O Braço Direito



Para meu irmão, Rodolfo Gabriel Vieira Malkov.

O braço direito

Moro num lugar simples, pequeno e agradável vilarejo. Dificilmente se vê lugares assim hoje em dia. É tudo tão apertado, tudo tão corrido, que até parece que o tempo resolveu se perder no espaço e ninguém mais o encontra pra nada. Mas aqui onde eu moro não é assim não. O tempo é meu amigo e o espaço também, aqui há por onde andar, respirar e viver. Como disse, minha casa é pequena, mas o espaço, grande e sem sinalização. Dá até para se perder.

Eu sou uma pessoa qualquer, não tenho nada que qualquer outra pessoa também não poderia ter. Afinal de contas, se Deus está em todos os lugares e o mal também, todos experimentam as alegrias e dissabores da vida. Só tenho um pequeno detalhe que me torna diferente: o meu braço direito.

Assim que nasci, não percebi nada, mas também como é que eu ia perceber alguma coisa? Na minha cabecinha, o mundo era meu e girava e existia por causa de mim. Mas, como para a maioria, as frustrações da vida foram me mostrando que não sou o umbigo do mundo, Ainda bem!

Mas foi ainda criança que comecei a notar que meu braço direito era especial. Nem sempre ele me obedecia. Até então, eu achava que o de todo mundo era assim. Quando comentei sobre esse fato engraçado para as outras crianças do vilarejo, elas me disseram que o delas era normal e sempre as obedecia. Eu era o único.

O que eu podia fazer a respeito? Nada! Sou destro, preciso do braço direito. Normalmente convivíamos bem, mas às vezes ao invés de ele me obedecer, eu o obedecia. Estranho, mas apesar de estranho, começamos a criar essa relação amigável. Não é só por que ele era parte de mim que já nascemos amigos. Construímos a amizade. Muitas vezes com brigas, discussões (é, eu discutia com meu braço!), risadas e conversas. Sem falar nos nossos jogos e brincadeiras, propostos em sua maioria por ele. Vai entender!

Crescemos juntos e constantemente aprendemos um com o outro. Tocamos nossa primeira música juntos, saímos para dançar (permita-me dizer que ele não é o melhor dançarino e eu também não colaboro), conhecemos novas pessoas, falamos com Deus, jogamos, sorrimos, choramos e assim fomos fazendo a nossa vida.

Devo dizer que sempre que eu tinha dificuldades, o braço direito ia à frente, assumia o controle. Ele tomava a iniciativa, me apresentava para os amigos, me orientava por onde caminhar. Ele sempre sabia como me ajudar. Até hoje ele é assim. Por isso, eu sempre estava bem, pois sabia que com duas coisas eu sempre poderia contar: Deus e o braço direito. Mesmo quando eu estava mal, estava bem.

Queria contar uma grande aventura ou uma história de heroísmo, mas não dá. Não por que não tenhamos histórias, temos sim, e muitas! Inclusive, o braço direito é um exímio contador de histórias. Mas, como disse, hoje não dá.

Não dá por que quero deixar claro que o braço direito e eu não somos uma dupla. Somos um. As aventuras soariam como dois e isso seria mentira. Não gosto de mentiras. Aprendi a viver assim, com essa parte independente ligada em mim, em paz e harmonia. E isso não foi por pensarmos tudo igualzinho, ou por alguma bizarra obrigação biológica. Foi pelo amor, carinho e amizade que temos um pelo outro.

Por isso, sou qualquer um e não tenho nada especial, pois o que tenho de especial me torna inteiro, como qualquer outra pessoa normal é. Mas tenho certeza que embora possam acontecer milhares de cosias, enquanto eu respirar, vou me lembrar do meu braço direito como ele é para mim: o braço direito da vida.


Autor: Renato Malkov


Artigos Relacionados


Recado

Escuta-me

A Dor Que Cura

O Chão

Analisando A Vida

Para AlguÉm Que EstÁ SÓ

Como Vejo Meu Futuro