O Leão e a Princesa.



"Provenho de uma raça notável pelo vigor da imaginação e pelo ardor da paixão, chamaram-me de louco", Edgar Allan Poe, Eleonora.

I

Eis meu prólogo:

Todos vocês estão presos a uma rede que coube a vós mesmos criar. Chamar simplesmente de aceitação é uma demonstração de incapacidade de mutação, incapacidade de superação. E sabemos que perder tempo é essencial para o homem que acredita no tempo, se divertir é essencial para o homem que acredita que precisa se divertir e desferir palavras inúteis para com o outro é de fato uma afirmação de inutilidade de quem as professa. Pois bem, todas as minhas palavras serão como leves estocadas no corpo podre destes que acreditam serem os únicos seres da terra que merecem importância, que pensam ser reis ou qualquer outra espécie de autoridade imbecil, que atravessam o caminho das pessoas trazendo dor e saem impunes. Eu sou o instrumento de vossa tortura, eu sou seu algoz, eu sou tua fogueira e tua forca, de medo de mim irão se banhar em vossa urina e fezes, onde irão clamar por deus e por suas mães. Eu não sou dono da verdade: eu a odeio. E odeio toda espécie de comodidade, odeio toda espécie de passividade frente ao que é imposto por verdade. Compreendemos que seguir a corrente das coisas é demasiadamente fácil, é o que é aceito e aplaudido por todos: Festejemos! Façamos festa para vossa imbecilidade! Sois imbecis demais para sequer perceber que há um caminho inexoravelmente trilhado por todos que querem deixar de ser homens póstumos ou sedados, por todos que querem deixar de ser animais no cio, machos e fêmeas se preparando para o coito, machos e fêmeas numa pseudo orgia desregrada sem realmente conhecer o que há de prazeroso na vida. Eu não posso me queixar de nada, sou um ser demasiadamente feliz e consigo chegar ao orgasmo em quase tudo que faço: Sinto prazer em minhas leituras, em escrever, em estar com minha família, com minha namorada, com meus amigos e irmãos enquanto vós buscais desesperadamente por um prazer em um copo de bebida ou em um corpo e de fato só sentem o vazio de voltar para casa embriagado e se sentido usado enquanto eu posso sentir prazer na simples contemplação do que é minha vida em alguns minutos permanecendo pensativo. E para saudar a felicidade, escreverei mais de mil palavras.

Sou de fato um homem livre, um filho de homens livres e não estou aqui para te pregar nada como um religioso fanático que tem suas verdades. Estou aqui para narrar algo que poderia ser real, mas pode ser fantasia minha e também real e pode ser uma espécie de devaneio meu, mas venho aqui para contar uma partícula de minha existência, venho contar quando enfim conheci aquela bela senhorita e como foi nossa história, o leão e a princesa, duas visões de mundo se chocando e se esquivando, no tempo que eu ainda nutria pela manada alguma forma de sentimento, no tempo que ela me unia de novo ao vosso tempo, quando escrevia o tempo. Só poderia saber sobre o tempo que passei sem pronunciar esta palavra apenas um ser: eu mesmo. Desde que 'ele' se fora a palavra perdeu de minha pronuncia e me encontrava no estado de deterioração mais intenso, tinha a intenção de acabar com minha matéria a fim de voltar ao passado, quem sabe, voltar a ser nada.

Encostado no muro e conversando com um desconhecido. Ele me olhava com um olhar e uma expressão que denominava nojo, ele sentia nojo de minhas roupas, do meu corpo e de minha vontade incansável, estava a mais de meia hora querendo convencê-lo de que o amor de fato, não existe. E enquanto mais eu argumentava mais o desconhecido relutava em acreditar, afinal ele mesmo já tinha amado, "todos já amaram uma vez" afirmava. Ah, o amor, suspirava o tolo, a maioria dos homens são tolos, pensei enquanto ele olhava para o nada e assumia uma postura de quem contemplava o maior segredo da humanidade pela primeira vez, contemplava a verdade dos inocentes. Deixe-me dizer o que é o amor de fato: Primeiro: manifestação do medo de estar sozinho, solidão infernal, medo maior do homem que corre da possibilidade deste e se agarra a qualquer coisa que pode, inclusive em mentiras como o amor, quer seja sua natureza. Em seguida temos a necessidade social de conservação da espécie, de se afirmar como homem ou mulher (apesar de podemos visualizar mudanças significativas nessas relações que não devem ser tratadas apenas como um parêntese em obras dedicadas a tais observações, temos as novas estruturas da família moderna.) e o amor como manifestações de uma estrutura natural ou melhor dizendo, biológica do homem animal, do homem besta. Apesar das afirmações feitas por alguns pensadores entre os quais humildemente posso destacar Platão ou Sócrates que chamam o amor de virtude ou de "um gênio" capaz de ligar os homens aos deuses, devo destacar destes: não creio mais em deuses ou deus, onde eles estavam? Sou tão mesquinho e humano quanto nós?

