FUNDAMENTOS PARA EXPLICITAÇÃO DA LEITURA: A variável humana transformando o 'processo' em 'projeto'



O presente trabalho visa buscar uma explicitação para o ato de ler, sendo este colocado dentro de uma perspectiva em que o indivíduo seja considerado dentro de sua estrutura. Através dos conceitos desenvolvidos por Ezequiel Theodoro da Silva, que é a principal base para esse estudo, busca-se construir o caminho da leitura através do leitor, trazendo uma nova visão para a mesma, transformando-a em projeto de vida, que se dá pela característica singular do indivíduoe suas leituras. Palavras-chave: Leitura. Indivíduo. Processo. Projeto.

1 INTRODUÇÃO

Após o desenvolvimento dessa visão mais humana sobre o ato de ler, busca-se fundamentar uma explicação para o processo de leitura, levando em consideração essa variável, homem, estabelecendo relações que embasam o olhar humano sobre o processo de significação dos códigos lingüísticos, mostrando as várias implicações que a falta de domínio sobre essa competência pode causar ao indivíduo em relação à sociedade, o que explica a importância do mesmo.

Com isso, procura-se focar no processo de leitura em si, delineando os caminhos que são tomados a partir de um olhar que considera o homem dentro da estrutura do ato de ler. A partir disso, são denominados os vários aspectos que devem nortear o entendimento do processo de leitura, levando a sua definição à leitura crítica, que é considerada como o nível a ser alcançado pelo leitor para a excelência nessa competência.

2 FUNDAMENTOS PARA A EXPLICITAÇÃO DA LEITURA

Com o esclarecimento da importância de considerar o ser humano dentro do contexto do processo de leitura, entendendo que cada resultado vai ser obtido de acordo com uma variável, sendo esta o próprio indivíduo, faz-se necessário um estudo mais aprofundado sobre o ato de ler, buscando elucidar os caminhos que são percorridos e suas principais relações durante o processo com o ambiente, e, por conseguinte, com o leitor.

Para uma exposição mais clara desses fundamentos, pode-se começar pela busca do significado do conhecimento de mundo, isto é, as informações que são obtidas durante a vida. Sabe-se que para a formação dessa leitura prévia, o organismo vive em constante troca com o ambiente criando, assim, as informações necessárias para agir dentro do seu meio. É exatamente essa idéia que Dewey (1980) apresentou no conceito de experiência, onde diz que através das várias relações mútuas existentes no universo, os corpos se modificam e se transformam mutua e continuamente, seno isso o que é conhecido como experiência. Ele acrescenta que esse movimento de ação e reação está presente na natureza de ser humano, não sendo, portanto, um a coisa que vá em direção contrária a mesma.

Sendo assim, torna-se possível dizer que as experiências fazem parte do conhecimento de mundo, formando conceitos pessoais que irão acompanhar o indivíduo por toda a sua vida. Com essa análise, é isto com transparência o que é considerada a principal variante no processo de leitura, inclui essa leitura de mundo, interferindo na maneira como o leitor irá manipular esse conhecimento, tendo significado ou não para o mesmo.

[...] a leitura dos símbolos seria a leitura como nós a conhecemos, o aprendizado formal, onde aprendemos graficamente o significado dos sons que emitimos, sendo esse o cerne para obtenção de conhecimentos em toda a nossa vida (AVELAR, 2008, p. 49).

Como já exposto no trecho acima, a leitura dos símbolos também esta presente no processo, sendo esta a tão exaltada decodificação dos códigos escritos, onde todo, ou quase todo o conhecimento, será obtido e transmitido. É importante lembrar-se de como se motivou o desenvolvimento da linguagem escrita, que possibilita a leitura nos moldes atuais. Silva (2005b) trata esse desenvolvimento como conseqüência das limitações de espaço e tempo que o uso exclusivo da linguagem oral provocava. A partir disso, o homem criou outras formas de representação com o intuito de garantir maior acessibilidade aos vários fenômenos da realidade, gerar e registrar produtos culturais, e assim, fazer História.

Com o surgimento da escrita, há uma mudança na maneira de transmitir os acontecimentos na sociedade, tendo como principal transição a que acontece no homem. Ele passa de ouvinte a leitor, o que traz junto com esse termo uma série de particularidades que no ambiente da oralidade eram permitidas, como a livre interpretação das idéias passadas pelos mestres aos discípulos, e nesse novo meio, não é tão fácil de ser feito.

[...] Se no mundo da oralidade o homem se comunicava através do discurso falado (com a presença ostensiva de dois ou mais interlocutores), no mundo da escrita a comunicação se estabelece a partir de documentos escritos e leitores. Mais do que o oral, o texto escrito se oferece como informação "acabada", na qual a defasagem de tempo entre a produção e recepção tende a dissolver a possibilidade de diálogo (SILVA, 2005b, p. 63, grifo do autor).

Pode-se ver que a relação entre leitor e autor é tida como uma espécie de monólogo, pois o escritor faz uma exposição de todas as suas idéias, mas o leitor não tem a possibilidade de indagar sobre suas dúvidas e pontos de vista que venham a divergir dos escritos no documento.

Mas não é só o leitor que recebe o documento para ler que tem a rotina totalmente mudada. O próprio autor acaba se tornando um praticante da leitura, tão logo termine de redigir o seu texto. É preciso entender que a linguagem escrita tende a se transformar em uma manifestação discursiva plena e auto-suficiente, que bloqueia por completo as intervenções de quem a tornou possível de existir: o interlocutor, que seria o autor. Com isso, esgota-se toda a chance de diálogo entre as partes, ou seja, entre autor e leitor, como havia na linguagem oral entre transmissor e ouvinte.

É possível ver que no decorrer da história humana, como já citado no capítulo II, a escrita foi se desenvolvendo de forma crescente, se tornando a principal ferramenta para a partilha de experiências, onde aparecem as principais formas de utilização dessa linguagem, como o livro, o surgimento de um espaço para conservar e garantir acesso dos indivíduos à informação, que seria a biblioteca e a imprensa.

