A ORGANIZAÇÃO DA LINGUAGEM E AS PROPRIEDADES FRACTAIS DO SOM



É sabido que toda linguagem possui um principio organizador intrínseco às suas estruturas e que a torna possível como elemento racionalizante, cognoscível e, por outra mão, diferencia-na, torna a linguagem um fato singular, seja por sua proposta de códigos, seja pela energia carregada ou mesmo pelo seu poder de significação da realidade. Pensando dessa forma há como medir essa singularidade, como tornar palpável a singularidade da língua, atentando para o modo como ela está estruturada no espaço. Assim é possível classificar as diferentes linguagens quanto a suas complexidades e suas estruturas históricas. Para tal construto faz-se o uso da Teoria do Caos e da Geometria Fractal, onde nas ultimas décadas se presenciou uma crescente difusão destas, seja por suas implicações práticas seja por pesquisas cientificas que as usam como elementos fundantes de novas teorias sobre o comportamento de diferentes sistemas naturais ou sociais.

O conceito técnico de caos remete à idéia de um sistema dinâmico cujo comportamento é aparentemente aleatório e imprevisível, mas que obedece a regras restritas e cognoscíveis. Essa aleatoriedade aparente é garantida pela dependência sensível às condições iniciais onde a evolução temporal do sistema impede qualquer previsão razoavelmente precisa quando se mede seu estado num intervalo de tempo consideravelmente longo, isso ocorre devido a não linearidade deste e também porque pequenas perturbações sejam elas inerentes ao sistema ou externas, influenciam-no consideravelmente. Pequenas perturbações somadas a outras também pequenas podem gerar grandes efeitos (TURCOTTE, 1997).

A Teoria do Caos é uma abertura da ciência às possibilidades, aceitando a idéia de que ordem se encontra profundamente arraigada à de desordem (BRUSEKE, 1994). Não se pode afirmar categoricamente a importância do comportamento ordenado como sendo mais crucial que o desordenado, como se observa a evolução temporal de um sistema, explicitando um comportamento regular podendo tender ao caos, bem como sistemas caóticos podem se estabilizar num estado mais ordenado (LORENZ, 1996). Então as noções de ordem e desordem são apenas dois estados distintos entre os muitos estados possíveis, identificados, rotulados, classificados a partir de elementos subjetivos e culturalmente pré-estabelecidos.

A Geometria Fractal é o suporte geométrico da Teoria do Caos. Da mesma forma como a Ciência Clássica faz uso da Geometria de Euclides a Teoria do Caos está para a Geometria Fractal.

Os conjuntos fractais são usados para modelar uma infinidade de fenômenos naturais tais como os movimentos erráticos das moléculas na superfície de um fluido, os autômatos celulares que possivelmente favoreceram a origem do universo, o modo como os ruídos estão dispersos num sinal (MANDELBROT, 2000); a forma como as galáxias estão distribuídas no universo, a turbulência, as ramificações, as agregações, os ruídos elétricos, fenômenos econômicos e sociais (ORTIZ, 2000). Alem disso ainda podem ser usados no estudo dos cursos dos rios, na deposição de reservas naturais, de alguns eventos biológicos, de composições musicais ou mesmo na análise lingüística (PEAK. 1994).

Pode-se conceituar os fractais como sendo um conjunto compacto de pontos num espaço métrico obedecendo a alguns requisitos tais como:

  • Ser obtido por um conjunto de regras de transformação de coordenadas como ampliações, reduções, rotações, translações ou estrangulamentos. Isso é possível usando uma função iterativa caracterizada pela não linearidade, devido a um processo recursivo de retro-alimentação.
  • Ser auto semelhante, isto é, apresentar todos os seus elementos semelhantes ao conjunto total (encarado como o gerador ou iniciador do conjunto), sendo réplicas deste reduzidas por um fator de escala.
  • Apresentar dimensão de Hausdorrff-Besicovith não inteira. Essa dimensão é uma medida quantitativa de quão irregular é o conjunto fractal, apontando para uma propriedade intrínseca a estes conjuntos que é sua eficiência na ocupação do espaço disponível, o modo como sua energia é dispersa, e como as rugosidades do sistema são organizadas ao longo do espaço.

