A reconfiguração das políticas sociais no contexto da globalização neoliberal



As políticas sociais no contexto da globalização neoliberal

As reformas constitucionais são costumes políticos no Brasil, sendo tema obrigatório na Republica que, segundo Vieira (1997) aconteceram depois da década de 20, como em 1926, 1932, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 (AI n.5), de 1988.

A política social neste contexto atravessou momentos distintos, sendo o primeiro período denominado de Controle da Política na época da ditadura Vargas ao Populismo nacionalista. O segundo foi o período de Política do Controle na época da ditadura militar em 1964 à Constituinte de 1988.

No decorrer destes períodos, conforme Vieira (1997), a política social brasileira se compõe e se recompõe, porém, sempre conservando seu caráter setorial e emergencial com o intuito de sempre dar legitimidade aos governos atuantes que aceitam seletivamente as reivindicações e pressões da sociedade.

Com a Constituição Federal de 1988, a política social encontra-se em seu terceiro momento, o que Vieira chama de "política social sem direitos sociais. A Constituição de 88 acolhe a política social nos campos da educação, saúde, assistência, previdência social, trabalho, lazer, maternidade, infância, segurança. Define os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, da associação profissional ou sindical, de greve e outros. Aludindo-se assim, aos direitos sociais.

Porém, poucos desses direitos são efetivados. Ao contrário, tais direitos são atacados pela classe dirigente do Estado e também do capital. A forma desse ataque é denominado de neoliberalismo, que usa a modernização como pretexto para a acumulação capitalista se manifestar.

Referindo-se à Política Social, o neoliberalismo sempre a redireciona para o corte do gasto social, à desativação dos programas e à redução da responsabilidade do Estado, fazendo assim, redução da universalidade e os graus de cobertura dos programas sociais, ou seja, retirando-se do campo dos direitos sociais.

A tendência do neoliberalismo é reestruturar os programas sociais através da descentralização, que visa aumentar a eficiência e a eficácia do gasto. A privatização é outro ponto que tende a deslocar a produção e a distribuição dos bens e serviços públicos para outros setores, como o privado e o não-lucrativo, desresponsabilizando os governos de suas obrigações sociais. E a focalização, como o nome indica, é outro ponto dessa reestruturação, que foca o gasto social a programas e público-alvo específicos, seletivamente escolhidos conforme a urgência de sua necessidade.

No contexto da globalização neoliberal, conforme Soares (2003):

"A filantropia substitui o direito social. Os pobres substituem os cidadãos. A ajuda individual substitui a solidariedade coletiva. O emergencial e o provisório substituem o permanente. As microsoluções ad hoc substituem as políticas públicas. O local substitui o regional e o nacional".

As políticas sociais, no contexto da globalização, são percebidas assim, como a focalização no indivíduo e não mais nos direitos. Nesse processo, se aprofunda a desigualdade. Na análise desta conjuntura se percebe a diminuição do emprego estável, a desestruturação familiar baseada agora no individualismo e a não-universalização dos direitos.

O contrato da cidadania neste contexto se fragmenta, pois, conforme Faleiros (1999), os Estados favorecem mais os interesses do capital que a defesa dos direitos humanos. Assim, o novo contrato social imposta pela economia globalizada torna o individuo menos seguro, menos protegido, mais competitivo no mercado de trabalho e sem nenhum direito garantido.

A globalização com seu ajuste neoliberal não afeta apenas a esfera econômica, mas redefine globalmente o campo político institucional e das relações sociais. Tal ajuste neoliberal foi denominado por Soares como desajuste social, pois, além de agravar a já existente desigualdade social fez surgir novas formas de exclusão social e precariedade social.

A questão social se torna objeto de intervenção não mais do Estado, mas sim de ações filantrópicas. As políticas sociais são substituídas por programas de combate à pobreza, que possuem características tais como a dependência de recursos externos e o caráter transitório, assim como a substituição do Estado pelo terceiro setor, a substituição da universalidade pela focalização e o autofinanciamento.

Demo (1996) caracteriza política social do ponto de vista do Estado, como proposta planejada de enfrentamento das desigualdades sociais. Tal proposta planejada acontece por iniciativa expressa e organizada, tratando-se de enfrentamento dinâmico em termos de polarização de classes e supõe também, planejamento de forma a intervir no processo histórico, não o deixando acontecer à revelia.

Para Faleiros (1999), a política social é um processo de reprodução de força de trabalho, viabilizando serviços e benefícios financiados por fundos a eles destinados. O desenvolvimento social é responsabilidade dos governos federal, estadual, municipal e da sociedade. A assistência social se converte assim, nas estratégias de governo para prover as condições de vida necessárias para a dignidade humana.

Conforme Faleiros, os modelos de políticas sociais nasceram nos anos 30, período em que se vivenciou a primeira crise estrutural de tais políticas caracterizadas pela recessão econômica. Nas décadas entre 30 e 60, a conjuntura da crise condicionou o governo brasileiro, na época de Vargas, a implementar encargos, além de fomentar o desenvolvimento de instituições de políticas sociais para administrar a questão do trabalho. Com a formação do capitalismo monopolista a política toma um novo rumo.

