O Mistério da Vela!



Certa vez, Dona Judite - uma religiosa assídua - ao retornar da reza na capela, encontrou seu Juca e os filhos assustados e impressionados com o que havia acontecido.

- Judite – narrou seu Juca - incrível o que aconteceu há pouco. Zé colocou uma vela ali em cima e, de repente, fez um forte barulho vup, vup, vup, e desapareceu.

- Mas como foi isso, homem?

- Não sei, fomos até à casa do seu Nonato pedir sua lanterna, pois estávamos intrigados com aquela coisa.

- Daí mamãe - continuou Angélica - procuramos a vela por todos os lugares tanto da casa quanto do quintal, mas não encontramos nada!

- Vasculhamos árvore por árvore, canto por canto - acrescentou Anatália. - As crianças, assustadas, procuraram se a vela não estava em baixo das camas ou das cadeiras, do armário ou da mesa, mas também não viram nenhum sinal.

O fenômeno tornou-se uma coisa assombrosa, surrealista para a família do seu Juca!

- Como foi isso, Juca? - perguntou-lhe novamente Dona Judite.

- A vela que o Zé fez - explicava seu Juca - desapareceu de cima da pia de louça. De repente, fez um barulho vup, vup vup! - Eu fui ao quintal e fiquei todo arrepiado, sentindo alguma coisa por perto de mim. Os meninos disseram que ouviram pisadas em torno da cama!

- Meu Deus! Isso acontece porque vocês não rezam mais, não vão mais à missa! É a tentação do 'capeta' - concluiu dona Judite com o seu moralismo.

Zé, um dos filhos mais velho do casal, bebia muita cachaça. Todos já o tinham como um alcoólatra. Mas uma pessoa muito inteligente, meiga e atenciosa. Muito curioso, aprendeu a fazer velas com o Padre Arlindo, que percebendo seus dotes, levou-o para a sua paróquia. Daí parou de beber. Mas com saudades da família, Zé fugiu da casa do Padre. Agora na cidade, ele mesmo fabricava velas e vendia no mercado, inclusive já havia conquistado muitos fregueses.

- Zé – comentou seu Juca – talvez seja a finada Edite revoltada porque você retira dela as sobras de velas todos os dias!

Edite - uma velha negra, sem parente e aderente - vivia abandonada, perambulando pela cidade. Os mais velhos contam que a mulher maldosamente fora atropelada por um caçambeiro, na década de 70, quando se construia a BR 316. No local do homicídio, muitas pessoas passaram a fazer orações e pedidos; acendem velas para a finada, achando alcançarem algum milagre. Então o Zé toda manhã passava em seu túmulo para pegar os restos de velas.

Assustado e temeroso com o comentário - e enquanto seu Juca e filhos procuravam a vela por todos os cantos da casa e até no quintal – Zé rapidamente, sem dizer para onde estava indo, tomou sua bicicleta e voando como um pássaro foi ao túmulo da finada. Enquanto se aproximava do local, pensava consigo se a defunta não estaria revoltada com seus atos, e por isso, não teria vindo buscar a vela em sua casa!

Todos estavam impressionados com aquele fenômeno: um mistério nunca visto por ali.

Dona Judite pôs-se também a procurar o objeto. Cansada foi comentar com as vizinhas, que logo se prontificaram a procurar o objeto desaparecido. Um enigma. Agora, por uma boca só, os crédulos achavam que era um sinal vindo do céu para aquela família. O local se tornara lugar de romaria. Para atender as pessoas, separaram um quarto, onde depositaram um pequeno oratório, para orar e fazer jaculatórias e pedidos.

Os visitantes cumprimentavam seu Juca, querendo saber mais sobre o ocorrido. Ele punha-se a contar a mesma estória. Não sabia como aquilo tinha acontecido. Uma vela havia desaparecido de repente e misteriosamente!

Minutos depois, o Zé retornou da visita ao túmulo da finada Edite.

- Gente! – assustado e assombrado disse ele - vocês não podem imaginar o que aconteceu comigo. Fui até a cova da finada Edite, para me certificar se ela não havia vindo buscar a vela, porque eu toda manhã remanejo os restos de velas que não prestam mais e fazer novas velas. Mas não encontrei sinais de nada; não sei o que deve ter acontecido; não sei se ela está revoltada comigo!

O povo vez um murmúrio de admiração e pasmo. Minutos de silêncio. De repente, soprou um vento que entrou recinto adentro. Todos se sentiram tocados; cruzaram os braços. Alguns pensavam ser algo do além. As folhas das bananeiras dançavam de um lado para o outro; alguém foi lá fora para ver o tempo, mas voltou rápido, dizendo ter visto algum rumor de um espectro ao fundo do quintal. Dois senhores saíram para certificar do que se tratava realmente, mas foram tomados por um misto de medo e frio interior. Retornaram o mais rápido possível para o interior da casa. Uma senhora viu aquilo e censurou-os, julgando se não seriam homens de verdade, daqueles que enfrentam as almas e o lobisomem!

