Educação Brasileira Gera Impactos Negativos Na Economia



Pesquisas, estatísticas, constatações e opiniões sobre a educação no Brasil não cansam de gritar: estamos muito atrasados até ao lado dos mais atrasados. A incompetência educacional juntou-se à incompetência na gestão pública para jogar o futuro do país no buraco negro da única certeza que surge das sombras: perdemos mais uma década. Do ponto de vista da possibilidade de mudança nos resultados, já perdemos 30 anos, ou seja, caso tudo estivesse funcionando hoje (2007) e bem para mudar o sistema educacional brasileiro, poderíamos colher os frutos inteiros e maduros somente em 2036, segundo a Unesco (unidade da ONU que cuida da Educação, Ciência e Cultura). Temos o pior sistema de ensino e, como decorrência, a pior gestão pública da história, porque não conseguimos sequer ter um projeto de desenvolvimento de longo prazo sério e factível que pudesse proporcionar o aproveitamento das imensas oportunidades que se findam.

Para consolidar esse cenário que daria inveja a Dante, a principal condição econômica competitiva de que desfrutamos nas três últimas décadas (mão-de-obra barata) perdeu lugar pelos custos de ineficiência (leia-se incompetência). Por favor, esqueçam comodities e produtos semi-acabados, pois o mundo das matérias-primas não tem futuro e dá dinheiro para apenas meia dúzia de conglomerados monopolistas. O mundo que conta é o das tecnologias, dos serviços, dos agregados de valor, do conhecimento e da inovação, o resto é apenas o resto. Exportar toneladas de suco de laranja, soja e café em grãos, celulose e minério de ferro, significa exportar milhões de postos de trabalho que serão gerados em outros países para agregar valor a essas matérias-primas, com ganhos e margens que, em muitos casos, ultrapassam dois dígitos. A Alemanha é o maior produtor mundial de café processado, sem ter um único pé da fruta; os melhores aços do mundo são da Escandinávia, que não tem um metro cúbico de minério de ferro, assim como têm o melhor papel de imprensa, e lá as florestas (replantadas) são preservadas como patrimônio nacional.

Nossa mão-de-obra perdeu-se na própria incompetência, pois os baixos custos não conseguiram dar suporte às crescentes exigências por eficiência operacional e eficácia gerencial. Na eficiência não sabemos como fazer melhor, na eficácia não sabemos o que fazer para melhorar, daí o pior dos mundos para os resultados empresariais. Enquanto o primeiro mundo consolida a inovação como novo motor do desenvolvimento, aqui a velha e cansada eficiência ainda não alcançou maciçamente nossas empresas. Estamos ficando para trás, muito atrás. Linhas de montagem de celulares no Brasil conseguem produzir nove aparelhos por hora, na Coréia, 15. Aqui, nossos trabalhadores atingem a média de cinco anos de escolaridade, enquanto na Coréia os trabalhadores atingem 10 anos ou mais.

Aqui começa a dor de cabeça. Os cinco anos dos nossos trabalhadores são incomparavelmente inferiores em gênero, número e grau aos cinco anos de escolaridade dos coreanos. Anos de trabalho com desenvolvimento de equipes e outros tantos pesquisando a educação, me permitem afirmar que estamos nas trevas quando se avaliam níveis de compreensão básicos para tarefas básicas. Nossos trabalhadores em postos da produção e até da administração, têm enormes dificuldades em lidar com textos primários, cálculos simples, tabelas basiquinhas. Não conseguem elaborar ou estabelecer conceitos relacionados às suas tarefas, nem conectar ou associar situações objetivamente simples.  Exigem a repetição continuada de instruções, orientações e definições, e na esmagadora maioria das vezes não incorporam a necessária disciplina para a execução estruturada e planejada de suas tarefas. Contrariamente à falácia da capacidade criativa do povo brasileiro (reconhecida no campo artístico), o que impera é o improviso quando se permitem a quebra das regras e dos processos estruturados, e improvisar é o caminho mais curto para a ineficiência e o desastre de qualquer organização.

Os cinco anos dos nossos trabalhadores são nada comparados aos cinco anos dos coreanos. A diferença de desempenho superior a 70% na produção de celulares, no caso típico que mencionei acima, para linhas de montagem praticamente idênticas, demonstra que não se trata obviamente de maior habilidade manual dos coreanos. As linhas de montagem atuais incorporam processos que exigem leitura atenta de dados alfanuméricos e gráficos eletrônicos de resposta imediata, inserção de dados em sistemas, verificação atenta de procedimentos, alta concentração na tarefa, preenchimento de documentos e por aí vai. Mesmo treinados, nossos trabalhadores não conseguem gerar respostas de eficiência comparáveis aos asiáticos. Faltam pernas, como diria o ditado popular. O que falta de fato são as capacidades, habilidades e competências construídas no decorrer do ensino fundamental e médio, portanto, do primário ao colegial, que aqui duram 12 anos. Isso sem contar que, em boa parte dos países desenvolvidos, crianças são introduzidas em processos de aprendizagem a partir dos quatro anos.