Para a compreensão desse discurso escrito – expressão referencial da fala humana e evocador de conteúdos culturais – e para a concomitante aquisição de significados, impõe-se, como um completamento, um "ato de ler". Escrever e ler são atos complementares: um não pode existir sem o outro. O ato de ler envolve uma direção da consciência parra a expressão referencial escrita, capaz de gerar pensamento e doação de significado (idem, p. 64).

Analisar leitura e escrita separadamente é um erro importante, pois como foi explicitado, aquele ato, do modo com é conhecido hoje, só pode se desenvolvido pelo advento e evolução da escrita, e também pelos meios que ajudam a espalhar as informações obtidas nos meios de pesquisas e experiências desenvolvidas na sociedade.

A leitura (ou a resultante do ato de se atribuir um significado ao discurso escrito) passa a ser, então, uma via de acesso à participação do homem nas sociedades letradas na medida em que permite a entrada e a participação no mundo da escrita; a experiência dos produtos culturais que fazem parte desse mundo só é possível pela existência de leitores. Daí ser a escola uma instituição formal que objetiva facilitar a aprendizagem não só do falar e ouvir, mas principalmente do escrever e ler (SILVA, 2005b, p.64).

Estabelecendo-se assim o que é a leitura, pode-se ver que existe aí um fator de marginalização social, pois, sendo o ato de ler um caminho que leva a plena participação na sociedade letrada, cabendo a escola o papel de facilitador dos atos de ler e escrever, o que acaba acontecendo é a separação entre letrados e iletrados, sendo os primeiros os exaltados, tidos como detentores da verdade, e os outros a força que irá manter a sociedade única e exclusivamente através do trabalho braçal, sendo considerados incapazes de pensar e expor suas experiências.

Contudo, é preciso pensar na leitura de maneira global e sem preconceito, tratando todos os indivíduos de maneira igualitária, dando a oportunidade de trabalho igual para os ditos letrados e iletrados, que são conseqüência do sistema educacional.

Essa chance poderia ser concedida através do respeito ao leitor, que nesse caso seria o educando, sendo sugerido por Freire (1996b) o discurso envolta de suas experiências, que foram socialmente construídas na prática comunitária.

Por conta disso, os aspectos humanos são levados em consideração, o que vai individualizar a experiência de leitura que cada um terá. Silva (2005b) diz que a busca constante pela existência e inserção no mundo e motivada pelos atos que colocam o indivíduo em confronto com diferentes significados. O ser humano ganha a individualidade a partir do momento em que começa a desvelar e vivenciar os significados, incorporando-os a sue mundo, por ele próprio ou por outros.

A leitura irá intermediar esse processo, isto é, seria uma relação de um processo com outro, sendo o ato de ler o que torna possível a expansão de experiências e a participação do indivíduo na transformação da cultura.

"Ek-sistere significa que o homem é um ser que se posta (sistere), projetando-se, voltando-se par o outro. É no face-a-face que o homem se realiza com o outro: ek-sistere significa abertura ao outro que si mesmo" (VON ZUBER, 1979 apud SILVA, 2005b, p. 66). Nesse ponto de vista, pode-se dizer que o homem passa a existir a partir do momento em que começa a dominar o mundo dos signos, ou seja, começa a compreender os signos lingüísticos que o envolve, captando o seu significado e levando-os a sua consciência. O indivíduo passa a se comunicar, relacionar-se com outros através dos signos. É de grande importância o fato de compreender e ser compreendido, recebendo e fornecendo conhecimentos, dialogando sobre as experiências através do mundo sígnico.

No entanto, é necessário ressaltar uma visão importante sobre a leitura: a sua ordenação. A leitura de mundo, já citada como conhecimento de mundo, antecede a leitura dos símbolos, ou seja, a dos signos. Portanto, pode-se dizer que o ato de ler antecede os signos, isto é, a escrita.

O conhecimento de mundo proporciona ao indivíduo a capacidade de entender todas as manobras e ações que se desenvolvem na comunidade ao seu redor, tendo a possibilidade de discernir sobre as maneira correta de intervir na situação que esteja enfrentado ou observando (AVELAR, 2008), o que nos remete ao pensamento de que isso é, na verdade, uma maneira de ler o mundo, ou seja, uma leitura, validando o ato de ler antes da escrita.

Gostaria, no entanto, de argumentar que a leitura antecede a escrita e é sal matéria-prima, se concordamos que decifrar o código é insuficiente par dizer-se que é um texto: os aprendizes europeus das "pequenas escolas" de que nos falam os historiadores das idéias pedagógicas eram alfabetizados para ler em latim, língua que não usavam, mas que era a única digna depositária de versos, tratados e relatos, até que Lutero traduziu a Bíblia, libertando a Palavra da leitura fechada, dogmática. Aliás, nos próprios Evangelhos há uma predileção pela leitura: "a letra mata" e o "espírito vivifica" (YUNES, 2003, p. 7-8, grifo do autor).

Além de reforçar o que já foi dito anteriormente, esse trecho revela um preconceito pela leitura, vindo de muito longe, e que, às vezes, se faz presente, não se dando conta da importância da mesma no desenvolvimento da própria escrita. Yunes (2003) mostra a importância da escrita, como a história se divide em pré-história e história por conta do seu surgimento, sendo responsável pelo acúmulo de informações que se apresenta hoje. As ressalta que sem a leitura, a escrita permaneceria como letra morta, aquém da oralidade.

Por isso, é necessário que se entenda o processo de leitura por vários aspectos e pontos de vista, para melhor fundamentar a explicitação da mesma, entendendo o porquê de sua exaltação como ponto de partida do desenvolvimento humano e, conseguintemente, social.

