Da Concorrência Perfeita às Distorções nos Mercados



O modelo liberal clássico de concorrência perfeita pressupunha, antes de mais, a existência de uma pluralidade de agentes, sem que nenhum, nem do lado da procura nem do lado da oferta, tivesse possibilidade de influenciar o mecanismo de formação dos preços. Nos primórdios do século XX, já era bem visível o desfasamento entre o modelo e a realidade. As primeiras revoluções industriais, a massificação da produção industrial, a centralização de capital, alteraram a lógica do modelo inicial, gerando fenómenos de concentração, originando o aparecimento de grandes empresas, de agrupamentos de empresas sob as mais variadas formas (p.e. trusts, cartéis) e de oligopólios e monopólios.

Mais recentemente, a globalização e a internacionalização, veio exigir, em muitos casos, a expansão das empresas, através de sofisticadas técnicas jurídicas de influência, controlo ou domínio de outras empresas. Mas paralelamente, a essas formas sofisticadas, as empresas podem optar por outras formas de união e cooperação, estabelecendo ou reforçando laços de colaboração mútua, suspendendo a concorrência entre si para melhor poderem competir com terceiros.A internacionalização das economias veio intensificar e diversificar os processos de concorrenciais, trazendo consigo novos comportamentos e estratégias e novas modificações na estrutura de mercados. Para melhor competir as empresas substituem frequentemente os comportamentos clássicos concentracionistas, como as fusões, por comportamentos de cooperação, colaboração ou coordenação interempresarial que, por vezes, degeneram em práticas restritivas da concorrência, sendo neste caso necessária a regulamentação pública da economia.

Desde logo, a regulamentação pública da economia consiste no conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionadas através das quais o Estado, por si ou por delegação, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes económicos, tendo em vista evitar efeitos desses comportamentos que sejam lesivos de interesses socialmente legítimos e orientá-los em direcções socialmente desejáveis.
Na sua essência, o conceito de regulamentação pública da economia implica a alteração dos comportamentos dos agentes económicos em relação ao que seriam se esses comportamentos obedecessem apenas às leis de mercado ou a formas de autoregulamentação.

Em função dos objectivos, as medidas de regulação pública podem ser agrupadas em duas categorias básicas:

A primeira compreende as que visam restringir a liberdade de iniciativa económica, em qualquer das suas componentes: acesso, organização ou exercício da actividade económica. Consiste em proibir ou condicionar o exercício de certas actividades económicas ou de verificar o preenchimento de requisitos para o seu exercício e a repressão de práticas ilícitas, que são tipificadas pela lei.
A segunda compreende as medidas que contêm indicações, incentivos, apoios ou auxílios aos agentes económicos para que assumam determinados comportamentos favoráveis ao desenvolvimento de políticas públicas, designadamente económicas ou sociais.
As áreas da regulamentação pública da economia têm variado ao longo do tempo. Durante o século XX por razões que se prenderam com o desenvolvimento tecnológico e com fenómenos de internacionalização e globalização da economia, ou mais tarde, com as políticas desreguladoras relacionadas com as privatizações. Mais recentemente, com a tendência “nacionalizante” de resolver problemas à banca que esta não conseguiu resolver a si própria. Assim, enquanto algumas áreas tradicionais de regulação, como a fixação de preços vão perdendo importância, emergem outras áreas de controlo como a qualidade, ambiente e consumo. Em qualquer destas áreas, cruzam-se muitas vezes os objectivos de restrição da liberdade dos agentes económicos com os de promoção ou apoio à sua actividade. Pelo que, variam os procedimentos utilizados, passando-se dos imperativos aos negociados e vice-versa, nas diferentes áreas de regulação económica, não se podendo perder de vista questões relacionadas com o direito.

De facto, a relação do direito com o tema da concentração e da cooperação interempresarial é de relativa ambivalência. Com efeito, por um lado, o direito põe à disposição dos privados as formas e técnicas jurídicas que possibilitam ou potênciam este movimento, regulando e favorecendo, muitas vezes este tipo de processos. No entanto, tem procurado garantir a manutenção de um certo nível de concorrência como motor do sistema, evitando, em princípio não as concentrações ou as formas de cooperação em si mesmo, mas as práticas restritivas da concorrência que delas resultem. Em linhas gerais, pode dizer-se que a existência de um princípio de favor em relação à concorrência não impede o reconhecimento da importância dos mecanismos de concentração e cooperação interempresarial.

O termo cooperação surge como uma estratégia empresarial de coordenação de comportamentos, distinta da concentração, referindo-se às operações entre empresas que, sem alterar gravemente as suas estruturas e a dos mercados em que operam, implicam uma conjugação de esforços e de meios das entidades envolvidas. Desta forma, a cooperação implica relações contratuais entre empresas independentes que mantém a sua autonomia de um ponto de vista jurídico. O facto dessas formas de cooperação, poderem constituir formas de organização do mercado, eliminando ou esbatendo a concorrência, faz com que possam ser objecto de restrições ou condicionamentos pelas leis de defesa da concorrência. Mas, simultaneamente reconhece-se a utilidade destes como instrumentos de colaboração, susceptíveis de favorecer a especialização, o reforço da competitividade das empresas e a sua permanência no tecido empresarial (no caso das pequenas e médias empresas), o que leva a que os poderes públicos, a diversos níveis, os estimulaem e dispensem recursos para o seu desenvolvimento. É por este motivo que esta matéria exige uma cuidadosa ponderação casuística.
Autor: Miguel Cristovao


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