A Historicidade do Regionalismo Nordestino no Contexto da Geografia Crítica



Resumo: O “Regionalismo nordestino” nasceu e evoluiu como reação á decadência do Nordeste. Do ponto de vista histórico, surgiu no início do século XX, junto com o deslanche da industrialização no sudeste. Do ponto de vista social, configurou-se como atitude política das elites regionais, jamais se difundiu profundamente entre a população. Do ponto de visa estratégico, caracterizou-se por reivindicar ajuda federal á região, sob a forma de obras públicas ou proteção para empresas e produtos. O seu argumento central sempre foi a pobreza regional, geralmente associada ao fenômeno climático das secas. A noção de “região”, tratada como instrumento da ação política, é inseparável da noção de “Regionalismo Nordestino”. Este, visto como o discurso que a representa, é um movimento de reivindicação de tratamento diferenciado a um determinado espaço territorial. É uma expressão de luta de poder no interior dos espaços regionais quanto ao direito sobre a representação externa da região nas diversas escalas de poder. O “regionalismo” constrói, reforça e atualiza uma identidade regional que mobiliza as mentes locais na identificação dos representantes da região e de seus “adversários” – os locais e os de fora, este comentário é baseado em dois autores propostos que são Rosa Maria Godoy Silveira e Maura Penna. Palavras Chave: Regionalismo Nordestino – Geografia crítica - A historicidade do espaço.

Rosa Maria Godoy entenderia, por sua vez, que a partir desta argumentação fundamentar-se-ia uma identidade regional e uma narrativa territorial nortista que se consolidaria a partir dos acontecimentos que desencadearam o Congresso Agrícola do Recife de 1878. Nesse raciocínio, a identidade nortista seria então caracterizada pela perspectiva que a classe dominante teria do processo como um todo, o que teria levado à elaboração de uma narrativa que articulava o discurso regional à narrativa da unidade nacional enquanto parte de uma estratégia que visava à manutenção de seus privilégios. Por sua vez, os elementos que constituíam o discurso da regionalidade resultariam de uma perspectivação do espaço regional como um domínio das antigas práticas e lugares sociais. Entretanto, a materialidade da regionalização como objeto das heterogeneidades particulares da sociedade, no que permite ao conhecimento vislumbrar teorias originais com validades universais, remete a dificuldades no delineamento das categorias a serem consideradas, frente ao caráter multifacetário da configuração espacial, na sua construção histórica.

Os conceitos de "Região" e "Regionalismo" são abordados, do ponto de vista político, por Maura Penna (1992), no intuito de conferir significado ao espaço enquanto produto e mediador de relações sociais, com "Enormes dificuldades cercam não apenas a delimitação dos espaços ou territórios regionais, como a própria conceituação de região, que é foco de "disputas" no campo científico. Não havendo consenso, diferentes concepções levam a demarcações distintas"(PENNA, 1992, p. 18 – 19). Em um balizamento conceitual, a autora salienta que a compreensão do espaço regional requer a percepção do espaço, como um nível maior de generalização, como um produto das relações sociais que ocorrem sobre uma base territorial concreta.

De acordo com Maura Penna, o território é o suporte natural sobre o qual uma sociedade se organiza e cria seu espaço. É o sistema de símbolos produzidos em um território que dá conta da interface natureza-cultura, de maneira que além de uma unidade geográfica, o território se constitua também em uma unidade social e política. Dessa forma, Castro evidencia que o espaço como sendo a morada do homem, não se constitui em algo homogêneo. Surge a noção de subespaços: a idéia do fracionamento do espaço dentro do espaço total.

O regionalismo é um discurso apoiado numa aliança de forças e grupos sociais que forja uma identidade referida a um espaço; forja uma idéia de história e de práticas comuns; apresenta uma leitura do passado, do presente e projeta um futuro em cima de interesses gerais remetidos a uma circunscrição territorial. Ele legitima a hegemonia de um determinado bloco de poder e o seu monopólio da representação dos interesses gerais numa determinada região, outorgando autoridade aos seus membros de porta-vozes para exercer essa representação.