2.2COMPREENDENDO O PROCESSO DE LEITURA

Quando se analisa o caminho da leitura, é possível ver que o estudo de seu processo é complicado, mas extremamente recompensador para quem o trilha até o final. Mas ao contrário do que pode-se pensar, esse desenvolvimento esta longe do seu fim, pois é preciso explicitar como o ato de ler se desenvolve até chegar ao ponto mais exaltado pela sociedade, que seria a linguagem culta, a mais difícil e complicada de entender. Só que na perspectiva levantada, onde deve-se considerar o ser humano dentro do processo da leitura, sendo este uma variável poderosa, capaz de inutilizar todo e qualquer prognóstico que possa ser feito, uma coisa é possível de ser constatada: ao chegar ao nível culto, ou da leitura racional, o difícil, tão cultuado e elevado, é na realidade, uma coisa de fácil compreensão, pois todos os estágios de desenvolvimento foram devidamente trabalhados e desenvolvidos.

Refletindo sobre essas palavras, pode-se pensar a leitura como uma habilidade lingüística, que deve ser trabalhada e desenvolvida para se relacionar com outras habilidades essenciais para o total domínio sobre a língua materna.

Ler é um a das quatro habilidades da linguagem: ler, escrever, ouvir e falar. É um a habilidade receptiva, como a audição. Isto significa responder ao texto, mais do que produzir o mesmo. De forma simples podemos dizer que ler envolve compreender o texto. Para fazer isso, precisamos entender a linguagem do texto no nível da palavra, da sentença e do texto como um todo. Também é necessário "ligar a mensagem do texto com nosso conhecimento de mundo" (PULVERNESS; SPRATT; WILLIAMS, 2005a, p. 21, grifo nosso, tradução nossa[1]1).

Com isso, pode-se ver que a leitura é realmente bem complexa, cheia de encadeamentos e relações dentro do processo, e, por isso, é tratada como tal. Um fato que se destaca nessas situações é a conexão entre conhecimento de mundo e a mensagem do texto, idéia já enfatizada pelo fato do ser humano participar ativamente desse processo. Dentro do contexto da fala de Dewey (1980), sobre a educação, ele diz que esta consiste em um processo de reconstrução e reorganização da experiência, que possibilita o indivíduo perceber o sentido de suas vivências, tornando-se capaz de dar melhor direção para s experiências futuras e tendo a mesma ligada ao conhecimento de mundo, relação esta que já fora estabelecida anteriormente. Pode-se dizer que, em relação a leitura, para que ocorra essa reorganização e reconstrução do conhecimento prévio, ou seja, o conhecimento de mundo, seja relacionado. Esse acontecimento que irá permitir o desenvolvimento do conhecimento e do próprio indivíduo, como um ser pensante e capaz de intervir na sua vida.

Nesse caso, pode-se considerar como conhecimento prévio as habilidades adquiridas na língua materna, como, por exemplo, o nível de domínio das palavras e sentenças mais usadas no texto, o que pode facilitar ou não o seu entendimento. Daí vem a importância de se entender a leitura como um processo, pois todo o tipo de conhecimento e habilidades obtidos na vivência do indivíduo são acessadas durante o ato de ler.

Podemos ver que ler é um processo complicado. Ele implica em entender letras, palavras e sentenças, compreendendo as conexões entre as mesmas (coerência e coesão), entendendo diferentes tipos de texto, trazendo sentido ao texto através de nosso conhecimento de mundo e utilizando as habilidades secundárias da leitura apropriadamente. Ler pode ser uma habilidade receptiva, mas certamente não é uma habilidade passiva (PULVERNESS; SPRATT; WILLIAMS, 2005a, p. 22, tradução nossa2)!

O processo de leitura é realmente muito complicado, mas muito devido à passividade. Um leitor passivo, isto é, que não interage com o texto, vai contrariar totalmente sua natureza. O ser humano é um animal que prima naturalmente pela racionalidade, que é desenvolvida em sua vivência, em suas experiências. O fato dessa exposição, negando a passividade na leitura, está presente na fala de Andraus Junior e Santos (1999), que coloca a leitura como um trabalho constante do sujeito-leitor, a fim de descobrir, recriar e produzir conhecimentos.

Mas, como já foi enfatizado, o leitor precisa compreender o texto em vários níveis, o que via proporcionar uma fluidez na leitura, e, por conseguinte, a compreensão correta do que o escritor quer falar e a transformação desse conhecimento em algo significativo para o indivíduo que está lendo.

A partir dessa perspectiva, pode-se ver a importância da compreensão para um aproveitamento das informações expostas em um material escrito. O ato de compreender fica aqui a ser explicitado pela hermenêutica, fato que se dá pela proximidade que fora estabelecida anteriormente entre o homem e a leitura, considerando-o como variável importante dentro do processo.

Busca-se, então, uma definição para esse campo do conhecimento, que é explicitado por Ferreira (1975) como o ato de interpretar o sentido das palavras. Durante o ato de ler, o indivíduo é levado a interpretar o texto com a finalidade de retirar o significado do mesmo, isto é, compreender. Contudo, é necessário que se chegue a uma reflexão mais profunda sobre o significado da hermenêutica, ago que complete todo esse sentido de união entre homem e o processo de leitura. Com isso, chega-se à definição de hermenêutica como "a teoria das operações da compreensão em sua relação com a interpretação de textos" (RICOEUR, 1977 apud SILVA, 2005b, p. 67).

Nesse ponto, tem-se a amplitude de sentido para que a leitura permaneça próxima ao ser humano, o que torna possível considerá-lo como variável para o processo. A compreensão passa a ser ponto principal para o entendimento dessa visão e com ela pode ser relacionada ao homem. Iniciando uma pequena reflexão, é necessário definir a compreensão, que segundo Ferreira (1975) seria o ato de compreender, a faculdade de perceber, ou seja, ter percepção, ou ainda um conjunto de elementos que pertencem a um conceito, sendo estes elementos características, propriedades ou qualidades.