Os conjuntos fractais quebram a intuição matemática ocidental construída nos moldes da geometria euclidiana, posto que tornam possível a existência de conjuntos matemáticos bastante intrigantes. Como exemplo há o conjunto de Cantor onde se apresenta uma quantidade infinita de pontos desconexos, mas não chega a formar uma reta embora ocupe uma parcela considerável do espaço, não podendo ser encarado como um ponto; logo se espera que a sua dimensão fractal esteja compreendida entre um e zero. Outros conjuntos como o floco de neve de Koch, o tapete e o quadrado de Sierpinski têm como geradores figuras planas bidimensionais, que por causa das sucessivas iterações apresentam área total tendendo a zero e o perímetro tendendo ao infinito. Nesse sentido, espera-se a obtenção de dimensões fractais entre dois e três.

(FALCONER, 1990, p.xiv)

Embora as qualidades fisiológicas do som sejam fisicamente mensuráveis, é observado uma ausência de critérios ou mesmo de ferramentas objetivas e quantitativas que podem ser usados na análise de composições musicais. Há apenas os critérios usados por um certo crítico, embora justificável e compreensível por sua experiência sócio-histórico, não é, num certo sentido, aceitos por outro crítico que não tenha compartilhado de alguma forma dessa experiência; embora eles sejam compreendidos, são encarados como uma arbitrariedade para tal fim.

A música ocidental possui uma limitação de possibilidades de combinação de freqüências, mesmo com a possibilidade física de infinitas freqüências sonoras, restringindo ao passo que torna possível a construção e análise de peças musicais repletas de plástica e poder de sensibilizar as pessoas. As combinações de freqüências e de fórmulas rítmicas parecem saturadas aos olhos dos críticos musicais, mesmo assim ainda há a ocorrência de novidades estéticas.

A análise musical tradicional está centrada na análise dos motivos e da harmonia, mas há também a possibilidade de olhar para todas as estruturas padronizadas que singularizam a música ao passo que as torna classificáveis num todo bem estruturado, hermético e que a identifica: a teoria musical. Esses elementos padronizadores, aliados a uma noção elementar da dinâmica dos fluidos e da produção do som, fornecem um subsídio para se aceitar a música, ou mesmo a língua falada como um sistema dinâmico complexo guiado por regras deterministas e que por motivos ainda não bem elucidados agradam ou causa ojeriza no receptor do discurso (MANARIS, 2000). Mesmo a voz humana pode ser encarada como um sistema dinâmico cuja dimensão fractal pode quantificar a fragmentação do sinal produzido no momento da fonação (MARAGOS, 1999).

Pesquisas recentes mostram que toda linguagem pode ser modelada a partir de uma distribuição de probabilidades, e uma grande parcela dos modelos de distribuição apresenta características fractais (TURCOTTE, 1997). Encarando a música como linguagem, pode-se estudar as propriedades fractais dos tons, das durações, dos intervalos, dos acordes, dos movimentos, dos motivos, dos volumes, dos timbres e da dinâmica de uma dada música; obtendo assim uma dimensão fractal para cada estrutura, o que torna possível uma análise quantitativa destas.

Ainda não é sabido se as estruturas encontradas analiticamente são lingüisticamente importantes, mas esse campo de pesquisa e muito recente. Agora é inegável a necessidade de reavaliação da idéia de arte, em especial da música, e das convicções ocidentais sobre os fenômenos naturais. Pensar a correlação entre as diferentes estruturas musicais a partir da Geometria Fractal permite a análise qualitativa, quantitativa e complexa destas, mas não uma análise completa (BERAN, 2004).