Esse grupo dominante, através da reivindicação de um tratamento diferenciado por parte das diversas escalas de poder supralocais, busca monopolizar a interlocução com essas instâncias e exercer o controle sobre os recursos fundamentais que interferem na reprodução das condições locais de desenvolvimento. Com isso, determinado espaço do território – a região – serve de base legítima para a obtenção de tratamento diferenciado por parte dos poderes públicos, em geral sob a forma de subsídios ou regimes fiscais especiais. O regionalismo sempre foi fundamental na reprodução de espaços dominados por oligarquias tradicionais, como é o caso do Nordeste, podendo também ocorrer a escalas menores do território. Conforme discute Penna:

" as demarcações geopolíticas estabelecidas pelo Estado, o regionalismo, sob determinadas condições sócio-históricas, dá um significado peculiar ao espaço da região, reafirmando-o enquanto um referencial de identificação, região então se explica como um conceito que, fundado sobre um critério territorial – espacial e físico, portanto - , inclui um plano simbólico."(PENNA, 1992, p. 20)

 

Essas questões tratam-se de um conceito político vinculado aos interesses territoriais. Podemos perceber, que a região que é modelada por imposições objetivas da natureza e da sociedade e redefinida pelas imposições subjetivas das relações de poder, se define para seus habitantes no confronto com outras regiões e a identidade regional pode ser analisada por referências às outras. Assim, quanto maiores as diferenças, maiores os conflitos esperados e maior a explicitação da identidade regional entre diferentes segmentos do espaço de um mesmo território, com reflexos no sistema político. Regionalismo, portanto, supõe identificação e coesão internas e competição externa para a defesa de padrões e preservação ou obtenção de condições mais vantajosas.

Maura Penna fornece-nos, enfim, a perspectiva do regionalismo do ponto de vista político. A narrativa regionalista, como não poderia deixar de ser, nasce atrelada a questões políticas que marcaram o Brasil ao início ao século XX. Emerge em um período de intensas transformações políticas, inserindo-se num movimento de busca por elementos que servissem de base à formação de uma identidade brasileira. Nesse momento conturbado da história do Brasil – transição da Monarquia à República – faltava ao país uma identidade de povo e buscava-se uma interpretação que fosse capaz de fornecê-la. Silveira coloca o seguinte:

"A elaboração do estudo em torno de um espaço regional se originou da observação de algumas de suas características históricas mais marcantes. Trata-se do espaço mais antigo do país em termos de ocupação demográfica e econômica, disso resultado uma identidade objetiva, geográfica e cultural, diferenciada de outros espaços posteriormente ocupados, e mantendo sobre os mesmos uma hegemonia de praticamente ocupados, e mantendo sobre os mesmos uma hegemonia de praticamente três séculos. Essa identidade se consubstancia ainda, através de um longo processo, em um pensamento regionalista – forma de pensar as suas dimensões, limitações e relações – se não o mais arraigado, no entanto remanescente com bastante vigor no arcabouço mental brasileiro.[...] a caracterizaçãoda identidade regional em estado de crise e sua oposição a uma outra identidade espacial, o Sul do país. Em outras palavras, no discurso regionalista aparece explicitada como essência do próprio ser(em crise) do espaço regional "nordestino" a oposição (hegemônica) de um outro espaço regional."(SILVEIRA, 1984, p. 15 – 16)

Utilizando o raciocínio dos dois autores, poderíamos entender que o espaço nortista foi constituído numa tensão entre a estratégia inter-regional e a reafirmação da inscrição intra-regional, tensão esta que teria se inflectido na elaboração do discurso nortista, uma vez que sua estrutura narrativa articulou metáforas claramente opostas na busca de uma unidade de sentido. Em relação ao tema do espaço, por exemplo, as metáforas através das quais o Norte é descrito enquanto uma região superior às demais, seja em cultura seja em produção, convivem com metáforas que o identificam como um território abandonado ou permanentemente vitimado por acontecimentos naturais fora do seu controle. Do mesmo modo, o tema da identidade se compõe tanto por metáforas que fazem referência a valentia, capacidade de luta e a vontade de independência contra o colonizador, contra Palmares, contra o Governo Central, quanto pela uma generosidade e capacidade de convivência com as chamadas 'Províncias irmãs'. Portanto a semântica do discurso nortista ou pernambucanista evidenciaria uma retórica que conjuga a inserção diferenciada no espaço nacional com um sentido de arrumação regional preciso.