Como a possibilidade de aprofundar essa busca foi concedida pela definição acima, então a palavra compreender em como conceito o ato de alcançar com inteligência, atinar com, perceber, entender, e ainda é tida como ação de perceber ou alcançar as intenções ou o sentido de algo (FERREIRA, 1975). Pode-se dizer que esse último trecho, ilustra o que acontece na leitura, que é uma constante busca pelo significado, o perceber o que o escritor disse para o leitor, o que dará ao indivíduo a capacidade de reorganizar ou reconstruir o conhecimento.

Por fim, é possível dizer que "compreensão é o Ser existencial da potencialidade-para-Ser da própria existência humana; e é assim de tal modo que este Ser descobre em si o de que seu Ser e capaz" (HEIDEGGER, 1962 apud SILVA, 2005b, p. 68). Anteriormente, já foi dito que o homem passa a existir a partir do momento que ganha a capacidade de compreender os signos lingüísticos, transformando-os e levando a sua consciência, habilitando-o a relacionar-se, a comunicar-se com outros e com o mundo exterior. Mas, a partir dessa definição, esse existir ganha uma amplitude, podendo-se dizer que o ser humano existe pela compreensão, pois através dela que se torna possível preencher todas as potencialidades que ele necessita para ascender a um nível maior, e assim dar continuidade a seu desenvolvimento, e, conseqüentemente, ao desenvolvimento da sociedade. Esse "ser", status que o homem deseja alcançar, depende de um movimento do indivíduo, onde ele estabelece metas e projetos para si, para se tornar o que ele ainda não é, ou seja, um demarcador de sua existência.

Este "tornar-se" nunca é desprovido de compreensão. Assim, a saída da facticidade (isto é, a condição do Homem de ser lançado ao mundo sem sua vontade) vai depender de atos, orientados pela compreensão, que permitam ao Homem objetivar e apropriar-se das coisas do mundo (SILVA, 2005b, p. 68, grifo do autor).

Não se pode deixar de lembrar que essa possibilidade de "tornar-se" do ser humano, trabalhada através da leitura, remete a idéia de autonomia, pois por intermédio da compreensão, o indivíduo vai guiar suas escolhas, vivendo as experiências que lhe forem interessantes. Avelar (2008) cita a curiosidade como um fator que desenvolve a autonomia. Sendo esta trabalhada de forma correta, tornar-se-á curiosidade epistemológica, que possibilitará ao homem existir dentro da sociedade agindo com discernimento sobre as variadas situações que acontecem no meio em que vive.

Exercer a minha curiosidade de forma correta é um direito que tenho como gente e a que corresponde o dever de lutar por ele, o direito à curiosidade. Com a curiosidade "domesticada" posso alcançar a memorização mecânica do perfil deste ou daquele objeto, mas não o aprendizado real ou o conhecimento cabal do objeto. A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de "tomar distância" do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de "cercar" o objeto ou fazer sua "aproximação" metódica, sua capacidade de comparar, de perguntar (FREIRE, 1996b, p. 85, grifo do autor).

Dentro desse contexto de homem e leitura, pode-se dizer que a curiosidade surge de emoções, que, como foi visto, é parte da leitura global. As escolhas para os projetos do homem para o "vir a existir" passam pela vontade, ou melhor, curiosidade de conhecer e aprender mais sobre uma experiência, fato que a leitura vai proporcionar ao indivíduo naturalmente, sendo este um processo global do ato de ler.

Nesse caminho, também existem uma série de possibilidade para o homem "vir a existir" dentro da sociedade, sendo estas constituintes de uma base que ele irá se projetar.

[...] A projeção em dirão ao vir-a-ser, dentro de um horizonte de mundo, constitui a "inquietação". Existir autenticamente, dentro dessa perspectiva, é inquietar-se e projetar-se em direção a uma possibilidade na tentativa de compreender essa possibilidade e, assim, passar a compreender a si mesmo no mundo (SILVA, 2005b, p. 68, grifo do autor).

Como pode-se ver, o inquietar-se pode ser comparado a curiosidade, que nesse contexto seria a busca permanente por experiências que façam o individuo se desenvolver. Trazendo esta fala para a leitura, é possível considerar a mesma como uma fonte de inquietação, que ira abrir possibilidades para o homem aumentar a qualidade de suas experiências, e, conseguintemente, desenvolver-se continuamente.

Contudo, nesse momento, é necessário estabelecer uma melhor caracterização desse "vir a existir", e como funciona essa relação com o mundo.

[...] nosso mundo, a saber, o todo do nosso horizonte de compreensão, pelo qual se torna possível a compreensão de cada uma das coisas, é sempre um determinado "mundo lingüístico", ou seja, um mundo aberto pela "linguagem, lingüisticamente interpretado, lingüisticamente mediado", e isso numa língua sempre determinada, historicamente recebida por tradição, língua em que crescemos, em que vivemos e pensamos e na qual se realiza a nossa compreensão (CORETH, 1973 apud SILVA, 2005b, p.69, grifo do autor).

A partir dessa definição de mundo, pode-se delinear o que acontece dentro das relações homem-leitura e homem-mundo. A história do ser humano começou a ser registrada através da linguagem, não a língua que se conhece hoje, mas sim uma forma mais rudimentar. Antes da escrita já existia a oralidade, o que confirma que existia a comunicação, exigindo tudo o que se precisa para que ela seja estabelecida, como expressão, transmissão e recepção. Após a escrita, toda essa relação continuou, sendo que por intermédio dos símbolos, o que remete ao pensamento de que a comunicação continua, mas com dois caminhos, sendo estes o falar e ouvir, numa relação mais distante. Com essa reflexão, pode-se dizer que o mundo, juntamente com seus significados e proposições, estão inseridos nesse processo de leitura.