Em toda comunicação há um ruído: uma interferência no processo comunicativo que distorce, ou diminui a intensidade da informação a ser transmitida, comprometendo a sua inteligibilidade. Um ruído é um erro de transmissão de uma informação.

Há vários métodos de se fazer uma medida de dispersão de um sinal que contém uma informação. Em alguns deles há uma explícita referência aos conjuntos fractais onde os ruídos são distribuídos em diferentes escalas com um expoente invariante, conhecido como parâmetro de Hurst, o análogo à dimensão fractal do evento em questão.

Um estudo sistemático da distribuição dos ruídos permite classificá-los em diferentes categorias: randômicos, persistentes e anti-pesistentes, ou em ruído branco (white noise), ruído marrom (Brown noise) e ruído rosa (pink noise).

Um ruído persistente interfere no processo comunicativo, mas não impede aconvergência da informação para um estado esperado. Nesse tipo de evento a comunicação depende fortemente da freqüência do sinal a ser transmitido. Já o ruído anti-persistente representa um evento intermediário entre a persistência de informações repetidas e um excesso de informações novos, há um balanço sutil entre as novas informações e as já emitidas. Já para os ruídos randômicos, os sinais sucessivos não possuem correlação sendo que o evento apresenta muitas informações inéditas.

De acordo com o parâmetro de Hurst, os eventos podem ser classificados como ruído branco, ruído marrom e ruído rosa. O ruído branco é anti-persistente e a intensidade do sinal é a mesma para todas as freqüências. O ruído marrom é bastante persistente e o sinal é o mesmo para as diferentes freqüências. Já o ruído rosa é anti-persistente, mas possui uma quantidade de informação possível de ser compreendida.

Para alguns cientistas, a trama da existência humana se desenvolve num cenário recheado de eventos de ruído rosa, um intermédio entre os dois extremos tão temidos ao mesmo tempo são os possibilitadores da existência de beleza, plástica, novidade e tragédias, sustos, pondo o humano frente ao medo do futuro, tão certo e imprevisível, o fascinante causador da repulsa.

Na segunda metade do século XX foi percebido que o espectro de energia característico de um ruído é idêntico ao da música. A parti daí creu-se na idéia de os ruídos poderem gerar padrões musicais tão complexos quanto os das músicas geradas por compositores inspirados (PEAK, 1994); assim como as músicas tradicionais também podem gerar ruídos. Há uma correlação onipresente nas músicas tradicionais a qual permite uma medição quantitativa da relação entre ordem e desordem, novidade e repetição.

A Geometria Fractal, além de tornar possível essa medida quantitativa, em um sentido estrito, da criatividade contida na música, também favorece a construção de músicas idênticas às tradicionais, usando para isso apenas uma função matemática cujo conjunto imagem não é representado por um conjunto numérico, antes os resultados podem ser representados por um conjunto de notas musicais. O uso de algoritmos matemáticos em produções artísticas não é um fenômeno inédito, muitos compositores e outros artistas já utilizaram-nos. O inédito é o fato de que as músicas geradas por tais métodos desafiam a percepção ocidental (ORTIZ, 2000 & WALKER, 2008).

As músicas conhecidas como expressões singulares do mundo ocidental apresentam o mesmo espectro de freqüência, por mais diferentes formatos em que se manifestam. A música ocidental é um evento de ruído rosa e as de um dado período literário, assim como talvez toda a sua produção artística, têm a mesma dimensão fractal (BULMER, 2000). A análise de 220 músicas, atentando para os seus mais diversos padrões composicionais, de todos os estilos possíveis como música barroca, clássica, romântica, impressionista, moderna, jazz, pop, rock, punk; todas apresentaram dimensão fractal entre 0,7864 e 0,8594, corroborando a percepção música como um ruído rosa (MANARIS,2002).

