Aprendi a Fazer da Morte Uma Grande Conselheira



Aos cinco anos de idade, me recordo que  acordava periódicamente no meio da noite chorando, corria para o quarto de  minha mãe e a abraçava aos soluções e ela já sabia o que havia ocorrido comigo: Eu havia sonhado que ela havia morrido.

 

Como sempre, ela me acalmava, abraçava, beijava e dizia “Algum dia eu terei que partir minha filha e você terá que aceitar, pois ninguém fica para semente”

 

Passaram-se os anos e este sentimento de medo da perda de minha mãe aumentava, pois a cada ano, eu a via mais velha e com a saúde mais comprometida.

 

Passava longas noites chorando muito e suplicando a Deus que me levasse tudo... até minha vida, mas nunca minha mãe, porque eu sabia que não sobreviveria (como realmente não sobrevivi).

 

Passaram-se os anos e eu vivia por ela, fazia e amava fazer tudo aquilo que ela gostava, que a fizesse sorrir, que a fizesse feliz e principalmente amava olhar para ela, sem nada dizer... somente idolatrar o ser que eu mais amava no universo.

 

Eu tenho certeza de uma coisa:  Houveram pessoas que foram tão amadas pelos seus filhos como minha mãe, mais amada do que ela foi... jamais!!!!

 

Seu retrato ainda está em todas as paredes de minha casa e de minha alma.

 

Faz nove anos e eu ainda choro de saudade, porque sei que jamais ninguém irá me amar como ela me amou e como eu a amei... mais do que a Deus... Sim, podem ficar assustados, achar impossível ou blasfêmia, a pura verdade é que amava minha mãe milhões de vezes a mais que o próprio Deus e nunca neguei isso a ele.

 

Fiz o possível e acredito que até o impossível para que ela ficasse ao meu lado... não tenho vergonha alguma de dizer que fui egoísta, que chantageei Deus e desafiei o Universo e faria tudo novamente sem o menor arrependimento, pois quando se ama como eu amei e ainda amo... não se tem limites, vergonha, orgulho, ego e até mesmo amor próprio. Se tivermos que nos arrastar por céu e mar, nos arrastaremos. Não importa o que tenhamos que fazer, só queremos quem amamos ao nosso lado.

 

Quando sua partida estava breve, tanto eu como ela sabíamos, nos fundimos mais, já não sabia onde começava uma e terminava a outra. O amor aumentou tanto a ponto de nem mais sabermos quem éramos, pois eu era ela e ela era eu.

 

Todos os recursos, orações, jejuns, súplicas e até mesmo meu sangue eu ofereci para que ela vivesse (lembrando-me do cordeiro de Deus) que ofereceu seu sangue para que nós pudéssemos viver como filhos de Deus que somos.

 

Quando enfim a triste noite chegou... eu não dormi, ela estava na UTI de um excelente hospital e eu durante a noite toda vi pequenas luzes pelo meu quarto que piscavam infinitamente e um vento forte soprava sobre minha janela.

 

O mais estranho é que senti uma enorme paz... e tive a certeza que ela viveria. Pela primeira vez em toda a minha existência, eu confiei incondicionalmente em Deus que ela viveria.

 

Ao amanhecer, meu irmão deu-me a notícia que ela já estava no cemitério para ser velada.

 

Troquei de roupa, não disse sequer uma única palavra e fui ao encontro dela.

 

Ao me deparar com “a minha própria vida”, “o meu tudo” dentro de um caixão... com a expressão de quem sofria tanto ou até mais do que eu.

 

Exatamente naquele momento... eu sabia que havia morrido e que era para sempre!!! (como realmente foi).

 

Debrucei-me sobre ela e ali fiquei durante 8 horas seguidas, conversando baixinho e dizendo que com ela iria toda a felicidade que um dia eu tive e que algum dia ainda poderia ter.

 

Que a partir daquele momento minha alma iria com ela e não importava o que os outros dissessem ao meu redor, ou o que pensassem e muito menos o que seria dali para frente, porque para mim não havia mais futuro algum.

 

No momento do sepultamento, embora muitos tentassem me impedir eu fui e disse que iria até o final...

 

No momento em que seu corpo desceu à terra e foi enterrada, eu disse e sabia que eu estava sendo enterrada juntamente com ela (como realmente fui).

 

Fechei todas as minhas bíblias, tudo que se referisse a Deus, fechei minhas portas, janelas, campainha, impedi que as pessoas falassem comigo e tranquei meu coração para o mundo.

 

Lembro-me de uma frase de meu irmão:

 

“Quando éramos crianças sempre nos disseram que o mundo acabaria no ano 2000, pois é, ele acabou para nós”.

 

Desafiei a Deus, ao Universo, a vida e tudo o que passasse pela minha frente ou pela minha mente...

 

Verbalizei em voz alta e de todo meu coração:

 

“A partir de hoje, assim como eu morri para você Deus, você também morreu para mim”.

 

Me negava a olhar para o céu e não ouvia, admitia ou aceitava quem falasse para mim no nome de Deus... a dor era profunda e a revolta maior ainda.

 

Pensava eu... “para você ela era somente um “caquinho” de gente (velha e doente), para mim, ela era minha vida”. Se você estivesse em meu lugar, saberia o que eu estou sentindo, entenderia o que realmente é um amor profundo e infinito, entenderia que nem o pior ser humano desta terra mereceria passar por tanta dor.

 

Eu o desafiei, exigi, mandei, ameacei e não o deixei em paz enquanto eu não tivesse todas as respostas que me consumiam a alma a cada minuto da minha miserável existência.

 

Me lembro, um dia ter visto jogado na rua um pedaço de isopor e eu senti uma profunda inveja dele... daria tudo para ser o que ele era, apenas um isopor sem dor, sem amor, sem nada... porque na realidade eu queria ser ABSOLUTAMENTE NADA. Amaldiçoei o dia em que nasci, a terra, o universo, Deus e tudo que havia.

 

Até que Deus finalmente me deu todas as respostas, uma a uma, não se importou e nem deu atenção as minhas ofensas, desamores, blasfêmeas, simplesmente me respondeu com a suavidade de um pai que entendia meu coração muito além de mim.

 

Nove anos se passaram, e de todas as respostas que recebi e toda a verdade que descobri, me fez entender que a morte foi a minha maior e melhor conselheira, se não houvesse ocorrido, eu jamais teria todas as respostas.

 

Hoje, realmente sei que fui enterrada juntamente com a minha mãe, pois nasceu um novo ser, uma nova alma, um novo entendimento, um coração mais sábio e com mais amor (o amor incondicional), e principalmente para que novas almas nasçam, muitas vezes as velhas precisam morrer.

 

Em todos os grandes trabalhos que realizo ou as conquista que tenho na vida, sempre em minhas dedicatórias vai sempre escrito.

 

Este trabalho, como tudo de maior e melhor que fiz em minha vida, dedico à minha mãe Dirce (in memorian), que foi, é, e sempre será a razão de todas as minhas lutas e, principalmente, de minhas vitórias.

“Aprendi a fazer da morte uma grande conselheira”  (a autora).


Autor: Sandra Regina da Luz Inácio


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