Para melhor explicitar esse pondo de vista, pode-se refletir sobre as palavras de Silva (2005), onde ele diz que enquanto contexto existencial, a obra não responde ao leitor, mas sim, o evoca, refere-se a, dando a possibilidade de abertura de um novo mundo, isto é, uma nova experiência para acrescentar a vivência do homem, o que irá, conseqüentemente, mostrar novas possibilidades para a existência humana.

Se a "compreensão", na perspectiva ontológica, significa habitar o mundo através de projetos existenciais, então a "leitura", por necessariamente envolver compreensão, também vai significar uma "saída-de-si" ou um projeto de busca de novos significados. Por outro lado, se "compreender" é enriquecer-se com novas proposições de mundo, então "ler" é detectar ou apreender as possibilidades de ser-ao-mundo apontadas pelos documentos que fazem parte do mundo da escrita (SILVA, 2005b, p.70, grifo do autor).

É importante ressaltar que, na leitura, interpretação e compreensão estão presente, como um pré-requisito de um para outro, ou seja, na busca por novos significados, onde o indivíduo vê as informações de forma distante, afastando-se delas, ele está fazendo uma interpretação daquilo que foi lido, com o intuito de compreender o que aquela obra está querendo passar. Por conta disso, se dá o fato do aparecimento de várias possibilidades de existência, pois se for considerado o fato de que um homem executa esta ação, surgem vários desdobramentos para um mesmo texto, que segundo cada interpretação, ganhará um caminho de compreensão diferente.

Tendo o ato de compreender como um fim que leva o ser humano a definir seu modo de existir, é necessário que se entenda o início do processo, onde a interpretação é colocada, sendo esta de suma importância para a compreensão.

O processo de interpretação, como destaca Silva (2005b), traz uma busca por referências no documento escrito, isto é, uma série de conteúdos de sentido a serem destacados pelo leitor, que irão se traduzir em uma tarefa hermenêutica, que seria decodificação e desdobramento dos símbolos lingüísticos. Contudo, vale ressaltar a idiossincrasia presente nesse processo, onde o ser humano vai agir como variável, dependendo do seu repertório de experiências no seu papel de leitor, tornando, como já citado, este processo singular para cada indivíduo.

As tarefas de descontextualização e recontextualização, empreendidas dentro de um projeto prévio da compreensão do documento, é que vão mais propriamente caracterizar a interpretação. O trabalho interpretativo, portanto, revela-se como o "desvelamento, elaboração e explicitação" das possibilidades de significação do documento, projetadas pela compreensão [...] (SILVA, 2005b, p.71, grifo do autor).

Ao analisar o ato de interpretar desse ponto de vista, pode-se dizer que pensar compreensão e interpretação de maneira individualizada é um erro grave, pois dentro de um processo, esses dois atos se relacionam de forma contínua, podendo até reconstruir essa estrutura, que só se coloca, assim, para uma melhor explicitação, sendo esta a compreensão prévia, interpretação e compreensão. Essa última seria a idéia central, o entendimento que o indivíduo retira do texto após todo o processo de reflexão.

Outros fatores importantes dentro desse processo seriam a descontextualização e a recontextualização, que justamente estão incutidas nesse ato de refletir sobre o texto. Como já citado, a interpretação, através desse olhar, vai permitir que o leitor se afaste, ou seja, descontextualize, traga para junto de seus significados do texto a sua experiência, e volte ao texto, que seria a recontextualização, para retirar aquilo de que irá apropriar-se para compreender o texto.

Isso leva a entender que "a interpretação dês-cobre aquilo que a compreensão projeta" (SILVA, 2005b, p. 71), trazendo a idéia de um processo se desenvolvendo dentro da leitura, que seria o desvelamento, onde acontece a decodificação das entrelinhas, a elaboração, onde os significados são reinterpretados através das experiências do leitor, e, por fim, a explicitação, onde as conclusões sobre o texto ganham corpo e são exibidas pelo indivíduo.

O fato de haver uma "exibição" das ideais construídas através da leitura traz o pensamento de um algo mais dentro do processo do ato de ler. Sabe-se que o homem se comunica através das palavras, fato este já colocado aqui, sendo esta comunicação pela fala (oralidade) ou pela escrita (símbolos). Por conta disso, é perfeitamente possível pensar na leitura como comunicação, e, conseqüentemente, analisá-la também segundo a perspectiva comunicacional, o que poderá trazer maiores subsídios para explicar o ato de ler.

Colocar leitura e comunicação dentro de uma mesma visão é essencial, pois a história da humanidade se fez por meio desse processo, o de se comunicar. Mesmo na oralidade, quando não existia a escrita, e até mesmo hoje, o homem transmite conhecimentos que ajudam a desenvolver a sociedade e melhorar sua qualidade de vida. A escrita possibilita o registro desses conhecimentos e um maior alcance, que representa maior velocidade para o desenvolvimento humano. Desenvolver-se nesse contexto, pode significar "o pensamento sobre o pensamento" (ANDRAUS JUNIOR; SANTOS, 1999, p. 38), sendo este o acontecimento que propicia o desenvolvimento social e humano mais veloz.

Por isso, é necessária uma análise mais profunda sobre a comunicação humana, trazendo a estrutura presente nesse processo, de maneira mais encorpada e trabalhada, ou melhor, complexa, deixando a característica simplista dessa perspectiva, que coloca a leitura como uma mera interação entre receptor-mensagem (SILVA, 2005b).

Tendo a noção de que dentro do processo de leitura e comunicação existe uma estrutura complexa, pode-se tratar o ato de ler como um fenômeno, pois dentro deste, há uma estrutura.

FENÔMENO: aparece como uma estrutura, reunindo dialeticamente na intencionalidade, o homem e o mundo, a significação e a existência. ESTRUTURA: multiplicidade unificada por uma ordem, cujo sentido é correspondência intencional a uma situação existencial (REZENDE, 1978, apud SILVA, 2005b, p. 72).

