O Uso do Paradeigma (Exemplum) por Menenio Agripa como Técnica de Persuasão no Episódio do Monte Sacro Relatado em Ab Urbe Condita por Tito Lívio – Um Breve Estudo de Caso



1 O potencial persuasivo das palavras

As palavras são reflexos da mente humana. A linguagem não apenas desempenha a função de comunicar aos outros dados, idéias, etc.. A linguagem também funciona como um ordenador de pensamentos e comportamentos, tanto para aqueles que a utiliza internamente (pensando com palavras, e falando consigo mesmo...) como para aqueles que a usam externamente, em relação aos demais que escutam dado discurso.

A estrutura da experiência subjetiva do ser humano se manifesta através da linguagem, e através dela podemos influenciar essa mesma estrutura nos outros e em nós mesmos.

Nossos pensamentos e recordações possuem um padrão. Quando mudamos este padrão ou estrutura, nossa experiência muda automaticamente.

Usamos nossos sentidos para explorar e mapear o mundo exterior, uma infinidade de possíveis impressões sensoriais das quais somos capazes de perceber apenas uma pequena parte. Essa parte que podemos perceber é filtrada por nossas experiências pessoais e únicas, nossa cultura, nossa linguagem, nossas crenças, nossos valores, interesses e pressuposições. Vivemos em nossa própria realidade, construída a partir de nossas impressões sensoriais e individuais de vida, e agimos com base no que percebemos do nosso modelo de mundo. Essa realidade é o campo de atuação do recurso retórico afetivo.

Todos nós possuímos filtros naturais, úteis e necessários. A linguagem é um filtro. É um mapa dos nossos pensamentos e experiências que está um nível abaixo da realidade. Se tomarmos como exemplo, a palavra "beleza". Para algumas pessoas têm lembranças e experiências, imagens internas, sons e sensações que os fazem entender o que significa a palavra. Outras pessoas terão lembranças e experiências diferentes e perceberão a palavra de outra maneira. Ambos os significados estão corretos, cada um dentro da sua própria realidade. A palavra não é a experiência que ela descreve, mas as pessoas lutam e às vezes até morrem acreditando que o mapa é o território.

Os processos de translação de estrutura profunda (como as imagens mentais, sons, sensações e outras representações sensoriais que estão armazenadas no nosso sistema nervoso) para estrutura de superfície (as palavras, sinais e símbolos que escolhemos para descrever ou representar a nossa experiência sensorial primária) caracterizam o ser humano. Nenhuma descrição verbal é capaz de representar completa ou acuradamente a idéia que ela está tentando expressar. Ainda assim, as descrições verbais, ou seja, a linguagem, é utilizada nesse sentido.

A linguagem modifica os meios pelo qual o pensamento age. Através da linguagem podemos apresentar certos pensamentos que correspondem a alguma coisa no mundo real como se estivessem ligadas, mesmo não havendo ligação alguma.

A palavra possui o poder de esvaziar conceitos, preencher lacunas, mudar crenças; possui a capacidade de estimular, de emocionar, de convencer e de fazer obedecer. " palavra é a mais poderosa droga estimulante usada pela humanidade", como dizia Rudyard Kipling.

É como se os pensamentos, emoções, sentimentos, crenças, desejos, etc. fossem o conteúdo de uma injeção, cuja a agulha é a linguagem. Ou como se as primeiras fossem a bala e a linguagem o revolver. No fim, não importa como a bala foi projetada, será o revolver que dará o poder à bala.

2A retórica como instrumento de manipulação das massas

A retórica, por sua vez, foi o primeiro corpo de técnicas e procedimentos criados no objetivo de influenciar a mente de terceiros.

Criada por volta do século V a.C., na Grécia Clássica, foi modelada pela primeira vez por sofistas que constatam um fato interessante: a impossibilidade de se alcançar o conhecimento da verdade. Górgias, um dos principais sofistas de seu tempo, afirmou, em seu Tratado do Ser, suas célebres teses cépticas: 1) Nada existe; 2) E se existe alguma coisa, é incognoscível. 3) E ainda que seja cognoscível, é incomunicável. Em outras palavras, nega a realidade, o conhecimento e a capacidade de se transmitir ambos através da linguagem.

Desse modo, a linguagem alcança apenas o domínio das representações da realidade, jamais da realidade em si. Isso significa que o discurso não pode comunicar a realidade das coisas, e qualquer comunicação do real é uma mera ilusão.

