O que é conhecer?
Segundo a célebre fórmula do Teeteto (201a-c; 207a-208a), chama-se “conhecimento” à crença verdadeira e justificada, por contraposição à mera “opinião geral”. Os contra-casos apresentados por Edmund Gettier
Numa resposta platónica, o actual internalismo avança na procura de algum quarto atributo que faculte a um sujeito alcançar o dito conhecimento (com aqueles primeiros três). Mas, independentemente de qual seja este outro atributo cognitivo, as respostas internalistas divergem na arquitectura do processo justificativo. A saber, entre os fundacionalismos que, com maior ou menor radicalidade, determinam linearmente esse processo a partir de alguma base originária, e os coerentismos que, também de modo mais ou menos exclusivo, o reportam antes à coerência entre crenças que se remetem mutuamente. Enquanto Susan Haack
Em alternativa a esses desenvolvimentos, e recuperando a pista que logo Aristóteles (Analíticos, II) tinha aberto face ao seu Mestre, a resposta externalista àqueles contra-casos recusa o terceiro atributo cognitivo – o postulado de que o sujeito é o agente da justificação – procurando antes indícios do objecto de conhecimento na crença verdadeira, a qual é assim constituída como efeito de alguma acção do objecto sobre o sujeito.
Entretanto, a todo esse ramo que reporta o conhecimento à crença, autores como Linda Zagzebski
Mas mesmo essa ramificação entre uma epistemologia autónoma e outra dependente nesse caso da ética, ao visarem ambas quaisquer atributos únicos do conhecimento, constituem-se como opções invariantistas, em divergência do contextualismo que reconhece a relatividade de tais atributos ao contexto em que, de cada vez, ocorre o que se poderá chamar “conhecimento”. Se bem que se possa discriminar, com Keith DeRose
Enfim, no campo particular do conhecimento científico, ao paradigma clássico das reduções específicas dos fenómenos a uns supostos elementos básicos e a umas respectivas regras de associação, explicando-se deterministamente os fenómenos nessa base, contrapõem-se hoje as chamadas ciências da complexidade, que adoptam antes explicações probabilísticas dada a emergência de qualidades ou organizações imprevisíveis na base reducionista, tendendo também estas explicações a um holismo que dê conta das interacções com os meios envolventes
Não é pacífico, portanto, o que constitua “conhecimento”. Antes dispomos de várias orientações alternativas – algumas exclusivas mesmo em relação à da concertação das outras – para o estabelecimento de quaisquer crenças. Será este estabelecimento invariante ou contextual? Encontra-se a sua orientação no estrito âmbito da crença ou deriva da ética? É de primeira responsabilidade do sujeito ou do objecto?… Na falta dessa orientação, fica a faltar também o critério com que se possa ir avaliando o grau de cumprimento do estabelecimento dessas crenças – por assim dizer, as condições de sucesso das eventuais candidaturas a “conhecimento”. Falta esta que reforça a impossibilidade, já imposta por aquela ausência de orientação, de se delinear o processo cognitivo que deverá cumprir esta última em conformidade ao critério que lhe for apropriado, nomeadamente articulando faculdades como sensibilidade, memória, raciocínio,… escolhendo postulados de categorias a priori ou de dados a posteriori, determinando as inferências inversas da indução e dedução, etc. Em suma, é necessário confirmar alguma dessas hipóteses teóricas, sustentando-a em detrimento das restantes, para se justificar depois as respectivas ilações.
Obras Citadas
Audi, R. (1998). Epistemology - A Contemporary Introduction to the Theory of Knowledge. Nova Iorque, Londres: Routledge.
Barberousse, A., Kistler, M., & Ludwig, P. (2001). A Filosofia das Ciências do Século XX. (A. Emílio, Trad.) Lisboa: Instituto Piaget.
DeRose, K. (1992). Contextualism and Epistemic Individuation. Philosophy and Phenomenological Research , 52, pp. 913-929.
Escohotado, A. (1999). Caos y Orden. Madrid: Editorial Espasa Calpe.
Gettier, E. (1963). Is justified true belief knowledge? Analysis, 23 , pp. 121-123.
Haack, S. (1995). Evidence and Inquiry - Towards a Reconstruction in Epistemology. Oxford, Malden Mass.: Blackwell.
Millman, R. S., & Parker, G. D. (1981). Geometry: A Metric Approach. Nova Iorque: Springer-Verlag.
Zagzebski, L. (1992). Virtues of the Mind: An Inquiry into the Nature of the Virtue and the Ethical Foundations of Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press.
Autor: Miguel S. Albergaria
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