Embora a predominância do evento seja o ruído rosa, o espectro do ruído característico do sinal musical pode se aproximar de uma seqüência randômica ou monótona. Uma música caracterizada por uma excessiva repetição de seus padrões, como o uso de clichês, ou sucessões de notas baseadas em escalas musicais largamente usadas, de modo a tornar essa composição pouco interessante após um pequeno intervalo de tempo (BERAN, 2004); é muito próxima de um evento de ruído marrom, conhecida como música browniana (PEAK, 1994 & BULMER, 2000), do inglês Brown, originado do movimento browniano, muito associado a esse espectro de freqüências.

Pode-se pensar essas músicas monótonas como composições onde se usam três acordes (fundamental, quarta e quinta) ou mesmo com um conjunto bastante restrito de combinação de elementos diferentes. O uso das notas em algumas músicas busca um efeito de combinação linear das freqüências sonoras, como, por exemplo, a formação de uma tríade (fundamental, terça e quinta) ou de umas cadências (perfeitas, plagais, imperfeitas ou interrompidas). Outra possibilidade é pensá-las como uma escala musical ou uma sucessão de notas facilmente identificável ou como as músicas baseadas na tradição oral como o folk, o country ou o repente. Isso ocorre talvez pela relativa facilidade de se abstrair as informações nelas contidas.Em contraposição à música browniana há a música randômica criada a partir de um padrão sem nenhuma regra explícita de combinação de seus elementos lingüísticos. Esse tipo de música não é muito valorizada pela cultura ocidental uma vez que não contém um padrão perceptível à primeira vista, facilmente classificável; os elementos norteadores de sua evolução temporal. Dessa forma ela é encarada simplesmente como um ruído, um som que não carrega nenhuma informação musical. Nesse contexto as músicas atonais, as com batimentos diversos, com inúmeros compassos temporalmente singulares e com todas as possibilidades de durações de notas; figuram como maiores expositores dessa realidade. A estranheza da música randômica está no fato de esta conter um número excessivo de informações diferentes em um curto intervalo de tempo.

Na fronteira entre os extremos de música de alta energia e o de baixa energia, se encontra a música dita de qualidade, ou a música de fato, um elemento flutuante entre a monotonia e a surpresa, entre o aleatório e o previsível. Um complexo e agradável conjunto de elementos diversos que se agregam na busca de coerência e beleza (ORTIZ, 2000).

Ampliando o campo de ação, usando como ferramenta a Geometria Fractal, é possível não só classificar as músicas de acordo com a energia que carregam, como também produzir música a partir do ruído. Esse tipo de composição é conhecido como música fractal, conseguida pela projeção do comportamento de um sistema dinâmico com propriedades fractais num espaço sonoro com características musicais (ORTIZ, 2000). Em geral usa-se as idéias como a auto iteração, a auto semelhança ( a repetição de alguns elementos em diferentes níveis de magnificação) e eficiência na ocupação do espaço (SCRIVENER, 2000).

O ruído gerador da música fractal é conseguido pelo uso de um algoritmo matemático manipulável, seja por um computador, seja por um sujeito dotado de alguns instrumentos bastante simples como régua, lápis, dado e papel.

Nos computadores são usados algoritmos capazes de determinar a seqüência das notas que farão parte da composição ou os que produzem ondas sonoras com diferentes formatos e diferentes freqüências. O uso de sons sintetizados a partir da Geometria Fractal grassa as fronteiras para a exploração de um novo território composicional, e uma nova proposta estética, posto que permite a produção de timbres característicos de instrumentos musicais virtuais, sem existência material, bem como pode gerar faixas de freqüências ainda não são concebidas pela musica ocidental tradicional. Nesse sentido, um programador, ao usar esse tipo de algoritmo a exemplo de um luthier constrói novos instrumentos, algoritmos matemáticos, capazes de criar sons inéditos ainda a serem utilizados musicalmente (MONRO, 2000).