Com a definição dessas duas palavras justifica-se uma análise fenomenológica, vendo que sua relação é muito forte e irá propiciar a melhor explicitação da perspectiva comunicacional da leitura.

Abre-se nesse momento, uma análise na busca do que viria a ser o ato de ler como um fenômeno. Como já visto na definição de fenômeno e estrutura, há uma ligação com a existência, sendo o primeiro envolvendo o segundo em suas relações. Sendo o homem um ser que busca a sua existência através das relações com o ambiente, respondendo aos estímulos do mesmo, e tendo uma estrutura que rege suas ações dentro da sociedade, é mais do que pertinente que suas relações, como a leitura, sejam vistas nesse nível, lembrando o caráter existencial presente no ato de ler.

[...] Mais especificamente: o fenômeno da comunicação deixa-se conhecer com uma estrutura que reúne uma multiplicidade de elementos distintos e únicos, em torno de um eixo ou de uma ordem cujo sentido é dado pela correspondência intencional entre seus elementos e o mundo (p. 72).

Sendo o principio simplista da comunicação a relação receptor-mensagem, no caso da leitura, é necessário que se veja de maneira mais profunda e real do processo do ato de ler. Ao invés de uma relação unicamente horizontal, onde estão presentes receptor, diálogo e mensagem, surge uma relação vertical, que envolve novos significados e o mundo, seus estímulos, que influem nas ações do indivíduo.

De acordo com Silva (2005b), pode-se perceber na comunicação uma situação de estrutura fenomenal, caracterizada pela multiplicidade dos elementos que integram uma mesma significação estrutural, sendo esta unificada por uma ordem dinamizadora, responsável por manter a relação entre os elementos. Por sua vez, a ordem não é externa ou imposta a determinada situação, mas sim uma ordem oriunda das relações dos elementos, o que gera significado, sendo este o que ultrapassa o espaço da comunicação, relacionando-se histórica e culturalmente a existência humana.

Por conta disso, o fenômeno da comunicação passa a ter uma superestrutura, onde o ato de ler esta contido, pois sua estrutura ganha um novo significado, sendo uma "estrutura SER-NO-MUNDO-COM-OS-OUTROS-ATRAVÉS-DE-SIGNOS" (SILVA, 2005b, p. 74). Com isso, esse conceito se une ao objetivo maior da leitura para o ser humano, que seria o "vir a existir". Essa relação é feita a partir do momento que há busca, ou seja, intencionalidade, pré-requisito necessário para o homem ser reconhecido como um indivíduo que existe para o mundo.

A definição da comunicação como um fenômeno e a inserção da leitura dentro de uma superestrutura faz com que essa reflexão se volte para as estruturas presentes dentro da estrutura maior do comunicar-se pelo ato de ler. Chega-se então, as estruturas do sujeito, da mensagem, do código e do mundo, sendo estas responsáveis pela possibilidade de visita do homem ao mundo da leitura, e, por conseguinte, da comunicação.

A estrutura do Sujeito (Emissor) é constituída pela multiplicidade de aspectos que possibilitam identificação e reconhecimento a partir do momento em que são descritos. Esse sujeito vive a experiência fenomenal, intersubjetiva, histórica e cultural, possibilitando a construção do caminho de sua existência, relacionando-se com o mundo através da intencionalidade, ou seja, a consciência dialética homem-mundo (SILVA, 2005b).

A estrutura da Mensagem é tida como portadora de significado, tendo a face de expressão do sujeito. Essa estrutura se supera, remetendo o leitor de maneira freqüente à estrutura dessa relação dialógica. Tendo uma face comunicativa, é estruturada por um código lingüístico, destinando-se a um receptor. É importante lembrar que o significado acima citado é criado a partir do diálogo do seu autor com o mundo (SILVA, 2005b).

A estrutura do código vem com o significado de campo de compreensão. O código é instituído a partir das relações dos elementos de multiplicidade, sendo essas caracterizadas pela oposição entre seus componentes (SILVA, 2005b). Tendo um caráter humano, mostra-se como mensagem do mundo, o que possibilita uma constante reconstrução, renovação e transformação do mundo.

A estrutura do mundo é constituída através e a partir das várias formas de intersubjetividade dialética homem-mundo, sendo definido como uma complexidade de aspectos significativos que se relacionam entre si (SILVA 2005b). Partindo do olhar da Fenomenologia, o mundo é histórico e cultural, tendo sua fisionomia, criada a partir do próprio ser humano, que construiu o mundo através de sua existência.

[...] A Fenomenologia apresenta um "mundo humano", região de sentido e de valores, que não é possível de ser concebido sem o homem – um mundo que é "projeto" na medida em que se abre à existência do homem; um mundo que, através do trabalho humano, gera mensagens significativas; um mundo que se volta para o homem e o interpela: "um mundo comunicativo" (SILVA, 2005b, p. 75, grifo do autor).

Através desse olhar, pode-se ver como o processo da leitura está envolvido em um processo maior: a comunicação. O ser humano tem a necessidade de comunicar-se para obter ou fornecer informações, partilhar vivências, experiência, conhecimento. Essa troca possibilita a continuidade da sociedade, e, conseqüentemente, o desenvolvimento, e não a volta a um estágio rudimentar, que seria inevitável se não houvesse a comunicação.

Quem não lê não é capaz de escrever, em que língua seja. E não somente nas línguas chamadas naturais – espanhol, alemão ou chinês –, mas também sob outros sistemas e códigos como os do corpo, na dança; do traço e do volume no espaço, pintura, escultura, arquitetura, do enquadramento do olho na fotografia, no cinema e ainda sob linguagens mais insuspeitas como as do vestuário, da publicidade, do traçado das cidades, do comportamento social (YUNES, 2003, p. 41).