Através deste debate historiográfico, pretendemos observar que o sucesso desse discurso não se deu a despeito dessa tensão evidente na estrutura narrativa, mas porque essa tensão foi capaz de se articular com outras metáforas mais antigas que compunham um saber sobre o espaço cuja semântica era partilhada e compreendida tanto pelas elites que organizavam um espaço nacional centralizado no Rio de Janeiro quanto por aquelas elites que se tornariam agentes e recipientes da construção regional. Nesse sentido, entendemos que vários dos elementos utilizados na elaboração do discurso regionalista na década de 1870 já eram de uso corrente na linguagem sobre o espaço desde pelo menos vinte anos antes e serviam então para constituir certas representações que inscreviam o território e seus habitantes no espaço nacional. Contudo, esta inscrição não deve ser compreendida com tendo sido feita do centro do espaço contra sua periferia, mas, pela recepção da periferia no centro do espaço, pela coadunação de interesses e demandas. A inscrição do território e de seus habitantes no espaço nacional se deu, portanto, em meio de uma operação que também os instituía junto a uma simbolização das representações já constituídas.

No entanto, a região é um objeto constituído por uma realidade inquestionável, um referente de uma materialidade positiva e auto-expressiva. Na região existiriam problemas dignos de se tornarem preocupações de trabalhos de historiadores, mas ela mesma não seria um problema. Em conseqüência disto, podemos perceber que a região seria um dado facilitador para as necessárias demarcações e balizamentos espaciais requeridos pela pesquisa historiográfica dos próprios eventos históricos.Com esta perspectiva quer-se afirmar que o regionalismo não é negativo, e sim produtivo. Este discurso regionalista não impede que se veja a região, que ele faz ver o regional, e sim ele fabrica a região, não a esconde, encobre. Em contrapartida o regionalismo é o conjunto das práticas discursivas e não discursivas que funda uma região, o historiador do regional deve engajar suas práticas de escritura, de ensino, de militância política em torno do afundamento da região, de seu questionamento enquanto identidade cristalizada, fazendo-a habitar o tempo, fazendo-a aparecer em seu caráter contingente, acontecimental, eventual, causal. Ele deve tomar a região como elaboração material e lingüística, como construção imagético-discursiva, como resultado de práticas múltiplas.

Em contrapartida, a discussão sobre os regionalismos fazem parte dos inúmeros dispositivos inventados pelo mundo moderno para dividir, classificar e hierarquizar os homens, para melhor governá-los, explorá-los e dominá-los, ou seja, a região é uma das inúmeras formas de aprisionamento às quais a sociedade burguesa deu origem. A história pode ser o discurso que fabrica, mas pode ser o discurso que nos ajuda a simular e experimentar a possibilidade de vê-la de fora, de seu exterior um discurso que nos permita dela duvidar e dela se afastar, fazendo desta prisão em ruínas, muros escalavrados e nós, como a lesma, recuperarmos a liberdade de irmos nus e úmidos, permitindo traçarmos novos caminhos brilhantes. Segundo Rosa Maria Godoy Silveira, em seu trabalho "O regionalismo nordestino: existência e coexistência da desigualdade regional", aborda sobre a questão entre o "centro" e "periferia". Primeiramente trata-se sobre a visão das classes dominantes em relação às províncias de "Pernambuco" e "Paraíba" na segunda metade do século XIX, diante do impacto do processo modernizador Silveira faz os estudos regionais além de uma crítica historiográfica nordestina.