Entretanto, como essa classe de algoritmos foge do padrão da música ocidental, do espectro do ruído rosa, músicas compostas a partir deles não agradam muitos os ouvintes, não há beleza. Ora a beleza encontrada em algumas composições pode ser apenas um aspecto da percepção humana. Um algoritmo processado por um computador não pode produzir uma peça com significação de beleza como as obras de Mozart, mas consegue fazer obras tão complexas como essas. A noção de beleza é um produto cultural, educacional e talvez até com matizes biológicos (MANARIS, 2002)

Peak traz uma interessante especulação sobre como se está condicionado a perceber alguns fenômenos a partir do ruído rosa:

A excitação é o nível de motivação emocional. A emoção está excitada quando ocorre uma elevação no seu nível de ativação maior que o normal. Assim, a quantidade de informação transmitida num estimulo é um fator capital para o nível de excitação. Para algumas pessoas um estímulo pode conter uma grande quantidade de informação produzindo uma emoção excessiva e, por isso, desagradável. Já estímulos familiares ao sujeito podem provocar emoções de pouca intensidade porque não trazem uma quantidade considerável de informação. Então alguns estímulos são comparados com o estado presente de adaptação do sujeito, sendo uma medida da expectativa do sujeito em receber um estímulo especifico. Em relação a esse estado de adaptação, pequenas diferenças no estimulo podem gerar efeitos positivos na interpretação do estímulo e grandes discrepâncias contribuem de modo negativo (PEAK, 1994).

Talvez esse seja um motivo para a estranheza sentida, ao se ouvir músicas não ocidentais ou gerada por algoritmos de sínteses digitais. A música é um sinal sonoro que transmite diversas informações para o ouvinte e a sua dimensão fractal pode quantificar o grau de fragmentação desse sinal. A informação contida numa composição pode ser entendida como a Entropia de Shannon, uma medida da coerência da informação (PEAK, 1994) (BERAN, 2004).

Para músicas brownianas a entropia da informação tende a zero uma vez que há forte correlação entre seus padrões, fato que não provoca novidades na composição. Por outro lado, a música randômica possui entropia máxima, pois como não há correlação, cada parte da composição traz novas informações. Já para a música tradicional ocorre um equilíbrio entre o valor da auto-correlação e o da entropia da informação de Shannon, evidenciando que essa música é uma mistura de ordem e caos (BERAN, 2004).

Segundo Ortiz, para serem aceitos a maioria dos programas computacionais usados para gerar música fractal precisam seguir alguns princípios tais como:

·Embora o ouvido humano seja capaz de perceber uma quantidade infinita de freqüências compreendidas entre 20 a 20000 Hz, a música ocidental é construída por um conjunto discreto e finito de notas: "utiliza uma pequena fração de cerca de 90 sons distintos (diferentes alturas de som)" (BARROSO, on line).

·Mesmo que o ouvido humano possa perceber uma dezena de oitavas, a maior parte dos programas usa apenas um pequeno conjunto destas.

·A música fractal usa apenas algumas propriedades dos conjuntos fractais, caso usasse todas, a música seria bastante complexa e infinita.

·É necessário que as composições sigam um processo de ordenação de modo a serem compreensíveis e interessantes. Músicas com padrões desconhecidos são pouco interessantes.

Esses programas usam em geral equações determinísticas não lineares, de modo recursivo. A dinâmica do padrão escolhido é garantida fazendo variar os parâmetros de controle da equação em questão. Os parâmetros de controle de uma função garantem a possibilidade de o evento analisado apresentar os três tipos de comportamentos, randômico, periódico e quase periódico. Dessa forma o nível de caos presente no evento é proporcional aos parâmetros de controle da função que o modela. Toda equação não linear pode apresentar comportamento randômico, persistente e anti-persistente. As composições fractais usam a variação dos parâmetros de controle para gerar as peças musicais.

