reverter este quadro de criminalidade, se reuniram com o objetivo da recuperação do condenado, enfatizando a sua valorização humana.

A solução encontrada como medida de defesa social foi a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC, que tem apresentado índice de 91% de recuperação, diferente do sistema penitenciário tradicional que, gastando quatro vezes mais, apresenta índice de apenas 15% de reintegração de condenados, aumentando assim o ciclo da violência.

Ao contribuir para resolver este problema social grave, a sociedade como um todo vence o desafio de sensibilizar aqueles que se trancam e agem como se a violência fosse algo distante.

O sistema prisional brasileiro, que causa profunda e justificada preocupação devido à crescente criminalidade, não poderá resolver-se com a modificação de leis, o acréscimo de penas e a construção de penitenciárias.

A segurança depende muito mais de construir escolas, oferecer trabalho, educação e saúde a todos os cidadãos. A preocupação com o aumento da segurança apenas pela prisão, sem o seu objetivo maior - a ressocialização, na busca de soluções para seus efeitos, e não para suas causas.

A Lei de Execução Penal nº. 7.210, de 11 de julho de 1984, alterada pela Lei nº. 10.792, de 01/12/2003, não precisaria ser alterada, pois foi fruto de acurados estudos dos maiores juristas brasileiros, dentro dos objetivos da pena: a reeducação e a ressocialização do indivíduo.

No entanto, todos reconhecem que a prisão, como é hoje aplicada, em jaulas e nos depósitos de homens e mulheres, não oferece jamais as desejáveis e legais soluções.

Ao fazer-se um estudo do sistema prisional, é mister que se distinga sistema penitenciário e regime penitenciário. O primeiro são corpos dessas doutrinas que se realizam através de formas políticas e sociais constitutivas das prisões; o segundo são formas de administração das prisões e os modos pelos quais se executam as penas.

Os sistemas penitenciários são: sistema filadélfico (1790), que preconizava o isolamento celular; o sistema auburniano (1818), baseado no trabalho coletivo sob silêncio absoluto, e os sistemas progressivos, como o modelo inglês, em três períodos: isolamento celular diurno e noturno, o trabalho em comum e a liberdade condicional, e o modelo irlandês, que aperfeiçoou o modelo inglês e que constava de isolamento celular diurno e noturno, isolamento noturno e trabalho diurno, período intermediário, com trabalho ao ar livre e liberdade condicional. Ainda completando o sistema penitenciário, existem os reformatórios, destinados a adolescentes e jovens infratores (Prado, 2002, p.472).

A Lei de Execução Penal vigente define os estabelecimentos penitenciários:

I - Cadeia pública ou presídio, destinado à custódia dos presos à disposição do juiz processante ;

II - Penitenciária, para o sentenciado em regime fechado;

III - Colônia agrícola industrial ou similar, para o sentenciado em regime aberto; IV - Casa do albergado, para o sentenciado em regime aberto;

V - Centro de reeducação do jovem adulto;

VI - Centro de observação para realização de exame criminológico;

VII - Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, para inimputáveis e semi-imputáveis.

O artigo 33 do Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão a ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, e a de detenção, em regime semi-aberto ou aberto.

Diante da precariedade do sistema prisional, tendo em vista o crescimento da população carcerária em todo o país e o conseqüente aumento dos conflitos gerados pelas condições precárias de vida nas superlotadas prisões, torna-se relevante estabelecer programas que possam agenciar produtivamente as forças desses homens em direção a seu desenvolvimento como cidadãos.

A permanência de presos sentenciados nas cadeias públicas e o ócio nas penitenciárias são certamente cultura fácil para a continuidade da vida delituosa. A priorização da custódia, em detrimento de um atendimento mais humanizado, tem contribuído para a revolta e a violência que vem assolando o sistema prisional em nosso país.

Vários programas têm surgido com o objetivo de sanar ou minimizar essa situação.

