Tempestade em copo d'água



Viverei mil anos e não esquecerei aquele episódio: uma colega, professora de biologia, irritada, indignada, desolada, reclamava da filha adolescente que lhe deixava recadinhos na geladeira. "Imagina, professor, minha filha é incapaz de escrever uma frase correta" – nervosa, começou o desabafo – "ela agora escreve "naum", "vc", "tdb" e outros absurdos. Eu posso aceitar uma coisa dessas! O que o senhor acha disso, professor."

"Fantástico! Genial, Desafiador!" Respondi com empolgação. Leitor amigo, preciso confessar: se soubesse que renderia tanto barulho e alguns palavrões daquela mãe-professora – ou vice-versa, sei lá! – eu teria ficado calado ou dado uma respostinha dessas mediocrizinhas que damos só para agradar. Mas não me contive.

A mulher se transformou, disse-me que como profissional das Letras – grande coisa! – eu deveria primar pela pureza da Língua, zelar pelo bem falar e pelo bem escrever, o que em sua visão horizontal significava reprimir com ódio inquisidor fenômenos que constantemente acontecem na e com a Língua. Infelizmente, essa mãe compõe um grupo imenso de pessoas que encaram MUDANÇA como problema. Criatividade e dinamismo como rebeldia e ignorância. Quando na verdade é o contrário.

Tenho ouvido muitos absurdos a respeito de alguns fenômenos que ocorrem ou que ocorreram no Português Brasileiro. Colegas mostram-se horrorizados com tais ocorrências, graças a Deus nunca sofri por isso. Espero continuar tranquilo. A bola da vez, ou melhor; o terror da vez foi alcunhado de internetês. Não a encontrei no dicionário. Meu computador sequer conhece a palavra, isso nos dá uma mostra de que o assunto é um tanto indigesto para os puristas e adeptos da norma culta padrão.

Querido leitor, não perderei tempo em explicar teorias nem correntes teóricas, nunca li nenhum estudioso do assunto – internetês – espero nunca ter de fazê-lo, jamais conheci alguém que tenha se debruçado sobre o mesmo. No entanto, considero-me competente para discutir o assunto. Afinal de contas sou internauta, usuário da língua, falante nato, ouvinte, consumidor e isso me credencia e sobra, o que achas?

Então, sobre o tal internetês acredito que a melhor maneira de defini-lo é: linguagem usada pelos navegadores da internet: MSN, Orkut, sites de bate-papo on line e similares. E por ser apenas, pura e simplesmente LINGUAGEM, não o vejo como ameaça. Pelo contrário, o fenômeno prova a dinamicidade da Língua e sua infinita capacidade de mudar, absorver, ressignificar e recriar de acordo às necessidades do falante.

Não se pode negligenciar que a Língua – enquanto veículo da comunicação humana – é um produto social, cultural e histórico, por isso cada época, cada região, cada "tribo" e cada indivíduo apresentará comportamento linguístistico respeitando tais características e ainda segundo as necessidades do local, do momento e da intenção.Porque comunicação não acontece por acaso, sempre há uma finalidade, um objetivo a ser alcançado, para tanto vale tudo, aqui os fins justificam os meios.

O que ocorre com os adolescentes da atualidade já foi experimentado por outras gerações, ganhou status e conquistou lugar na gramática normativa. O internetês que tira o sono de muitos pais e professores já foi chamado pelo pomposo nome de REDUÇÃO, isso mesmo, ele não é novo amigo, basta lembrar que nossos painhos chamavam nossas mainhas de "minas"< ao invés de meninas, flamengo> de "fla", fluminense> de "flu", você> de "cê", obrigado> de brigado, coca-cola> de coca e há muito tempo ninguém ouve dizer que "o time do Bahia enfrentará o time do Vitória", acho que isso nem vende ingresso, pois estamos acostumados em assistir a um BAxVI.

Leitor amigo, colegas! Vivemos a era da realidade virtual, da comunicação em altíssima velocidade, tudo se torna tão efêmero, tão mutável, tudo se transforma. Por que seria diferente com a Língua? O Internetês nada mais é do que o fenômeno de redução de cara nova, mais ousado. Há muitos escribas e fariseus jogando pedras nos adolescentes e jovens internautas que precisam olhar os seus próprios pecados escritos na areia do passado.

Não estou aqui para justificar comportamentos, mas não se pode deixar de lembrar que a maioria das pessoas não possui computador em casa e, por isso, precisam ir às Lan Houses e pagar caro por um curto período, por conta disso a comunicação precisa ser rápida, principalmente quando se tem várias pessoas na mesma sala de bate-papo, daí a redução de palavras. Inteligente, não!? Infelizmente, há professores e pais que nunca se arriscaram por estes mares tão densamente navegados... por isso fazemtempestade em copo d'água.

A sociedade atual é competitiva, dinâmica, rápida, consumista como requer o capitalismo e por demais exigente. Nela não há lugar para uma Língua cheia de alçapões e barreiras. Tudo deve convergir para o mesmo oceano: a comunicação, e esta rápida, concisa, direta e objetiva. Se aceita-se que a Língua é um organismo vivo, fruto do homem, deve-se também conceber que o homem é um ser social e histórico e tudo nele assim será construído e constituído, principalmente a Língua.

Passamos o tempo inventando coisas para facilitar nossa vida: encurtar distâncias, aproximar pessoas, compartilhar e adquirir conhecimentos novos etc., e o que ocorre com o internetês é tão somente o homem pós-moderno inventando, recriando, ressignificando, propondo, dialogando consigo e com o mundo. Cabe aos professores ressignificar sua prática profissional, seus conceitos, e aos pais quebrar barreiras e buscar novos conhecimentos. A tecnologia deve nos deslumbrar horizontes não nos aterrorizar.

Cabe ao professor, não só ao de língua portuguesa, mostrar aos educandos que há lugar e hora para o internetês, e certamente ele não sairá da rede, mas não seria ruim propor atividades nas quais os estudantes pudessem sugerir diálogos com a variante em questão e compará-la à norma culta padrão. Quem sabe realizar uma atividade que permitisse à turma criar blogs, sites, criar clubes temáticos de relacionamentos na sala e posteriormente na escola para discutir assuntos referente à linguagem, suas funções etc..


Autor: jackson cruz dos santos


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