As mulheres começam a rezar um terço a Nossa Senhora do Desterro. Dona Trindade dizia que com aquela oração, a Mãe de Deus iria afastar para longe daquela casa todo e qualquer inimigo ou mesmo feitiço, caso alguém tivesse colocado sobre aquela família. E assim, fizeram.

O céu começava a escurecer. As estrelas desapareceram. Todos se entreolham e confirmam que em breve São Pedro deveria abrir as torneiras do céu. E assim, minutos depois, veio a chuva. Os pingos eram fortes e violentos. No recinto apertado, as pessoas não sabiam o que fazer. Não podiam voltar para suas casas. Agora homens, mulheres, idosos, crianças e jovens punham-se a rezar. Trovões, relâmpagos, ventania com toda a força se manifestavam contra aqueles pobres mortais. Os lampiões se apagaram. Lâmpada alguma permanecia acessa, pois grande era a fúria do vento. Uma escuridão de causar pavor. Ela era similar àquela do princípio da criação, que separava a luz das trevas. Crianças choram. O alvoroço tomou conta do recinto. Dona Judite pede que acendam velas por todos os lados. Mas o medo aumentava, porque todos pensam que as velas fabricadas pelo Zé haviam sido tiradas da finada revoltada. E aquilo seria um desrespeito por alguém que já morrera.

- O que fazer? – perguntavam uns aos outros.

Mas seu Juca corajosamente ordenou que ascendessem as velas. Obedeceram-no. Lá fora, ventos, trovões e relâmpagos ininterruptos. Alguém escutou um profundo e agudo gemido vindo dos fundos da casa, todos se arrepiaram até a alma, e gritaram dizendo estar sentindo uma coisa estranha. Porém, Dona Judite pediu que continuassem a rezar sem parar. Recomeçaram a reza do terço a Nossa Senhora do Desterro. Minutos depois, ouvem-se uma seca e prolongada torce no quarto de dona Judite.

- Meu Deus, o que está acontecendo nessa casa? - interroga seu Juca.

- Pai – quis saber o Zé - será que eu sou culpado de tudo isso?

- Não sei, mas devemos respeitar os mortos. Eles precisam de descanso - disse-lhe baixinho seu Juca.

- É, mexer com quem já morreu, corre o risco de ser perseguido ou mesmo amaldiçoado - comentou um velho de 80 anos.

- Ponha essa boca pra lá, seu Pedro - pediu Dona Matilde.

Naquele ambiente sufocante, a chuva cada vez mais engrossava. O vento frio soprava sobre aquela quantidade de gente. Inesperadamente, veio um trovão estridente que estremeceu a casa. Os corações também foram abalados. As pessoas ouviram coisas vindas dos quatro cantos da casa. Diziam ter ouvido vozes.

- "Ele me pagará caro o roubo das velas do meu túmulo!" – disse Dona Balbina ter ouvido uma voz advinda do quintal.

- "Não escaparás à ira divina, seu maldito" - narrou uma jovem também ter escutado.

- "O fim dos imbecis é a sua própria morte" – ouviu seu Modesto - homem cheio de devoção à Virgem Maria.

- "Tudo isso aqui e seus habitantes serão destruídos hoje" - comentou a benzedeira, dizendo que também escutara os ruídos que vinham da rua.

Enquanto a benzedeira contava sua estória, veio um esplendido relâmpago que iluminou todos que estavam no recinto. Aquilo pareceu algo mandado do além, como que alguém tivesse dito: "ilumine para se certificar se aquele que procuramos está realmente entre estas pessoas". Foi tão forte e imensa a claridade que puderam perceber os rostos uns dos outros, e nisso descobriram que eram rostos transformados pela angústia diante do que estavam passando. Todos se entreolharam e perceberam os sofrimentos que cada umtrazia dentro de si. Suas faces já não eram mais as mesmas. As mulheres começaram a chorar, pesando em seus próprios pecados. Os homens lamentaram suas infidelidades cometidas contra suas mulheres. Os jovens pensaram em coisas que ainda não haviam feito. Os velhos lembraram dos seus antepassados e se sentiram infelizes porque não haviam guardados as leis fielmente.

O dia demorava a raiar. Parecia uma coisa reservada para aquele momento, algo feito a propósito. A noite era a mais longa dentre todas as noites já vividas naquele lugar. Noite do tormento e das provações do inferno. O cansaço havia tomado a todos. O desfalecimento tomava contra dos corpos, que flácidos pediam socorro para repousar. Olhos entristecidos e sonolentos, mas não podiam adormecer, pois diziam ouvir vozes que os atormentavam. Era um suplício. Um sofrimento sem fim. O inferno antecipado. Ouviu-se ao longo um desafinado assobio. O que deveria estar acontecendo naquele momento? Falaram entre si. Uma rasga-mortalha passou baixinho; com a sua tesoura, rasgava a mortalha. Todos se benzeram para exorcizar quaisquer azares sobre si e os seus.