Para ser bem sincero sinto apenas vontade de transar. Sou o que chama de 'tarado' e acredito fielmente que possuo alguma forma de doença mental e agradeço a minha pessoa por possuí-la afinal sou um homem livre, livre demais para ser preso a uma mulher e ainda livre em demasia para me prender a algo, logo não me prendo a gênero, como dizem por aí, sou um degenerado. Na ilusão do que é o amor não mantenho preconceitos e engano a todos, homens e mulheres com um instante de meu viver: digo que os amo. E é isso que posso dar de melhor, um momento de ilusão e é isso que todos podem dar uns para os outros além de outras atribuições pejorativas para este verbo: um momento de ilusão. Porque tudo é um momento e sempre parece "que passou rápido demais", passa rápido demais porque nunca este passado que se cultiva como materialidade chegou a existir, vivemos sempre no instante do presente, um piscar, um leve pensar, um pesar incomensurável. Enfim dedico meu instante a cultivar ilusões nos outros e não me tome como errado: todos fazem isso com todos, inclusive vocês tem o estranho costume de se enganar e ainda cobram "verdades" e "fidelidades" dos outros, como, me respondam: Como exigimos verdades se somos os primeiros a nos enganar? Então, se um dia deitarmos juntos saiba que terá apenas um momento de mim, mas posso te afirmar com veemência que este momento será somente teu.

Não me tomes como um depravado qualquer. Vocês me chamam de depravado, de degenerado, de "bicha", de imoral e muitas outras coisas, pois sou para vós como um predador que ronda sempre o rebanho e palavras de mau agouro são dirigidas contra minha pessoa com a complexa intenção de tentar afastar minha imagem de suas concepções, mas devo deixá-los mais uma vez perplexos: Em breve estarei deitado em sua cama e você chamará docemente pelo meu nome ou de "meu amor". Se não for em tua cama será na de outro conhecido, familiar, amigo teu, homem ou mulher, jovem ou idoso, não detenho nenhuma espécie de preconceito. Não sou o que é querido e amado na aparência e sim o que é desejado profundamente por dentro, não como o anjo que visita a donzela para guarnecê-la, mas como o demônio que vem para violá-la e nela gerar um filho que será o fim da cristandade.

Como este desconhecido desperta em mim sentimentos tão ambíguos. Dado momento tenho vontade de perguntar ainda mais sobre ele, mas pergunto como perguntariam ao rato de laboratório os cientistas caso este pudesse responder. Ele me é tão interessante, um ser de outra espécie, inferior e diferente e unicamente por isso me desperta alguma forma de interesse e assim é para todos os outros. Outro momento separa-me dali e deixo minha mente vagar, aquele ser diferente e inferior não me é nada agradável e eu passo a sumariamente ignorá-lo.

Após alguma coisa que não sei afirmar apresenta-se na minha frente: a figura de meu amigo, um homem virtuoso para os padrões sociais: acorda todos os dias com uma mulher só mas dorme com várias todas as noites e, graças aos avanços tecnológicos é capaz de evitar as doenças sexualmente transmissíveis e de emprenhar alguns orifícios, nada mais normal que ele tenha sete filhos e que tenha de pagar sete pensões oficiais e mais três não oficiais. E vive trabalhando para arrumar dinheiro: paga pensão e sustenta sete prostitutas caseiras, sete orifícios que se prontificam a estar com ele. Já eu não sou assim, gosto mesmo é de mulher não de um animal que possua uma vagina, facilmente comprada quer seja com dinheiro ou com palavras torpes, frases feitas, músicas ridículas. Gosto mesmo é de conquistar seres que me provoquem ao extremo: que gostem de músicas que nos leve a refletir, que seja tão perspicaz quanto eu, que me leve a buscar novas formas de me aproximar, gosto de seres que não sejam caça e sim caçadores, para falar a verdade gosto de inverter a situação e mostrar que as coisas, como posso dizer, não são bem assim, eu que sou o leão e você sempre será o cordeiro. Mas este meu amigo, como ele mesmo diz "gosta é das burras", um termo demasiado inferior, mas utilizado amplamente em nossa sociedade: mulher burra. Já eu, contra toda espécie de preconceito não procuro taxar os seres assim apesar de que com pouca convivência estes seres que anseiam por sociabilizar-se já se entregam em demasia para você poder conhecer bem suas vontades, seus costumes e seus planos. Daí simplesmente recuo até uma dimensão distante, meu pensamento, onde estava até agora quando meu amigo se aproximou. Entramos no carro dele e seguimos em direção a minha casa e no caminho penso: O que devo chamar de amigo? Uma comunhão, uma relação entre virtuosos? O homem virtuoso seria o que detém muitos amigos, o que agrada a todos, ou o que detém muitos inimigos, o que se apresenta contra todos? Há casos e casos: O homem que se apresenta contra tudo e contra todos, contra tudo que se acha correto deve ter poucos amigos caso contrário não estaria realizando o que diz fazer, mas até mesmo este homem que se apresenta com tudo e contra todos deve ter amigos e deve chamar este de irmãos: sem amizade não há como resistir.