"Colocava-se como fulcro de preocupação dos intérpretes dualistas uma questão político – intelectual – a superação do desenvolvimento nos marcos de uma revolução burguesa.

As análises são unânimes na caracterização "dois Brasis": um arcaico, subdesenvolvido, localizado sobretudo no Nordeste agrário; outro moderno, identificado com o progresso e desenvolvimento, localizado no Centro-Sul industrial. A noção de centro-periferia, aplicada á interpretação das disparidades entre as nações, era transposta para as interpretações das desigualdades regionais internas ao país, sob uma perspectiva de interesses urbano-industriais, que consubstancia, destarte, uma segunda vertente historiográfica sobre o Nordeste, de feição liberal neoclássica.[...] O grande intérprete dualista foi Celso Furtado. A par dos estudos sobre a formação econômica e social do Brasil, preocupou-0 a caracterização da região Nordeste. Sua percepção do espaço regional é mais ampla, estabelecendo a sua inserção no conjunto brasileiro à luz dos parâmetros ideológicos dualistas, isto é, sob a perspectiva da etapa de revolução burquesa a ser alcançada como forma de superação não só do subdesenvolvimento brasileiro, mas, neste, o subdesenvolvimento do "Nordeste arcaico", de estrutura agrário-oligárquico, rotulada por alguns autores do período como feudal."( SILVEIRA, 1984, p. 29)

Segundo a historiadora Rosa Maria Godoy Silveira, o Nordeste brasileiro é fruto da forma como a atividade política e econômica regional se desenvolveu após a "grande seca", realizada frente à regionalização desencadeada pelo Estado Nacional. Em seguida o Nordeste foi engendrado pela necessidade desse modo de produção de gerar a desigualdade, numa combinação perversa de desenvolvimento e escassez, riqueza e pobreza sobre o sistema capitalista de produção. É neste aspecto que ela se interessou em analisar, intertextualizar, compartilhar esse processo a partir do discurso dos representantes políticos e dos proprietários de terra ante o período de crise, verificando a documentação produzida na "Paraíba" e em "Pernambuco", estados emblemáticos da representação do espaço regional na época. Para Silveira, o desequilíbrio regional vivido após a desvalorização geográfica e social dos estados do Norte vincula o Nordeste.

Ainda discorrendo sobre isto, Silveira enfoca ainda à conjuntura econômica no Brasil. A região Nordeste ficou com os sinais marcados no espaço geográfico em estado de crise e subdesenvolvimento. Enquanto a região Sul estabelece uma alta circulação monetária e um grande desenvolvimento comercial, o Nordeste por sua vez perde movimento de capital, mais sofre com a desvalorização de seus produtos no mercado, especialmente, no caso da economia nordestina, do açúcar. Sendo assim, no final do século XIX o discurso regionalista começa a ficar cristalizado o discurso das elites dirigentes que, na impossibilidade de outra inserção, buscam na presença constante da escassez, mantém os meios de recursos públicos que, em última instância, são por elas apropriados. Para Silveira, o discurso regionalista é uma,

"... a ideologia regionalista, tal como surge é, portanto, a representação da crise na organização do espaço do grupo que a elabora. Uma fração açucareira da classe dominante brasileira, em vias de subordinação a uma outra fração hegemônica(comercial-cafeeira), se percebe no seu lócus de produção e no relacionamento deste lócus com outros espaços de produção, de forma predominante aquele da fração hegemônica." (SILVEIRA, 1984, p.17).