Uma outra maneira de se produzir uma música fractal pode ser conseguida a partir do uso de uma função iterativa que pode fornecer dados a serem utilizados musicalmente. Pode-se usar um dado, uma régua, uma caneta e uma pauta. Cria-se um conjunto de regras a serem seguidas tais como:

i.Marque três pontos co-planares, mas não pertencentes à mesma reta e marque um ponto inicial.

ii.Use um dado, atribua alguns valores da face do dado a cada um dos pontos marcados no plano do papel.

iii.Lance o dado e trace uma reta entre o ponto inicial e o ponto resultante do lançamento do dado

iv.A dois terços do ponto resultante marque um novo ponto inicial e prossiga a iteração indefinidamente.

Os procedimentos seguidos geram um conjunto fractal conhecido como Triângulo de Sierpinski. O interessante desse conjunto de regras conhecido como Jogo do Caos, é que a escolha do ponto inicial não altera a estrutura global do conjunto fractal e também o conjunto de regras específicas geram um único conjunto fractal (PEAK, 1994). O jogo do Caos é uma maneira relativamente simples de se produzir imagens fractais, não sendo necessário o uso de equipamentos modernos para construí-las. Fazendo variar as regras podemos produzir uma infinidade de fractais.

Ao invés de seguir o último passo do processo acima citado pode-se usar três intervalos musicais (escalas, acordes ou notas) e atribui-se para cada um deles dois possíveis valores do dado e assim criarmos um espaço musical. É dessa forma que a maioria dos programas geradores de música fractal opera.

Essa composição criada a partir do triângulo de Sierpinski é intrinsecamente randômica. A música gerada desse modo terá uma combinação de notas quenão agrada os ouvidos ocidentais, isso porque não segue uma regra de combinações, de padrões, isto é, de intervalos musicais a partir da teoria musical ocidental. Não há correlação entre as notas musicais.

Entretanto, caso se queira uma música mais ordenada basta escolher uma escala musical, e estabelecer regras para proceder tais como para cada valor do dado, por exemplo, se o resultado obtido for seis, reinicio o processo um tom e meio acima da nota obtida, se for três, começo quatro semitons acima do resultado e assim ir criar correlações entre as notas.

Ainda usando o Triângulo de Sierpinski pode-se criar uma peça musical por operações de deleção da terça nota de uma tríade como iniciador, de modo sucessivo (CHURCH, 2000):

Outra possibilidade lógica de construção de músicas fractais pode ser o Teorema da Colagem, exaustivamente explorado por Barnsley, que afirma a possibilidade de gerar um conjunto fractal a partir de qualquer conjunto não fractal. Pode-se começar esse trabalho com um conjunto não fractal, usando cópias desse conjunto reduzidas por um fator de escala e submetidas a transformações geométricas tais como rotações, translações ou reflexões, podemos cobrir o conjunto inicial transformando-o num fractal.

Para construir músicas com motivos que tenham alguns padrões fractais basta procedermos da seguinte forma;

I.Selecione a primeira nota,

II.Suba dois tons e corte no meio a duração da nota,

III.Desça um semitom e continue com a duração da nota anterior,

IV.Volte para a primeira nota,

V.Desça um semitom e conserve a duração da nota inicial

VI.Repita o processo indefinidamente


Figura 1.1 Composição musical a partir do floco de neve de Koch

(SCRIVENER, 2000, p.186)

Essa regra do motivo segue os padrões típicos do conjunto fractal conhecido como floco de neve de Koch. De acordo com a figura o Teorema da Colagem é explícito tanto nas durações quanto nas freqüências sonoras. A auto-semelhança desse tipo de construção é apenas aparente, após um conjunto relativamente grande de iterações dessa função iremos construir uma "música" bastante complexa e bela (PEAK, 1994).

