Carreteadas: Conduzindo Gravataí para o Progresso



CARRETEADAS: conduzindo Gravataí para o progresso

Aline R. Viegas Vargas

Quando mencionamos a palavra "Carreteada", em especial nas regiões mais urbanizadas ou nas grandes metrópoles, muitos jovens, adolescentes e crianças demonstram ter este termo como desconhecido. Mas não há como falar no progresso de uma cidade, que estruturou a sua base econômica nos gêneros agrícolas, sem mencionarmos a importância do transporte de tração animal na circulação de mercadorias entre as regiões. E, é este o caso do município de Gravataí, hoje lembrado apenas pela "evolução de um sistema de transporte" que gerou o desenvolvimento da cidade, traduzido da vinda de uma montadora de automóveis para o local, a General Motors.

Para entendermos como o transporte através de carretas, as denominadas carreteadas, serviram de base para o desenvolvimento econômico de Gravataí, devemos ter um breve histórico da situação política e econômica da época, que no caso é o final do século XIX. Deste modo, no final do século XIX a economia, do Brasil em geral, era rural, e , apesar dos progressos da época, esta economia mantinha e "sustentava" a vida urbana. Entende-se então que a força motora da economia tinha suas origens no trabalho do campo. Deste modo, os produtos cultivados na zona rural do município de Gravataí, principalmente a mandioca, que eram transportados através de carretas para o Centro da cidade e também para o porto local, foram fundamentais para movimentar o comércio e fazer a manutenção da economia do município de Gravataí. Em termos políticos, mesmo com a implementação da República no final do século XIX, as melhorias das estradas e do sistema de transporte eram mínimas se levado em conta a extensão do território brasileiro. Deste modo, Gravataí por não ser uma capital, não foi agraciada de imediato com estas melhorias. Sendo assim, foram os carreteiros, através das carreteadas, que além de abrirem novos caminhos, fizeram a manutenção das estradas existentes, para que o trânsito das carretas fosse possível e a rota econômica mantida, fazendo assim crescer a economia de Gravataí. E, além de fazerem a circulação de produtos em âmbito municipal, as carreteadas também o faziam ao nível intermunicipal, fazendo assim com que ocorresse o comércio de mercadorias entre regiões diferentes, variando assim os produtos em circulação dentro de Gravataí e criando mercados em outras redondezas.

Deste modo as carreteadas, que eram comitivas de carretas puxadas por bois e conduzidas pelos denominados carreteiros, que faziam o transporte, tanto de cargas quanto de passageiros, nas regiões onde não existiam ferrovias ou outros meios de transporte, embora também coexistissem em ambientes onde o usual eram meios de transporte mais "modernos", assim como acontece ainda hoje nas zonas rurais do Brasil.

Contemporânea da invenção da roda, a carreta de boi é o mais antigo meio de transporte que se conhece. Há registros dela na Suméria; três mil anos antes de Cristo, no lendário Vaie do Indo, na Índia Antiga, e também entre os assírios, egípcios e babilônios. Amaxa para os gregos, plaustrum para os romanos, citada na Guerra de Tróia [...](MORAES, 1997, p. 12).

Assim a importância econômica das carreteadas para o município de Gravataí no final do século XIX foi de grande mérito uma vez que contribuíram para o desenvolvimento e crescimento do município, tomando como referência o conceito decrescimento transmitido por Cardoso (2002, p.264):

Crescimento (growth, em inglês) é um termo tomado da biologia, alusivo a duas características do desenvolvimento dos seres vivos: as modificações quantitativas, isto é, as variações dimensionais, e as modificações qualitativas, ou sejam mudanças estruturais.

Uma vez que a economia de Gravataí no final do século XIX era agrícola a circulação e consumo dessas mercadorias, em especial a mandioca e seus derivados era oportunizada graças aos carreteiros, que em geral eram os próprios produtores, fazendo assim com que a divisão do trabalho acontecesse entre os homens e as mulheres, uma vez que estas eram quem cuidavam da produção enquanto, na maioria das vezes, a figura masculina estava fora da propriedade encarregando-se da venda.

Quando fala-se em circulação, que também pode ser entendida como distribuição, observa-se a importância das carretas para o desenvolvimento econômico do município, pois de acordo com Maurente (2004, p.30), "no final do século XIX as carretas ainda eram sinônimo de progresso em Gravataí. Movimentavam a economia e geravam recursos."

Deste modo, vê-se o mérito das chamadas carreteadas tanto no transporte de bens de consumo coloniais ou manufaturados entre a zona rural e a urbana quanto na manutenção das estradas da época, pois segundo Rosa (1987, p.87):

Devemos muito do progresso atual aos bravos carreteiros, verdadeiros pioneiros destes caminhos que, hoje, merecidamente recebem o nome de estradas, dando passagem fácil ao trânsito, o que não ocorria no tempo dos carreteiros, pagando-se impostos sobre estradas e pontes, mas nem sempre essas eram transitáveis, sendo a conservação a pulso, roda de carreta e à picareta [...]