Considerando esse ponto de vista sobre leitura, enfocando-a na perspectiva comunicacional, é possível dizer que a construção do mundo como se vê hoje, não se concretizaria, pois a capacidade de existir do ser humano não seria uma realidade. Todo o indivíduo passaria sua vivência tendo experiências, colhendo conhecimentos que morreriam com ele, deixando a sociedade em um estágio único: o primitivo. O mundo existe a partir do momento que o homem exerce sua existência, isto é, lê o mundo, pensa e transforma o ambiente, buscando melhorá-lo, e comunicando-se entre si perpetua a sua organização, dando chance a continuidade do desenvolvimento.

Segundo essa linha de raciocínio, pode-se dizer o mesmo em relação a comunicação, que usa a leitura como canal de disseminação de conhecimentos, tornando possível que várias pessoas pensem sobre um pensamento ao mesmo tempo, gerando vários outros pensamentos que passarão pelo mesmo processo, se reinventando para melhorar, e assim escrever a história.

3LEITURA CRÍTICA COMO EXPLICITAÇÃO DA LEITURA

Dentro da análise do ato de ler, pode-se ver que esse processo, apesar de se dar de uma forma natural, é altamente complexo, sendo nesse sentido que a maioria das pessoas acaba por perder-se no trabalho com a leitura. A falta de reflexão sobre o processo traz o equívoco de se separar o ler do ser humano, o que deturpa o desenvolvimento do leitor, tornando-o uma pessoa que não terá uma ação cultural e social de análise, possibilitando a transformação.

Esse é exatamente o que o processo de leitura em sua forma plena não deseja que aconteça. Na necessidade existente dentro da sociedade, ou melhor dizendo, dentro do homem, no sentido de escrever sua história, o que culminará na necessidade de comunicação, é importante que o indivíduo desfrute do último estágio de leitura, aquele que lhe dará a capacidade de refletir sobre uma idéia, conceito ou situação exposta em uma obra e transformar ou reconstruir esses saberes antigos, proporcionando o desenvolvimento contínuo através da comunicação dessas novas idéias e conceitos. Esse estágio seria a leitura crítica, que concede todas essas características a pessoa que a usa em suas experiências de conhecimento.

Por conta dessas características, é permitido que se defina o que é leitura dentro da leitura crítica, pois esse é o estágio que se deseja que os construtores de conhecimentos, ou seja, os leitores alcancem e coloquem em prática na sua vivência.

A leitura crítica sempre leva à produção ou construção de um outro texto: "o texto do próprio leitor". Em outras palavras, a leitura critica sempre gera expressão: o desvelamento do SER do leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de significado; a leitura crítica deve ser caracterizada como um PROJETO, pois concretiza-se numa proposta "pensada" pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro (SILVA, 2005b, p. 81, grifo do autor).

Ao contextualizar a leitura crítica dentro da linha de pensamento aqui desenvolvida, depreende-se algumas definições importantes para se explicitar o ato de ler em total comunhão com o ser humano.

O leitor ao realizar o ato de decodificar os símbolos lingüísticos e compreender a idéia do que o autor quer passar no texto, se torna capaz de colocar sua assinatura em uma reconstrução, um texto próprio, que permitirá que ele se exprima, isto é, se comunique, que é a forma de transmissão dos conhecimentos. Por isso, pode-se dizer que uma das finalidades da leitura é a afirmação de um autor como um ser no mundo, através da expressão de sues conceitos, e também a comunicação entre este e o leitor, que dará a possibilidade de reconstrução dos conhecimentos, transformando continuidade ao desenvolvimento humano.

Em outras palavras, a leitura define-se como o caminho que dá ao homem a possibilidade de existir dentro do mundo, através de sua ação de reconstrução e transformação da sociedade em que vive, sendo este o fator da própria evolução do homem.

Ler é, pois, ir ao encontro da linguagem escrita, a qual permitirá a produção e o acesso de textos complexos. Essa linguagem é um instrumento de operações intelectuais de abstração e de construção teórica, que permite passar de situações e conceitos [...] (ANDRAUS JUNIOR; SANTOS, 1999, p. 38).

Com a definição da leitura como um caminho pelo qual o homem passa a existir no mundo, é necessário mostrar como o indivíduo se apresenta nesse processo. Relembrando o que já fora explicitado nesse trabalho, a maior discussão presente na fundamentação para definir o que é leitura está no papel do homem dentro do processo. Ao estabelecer uma ligação do ser humano através dos níveis sensorial, emocional e racional do ato de ler com a visão de leitura como processo complexo, pode-se ver que há um desenvolvimento do leitor dentro do próprio processo, chegando as operações intelectuais de afastamento para a busca da compreensão, ou seja, abstrair as informações para retirar os subsídios que possibilitarão a reconstrução de teorias.

Por conta dessa análise, levando em conta o olhar mais próximo da comunicação através da escrita, pode-se dizer que o leitor, através do ato de comunicar, oriundo da leitura, encontra-se com a linguagem escrita e a transforma em conceitos que se tornarão outra obra escrita, produzindo a comunicação, e, por conseguinte, o desenvolvimento do ser humano e do seu meio.

Nessa definição da leitura, tem-se a necessidade de fundamentar o ato de ler crítico, que desenvolverá o conceito do que é a leitura e o porquê da definição construída acima.

[...] A explicitação desse tipo de leitura, que está longe de ser mecânica (isto é, não-geradora de novos significados), será feita através da caracterização do conjunto de exigências com o qual o leitor crítico se defronta, ou seja, CONSTATAR, COTEJAR e TRANSFORMAR (SILVA, 2005b, p. 80).

A leitura crítica trabalha dentro de um processo que permite ao indivíduo transformar o seu meio, seja por ação, seja por meio de novos conceitos. Mas, é importante conhecer todo esse caminho para entender o porquê dessa ligação íntima com a humanidade. O ato de ler é um processo ativo do indivíduo, o que irá consistir, antes de transformar, o constatar e o cotejar.