A obra de Bach, A arte da fuga (1749), apresenta uma auto-semelhança onde se percebe a evidência do Teorema da Colagem. Os motivos dessa peça são repetidos algumas vezes com pequenas variações dentro de uma região da peça. Ainda várias vozes repetem a melodia da voz principal com maior velocidade (ORTIZ, 2000). A Sonata em A op. 110 de Beethoven, também apresenta essa organização de motivos onde todas as partes da música são derivadas dos quatro primeiros compassos (PEAK, 1994).

O trabalho de Andrew Hus e Keneth, usando o conjunto fractal conhecido como poeira de Cantor, abordando-o numa perspectiva musical, detectou algumas propriedades fractais das composições analisadas mostrando que é possível a "fabricação" de novas composições tendo características muito próximas das músicas inicialmente analisadas.

Na mesma ótica do Teorema da Colagem, Heinrich Schenker, disseca a música em várias partes menores (escalagem) hierarquicamente estruturadas e níveis e, em seguida, são reorganizados, originando assim uma nova composição. Dessa forma, os segmentos decompostos da música apresentam aproximadamente as mesmas características quando estão inseridas na nova composição, e isso é o aspecto fractal da peça em questão (PEAK, 1994). Então ambos os trabalhos citados podem, num certo sentido, produzir músicas com as mesmas características das músicas decompostas, mas com elementos inéditos.

Essas pesquisas conservam o "estilo" de composição do autor da música inicialmente analisada, então segundo essas propostas, pode-se construir músicas de compositores com Bach, Mozart e Beethoven. Pode-se imortalizar o "estilo" musical de cada compositor.

Devido ao grande interesse despertado nas pessoas de modo geral, a Teoria do Caos e a Geometria Fractal podem ser usadas numa perspectiva transdiciplinar, na busca de construção uma proposta estética ainda inédita na arte ocidental. A percepção desses novos paradigmas científicos fornece uma revisão explícita das crenças, sejam elas científicas ou artísticas, a respeito da realidade criada pelos ocidentais; como uma alternativa de exploração de novos territórios composicionais, emocionais, estéticos e intelectuais e a fim de reinventar o poder de criação cultural do mundo ocidental.

Desde suas formulações matemáticas, a Teoria do Caos e a Geometria Fractal vêm sendo usadas em diversas áreas das ciências e das artes. As possibilidades de trânsito entre a Geometria Fractal e as artes são imensas. O estudo dessas teorias conecta várias áreas da ciência e da arte numa perspectiva transdiciplinar.

A Teoria do Caos e a Geometria Fractal prometem aperfeiçoar os processos de transmissão de informações sejam elas visuais (PEAK, 1994); elétricas, como os pulsos de uma linha telefônica (MANDELBROT, 2000) ou mesmo o sinal sonoro produzido na fonação (MARAGOS, 1999).

A indústria da comunicação tem grande interesse nas técnicas algorítmicas de produção e manipulação fractal da informação, uma vez que esses objetos podem comprimir o espaço ocupado pela informação significativa, economizando o espaço de armazenamento de dados e energia de transporte do sinal para os terminais de reprodução.

Usando técnicas fractais, pode fabricar imagens virtuais muito próximas das imagens naturais; bem como maximizar a qualidade das imagens. Devido a seu forte apelo visual as imagens fractais são largamente usadas pelas artes visuais; entretanto elas não são criadas por artistas plásticos inspirados e extremamente sensíveis ao uso de formas irregulares em seus trabalhos. Antes, os conjuntos fractais, geralmente conhecidos como atratores estranhos, são gerados por cientistas e matemáticos que manipulam alguns algoritmos representativos de um dado modelo de realidade. Mas devido à rápida difusão desse conhecimento é possível usar softwares capazes de gerar imagens fractais bastante complexas a partir de uma rotina elementar, não sendo preciso um conhecimento de suas estruturas matemáticas para gerá-las.

As dimensões fracionárias remetem à idéia de quantos espaços há no objeto em questão. É uma maneira objetiva de se avaliar a eficiência do objeto na ocupação do espaço disponível.

