O segredo do negócio é criar tensões o tempo todo



Por Cyro Andrade, de São Paulo
13/11/2008
 
"Relatório Toyota" - Emi Osono, Norihiko Shimizu, Hirotaka Takeuchi e John Kyle Dorton.

Ediouro. 304 págs. R$ 49,90    
Bloomberg


O presidente Katsuaki Watanabe: apelos constantes à consciência de que o fim de tudo é fazer "algo de bom"

O fato de o pedido de socorro governamental apresentado pelas montadoras de automóveis americanas ter sido endossado por Barack Obama e levado por ele para o encontro com George W. Bush na Casa Branca mostra que a indústria automobilística conserva prestígio político considerável nos Estados Unidos, apesar da perda de posição relativa na economia do país para atividades relacionadas a tecnologia de informação e comunicação. É exemplo, também, da espécie de aproximação entre Estado e iniciativa privada que estes tempos de crise explicam - sob crítica de quem acha mais de acordo com ambientes de "livre mercado" largar à própria sorte empresas que não souberam construir históricos melhores.

Não seria o caso, então, de interpretar o resultado de decisões gerenciais privadas, como as da indústria automobilística americana, em contextos de economia política variantes, inclusive nos seus aspectos engendrados por sindicatos gulosos de benefícios e pouco interessados em contas de produtividade. Esse descaso complicou a vida da General Motors, da Ford e da Chrysler, já às voltas, faz anos, com a ofensiva de concorrentes estrangeiros - as japonesas Toyota e Honda, principalmente - de habilidades tecnológicas e visão de marketing mais apuradas. Para ser atual: chega hoje a 12 meses a fila para se comprar o pequeno e eficientíssimo Prius, da Toyota, híbrido movido a gasolina ou eletricidade, enquanto o que mais se quer do volumoso e gastador Hummer da GM é distância.

Este "Relatório Toyota", que chega ao Brasil poucos meses depois de publicado nos Estados Unidos (com o título "Extreme Toyota - Radical Contradictions that Drive Success at the World's Best Manufacturer") não é apenas mais um entre dezenas de livros que já se escreveram sobre a empresa e seu sistema de produção, vulgarizado mundo afora depois que os americanos James P. Womack e Daniel T. Jones desenvolveram e batizaram o conceito de "lean production" (produção enxuta), resultado de vários anos de análise do sucesso alcançado por empresas japonesas no pós-guerra - a Toyota, principalmente. A conveniência de praticar o "toyotismo" de inspiração "lean" é quase óbvia: trata-se, simplesmente, de considerar como desperdício qualquer uso de recursos que não sirva à criação de valor para o comprador - devendo esse excesso, portanto, ser eliminado.

Este é um livro diferente. Com pesquisa realizada durante seis anos, acesso às instalações da empresa em 11 países e a documentos internos, acompanhamento de encontros de revendedores e sessões de treinamento e centenas de entrevistas, os autores chegaram a uma "descoberta-chave", como dizem: o sucesso da Toyota, "além de depender do famoso processo de fabricação, também está presente na sua prática administrativa singular de criar e fomentar um conjunto fascinante de contradições, opostos e paradoxos no interior da organização". A constatação é divulgada, por coincidência, num momento em que a Toyota vive uma espécie de paradoxo benéfico: este ano, em que o mercado americano deve encolher talvez 30%, conforme previsão de analistas, pela primeira vez a empresa tem chance de ser a primeira em vendas nos Estados Unidos. Em meados do ano, estava praticamente empatada com a GM, com a diferença de que sua fatia cresceu, vindo de 17,2% em maio de 2007, para 18,4%, e a da GM diminuiu, passando de 23,8% para 19,3%.

E assim, avançando no maior mercado do mundo, a Toyota poderá ganhar a coroa de maior do mundo também, ela própria, com vendas previstas de 8,24 milhões de automóveis e pick-ups no ano fiscal que termina em março - mesmo faturando menos 673 mil unidades do que nos 12 meses anteriores (números da empresa, divulgados em setembro).

A hora é grave, as previsões da Toyota para o ano fiscal que termina em março não são róseas (menos 12,5% em receitas líquidas globais, menos 73,6% em lucro operacional e menos 68% em lucro líquido), com vendas em queda tanto nos Estados Unidos, como na Europa e mesmo no Japão, mas a empresa que aparece no "Relatório" é do tipo que parece gostar de crises, por que é aí que encontra estímulos para resolver problemas, se reinventar, criar conhecimento.

"Quanto mais turbulenta a época, mais contradições existem", afirmam os autores do livro. "A Toyota é implacável em colocar forças contrárias umas contra as outras para obter inovação contínua e renovação constante." Exemplo simples (muitos outros, concatenando um método tenazmente perseguido, são examinados no livro) é a resolução da aparente contradição entre economia de combustível e desempenho, que fizeram do Lexus o carro de luxo mais vendido nos Estados Unidos. Criam-se assim campos de trabalho, e de resolução de contradições, em que, de um lado, estão o sistema de produção, a gestão de logística e a pesquisa e desenvolvimento; e de outro, a gestão de recursos humanos, a gestão dos revendedores e a cultura corporativa. As contradições são procuradas nas relações entre esses campos.

"A Toyota se esforça para ficar no 'extremo', um estado de desequilíbrio em que as contradições radicais coexistem, afastando a empresa da zona de conforto, criando tensão e instabilidade saudáveis", explicam os autores. Essa tensão catalisa movimentos para a frente, para níveis mais altos de desempenho. O presidente Katsuaki Watanabe não perde oportunidade para fazer chamamentos à responsabilidade coletiva para se atingir esse objetivo permanente (como aconteceu em 2006, quando uma série de "recalls" manchou a reputação de qualidade da empresa). "Vocês têm que pôr sua vida na linha de montagem, a fim de fazer algo de bom". Como base de tudo, aquilo que ele chama de "espiral ascendente" de criação de conhecimento, em processos adaptados a cada país em que a empresa esteja presente - e bater a concorrência, como fez nos Estados Unidos.


Autor: Lucas Hempe


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