No ano 1972, um grupo de pessoas, preocupadas com o grave problema das prisões em São José dos Campos, SP, decidiu pesquisar, no próprio presídio e no acervo da Faculdade do Vale do Paraíba, a situação em nível nacional. Diante do resultado alarmante que encontraram, iniciou-se um trabalho que se desenvolveria paulatinamente em busca de métodos mais adequados, que humanizasse a prisão e preparasse o preso para seu regresso ao convívio social.

Descobriram, através da pesquisa, que 97% (noventa e sete por cento) dos presos era fruto de famílias desestruturadas. Ainda nessa pesquisa, foi detectada grande promiscuidade, com destaque para a ociosidade, a violência, a falta de confiança, a ausência da família, os sentimentos de autopunição e culpa a perda da auto-estima, o sentimento de inferioridade e a ausência de esperança (Ottoboni, p. 2001).

Desse estudo, e com o apoio das autoridades, surgiu o método APAC - Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que representa uma revolução no sistema penitenciário, segundo seu criador, Mario Ottoboni.

O método APAC consiste em atos religiosos, educacionais, culturais, palestras de valorização humana, biblioteca, instituição de voluntários padrinhos, pesquisas sociais (conhecer as causas), representantes de cela, faxinas e outros trabalhos, reunião de grupo, concurso de composição e higiene das celas, contato com a família, conselho de sinceridade e solidariedade dos recuperandos.

Esse método tem atingido grande número de estabelecimentos penais em todo o Brasil, principalmente no Estado de Minas Gerais.

Atualmente, são 46 comarcas envolvidas com o método APAC, com 1,5 mil recuperandos. Existem nove APACS funcionando em prédios específicos, denominados Centros de Reintegração Social, o que possibilita a efetiva aplicação da metodologia, dispensando inclusive a presença das polícias militar e civil.

A APAC é uma alternativa ao modelo prisional comum, promovendo a humanização da pena de prisão e a valorização do ser humano.

O que torna uma APAC diferente do sistema carcerário comum é que os próprios presos são co-responsáveis pela sua recuperação e têm assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica prestada por voluntários da comunidade. Freqüentam cursos supletivos, participam de oficinas de arte e profissionalizantes, para evitar a ociosidade e buscar a reinserção social.

O Projeto Novos Rumos, lançado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em dezembro de 2001, surgiu justamente porque se viu nas APACS uma grande parceira, que auxilia o Judiciário na execução da pena e mostra resultados eficazes na ressocialização do condenado.

O objetivo do projeto é incentivar a criação dessas associações, orientando as comarcas interessadas, através de seus segmentos sociais, no sentido de implantar e desenvolver a metodologia por todo o Estado de Minas Gerais.

Nas APACS, os presos em regime fechado passam a cumprir pena no estágio inicial, que se distingue pela separação de cela e pelos estímulos criados. Este acontece em regime fechado e procura-se desenvolver o senso de responsabilidade do preso; no segundo estágio (regime semi-aberto), os presos ajudam nos serviços burocráticos da própria APAC. Depoimentos de várias autoridades atestam a validade do método APAC, como o do Desembargador Joaquim Alves de Andrade, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: "A sinceridade, a solidariedade, o amor à justiça e uma conduta irrepreensível são armas usadas para mudar a cabeça do preso, reciclando seus valores e potencializando suas qualidades."

A filosofia da APAC consiste em que, enquanto o sistema penitenciário praticamente mata o homem e o criminoso que existe nele em razão de suas falhas e mazelas, a APAC propugna por "matar o criminoso e salvar o homem."

O método socializador empregado pela APAC tem alcançado grande repercussão no Brasil e no exterior. Hoje mais de cento e vinte entidades funcionam em doze Estados brasileiros e até no exterior (Argentina, Equador, Coréia do Sul e Rússia).

Em parceria com as prefeituras, comunidades locais e com diretoria de APACS já criadas, já foram realizados seminários de estudos sobre a metodologia em diversos municípios de Minas Gerais, no sentido de orientar e incentivar a impantação deste novo modelo de sistema prisional.