Essa ilusão, porém, para os sofistas, se tornou algo útil. O ser humano opera no mundo de acordo com ilusões de verdade. Como a relação entre falante e ouvinte é uma relação de coexistência ou de poder: persuasão, ameaça, súplica, sugestão, fingimento, submissão, etc., mas nunca de verdadeira comunicação, a força do discurso abandona a expressão e a comunicação e se relaciona com o convencimento.

De fato, pode-se afirmar que os sofistas foram, possivelmente os primeiros a teorizar sobre o poder da palavra e sobre sua influência nos assuntos humanos e sociais.

Com os sofistas se inicia a tendência a adaptar o discurso às predisposições do auditório. Ou seja, conhecer auditório para ajustar o discurso persuasivo a suas idéias, valores e necessidades. A partir dessas considerações e da instrumentalização do potencial de influência existente nas palavras para construir realidades ilusórias com valor de verdade, foi que nasceu a Retórica.

Foi desse modo que a Retórica se tornou a "arte de persuadir" e dos "modos de se conseguir alcançar essa persuasão".

No contexto histórico, a Retórica passou rapidamente a fazer parte do arcabouço político de oradores voltados para o poder público. Em Roma, por exemplo, investia-se muito mais em retórica do que em comércio.

Na época da república e expansão imperial romana, a retórica já se consistia mum instrumento poderoso para ganhar a simpatia das massas no jogo político. Nesse artigo, apresentaremos um estudo de um caso relatado por Tito Lívio, historiador romano do final do século I a.C., que descreve como o mero uso das palavras, mediante uma técnica de descrição retórica chamada "Paradeigma"/"Exemplum", um orador conseguiu convencer o povo revoltado a desistir de se opor ao senado.

3 Estudo de caso: O uso do Paradeigma (Exemplum) por Menenio Agripa como técnica de persuasão no episódio do monte Sacro relatado em Ab urbe condita por Tito Lívio

O uso da retórica com o fim de manipular as massas pode ser exemplificado por Tito Lívio, escritor do século I a.C., em sua obra historiográfica Ab urbe condita, em que narra um episódio em que a plebe, pressionada por problemas econômicos, políticos e sociais, separou-se da cidade e refugiado no monte Sacro, em um ato de secessão sem precedentes. Como conseqüência desta ação, reinava o pânico, tanto por parte do senado como da plebe.

Ante o perigo iminente de uma tragédia maior, os membros do senado decidem enviar um sujeito que garanta a volta da plebe e a oriente na direção desejada pelo por eles, e por isso escolhem o eloqüente retor Menenio Agripa.

Como primeira estratégia, esse retor possuía o captatio benevolentiae, o que assegurava seu prestígio diante do povo. Menenio estabelece uma relação emissor-receptor sobre a base de uma posição privilegiada do primeiro, quem fará uso de suas capacidades para obter o objetivo proposto.

Para que alcance os fins do senado, utiliza-se de uma narração baseada no "paradeigma", palavra grega que em latim se traduz por "exemplum", em que o narrador realiza um paralelismo entre a rebelião interna do corpo e a reação irada da plebe em contra do senado, de modo que induz a plebe a trocar de atitude.

A analogia funciona diretamente: os plebeus são os membros do corpo, o senado é o estômago; cada um cumpre uma função determinada, mas a função do senado é fundamental, pois alimenta todas as partes do corpo com o que nos dá a vida e a força, repartida por igual entre todas as veias depois de elaborá-la ao digerir os mantimentos.

A enunciação desta conclusão, a que se chega por comparação, implica que a distribuição de funções na sociedade romana responde a uma ideologia aristocrática e seletiva do poder político, que legitima a superioridade do Senado como órgão vertebrador do regime republicano.

Desse modo, o exemplum usado por Menenio vale não só por sua força persuasiva, porque mobiliza à ação, concretizada na "volta da plebe", mas também pelos efeitos concomitantes, por sua capacidade de criar novas condições de convivência e modificar as estruturas de pensamento.

Esse episódio legendário, o primeiro testemunho chamado pela literatura latina em que se dá conta da intervenção da eloqüência e do uso do exemplum como estratégia discursiva de argumentação política, tem conseqüências que vão além das pragmáticas. De imediato, a eficácia do exemplum evita um enfrentamento armado entre setores da sociedade e permite reconstruir uma rede social ao restaurar a convivência entre setores enfrentados da sociedade. Desse modo, é capaz de criar condições que modifiquem a realidade na mente de seus ouvintes.

Bibliografia

TITO LÍVIO. História de Roma (ab urbe condita) .Intr. trad. e notas de Paulo. F. Alberto. Lisboa: Editorial Inquérito. 1993.


Autor: Francisco Chagas Vieira Lima Júnior


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