Com a reforma do Estado nos anos 90, a política social brasileira se apresenta submissa à orientação macroeconômica, distanciando-se da dimensão universalista adquirida na Constituição de 88. Com o governo FHC foram eliminadas as possibilidades da consolidação de um modelo de política social publica no Brasil.

No decorrer deste processo de (des)responsabilização do Estado com as políticas sociais começam a surgir as organizações publicas não-estatais chamadas de terceiro setor, encarregadas de promover a assistência social conforme o modelo do programa Comunidade Solidária. Percebe-se assim, que a cidadania na verdade é meia cidadania, como é o caso da cidadania regulada e da consumista liberal. Devido as conjunturas políticas serem caracterizadas pela (des)proteção social e não pela implementação de políticas sociais plenas, a cidadania não existe no seu termo real no Brasil.

A assistência social neste contexto apresenta diversas facetas, se apresentando de acordo com os dirigentes que a conduzem, pois, quando se mudam os chefes, muda-se o atendimento, muda-se a orientação política, mudam-se os serviços prestados, ou seja, a assistência é promovida de acordo com o interesse dos dominantes no poder.

A assistência social se baseia nas desigualdades sociais e não se constitui de política social e sim como estratégia para o cumprimento dos direitos sociais, não tendo assim, o significado político e jurídico, no que concerne ao pleno exercício dos direitos sociais.

Conforme Faleiros (1996), política social não é ajuda, piedade ou voluntariado. Mas o processo social, pelo meio do qual o necessitado gesta consciência política de sua necessidade e, em conseqüência, emerge como sujeito de seu próprio destino. Dessa forma, o indivíduo deixa de ser objeto e se torna sujeito ativo. Assim, para ser definida de social precisa atingir a concreta redução da desigualdade, sendo, portanto, de cunho emancipatório.

As políticas de assistência, apesar de não ser a solução, atende o emergencial, correspondendo a um direito, o que difere das políticas de assistencialismo, que não passam de uma estratégia para a manutenção das desigualdades sociais. Cabe, portanto, ao Estado não rebaixar assistência a assistencialismo.

Considerações finais

Com a política neoliberal ditando as regras da dominação capitalista sobre o Estado, este tende a se desresponsabilizar de suas obrigações no que tange a garantia dos direitos sociais ao cidadão. Sua atuação assim, se transfigura através de programas de solidariedade que mobilizam recursos empresariais e da própria sociedade para implementar políticas que atendam precariamente as necessidades da população. Esta de forma focalizada se dirige apenas a uma pequena parcela de pessoas que se sente agradecida pela "solidariedade" do Estado.

O instituído desta política social ignora que é portador de direitos sociais e que a precariedade que se vive hoje é fruto do sistema dominante que além de acumular a riqueza global ainda nos tira o que foi histórica e duramente conquistado. Para este, não resta outra opção a não ser aceitar seu papel de excluído e buscar na precarização do trabalho os meios para sua sobrevivência.

O grupo dos "sem" (sem teto, sem trabalho, sem escola, sem comida, sem nada) que são quem mais precisam, ficam de fora, pois estes não conhecem seus direitos e pensam ser, de alguma responsável pela sua atual situação e nem ao menos buscam meios dignos de sobrevivência. Por outro lado, como vão procurar, se não possuem conhecimento de seus direitos e o Estado tratou de estigmatizá-los como miseráveis e com programas assistencialistas impõem-se como o benfeitor e salvador da pátria.

Para atender essa população o primeiro passo seria a politização, investir na qualidade política dessa sociedade, para que assim esta fosse capaz de expressar sua voz e lutar por seus direitos não como instituídos das políticas sociais benéficas e sim como cidadão portador de direitos universais.

A inclusão social surge assim, como um grande desafio para o governo contemporâneo, que por razões históricas, traz em seu bojo um conjunto de desigualdades sociais referente à má distribuição da riqueza, da terra, de acesso a bens materiais e culturais e da não apropriação e não pertencimento aos avanços científicos e tecnológicos atuais.

Referência Bibliográfica

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução de Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celson Lafer. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004

DEMO, Pedro. Política Social, educação e cidadania. 2ed. Campinas, SP: Papirus, 1996

FALEIROS, Vicente de Paula. O que é Política Social? São Paulo: Brasiliense, 2004

FALEIROS, Vicente de Paula. Desafios do serviço social na era da globalização. Revista Serviço Social & Sociedade. n. 61, ano XX. São Paulo: Cortez, 1999

FALEIROS, V.P. Inclusão Social e Cidadania. In Debates Sociais. Rio de Janeiro: CBCISS, n°65/66, ano XLI, 2006, pg. 107-120

IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 13. ed. São Paulo, Cortez, 2007.

SOARES, Laura Tavares. O desastre social. (Os porquês da desordem mundial. Mestres explicam a globalização. Rio de Janeiro: Record, 2003

VIEIRA, Evaldo A. As políticas sociais e os direitos sociais no Brasil: avanços e retrocessos. In Revista Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 53, ano XVI, Março, 1997.


Autor: Silvia Bezerra da Silva


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