Com base no seu conhecimento prévio, o leitor vai constatar, isto é, buscar o significado do texto escrito, o que na verdade vai de encontro à compreensão, que dará as informações necessárias para que haja a cotejamento, ou seja, a verificação das informações oriundas da constatação, onde acontece o enfrentamento entre as idéias retiradas do texto com o conhecimento do indivíduo. Por conta disso, a leitura é considerada um ato individual, pois seu resultado vai depender da variável chamada leitor. Depois desses dois passos, acontece a transformação, que só é possível no momento em que o indivíduo, ao experimentar novas alternativas e novos pontos de vista, age sobre o conhecimento dando a possibilidade de reflexão e recriação por parte dos outros, que serão leitores dessa nova idéia.

De acordo com Silva (2005b), o leitor crítico, por intermédio de sua intencionalidade, descobre o que o autor pretende passar com aquele escrito, o significado, mas, ao contrário do que se pensa,ele reage, questiona, problematiza e aprecia o material criticamente, o que permite que ele evolua, se colocando perante as idéias do autor.

A leitura é um ato de compreensão da vida, é um instrumento que propicia o contato à distância com outras pessoas, grupos e povos e o conhecimento acerca do homem e do mundo. A leitura se justifica, na medida em que orienta para um conhecimento mais profundo da realidade (ANDRAUS JUNIOR; SANTOS, 1999, p. 38).

Por conta desses fatores, pode-se traduzir a leitura crítica como o principal objetivo do ato de ler, onde o indivíduo irá buscar os significados que o guiarão no caminho de se conhecer e conhecer a sociedade em que vive, sendo através desta que o homem marca sua existência, e, conseqüentemente, se torna capaz de comunicar-se para evoluir como indivíduo e como comunidade.

Portanto, ao definir a leitura como um ato de compreensão da vida, resumir-se nessas palavras o que é o ato de ler, lembrando sempre que todo esse processo não ocorre de forma mecânica e sistemática, mas sim de maneira consciente, onde o encontro do leitor com a mensagem escrita desencadeia o processo de localização do indivíduo dentro do ato de ler, buscando os significados que lhe trarão o entendimento e a possibilidade de recriar, reestruturar o conhecimento.

Essa visão estabelece a leitura como uma função social, que desvela o indivíduo para os acontecimentos e dá ao mesmo a criticidade para ler e agir dentro de seu ambiente, transformando o conhecimento para transmiti-lo aos outros. Aqui se torna cristalina a união, que segundo Avelar (2008), é necessária para essa função social ser estabelecida, que seria a leitura de mundo e a leitura do símbolo, sendo que o estímulo também deve partir dos construtores do conhecimento e da instituição que faz com que os conceitos sejam, teoricamente, pensados, discutidos, reestruturados e reconstruídos na sociedade fenomenalmente complexa de hoje: a escola.

4CONCLUSÃO

Após o desenvolvimento desse estudo, torna-se possível colocar a leitura em uma nova perspectiva, redefinindo-a como um projeto, e não como um processo, pois em sua significação natural constatada por esse presente trabalho, tem-se a leitura como um elemento da estrutura do ato de comunicar, que foi a razão pela qual a escrita surgiu, possibilitando a perpetuação de pensamentos, ou seja, o seu registro, alcançando mais pessoas que podem construir novos conceitos ou significações buscando o seu desenvolvimento, e, por conseguinte, o da sociedade em que vive.

Esse projeto através da leitura é caracterizado pelo movimento de comunicar-se, onde emissor, isto é, o autor, dialoga com o receptor, ou seja, o leitor, permitindo que esse indivíduo pense sobre essas idéias e construa suas próprias idéias, como já citado, trará a definição de projeto no ato de ler como seno existencial, onde pela sua singularidade o homem busca vir-a-ser no mundo, que significa na relação dialógica homem-mundo, o vir a existir através do pensamento.

Ao constatar que o ato de ler, por ser um projeto de existência, pode ser considerado também um ato de compreensão da vida, onde a relação entre leitor e texto não ocorre mecanicamente e sistematicamente, mas sim de maneira consciente, onde o indivíduo se localiza dentro da leitura em busca de significados que o trarão a possibilidade de reconstrução do conhecimento, torna, assim, cada projeto único.

Por conta desses fatores aqui apresentados, coloca-se a escola, que é reconhecidamente o canal da educação nas sociedades complexas de hoje, como um veículo de suma importância para a formulação de pensamentos sobre os pensamentos já existentes, isto é, o desenvolvimento da leitura de maneira plena, tornando o indivíduo capaz de transformar a visão de "processo" para "projeto" de leitura, aplicando-a em sua vida em sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRAUS JUNIOR, Salim; SANTOS, Acácia A. Angeli dos. Importância do desenvolvimento da leitura na formação profissional. In: WITTER, Geraldina Porto. Leitura: Textos e Pesquisas. Campinas: Alínea, 1999, p. 37-53.

AVELAR, Rodrigo. Leitura e Autonomia na vida dos educadores e educandos. Revista Enfoque, Nova Friburgo; v. 2, n. 2, p. 46-50, jan. / jul. 2008.

DEWEY, John. Vida e Educação. Trad. Anísio S. Teixeira. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 37 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996b.

PULVERNESS, Alan; SPRATT, Mary; WILLIAMS, Melanie. The Teaching Knowledge Test Course. Trad. Rodrigo Avelar. Cambridge: Cambridge University, 2005a.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. O Ato de Ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2005b.

YUNES, Eliana. Leitura como experiência. In: OSWALD, Maria Luiza; YUNES, Eliana (orgs.). A Experiência da Leitura. São Paulo: Loyola, 2003, p. 7-15.

______. Leituras, experiência e cidadania. In: OSWALD, Maria Luiza; YUNES, Eliana (orgs.). A Experiência da Leitura. São Paulo: Loyola, 2003, p. 41-56.




Autor: Rodrigo Avelar


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