O PROCESSO DIGITAL E A INFRAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE
A Lei nº 11.419/2006 normatizou o processo digital alterando diversos artigos do Código de Processo Civil para que este se adequasse à evolução tecnológica e aos novos procedimentos processuais (1)
Achei tudo isso uma maravilha, pois poderia acessar processos de qualquer lugar do mundo, via internet, e poderia trabalhar ou atender clientes até mesmo em viagens.
Meu pensamento começou a mudar quando em 2004 me tornei professor orientador da prática jurídica da UFMT e iniciei a distribuição de alguns processos no Juizado Especial Federal de MT pelo Núcleo de Prática e os estagiários de direito começaram a me perguntar o porquê não tinham acesso aos processos virtuais, nem mesmo quando iam ao Juizado. Fiquei sem resposta!
No início de 2005 me dirigi até o Juizado Federal de MT e indaguei: qual a razão das pessoas não poderem ter acesso aos processos, sendo que todos os processos são públicos? Infelizmente ouvi dos servidores em tom sarcástico que o ali o princípio da publicidade havia acabado. Um absurdo! (2)
Após conversa com o juiz responsável foi me dito que o sistema ainda estava iniciando e que todos os problemas, certamente, seriam resolvidos.
O tempo passou e em 2007 implantou-se em MT o primeiro juizado especial virtual para causas cíveis, com o sistema PROJUDI desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que nos próximos anos deverá ser utilizado para todos os processos em todo o Brasil.
Após a implantação do Processo Judicial Digital – PROJUDI (3), cadastrei-me para efetivar os peticionamentos e defesas via internet e me deparei com o mesmo problema enfrentado anos atrás na Justiça Federal, neste caso, eu só tinha acesso aos processos onde era parte ou advogado.
No início de 2008 fui a uma reunião na OAB com o magistrado responsável pelo PROJUDI em MT onde a principal indagação foi sobre a restrição de acesso aos processos virtuais pelas partes e principalmente advogados, sendo a síntese do encontro esboçada abaixo:
“A expectativa do Poder Judiciário é digitalizar em cinco anos todas as Varas do Estado. “Nós sempre criticamos o Judiciário que vivia com capas de processos antigos, rasgados, enrolados em barbantes, mas e agora? Como elaborar uma petição inicial sem manusear o processo? Qualquer pessoa poderá ter acesso ao processo virtual? Se assim for, será ótimo, porque ainda convivemos com magistrados que impedem o advogado de ter acesso aos autos”, disse Faiad.
Esses questionamentos que preocupam a Ordem dos Advogados de Mato Grosso foram detalhadamente explicados pela supervisora de Informática do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Renata Guimarães Bueno Pereira e pelo titular do Juizado Especial Cível do Planalto, Yale Sabo Mendes. “Mato Grosso deu entrada no fim da era de papel. O processo judicial virtual veio para trazer mais celeridade e transparência na Justiça. Ele quebra oito etapas, desde o protocolo da petição inicial até o despacho”, disse Renata.
Com relação à publicidade dos processos virtuais, Renata Pereira, afirmou que tanto os advogados, como as partes terão acesso ao processo da forma como ele está disponível hoje. “O advogados e as partes poderão acompanhar o andamento do processo, mas somente aqueles que estão cadastrados com senha, terão acesso aos documentos” explicou” (4)
NA VERDADE O QUE OCORRE NOS PROCESSOS DIGITAIS É QUE A DESPEITO DE SE ESTAR CADASTRADO, VOCÊ SÓ TEM ACESSO AO PROCESSO EM QUE É PARTE, NOS DEMAIS, SEU ACESSO É IMPEDIDO.
O principal motivo deste artigo é minha revolta na criação de um sistema de processos virtuais, sistema este criado pela própria justiça, que viola princípios básicos da democracia de ampla liberdade e fiscalização, e preceitos e disposições expressas tanto em nossa Lei Maior como no Código de Processo Civil.
A razão principal do Princípio da Publicidade valer para todos os órgãos públicos e para o Judiciário é que os legisladores ao elaborarem nossa Carta Magna sabiam que o ser humano evita fazer atitudes impensadas ou erradas quando fiscalizado. Imagine o que um julgador pode ser tentado a fazer se a população ou outros advogados não tiverem acesso aos processos e aos documentos? Aqui reside meu maior medo, o da arbitrariedade dos julgadores sem fiscalização, sem a atenção ao Princípio Constitucional da Publicidade. (5)
Segue abaixo o que dispõe nossa Constituição Federal:
“Art.5º (...)
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”
“Art. 93 (...)
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”
Nosso Código de Processo Civil assim se expressa em atenção ao Princípio da Publicidade:
“Art. 155 - Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I - em que o exigir o interesse público;
II - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. ”
A LEI SÓ IMPÕE RESTRIÇÕES AO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE NAS HIPÓTESES DE INTERESSE PÚBLICO E EM RELAÇÕES DE FAMÍLIA, RESTRIÇÕES ESTAS MUITO JUSTAS. FORA DELAS TODA E QUALQUER RESTRIÇÃO A PROCESSOS JUDICIAIS É INCONSTITUCIONAL.
O Poder Judiciário tem o “dever de disponibilizar os seus julgamentos. Tanto os acórdãos dos tribunais como as sentenças dos juízes. A dificuldade de acesso à jurisprudência desrespeita o direito de acesso à informação. Trata-se de omissão que afronta um punhado de princípios constitucionais, não se podendo afirmar que se viva em um Estado Democrático de Direito, quando um dos poderes da República não dispõe de transparência.” (6)
Importante ressaltar os benefícios trazidos pelo processo virtual, principalmente, os da celeridade e da economia processual, mas esses benefícios, por maiores que sejam não podem solapar garantias constitucionais dos cidadãos (7) e, principalmente, não podem deixar de lado preceitos constitucionais e legais.