A recente iniciativa lançada por um grupo de empresários, economistas, educadores e gestores públicos, denominada Compromisso Todos Pela Educação (veja www.todospelaeducacao.org.br), propõe metas importantes para modificar o cenário do descalabro educacional do nosso país até 2022, quando completamos 200 anos de independência. O desafio é dotar de qualidade a educação brasileira, de forma a promover o desenvolvimento econômico, social e político, num país de excluídos por políticas públicas erráticas e ao sabor dos poderosos de plantão. O ano de 2022 ainda está distante, mas em educação os tempos de realização são contados às décadas, pois os resultados são efetivamente mensuráveis a partir da obra concluída e não do projeto. Todos Pela Educação põe um olhar no conteúdo, reforça a necessidade da sistematização do esforço nacional, aponta para o compromisso da nação em relação ao próprio futuro. Mas é preciso mais conteúdo e muito mais trabalho.

De nada adiantam mais escolas, prédios e mais prédios, com infra-estrutura de lazer e esportes, piscinas, quadras poliesportivas, alguns computadores basiquinhos e TV com DVD isso quando tem. O problema da educação brasileira não é de forma, é de conteúdo. Cadê a mesma preocupação que se tem em dotar a escola de infra-estrutura, quando o modelo de ensino-aprendizagem, de exploração de conteúdos, estão defasados em décadas? Professores ainda ensinam que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral quando deveriam estar discutindo as condições fundamentais para nos arrancar do imobilismo histórico, da ignorância crônica da população e da burrice epidêmica da classe política; insistem em demarcar mapas geográficos de nações quando o mundo estrutura-se em blocos; focalizam a decoreba da tabuada quando o mundo quer cérebros com plasticidade e resiliência; insistem na tabela periódica dos elementos enquanto ignoram discutir as propriedades e aplicações dos novos materiais como fibras de carbono e kevlar. Esse foco totalmente errado gera cérebro-dependentes, pessoas dotadas de corpo sem mente, qual robôs submetidos a tarefas mecânicas no mais puro estilo taylorista. Resultado? 15 a 9 para a Coréia.

Nossa educação carece de conteúdo em níveis práticos: as salas de aula têm o mesmo formato e os mesmos recursos de 80 anos atrás, com professores debatendo-se entre grupos com 40 a 50 alunos enfileirados e resignados em carteiras escolares mal desenhadas, aguardando o fim da tortura, e um quadro negro que é verde, cheio de inscrições enigmáticas para serem decifradas em menos de 50 minutos. Num mundo globalizado e digital, o giz representa a idade da pedra da escola. Impossível aprender algo nessas condições.

Nossa educação carece de conteúdo em níveis absolutos: praticamente todas as provas e exames são formatados em múltipla escolha, aonde o que mais se exige é a habilidade de Mãe Diná para prever o futuro e marcar um X em nome desse futuro. Não se discute se é o certo, e sim se dá para passar. Um reducionismo tão cruel para avaliar a aprendizagem, que é digno do Guiness Book como o pior método para aferir níveis confiáveis de conhecimento.

Nossa educação carece de conteúdo em níveis oficiais: os burrocratas do MEC insistem na manutenção de conteúdos há muito defasados, estruturas pedagógicas antiquadas, que não promovem a discussão, a reflexão, a inovação. Inovação? O que é isso companheiro? Nossos professores são reféns do seu próprio veneno, pois não conseguem alterar o status quo do sistema. Não têm articulação, são tão submissos quanto os milhões que deles dependem e replicam a pandemia de cérebro-dependentes. O país precisa de empreendedores, as escolas cospem dependentes que só enxergam o emprego como salvação, e não sabem o que é trabalho.

Nossa educação carece de conteúdo em nível presidencial: temos um presidente que se vangloria de ter chegado ao mais alto cargo do país sem ter título universitário, e cujo discurso encantou parte importante da intelectualidade tupiniquim, que agora engole sua incompetência em discernir forma de conteúdo. É o presidente sem conteúdo cuja forma é o discurso falso de promessas não cumpridas. Afinal, caráter é conteúdo. Declarou a liberação de R$600 milhões para a instalação de mais 40 campus universitários no país, quando 60% dos universitários freqüentam 10 cursos com alta saturação de vagas e formandos que se atropelam nas filas em busca do emprego distante do diploma: serve qualquer coisa. São administradores, contadores, advogados, psicólogos sem o menor horizonte de mercado, submetidos à dura constatação de que estudaram para nada. Estudaram? Isso é forma, sem conteúdo.

Assim, de retrocessos em retrocessos jogamos nosso futuro na latrina, fruto de um processo educacional burro, retrógrado, desfocado da realidade mundial, desligado dos centros produtores do saber, no final da fila aonde é o lugar dos menos preparados ou dos piores. Neste século 21, o preço de tamanha incompetência é uma fatura que será cobrada por muitas décadas, e pagas com o sacrifício de gerações que ainda não nasceram.  Vai faltar-lhes conteúdo para virar o jogo. 15 a 9 para a Coréia. Por enquanto.

Autor: José Armando Bueno


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