A Criminosa da Balança



Pensando no crime, pôs-se a comer cookies...
Cidadã decente e consciente de suas obrigações, não sai por aí furtando ou matando, gosta de estudar, tem o Código Penal na cabeceira, respeita e defende a lei, conhece os tipos, o crime e o castigo do crime.
Não é uma delinqüente na acepção penal da palavra, mas é socialmente perigosa.
É a "Criminosa da Balança".
Transgressora, tem problemas com o a lei dos magros.
Para ela não há escapatória, no melhor estilo Beccaria, a Justiça da balança é inexorável, pena proporcional ao agravo e infalibilidade certa.

"Um cookie, que agravo pelo pão de queijo, que atenuo pelos quinze minutos de caminhada que majoro por ser ingestão de carboidrato no horário de repouso..."

Na medida exata de seu dolo os quilogramas de gordura encarceram a mulher magra que na verdade ela é. 

Reincidente, basta o cookie acenar de longe na prateleira para encher-se de ânimus e delinqüir. Perpetuando a prisão.

Pena em forma de espetáculo, todos assistem à execução, personificação do estigma, a letra "G" (muitas vezes "GG"), alerta a todos que se trata de meliante sem respeito a moral e a ética da boa forma.

A reação contra o mal é esperada. Gulosa, deve pagar! Por retribuição e por prevenção: geral e especial.

Espécime tão fora do padrão e da forma, não merece figurar entre a boa sociedade. De alguém que precisa de tanta comida e espaço, não se pode esperar boas intenções, é preciso corrigir, em nome do bom, da boa e da (calça) justa...

O crime não compensa, diz o senso comum, e, a Criminosa da Balança, um dia, isso compreendeu.

Cansou da prisão, desejou deixar o crime e encontrar seu lugar entre os bons.

Progressão de Regime, era a opção.

Disciplinou-se!!

Perdeu mais de um terço da pena.

Por bom comportamento e conduta digna da "calça justa", progrediu no regime.

Ficava justa , mas agora "cabia" na sociedade (e na calça). 

Vestida com a calça justa (seu alvará de soltura), conheceu a vida fora da prisão, com suas tentações, onde não podia descuidar, tinha que vigiar, ou não mais ia servir na sociedade (e na calça), uma contravenção seria fatal ... regressão de regime, RDD talvez, voltava a prisão.

Esforçava-se muito para não delinqüir e passado o tempo já tinha o direito de se sentir reabilitada, mas eis que dito cidadão passa a seu lado e em alto e bom tom diz desrespeitoso:

- "Fofinha"!

Na calça justa aparecia o ranço do crime.

conatus criminoso reaparece com força, de nada valia o empenho. As marcas da prisão em seu corpo e alma a condenariam para sempre.

A prisão, nesta hora, parecia menos cruel (que a sociedade), chegava a lembrar com certo carinho a época da delinqüência, da alegria dolosa de matar impiedosamente o pacote de cookies, sem importar-se com a reação ou aceitação social, fruindo o sabor do delito, sem culpa, aproveitando a condição de delinqüente para delinqüir.

Por quê, haveria de abster-se do delito?

O que vale não é a conduta, mas a estampa.

Egressa, delinqüindo ou não, para ela, nada da sonhada reintegração social

Num ciclo vicioso, a prisão persiste, de um lado a punição, que para corrigir, deixa de fora da sociedade, e de outro o estigma autorizando o crime.

Vale a metáfora, o criminoso do sistema penal é assim também, culpado na medida da sua gula e vítima eterna da sua rotulação.

 Nesta sociedade, os criminosos não são somente aqueles  cometem delitos, mas todos os que não estão dentro do estipulado pelo modelo posto, de bom, belo e justo.

 


Autor: Beatriz Oliveira de Paola


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