A geometria fractal pode ser uma boa ferramenta para se analisar os sistemas evolucionários como a comunicação, uma vez que as informações acerca da fractalidade de um objeto fornecem indícios marcantes de suas estruturas dinâmicas, as circunstâncias no qual este foi criado e as relações às quais este se submete (PEAK, 1994).

A literatura contemporânea, defendendo um conceito de desconstrução do já estabelecido, valoriza a complexidade, o contigente, os multiníveis e o não linear. Nessa ótica a literatura está em conssonancia com a Teoria do Caos. Não é de causar espanto o fato de a organização das palavras em um texto, em especial nos poemas, tem um estágio de organização fractal.

A proposta estética herdada da Teoria do Caos pode ser aproximada da arte como um todo em especial com as propostas de vanguarda como o dadaísmo, o futurismo, o cubismo ou mesmo a música atonal. Estes, tão fora dos padrões limítrofes já estabelecidos seja sobre a idéia de arte seja sobre sua apreciação. Sabe-se que a arte não é natural, há apenas uma pretensão de naturalização dessa idéia, é, antes, um processo de criação humano contido num espaço-tempo bem definido e influenciado por seu recipiente sócio-histórico. Dessa forma os padrões acerca de como a arte é ou deve ser produzida ou apreciada atendem a uma necessidade de ordenação e classificação crucial para a estruturação da civilização tendendo a generalizar uma gama de fenômenos tão diferentes, diversos, múltiplos, sob uma única frase, enunciado, lei ou mesmo num modelo mental criado sobre o que é tido como realidade.

Na perspectiva de desconstrução dos conceitos e reorientação das práticas sociais, é preciso deitar fora a idéia de perfeição plena, de evolução linear ou mesmo de progresso significativo. A dependência sensível às condições iniciais garante que pequenas ações individuais, a exemplo do existencialismo de Sartre, podem gerar efeitos catastróficos ou significativos. Essa interpretação extrema leva o sujeito a agir, uma necessidade de afrouxar a intensidade do poder retórico do discurso a ponto de sentir uma nova realidade, não um sentimento de desamparo, a desolação pela ausência de previsão em longo prazo.

REFERÊNCIAS

BACKES A. R.; O. M. BRUNO. Técnicas de Estimativa da Dimensão Fractal: Um Estudo Comparativo. Jul. 2005. Disponível em <http://www.dcc.ufla.br/infocomp/artigos/v4.3/art07.pdf >

Acesso: em 31 de janeiro de 2008.

BARROSO, Márcio Ellery Girão. A Música, as Notas e a Escala. Música Sacra e Adoração. Disponível em: <http://www.musicaeadoracao.com.br/tecnicos/teoria_musical/musica_notas_escala.htm>.

Acesso em: 22 de fevereiro de 2008.

BEM-DOV, I. Convite à Física. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 151p

BERAN, J. Music: Chaos, Fractals and Information. In: Chance. Vol. 17 nº. 4, 2004 p. 7-16.

BRÜSEKE, F. J. A Crítica da razão do caos global. Belém: Universidade Federal do Para, 1993. 186p.

BULMER, M. Music from fractal noise. In: Proceedings of the Mathematics 2000 Festival. 10-13 Jan. 2000

CHURCH, C; PYKE, R. "Dancing with Fractals: The Chaos Game (with Music!)"In: SUMMER. Mar. 2000'

FALCONER, K. J. Fractal Geometry: mathematical and applications. New York, John Wiley, 1990

GLEICK, James. Caos: a criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro: Campus, 1989. 310p.

LORENZ, E. N. A Essência do caos. Brasília: Universidade de Brasília, 1996. 278p.

MANARIS, B.; et al. Can Beautiful Music be Reconized by Computers?.Computer Science Departament. College of Charleston. Thecnical Report CoC/Cs TR#2002-7-1, Março, 2002.


Autor: Fernando Andrade


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