É neste sentido que o discurso regionalista é um problema político, não por ameaçar, no extremo, a unidade nacional, mas por ser um elemento que, além de propiciar o desenvolvimento de preconceitos regionais, baseia sua análise da realidade a partir da discussão dos problemas sociais contribuindo para a compreensão das questões de classes e de gêneros, desviando a atenção dos verdadeiros focos dos problemas. A ideologia do regionalismo nordestino é identificada na produção cultural, tanto erudita como folclórica, que passa a operar dentro daquela função ideológica apontada acima. Outro ponto importante identificado no discurso e no comportamento político em "latu sensu" é justamente as manifestações culturais das classes, na criação e no desempenho das instituições "organicamente nordestinas" tais como "DNOCS", "Banco do Nordeste do Brasil", "IAA", "Sudene", e assim sucessivamente, e suas transformações "regionais", sendo feita a análise da maneira como se articulam os primeiros e como se harmonizam em interesses "regionais".

De acordo com as colocações da autora, pode-se afirmar que há uma certa necessidade de ir ao conceito de "Região" para chegar a uma conceituação de "regionalismo". Contextualizar o conceito da Geografia, e as suas autocríticas e críticas atuais. Neste conceito de "região" e de "região nordestina", podemos enfatizar e incorporar o critério argumentado por Rosa Maria Godoy Silveira em seu texto aqui citado questionando e criticando aquele seu critério, que não estaria tomando excessivamente por base uma situação contemporânea do Nordeste e do Brasil. É neste contexto que Silveira diz o seguinte:

"... A crítica historiográfica recai, pois, não no quantum se produziu sobre o Nordeste, mas na perspectiva do que se produziu. Advertidos disso, antes do que proceder a uma exaustiva avaliação da produção, nosso intuito foi o de avaliar as principais vertentes de análise da realidade regional, enfatizando as principais conotações dadas ao conceito de espaço, que acabaram por se constituir nas matrizes de linhas de interpretação do que se denomina atualmente Nordeste. Coerentes com uma concepção de que a ideologia regionalista foi produzida como resposta ao processo de intervenção do Estado no espaço regional, procuramos pensar na produção historiográfica(da e sobre a região) da mesma maneira, isto é, na sua relação com o processo histórico dos momentos em que surgiram as obras.

Uma primeira vertente teria vinculações – se não de autoria, mas de matrizes culturais – que denominaríamos oligárquicas. Seu discurso explícito recorta o processo histórico em dimensões formais, percebidas a partir da dimensão espacial ocupada por tais oligarquias, ou seja, a história é "estadualizada" e até "municipalizada".(SILVEIRA, 1984, p. 21)

Nesta citação acima, a ideologia da cultura nordestina tem em seu lugar na construção legitimadora para o estabelecimento e trânsito da categoria deste espaço chamado "Região", que transfigura-se até mesmo o nome chamado de Regionalismo. Podemos argumentar que o "Regionalismo Nordestino" na verdade, estaria em uma manifestação de "estadualismo" como no caso, o pernambucano. O fato de Pernambuco estar quase sempre aparecendo historicamente na liderança das articulações inter-estaduais da "região", tudo indica que a situação entre os demais estados nordestinos em termos econômicos, políticos e culturais, inclusive o domínio do Estado de Pernambuco com relação à área já foi fato incontestável.

A autora ainda procurou relatar a possível hegemonia de qualquer um estado, o projeto ideológico da "nordestinidade" apresenta-se no seu discurso "superando" os Estados individualmente, como também aparece "camuflando" e "amaciando" prováveis hegemonias, mas isto não vem interferir na construção ideológica do Regionalismo, e nem mesmo na presença de alianças estaduais, quer dizer, de alianças de classes eventuais. Silveira enfoca ainda que a "região" Nordeste tem determinado nível como significante de um referente que tem sido um conjunto de Estados. Esta complexidade se acentua ainda mais quando constatamos que o Nordeste como significante tem sua própria história, não existindo até princípio de meados do século XIX, e se reconhecendo e sendo reconhecido, sobretudo neste século. Como significado, a categoria "Nordeste" além de complicar substancialmente a discussão, vem a ser dentro desta cadeia de significação, o elemento mais importante para a análise do discurso ideológico aqui proposto.