Não se quer peticionar em todos os processos, isto deve ser feito somente pelas pessoas habilitadas nos autos, o que se quer é que seja respeitado o direito das pessoas à informação e à transparência. O que sempre ocorreu nos processos físicos, deve também ocorrer nos processos virtuais.
Referências:
(1) Foram alterados os seguintes artigos do Código de Processo Civil:
"Art. 38. ...........................................................................
Parágrafo único. A procuração pode ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica." (NR)
"Art. 154. ........................................................................
Parágrafo único. (Vetado). (VETADO)
§ 2o Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei." (NR)
"Art. 164. .......................................................................
Parágrafo único. A assinatura dos juízes, em todos os graus de jurisdição, pode ser feita eletronicamente, na forma da lei." (NR)
"Art. 169. .......................................................................
§ 1o É vedado usar abreviaturas.
§ 2o Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletrônico, os atos processuais praticados na presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes.
§ 3o No caso do § 2o deste artigo, eventuais contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente no momento da realização do ato, sob pena de preclusão, devendo o juiz decidir de plano, registrando-se a alegação e a decisão no termo." (NR)
"Art. 202. .....................................................................
§ 3o A carta de ordem, carta precatória ou carta rogatória pode ser expedida por meio eletrônico, situação em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei." (NR)
"Art. 221. ....................................................................
IV - por meio eletrônico, conforme regulado em lei própria." (NR)
"Art. 237. ....................................................................
Parágrafo único. As intimações podem ser feitas de forma eletrônica, conforme regulado em lei própria." (NR)
"Art. 365. ...................................................................
V - os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestado pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem;
VI - as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.
§ 1o Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no inciso VI do caput deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o final do prazo para interposição de ação rescisória.
§ 2o Tratando-se de cópia digital de título executivo extrajudicial ou outro documento relevante à instrução do processo, o juiz poderá determinar o seu depósito em cartório ou secretaria." (NR)
"Art. 399. ................................................................
§ 1o Recebidos os autos, o juiz mandará extrair, no prazo máximo e improrrogável de 30 (trinta) dias, certidões ou reproduções fotográficas das peças indicadas pelas partes ou de ofício; findo o prazo, devolverá os autos à repartição de origem.
§ 2o As repartições públicas poderão fornecer todos os documentos em meio eletrônico conforme disposto em lei, certificando, pelo mesmo meio, que se trata de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou do documento digitalizado." (NR)
"Art. 417. ...............................................................
§ 1o O depoimento será passado para a versão datilográfica quando houver recurso da sentença ou noutros casos, quando o juiz o determinar, de ofício ou a requerimento da parte.
§ 2o Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o do art. 169 desta Lei." (NR)
"Art. 457. .............................................................
§ 4o Tratando-se de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2o e 3o do art. 169 desta Lei." (NR)
"Art. 556. ............................................................
Parágrafo único. Os votos, acórdãos e demais atos processuais podem ser registrados em arquivo eletrônico inviolável e assinados eletronicamente, na forma da lei, devendo ser impressos para juntada aos autos do processo quando este não for eletrônico." (NR)
(2) “Acesso às Peças do Processo
Indubitavelmente, o maior problema trazido pelo processo virtual diz respeito ao acesso dos advogados às peças processuais, que hoje pode ser feito exclusivamente pela internet. Essa condição traduz sério entrave aos serviços da militância, pois o acesso é difícil, requer cadastro e o sistema encontra-se constantemente congestionado. Outrossim, tal situação fere diretamente o princípio da publicidade dos atos judiciais, ao ponto que inviabiliza a vista dos autos por pessoas que não fazem parte de algum dos pólos processuais.”
Artigo completo sobre os benefícios e dificuldades do processo virtual na justiça federal no site:
http://www.atep.adv.br/index.php?option=com_letterman&task=view&Itemid=58&id=5
(3) Processo Judicial Digital - PROJUDI
O processo judicial digital, também chamado de processo virtual ou de processo eletrônico, pode ser definido como um sistema de informática que reproduz todo o procedimento judicial em meio eletrônico, substituindo o registro dos atos processos realizados no papel por armazenamento e manipulação dos autos em meio digital.
(4) Íntegra no site: http://www.arquivar.com.br/espaco_profissional/noticias/mercado-tecnologia/oab-teme-restricao-do-principio-da-publicidade-no-processo-judicial-virtual
(5) São “manifestações do “devido processo legal” o princípio da publicidade dos atos processuais, a impossibilidade de utilizar-se em juízo prova obtida por meio ilícito, assim como o postulado do juiz natural, do contraditório e do procedimento regular” (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.33)
Ressalte-se que o a importância do princípio da publicidade é tão grande e importante que é aplicado a toda a administração pública brasileira e utilizada em todos os países democrático do mundo.
Já é clássica, quase bíblica a instituição dos princípios que devem reger a administração pública, estampados no sempre citado artigo 37, caput, da nossa Constituição Federal.
Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (rol sedimentado com a redação dada pela Emenda Constitucional 19/98). PARECE QUE SOMENTE O JUDICIÁRIO NÃO ESTÁ SEGUINDO ESSE PRINCÍPIO!
(6) Artigo “ALÉM DE CEGA, MUDA”: http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=13927
(7) o direito ao acesso a qualquer processo é ainda garantido pela Lei Federal Nº à todos os Advogados, lei esta ferida pela restrição de acesso às petições e documentos dos processos virtuais para os que não são parte das ações.
(8) DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIO
" Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo".
(MELLO, Celso Antônio Bandeira. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 230.)
Autor: Alessandro Fonseca
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