- Será que é a hora em que as almas saem para visitar os vivos? - passava pela mente daquelas pessoas!

- Dizem que esse assobio é de uma mulher alta, magra e de branco que anda tarde da noite com uma foice para matar e beber o sangue das pessoas - comentou um senhor de meia idade.

- Por favor, não conte essas estórias agora, não, senhor, já estamos em apuros, o senhor nos traz está má lembrança! - Retrucou a professora da escola.

Veio um vento suave, mas frio. Alguém pensou que fosse a mulher de branco que estava a se aproximar do recinto. Mas a chuva agora cessava. O ambiente já respirava mais aliviado. A água caia com mais moderação; já não mais se ouviam os trovões; os relâmpagos também desapareceram do cenário. Os galos puseram a cantar, anunciando um novo dia! Todos se alegraram com a aurora que já vinha raiando! Criaram mais coragem. Os rostos voltavam aos seus verdadeiros estados de antes. Os homens conversavam sobre o terror da noite. Mas outros ainda estavam temerosos, não queriam tratar do assunto, porque o dia ainda não chegara por completo, pois os fenômenos poderiam retornar. Concordaram. Rezar, eles não tinham mais forças para tanto. Os restos das velas eram consumidos lentamente.

- Hoje mesmo, vou me confessar com o Padre, para me livrar dos meus pecados - disse o Zé para aquelas pessoas.

- É bom mesmo meu filho, pois Deus nos protege quando andamos na sua justiça - aconselhou seu Teotônio.

- Aliás, seria bom que toda a família fosse se confessar e fazer uma promessa a Nossa Senhora do Desterro - propôs seu Amarildo.

- É, vamos fazer isso mesmo - concordou seu Juca.

- Eu já disse muitas vezes, mas aqui nesta casa, ninguém me escuta, agora estão ai arrependidos - sentenciou Dona Judite.

- Mas nunca é tarde pra se converter. Deus nos aguarda a todos os momentos - concordou a benzedeira.

O dia despontava como um presente de Deus para aquelas pobres pessoas que passaram por uma turbulenta e tumultuada noite. Uma noite aterrorizante e horripilante. O tempo estava estiado. No céu se via raios avermelhados do sol. Os galos cantavam com maior freqüência. A vida ressurgia de uma turbulentada noite! Todos se abraçaram. Os seus rostos já não eram mais os mesmos, pois estavam transformados, voltaram a brilhar. Pareciam rejuvenescidos e felizes! Antes de se despedirem, rezaram de mãos dadas. Dona Judite e seu Juca agradeceram à solidariedade daquelas pessoas, não sabendo como manifestar os sentimentos de gratidão.

Nisto Dona Judite foi ao fogão e viu que no balde de zinco com água havia algo estranho!

- Oh! Gente, o que esta vela está fazendo aqui dento? – perguntou ela.

Todos se aproximaram do recipiente. Um silêncio se interpôs no recinto. Como a vela havia se sumido de repente da vista do seu Juca e do Zé, ontem à noite?

- Mas como essa vela chegou aqui - admirados perguntaram?

- Ah, foi o Zé que se esqueceu e deixou ai dentro - disse seu Juca.

- Meu Deus! Foi mesmo! - concordou o Zé.

- Mas por que não me disseram? - indagou Dona Judite.

- Porque me esqueci, mamãe – me desculpem, disse o Zé. - Eu deixei aí, pensando que, esfriando mais rápido, poderia tirá-la com maior facilidade da forma. Pai e eu tentamos tirar a vela da forma com socos e pancadas e não conseguimos. Por isso, resolvemos colocá-la no balde com água.

- Vocês são doidos, toma tua vela – chateada entregou-lhe Dona Judite. Vejam o que fizeram com todo o povo esta noite. Ficamos loucos e quase morríamos de medo da morte.

- Zé - meu filho, você fica doido e endoidece os outros! - sorrindo disse-lhe seu Juca.

- Vocês parecem dois doidos! - retrucou Dona Judite.

Assim, o mistério estava desvendado e explicado. Seu Juca pediu desculpa ao povo, dizendo que estava bastante envergonhado de sua família ter causado um transtorno daquele, levando várias famílias ao sofrimento de uma noite de terror.

Mas dias depois, o Zé contou para sua família o que havia sentido naquela noite junto à cova da finada.

- Vocês não sabem o que eu senti! – disse ele com os olhos esvaindo em lágrimas. - Uma coisa estranha. Parecia que ela me comunicava alguma coisa. Pensei em devolver tudo que apanhara ali. Mas devido o medo, voltei imediatamente para junto de vocês.

O fato da vela resultou em um grande milagre: daquele dia em diante, o Zé nunca mais tomou bebida alcoólatra, e a família passou a viver mais unida entre seus membros.

Bacabal - MA, janeiro de 2007.


Autor: Antonio Leandro


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