A discussão sobre o referente vem inclusive subsidiar enormemente o esclarecimento da significação do significante "Nordeste". Por outro lado, por falta de uma metodologia de análise, e também por razões de ordem ideológica, a investigação sobre o significado da categoria significante, "Nordeste", que tem sido barrada, implicando de certa forma numa interdição do sentido desta categoria. Considerando, então, estas aceitações tão simplificadas têm escapado até a constatação de que o significado denotado do símbolo Nordeste possui uma "elasticidade ontológica" bastante acentuada. Em clave epistemológica pode-se perfeitamente afirmar que existe um deslocamento conceitual da noção de região, da noção de Nordeste.

Vale ressaltar, que o estudo da "região" Nordeste tem como o propósito de se analisar a expressão "ideológica do regionalismo", temos a considerar que é o "Regionalismo Nordestino" um fenômeno que tem recebido uma preocupação mais intensa e extensa em se justificar do ponto de vista teórico, e de maneira mais sistemática por seus ideólogos. É interessante observar que a manifestação do "Regionalismo Nordestino" existe em uma espécie de escritura mais "construída", o que implica no reconhecimento da necessidade da elaboração, e consolidou a existência e as aparições desta "região" e de seus atributos. É nesse ponto que a "Região" e atributos pertinentes que têm tido o efeito de diluir contradições econômicas, políticas e sociais, e de impedir o aprofundamento teórico da compreensão do Regionalismo Nordestino enquanto categoria ideológica cultural. Sobre a cultura ideológica da Região Nordeste Maura Penna aponta que:

"Entendemos que a identidade ideológica – cultural e a representatividade política que especificam o espaço como regional são "construídas" pelo regionalismo, são fruto de seu trabalho de "criação e sustentação de determinados significados sociais"(p.26). Dessa forma, a concepção de região respalda-se claramente no regionalismo, enquanto um "processo social"."(PENNA, 1992, p. 20).

A identidade cultural não está na condição de ser "nordestino", mas sim no modo como esta condição é apreendida e organizada simbolicamente. Percebe-se assim, que determinados enunciados audiovisuais se produziram e permaneceram como representações do Nordeste, como sua essência. É preciso questionar e criticar a própria idéia de identidade, que é concebida como uma repetição, uma semelhança de superfície. Porém, apesar desses estereótipos do Nordeste a ser propagados no contexto geral da indústria cultural e de massa. A expressão "Região Nordeste", possui significados muitos cristalizados que evocam uma série de imagens das características geográficas culturais, sociais e econômicas. Entre as primeiras, podemos citar elementos da paisagem que incluem desde o recorte litorâneo com suas praias e seus remanescentes coqueirais, até a paisagem mais seca do agreste e, sobretudo, a do sertão.

A segunda aborda respeito sobre o processo histórico da formação da Região Nordeste. Falar no processo histórico da formação do Nordeste significa ter presente que a região não existiu desde sempre e as concepções sobre suas características, sua delimitação geográfica sofreram mudanças ao longo do tempo. Isso significa, que a região não é a expressão direta de uma realidade geográfica, embora esta seja um importante determinante de sua existência. Em outras palavras, apesar de uma base geográfica relativamente imutável, durante um tempo bastante longo, não houve nenhuma percepção da existência de uma territorialidade denominada Região Nordeste. Isso não quer dizer que elementos de sua formação não tivessem já uma existência espacial, mas significa que não eram percebidos como parte de uma divisão institucional e geográfica denominada Nordeste. É nesse enfoque que Maura Penna afirma o seguinte:

"... "o que faz ser nordestino", partimos da premissa de que o Nordeste, hoje, "existe". Existe enquanto referencial disponível que auxilia a dar sentido ao mundo e às experiências de vida, no âmbito da sociedade brasileira. Este pressuposto é em si problemático, pois se tomarmos o Nordeste(ou qualquer outra região) como se configura no momento atual, juridicamente instituído, estarão sendo relegados todos os processos histórico-sociais que o tornaram "natural" e "real" para nós."(PENNA, 1992, p. 18)