Outro foco importante é o incentivo e orientação à formação de equipes voluntárias, bem como a capacitação de juízes e promotores na metodologia APAC.

A APAC é um projeto modelo que está em funcionamento no Estado de Minas Gerais e consiste em recuperar o infrator e a sua inserção no convívio social, onde a ênfase da metodologia apaqueana está na valorização do indivíduo como ser integral, restaurando valores inerentes à sua personalidade humana.

Promove ainda a sua transformação e capacitando-o a conviver normalmente, de forma harmoniosa e pacifica, em seu meio social. Mas para que isso ocorra e a eficácia da metodologia, é necessário o envolvimento da sociedade através de sua participação voluntária no trabalho da recuperação do condenado.

A sociedade deve participar efetivamente através do voluntariado, é o único sistema prisional que oferece realmente três regimes penais: fechado, aberto e semi-aberto, com instalações independentes e apropriadas às atividades desenvolvidas.

Não há presença de policiais e guardas penitenciários e as chaves ficam em poder dos próprios recuperandos.

A religião é fator fundamental para a recuperação; a valorização humana é a base da recuperação, promovendo o reencontro do recuperando com ele mesmo. Há um menor numero de recuperando juntos evitando a formação de quadrilhas, subjugação dos mais fracos, pederastia, tráfico de drogas, indisciplina, violência e corrupção; tem-se assistência à família do recuperando e a vitima ou seus familiares como uma forma de se manterem vivos os elos afetivos, reascendendo o ânimo do condenado para se recuperar.

A metodologia apaqueana, já é implantada em diversos estados do Brasil e teve inicio na década de 70, idealizado pelo advogado paulista Mario Ottoboni e um grupo de amigos Cristãos que se uniram com o objetivo de amenizar as constantes aflições vividas pela população prisional da Cadeia Pública de São José dos Campos.

A metodologia ainda é usada em quase todos os municípios de Minas Gerais, onde o Juiz de Direito foi conhecer o APAC modelo de Itaúna-MG, onde o índice de reincidência naquele sistema prisional chega a ser apenas 5%, enquanto que 95% dos internos saem com 100% recuperados.

Discutir a finalidade da pena é permitir à sociedade, de forma geral, entender a necessidade de compreender os mecanismos de retribuição e ressocialização da pena de forma que preserve sempre a figura da pessoa humana. "Transformação humana e social.

"A APAC é mais uma escola do que uma prisão" conforme bem salienta o eminente desembargador Joaquim Alves de Andrade. Para ele, o condenado vai receber a orientação social que não teve durante a sua infância e adolescência, destacando que toda essa orientação se dá através de trabalho voluntário. "Após dois ou três anos, o recuperando se transforma em outra pessoa", afirma.

O desembargador esclarece ainda que devido à constatação dessa transformação humana, o Projeto Novos Rumos, ao incentivar a implantação e desenvolvimento de APACS, vem desenvolvendo um trabalho de elevado alcance social. "Com a colaboração das comunidades do interior, estamos descentralizando a execução da pena no Estado e promovendo também a transformação social dessas comunidades, onde as APACS estão inseridas. Portanto, esse trabalho transformador, de natureza benéfica e respaldada em compromisso ético, é um projeto caracterizado por grande responsabilidade e valor social", conclui.

O atual sistema prisional está falido e é uma estrutura que alimenta a criminalidade, incapaz de dar condições para a recuperação dos presos, contribuindo para a especialização e organização criminosa.

A incapacidade das políticas de reintegração produz um alto índice de reincidência; e o fluxo contínuo de novos encarcerados funciona como alimentador da criminalidade.

Lado outro, nos presídios sem nenhuma condição humana, com doenças que disseminam e matam, rebeliões, fugas, estão os presos abandonados a toda sorte. Infelizmente essa é a realidade do nosso sistema prisional.