Situação esta, de péssimas condições das estradas, vivenciadas não somente no município de Gravataí, mas também em outras regiões do território nacional, que mesmo com a implantação da República careciam de um sistema de transporte que fosse mais moderno e eficiente, como nos fala Prado Jr (1978, p.196):

O Rio Grande do Sul, desde a sua formação, constituíra-se nos moldes de uma economia agropecuária, subsidiária da agroexportação de gêneros alimentícios, pelo que era conhecido pelo cognome de ' celeiro do país'.[...] na esfera econômica , considerava ser o principal entrave ao desenvolvimento da economia rio-grandense a questão dos transportes: um precário e oneroso sistema ferroviário, uma barra obstruída, que dificultava o acesso dos navios de grande calado e a ausência de um porto.

 E também no que coloca Fonseca (1983, p.63):

A produção agrícola diversificada é uma das principais características da economia gaúcha, desde o final do Império, prolongando-se tal diversificação por toda a República Velha.[...] do ponto de vista local ela aparece como uma economia mais ou menos auto-suficiente, com capacidade de suprir seu mercado interno e ainda abastecer os centros do país que dependem de seus produtos.

Averiguamos também, quando abordado o tema sobre as carreteadas no município, a importância do grupo de pessoas habitantes da zona rural que fizeram parte deste processo, bem como sua contribuição para as transformações sociais do município de Gravataí, assim como demonstra Barros (2005, p. 110) ao dizer que a história social trata dos "modos e mecanismos de organização social, as classes sociais e outros tipos de agrupamentos, as relações sociais (entre estes grupos e dos indivíduos no seu interior), e os processos de transformação da sociedade". Mesmo porque

[...] estaria a cargo da História Social criar as devidas conexões entre os campos político, econômico, mental e outros – o que implica que nesta acepção a História Social deixa de ser uma modalidade mais específica, com qualquer outra, para se tornar o campo histórico mais abrangente que se abriria à possibilidade da mediação ou da síntese... História Social como História da Sociedade(BARROS, 2005, p. 114).

Essas transformações sociais podem ser visualizadas tanto na contribuição das carreteadas para o transporte de pessoas no interior no município e para fora dele, quanto nas relações comerciais estabelecidas por meio delas. Como exemplo disso, temos o que nos traz Rosa (1987, p.69): "Marcelino Costa, [...], possuía uma empresa de carros de tração animal, fazendo o transporte de passageiros para Porto Alegre[...]"

A produção de farinha era comprada pelos comerciantes e depositada em grandes casarões que eram denominados de "tulhas". Após era levada até o porto, em carretas, puxadas por bois, e, em carroças, puxadas por cavalos.[...] os carreteiros, que traziam farinha e polvilho do interior, sesteavam, soltando os bois e faziam o fogo de chão, na praça Borges de Medeiros, [...] (ROSA, 1987, p. 79).

Além das transformações sociais, ocasionadas pelas carreteadas, também temos a construção de relações sociais, que podem ser observadas no trecho anterior, onde o comércio e o transporte de mercadorias gera um grupo de relações e estas podem ser compartilhadas com os indivíduos inseridos nos grupos, que no caso são os carreteiros, que por sua vez os transmitem para outros indivíduos, fazendo assim com que os costumes do meio rural e os do meio urbano também criem vínculos através das relações estabelecidas.

Costumes estes que são vivenciados e permanecem acesos até os dias atuais, quando ocorrem na localidade do Morro Agudo (Costa do Ipiranga), no município de Gravataí,as carreteadas que buscam resgatar os costumes dos nossos antepassados e valorizar as tradições rurais, mesmo porque muitos moradores e produtores rurais do município ainda se utilizam das carretas como transporte , em especial no transporte da produção agrícola.

É para isso que serve o trabalho de resgatar a história: para fazer com que os acontecimentos que alicerçaram a nossa identidade e estruturaram a sociedade em que vivemos não sejam esquecidos ou menosprezados, uma vez que uma boa casa necessita de uma boa estrutura, que muitas vezes não a enxergamos, mas ela está lá. É assim que devem ser consideradas as carreteadas, não com saudosismo, mas com respeito pelo trabalho e pela força econômica gerada por elas,pelos carreteiros e pela população rural em geral.

REFERÊNCIAS

BARROS, José D'Assunção. O campo da história. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

CARDOSO, Ciro Flamarion S.; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

CARDOSO, Ciro Flamarion S.; BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da História. Rio de Janeiro: Graal, 2002.

FONSECA, Pedro C. Dutra. RS: economia & conflitos políticos na República Velha. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

FRIES, Agenor Edson. Gravataí: do êxodo à composição étnica. Gravataí: Smec, 1990.

MAURENTE, Iara. Gravataí 241 anos. Porto Alegre: publicação do gabinete do deputado estadual Sérgio Stasinski (PT), 2004.

MENDONÇA, Nadir D.. O uso dos conceitos: uma questão de interdisciplinariedade.Bagé: FAT/FUNBA, 1983.

MORAES, Carlos. Os últimos carreteiros. Revista Ícaro Brasil, jul 1997. Disponível em: http://www.paginadogaucho.com.br/hist/corr4.htm >Acesso em 09/03/08.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992.

PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1978.

ROSA,Jorge. História de Gravataí. Porto Alegre: Edigal, 1987.

TAMANQUEVIS, José C.; QUEVEDO, Júlio. Rio Grande do Sul: aspectos da história. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1997.

UMA TRADIÇÃO ligada à História do Rio Grande do Sul. Zero Hora, Porto Alegre, 29jun. 1990.


Autor: Aline R. Viegas Vargas


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