A autora reporta-se que o "Regionalismo nordestino" progrediu com uma reação durante a decadência do Nordeste. Neste ponto de vista histórico, emergiu no século XX, junto com a industrialização no sudeste, mais do ponto de vista social, configurou-se como atitude política das elites regionais, nunca se desenvolveu entre a população, enquanto que no ponto de visa estratégico, caracterizou-se por reivindicar ajuda federal á região, sob a forma de obras públicas para empresas e produtos. O argumento central sempre foi à pobreza regional, geralmente associada ao fenômeno climático das secas. Vale ressaltar que o discurso regionalista e as respostas federais pariram o principal mito sobre a pobreza do Nordeste. Conforme Maura Penna, a existência de um jogo de reconhecimento, que serve, portanto, como referência para situá-los socialmente, para designar certa classe, enfim, identificar-se como cidadão. Identificação, na qual os homens estabelecem suas relações, capazes de forjar também uma identidade territorial. Neste contexto nota-se que além da identificação social, cultural e espacial do grupo, há a auto-atribuição do indivíduo. Sobre identidade territorial, Penna considera a existência de duas direções que configuram situações diferenciadas, tanto em termos de classificação como em termos de identidade. A primeira seria o reconhecimento pretendido e a segunda seria as classificações originadas na exterioridade do grupo, o modo como são reconhecidos pelos outros, que a autora denomina de alter-atribuição. Assim, para a autora, a identidade é resultado de duas definições: a externa e a interna. Ainda discorrendo sobre isto, Maura Penna coloca que:

"... estudar o regionalismo como um dado, um fato social(de cultura), o autor está de certa forma contribuindo para reativá-lo, reelaborando-o dentro da perspectiva de toda uma vertente da cultura nordestina – mais especificamente de toda uma produção formal regionalista que reforça a percepção da região como um conjunto "com perfil próprio".(PENNA, 1992, p. 36)

Na minha ótica, o "nordestino" fica fixado em dois pontos, a geografia e a diversidade que jamais negaria a própria idéia de "Nordeste". É aqui que a coisa complica. Reconheço que realmente existem na região cidades bastante diferentes, culinárias diferentes, sotaques diferentes, gírias e etc, mas o mais importante não é discutir como se constrói essa "identidade cultural". Arrisco a dizer que, mesmo tendo dificuldade de ver daqui essa "identidade" no cotidiano, como cearense, pernambucanos como nordestinos e assim sucessivamente, tenho a impressão de que aqui na região também se usa de modo estratégico uma idéia de "Nordeste".

Isto significa dizer que o regionalismo parte da mesma necessidade de fortalecimento mútuo de "iguais". Tal movimento será sempre político-econômico, mascarado de cultural. Ignoram-se as inúmeras nuances que podem existir numa determinada região para garantir uma coalisão plena entre os indivíduos que a compõe. Isso é força, isso é poder, e isso não acontece por acaso, mas é necessário projetos de larga escala, e estes realmente ocorreram em todo o país.

Em suma, não vejo problemas em existir uma "identidade do Nordestino", do "Sulista", etc. O ruim é as pessoas levarem os estereótipos aos extremos - como os exemplos dos textos de "Penna" como bem colocam, e assumir que "é tudo igual". Esse rolo compressor homogeneizador é que uma mazela, que perpetua a idéia de que o Nordeste é composto de miséria e ignorância, algo que integra grande parte do senso comum do Sul e Sudeste. Existem referências culturais que partes do Nordeste possuem em comum e isso é decisivo na construção dessa identidade cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

  • PENNA, Maura." Capítulo I – Examinando pressupostos: a região Nordeste". In.: "O que faz ser nordestino: identidades sociais, interesses e o "escândalo" Erundina".São Paulo: Cortez, 1992. pp. 17 – 48.
  • SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. " Introdução".: In.: O regionalismo nordestino: existência e consciência da desigualdade regional. São Paulo: Ed. Moderna, 1984. pp. 15 – 58.

Autor: Luciano Agra


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