E, por mais que entre nós multiplique o sentimento favorável às medidas mais agressivas como aumento das penas, pena de morte, execução de criminosos sem qualquer tipo de procedimento legal, aumento da maioridade penal e o abandono da população carcerária; isto retorna para a sociedade em forma de aumento da insegurança e mais violência. Não podemos tratar deste assunto de forma vingativa ou com sentimento de estranheza e distanciamento, pois ninguém está imune às conseqüências deste sistema.

Quem são as maiores vítimas desta política primitiva de encarceramento e de violência? Os números não mentem, as grandes vítimas são os pobres, que vivem em permanente estado de tensão e terror. Milhares de mortos ao ano e um alto custo do aparelho policial e repressor, milhões gastos a serviço de um sistema penitenciário corrupto que geram mais e mais criminosos. A resposta é que todos nós temos que contribuir para resolver este problema social grave, vencendo o desafio de sensibilizar aqueles que se tranca e age como se a violência fosse algo distante.

Precisamos urgente vencer a indiferença e contribuir com a melhoria de nossa comunidade.

Foi pensando em reverter este quadro de criminalidade, que foi pensado o modelo APAC- Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, que tem como principal objetivo, a recuperação do condenado, enfatizando a sua valorização humana.

A solução encontrada como medida de defesa social tem apresentado índice de 91% de recuperação, diferente do sistema penitenciário tradicional que, gastando quatro vezes mais, apresenta índice de apenas 15% de reintegração de condenados, aumentando assim o ciclo da violência.

É importante lembrar que a APAC antes de tudo é uma metodologia de recuperação de presos e de defesa da sociedade. Mas a APAC também é uma entidade civil, uma associação sem fins lucrativos que usa um método que se baseia na preparação e valorização humana do sentenciado com ação social, educacional e evangelizadora para oferecer aos condenados, condições de se recuperarem, visando dessa forma, proteger a sociedade e promover a justiça.

O Sistema Penitenciário Brasileiro não consegue atingir o seu principal objetivo que é a ressocialização dos seus internos. A superlotação das prisões, as precárias e insalubres instalações físicas, a falta de treinamento dos funcionários responsáveis pela reeducação da população carcerária e própria condição social dos que ali habitam, são sem sombra de dúvidas, alguns dos principais fatores que contribuem para o fracasso do sistema penitenciário brasileiro no tocante a recuperação social dos seus internos.

O Estado quando condena um indivíduo que cometeu um crime contra a sociedade e por conseqüência aplica a esse uma pena restritiva da liberdade, teoricamente, acredita que após o cumprimento da sentença expedida esse indivíduo estará pronto para voltar, em harmonia, ao convívio social. O que então se costuma chamar de reeducação social, uma espécie de preparação temporária pela qual precisa passar todo criminoso condenado pela justiça.

No entanto, essa "reeducação" que objetiva o Estado na prática não existe. Primeiro porque o que tem sido a principal preocupação do sistema penitenciário ao receber um indivíduo condenado não é sua reeducação, mas sim com a privação de sua liberdade. Isso é fácil de ser constatado na medida em que analisamos as estruturas da maioria das penitenciárias brasileiras, formadas por excesso de grades, muros enormes e um forte efetivo policial, tudo isso com um único objetivo, evitar a fuga.

Enquanto isso a reincidência criminal cresce a cada dia, e na maioria das vezes constata-se que o indivíduo que deixa o cárcere após o cumprimento de sua pena, volta a cometer crimes piores do que anterior, como se a prisão o tivesse tornado ainda mais nocivo ao convívio social.

