A Família Castro



Família Castro

Senhor Castro, aos 72 anos, é orgulhoso de seu sucesso. Não por ter construído um grande império industrial ou por ter sido um político influente, mas por ter vivido com saúde, honestidade e dignidade. Ele teve dois filhos e uma filha, todos formados em renomadas escolas e universidades, bem sucedidos profissionalmente e com famílias constituídas.

Castro criou seus filhos com certo conforto, mas acima de tudo com muita conversa, sinceridade e saúde – de corpo e alma. Sempre prezou pela boa educação, boa higiene e boa alimentação. A filosofia de vida de Castro com certeza foi bem entendida por seus filhos e ele sempre se alegra em ver toda a família reunida e unida em torno de pilares tão sólidos.

O filho mais velho, Renato, tem 45, é engenheiro e se casou com uma nutricionista. Seus gêmeos Tito e Tita já estão na faculdade. Cresceram amando a família e seu estilo de vida. O pai, sempre calmo e de fala mansa, escuta os filhos e os aconselha sobre todos os assuntos. Renato tem consciência de que assumirá a posição do patriarca quando esse se for.

O filho do meio é Thiago, 43, e quando mais jovem deu um pouquinho de trabalho para a família. Ele parecia não aceitar muito bem a filosofia da família. Envolveu-se com uma galera barra pesada e os pais desconfiaram de ele ter se envolvido com aquilo. Aquilo, aliás, era o maior medo da família. Sempre prezando por uma conduta reta e uma vida saudável, o envolvimento com aquilo era sinônimo de fracasso. Mas Thiago achou o caminho com a ajuda do irmão mais velho e hoje é um publicitário de sucesso.

A mais nova é Karina, 40, dentista. Mora em um confortável apartamento com seu marido e filhos, Flavinho, Aninha e Filipe. O envolvimento do tio Thiago com aquilo era uma lenda entre os sobrinhos e Karina procurava manter seus filhos distantes do assunto. Inho (Flavinho), no entanto, constantemente perguntava a mãe sobre aquilo e ela sempre desconversava.

Depois dos quinze anos, Inho começou a agir de forma estranha. Sua pele estava diferente, seu cheiro era diferente, seus olhos estavam mais arregalados. Ele parecia mais pilhado do que todos os irmãos e primos, seu comportamento era definitivamente diferente. "É só uma fase", dizia o marido de Karina. Mas a fase não passava e seu comportamento anômalo parecia se agravar. Karina estava muito preocupada porque ela entendia o medo de seus pais daquilo. "Logo o meu filho...", desesperava-se Karina, a menina, a mais nova, a mais dengada.

O comportamento de Inho só piorava. Ele se trancava em seu quarto e quando alguém o chamava à porta ele demorava longos segundos para destrancá-la. Saía de casa com frequência, dizia que ia curtir com os amigos. Amigos esses que se portavam como ele, o que amedrontava Karina ainda mais. "Meu filho, há algum problema com você?" "Como assim, mãe?" "Você está tão entranho, Inho..." "Que nada, mãe. Tô bem. Que mania a sua de procurar problema!"

Karina não se convenceu, mas respeitou as palavras de seu filho.

Nos meses que se seguiram a situação apenas piorava. Vô Castro se incomodava com o comportamento de Inho e o tio Renato tentou aconselha-lo, mas o sobrinho mais uma vez disse que não havia problema algum. Depois disso, Karina não aguentou. Aproveitou que Inho acabara de chegar da casa de um amigo e estava no banho, entrou em seu quarto e rapidamente procurou alguma coisa nos cantinhos das gavetas, em baixo das roupas, sob a cama... e achou! Dentro de um recipiente de plástico, havia um pedaço daquilo, bem embalado.

Desespero total! Karina não sabia o que fazer. Imaginou-se contando para o Sr. Castro o que estava acontecendo com Inho. Imaginou sua vergonha. Ela não havia conseguido manter sua família no caminho reto e saudável. Contou a seu marido o que encontrou no quarto de Inho e resolveram conversar com o menino. Afinal, essa era a política da família: sinceridade e conversa. "Inho, eu achei um pedaço... daquilo no seu quarto hoje." "O quê?! Você estava mexendo nas minhas coisas?!" "Meu filho... eu não aguentava mais ver você desse jeito e tentei descobrir o que estava acontecendo. Desculpe-me, mas o que está acontecendo é mais grave do que eu mexer nas suas coisas." "Mais grave! Mais grave do que você violar minha privacidade? Eu não estou fazendo nada de errado!" "Como não?!", exaltou-se Karina. "Você está comendo... carne!"

Após o grito da mãe, seguiu-se uma pausa avassaladora e Karina continuou, "Depois de três gerações de pessoas macrobióticas nessa família, você se atreve a quebrar esse ciclo saudável de vida." "Mãe, você e todos os outros dessa família já enfrentaram discriminação por seguirem esse estilo de vida, então, você não tem o direito de me discriminar... sim, eu como carne!", berrou finalmente Inho.

Semanas de depressão se seguiram. Inho voltou a adotar a dieta da família até completar dezoito anos, quando saiu de casa. Às vezes liga, mas pouco sabem de sua vida.

Hoje, toda a família evitar passar pela rua 15 de Novembro, na Zona Sul. Fica lá a Churrascaria do Inho.


Autor: Marcelo Elias


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