Reflexão acerca da prescrição



Nos últimos anos, vêm surgindo cada vez mais estudos voltados à gramática, e as críticas à norma padrão aumentam, dando lugar a reflexões para facilitar o ensino da gramática normativa. A falha não está na reflexão e nem nas críticas ao sistema educacional, muitas vezes opressor; talvez o que esteja faltando é exatamente perceber que há uma enorme incompatibilidade entre o que está no compêndio herdado há séculos e as transformações naturais da "NOSSA LÍNGUA", por isso não basta banir a contraposição certo x errado e nem desvencilhar norma e uso.

A dificuldade que assola o ensino de língua portuguesa é o apego à tradição como algo fundamental para "aprender" a língua que está guardada nos compêndios. Mas se a norma nos persegue, principalmente na escrita, o que fazer? Ignorá-la? Penso que não. O fundamental é partir do material linguístico de cada grupo ou indivíduo para entender a norma padrão como modelo a ser conhecido, e não adotado por todos como expressão máxima de legitimação, pois não se pode privar o indivíduo de conhecer a norma padrão que, embora usada em menor escala, é dominante, porém é possível amenizar a alienação diante do preconceito linguístico.

O ensino da língua, muitas vezes, serve como tortura, ocasionando frustração ao aluno que vê o seu conhecimento e sua bagagem familiar sendo desautorizados por um livro que nem sempre está atualizado e que muitas vezes aborda o conteúdo de forma retrógrada. Daí surgem ideias como "Português é difícil". "Eu não sei português" (...), o que justifica a rejeição à disciplina. Mas isso não é tudo; faltam ainda incentivos que possibilitem o diálogo em torno de questões da língua, inquietude em relação à norma imposta como certa, e valorização da oralidade na escola.

É comum o aluno "aprender" a ler e escrever apenas decodificando símbolos, não tendo nenhum indício de interação que tome a palavra, a frase ou o texto mais interessante ao aluno. Que estímulo tem o indivíduo que nos primeiros anos de escola é bombardeado por inúmeras regras que acabam primando pela capacidade de decorar e aceitar, e não de entender, impossibilitando assim a reflexão. O ensino da língua pode e deve estar associado a elementos contextuais para que a língua seja vista realmente como algo flexível e em constante transformação.

Para propor um ensino produtivo da língua portuguesa, dever-se-ia mudar toda a concepção de aprendizagem, porque embora estejamos nos livrando das velhas cartilhas e dos livros autoritários é mister que para o aluno, o ensino seja um processo coerente e que ele tenha em mente o objetivo principal de entender a língua, seja a norma ou o uso. Deve-se mostrar ao indivíduo que a língua como instrumento de poder capacita a interação social, política e cultural. A norma culta não se aplica a todas as situações e o fato de parecer universal está ligado à relação de poder e autoridade concedidos a ela.

A intenção do ensino reflexivo não deve estar voltada para substituir a gramática normativa e sim para desmistificá-la, usando-a como aliada para reconhecer a importância do diferente e eliminar o "purismo", associado à norma lusitana, que vem acompanhando o ensino faz muito tempo, porém tendo cuidado para não criar um novo "purismo" pela ausência da norma.

Nessa nova perspectiva de ensino, temos as habilidades e competências, propostas, inclusive pelos PCNs , e exercícios que possibilitam a criação, a utilização do coloquial, do regional e demais variantes de uma maneira reflexiva, para que se perceba os vários enfoques que podem ser dados à língua , sem que isso seja considerado uma ameaça ao bem falar e/ou escrever e sim como exemplos da adequação linguística. São sugestões que se bem utilizadas podem mudar a concepção diante da língua e do ensino da língua para que se rompa com a ideia, ainda ininterrupta, da tradição e da prescrição como obrigação.

É necessário lembrar de que a educação não pode contribuir para a neutralização ou diminuição do diferente, deve sim, lutar pela legitimação daquilo que embora não seja norma padrão, também é correto de acordo com o contexto, pois como afirma Foucalt: Todo sistema educacional é um meio político de manter ou modificar a apropriação do discurso com o conhecimento e o poder que ele carrega consigo.

Por Gislene Martins da Silva


Autor: gislene martins


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