Partindo dessas considerações é possível constatar que a privação da liberdade única exclusivamente não favorece a ressocialização. Desta forma é preciso que seja feito algo no sentido, senão, de resolver, ao menos, de minimizar ao máximo esse equívoco. Para isso se faz necessário o desenvolvimento de programas educacionais dentro do sistema penitenciário voltados para Educação básica de Jovens e Adultos que visem alfabetizar e, sobretudo, trabalhar para a construção da cidadania do apenado. Conforme o sociólogo Fernando Salla (in: Educação, 1999, p. 67) "[...] por mais que a prisão seja incapaz de ressocializar, um grande número de detentos deixa o sistema penitenciário e abandona a marginalidade porque teve a oportunidade de estudar".

Dessa forma um outro aspecto relevante a ser aqui considerado é o perfil da população penitenciária no Brasil, que segundo os dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça, a maior parte da massa carcerária deste país é composta por jovens com menos de trinta anos e de baixa escolaridade (97% são analfabetos ou semi-analfabetos). O restante, quase que na totalidade, são pessoas que não tiveram condições de concluir os estudos por razões variadas inclusive por terem sido iniciadas no crime ainda cedo.

Diante desse quadro podemos afirmar que a criminalidade estar intimamente ligada à baixa escolaridade e ambas à questão econômica e social. De modo que precisam ser desenvolvidos dentro das prisões projetos educacionais que trabalhe para a conscientização dos educandos, fazendo-os o perceber a realidade e conseqüentemente seu lugar na história. Pois um indivíduo que nasceu na miséria e por conseqüência não teve acesso a uma educação satisfatória ou a de nenhum tipo, não pode agir com discernimento em seus atos.

Uma educação dentro do sistema penitenciário deve trabalhar com conceitos fundamentais, como família, amor, dignidade, liberdade, vida, morte, cidadania, governo, eleição, miséria, comunidade, dentre outros. Nesse aspecto, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) salienta a necessidade de trabalhar no reeducando "[...] o ato antissocial e as conseqüências desse ato, os transtornos legais, as perdas pessoais e o estigma social." Em outras palavras, desenvolver nos educandos a capacidade de reflexão, fazendo-os compreender a realidade para que de posse dessa compreensão possam então desejar sua transformação. Assim como saliente o artigo... "[...] uma educação voltada para a autonomia intelectual dos alunos, oferecendo condições de análises e compreensão da realidade prisional, humana e social em que vivem."

O sistema penitenciário necessita de uma educação que se preocupe prioritariamente em desenvolver a capacidade crítica e criadora do educando, capaz de alertá-lo para as possibilidades de escolhas e a importância dessas escolhas para a sua vida e conseqüentemente a do seu grupo social. Isso só é possível através de uma ação conscientizadora capaz de instrumentalizar o educando para que ele firme um compromisso de mudança com sua história no mundo. Sobre isso, Gadotti (in: Educação, 1999, p. 62) diz que "Educar é libertar [...] dentro da prisão, a palavra e o diálogo continuam sendo a principal chave. A única força que move um preso é a liberdade; ela é a grande força de pensar."

Em sua análise Paulo Freire (1980, p. 26) afirma que a conscientização é [...] um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais "dês-vela" a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo.

Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em "estar frente à realidade" assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização não pode existir fora da "práxis", ou melhor, sem o ato ação-reflexão.

Esta unidade dialética constitui de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens.

A conscientização trabalha a favor da desmistificação de uma realidade e é a partir dela que uma educação dentro do sistema penitenciário vai dar o passo mais importante para uma verdadeira ressocialização de seus educandos, na medida em que conseguir superar a falsa premissa de que seja difícil a recuperação.

REFERÊNCIAS BibliogrÁFICAS

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KELLER, E.F. O Paradoxo da Subjetividade Científica. In Schnitman, D.F. (org). Novos Paradigmas, Cultura e Subjetividade. Porto Alegre : Artes Médicas, 1996.

OTTOBONI, Mário. Ninguém é Irrecuperável. 2ª ed. São Paulo: Cidade Nova, 2001.

PRADO, L. R. Curso de Direito Penal Brasileiro, vol.1. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

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Constituição Federal Brasileira de 1988


 


Autor: Anabela Sales Oliveira


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