E, o que faz este homem ser meu amigo e não outra coisa? Por dois motivos: Por ter estado comigo quando precisei e por ser uma espécie de revoltado com as coisas, um guerrilheiro contra a moral e como todo guerrilheiro se utiliza de sua fraqueza e de sabedoria: ataca de forma furtiva e se retira em seguida. Mas já é um derrotado, pois teima em acreditar em algo que de fato não é importante para ele: teima em acreditar que dá importância para o outro quando na verdade não dá e assim se engana e engana a todos e todas que se deita: melhor que faça como eu: seja sincero, fale a verdade. Não um revoltado, mas uma espécie de revolucionário, não desejo mudar alguns aspectos e sim todos os aspectos. Mas, apesar de tudo é meu amigo.

Sem grandes inspirações, chego a minha residência.

II

Minha casa. Se é que se pode chamar isto de casa, um casebre onde moro sozinho onde quando chove parece que molha mais dentro do que fora. Sem maiores descrições, estou com vontade de transar e não vejo uma possibilidade de ter uma parceira nos próximos trinta minutos e por isso resolvo me masturbar, corro e pego uma carta que recebi de uma senhorita, seu amor era tão puro e eu a penetrei de forma tão violenta, ainda hoje me lembro e sua inocência e pureza ainda me excitam, ela ainda me espera em sua distante cidade, apenas passei por lá e ela não entendeu até hoje, assim começa a casa:

"Meu amado [como pode me amar tão rápido, é cada vez mais fácil se amar: sem sacrifícios, sem suicídios, se ama hoje e amanhã se deixa de amar: por este motivo tirei de meu vocabulário tal infame palavra], como estamos distantes e como desejo vencer esta distância, maldita seja a geografia que nos separa, ainda mais que a história [aqui uma brincadeira infantil, nada mais normal já que apesar de sua criação voltada para os estudos ela era uma menina de quatorze anos e eu já tinha vinte e dois na época] ou outras matérias. Fico feliz ao lembrar tudo que aconteceu entre nós e sonho sempre com suas promessas, mas não espere que eu vá ficar te esperando, já tenho outro rapaz que me interessa e ele se interessa por mim. Não te esquecerei nunca meu primeiro beijo, meu primeiro namorado e meu primeiro homem e tudo isso em apenas dois dias, dois dias! E apesar de pensar muito prefiro não pensar muito nisso afinal você ainda me ama como diz em todas as tuas cartas. Minha família diz que você me ilude com tuas promessas, que você anda falando para todos que fez o que fez comigo e por isso não serei mais respeitada na rua, mas eu sei que é mentira. Sei que você vai voltar e vai se casar comigo, que vamos ter alguns filhos e que vamos ser felizes, sei que ficaremos bem no final longe de todos. Eu te amo como nunca amei ninguém, beijos de sua Beatrix."

A verdade é que a engano e ela sabe disso, todas estas palavras não foram para mim e sim para ela mesma, são todas palavras ilusórias que ela repete para si ate dormir todas as noites, é seu mantra da ilusão. E inocente com certeza ela não é mais, eu fiz questão de abrir seus olhos, inocente sou eu que por um segundo cheguei a acreditar em suas doces palavras. Ela é uma devassa, quatorze anos de devassidão e sua face inocente não me engana. Ah, Beatrix, minha doce beleza, minha pequena, vá e ganhe o mundo. A alguns meses não respondo mais para ela e ao que me parece o outro rapaz já tomou meu lugar em meio as suas pernas e assim vamos seguindo. Existe outra carta, ah esta sim me excita muito: a carta de uma amiga, de tão prazeroso que é parece que foi escrita com sua doce saliva, parece que ela quase me prendeu, apesar de não conseguir, assim é a carta, escrita a mão e com uma risca de perfume na lateral esquerda:

"Ricardo Vagner. Um dia frio e apesar de minhas vontades tu não estás aqui, de certa maneira sinto saudades do vinho, das nossas conversas e de tudo mais. É apaixonante o modo como tu declamas tuas poesias e ainda mais quando falas a menos de um metro de distância de minha orelha. Estranho como me sinto saudades de ti mesmo você estando dormindo no mesmo quarto que eu, estranho como já sentia saudades de tua presença antes mesmo de te conhecer: algo me faltava, um sopro no coração, um vazio, um sem espaço. E como tu fazes questão de não preencher tal vazio sorrindo para mim quando querias e me deixando seu sorriso quando eu mais precisava e mesmo assim eu precisava de ti, pois ouvir-te falar é demasiadamente belo, ler teus contos devassos, e duvido se a maioria não é sobre você, te ouvir cantar tuas musicas em uma língua que só você entende e mesmo assim gostar. Quando tu queres, e somente nestes momentos tu és extremamente agradável comigo, com meus amigos e familiares. Com teus discursos e com teu sorriso sempre pronto tu convencias a todos os que antes acreditariam somente em mim que tu estavas certo e eu errado, e sabia disso, sorria e sussurrava para mim enquanto estava transando comigo, me colocava de quatro como um animal e me possuía, dizendo que, por ser o 'libertino' eu sempre estaria errada, pois não há verdade ou mentira para você, que você é que molda a verdade e a mentira de acordo com tuas vontades e eu, meus amigos e familiares acreditavam porque estávamos tendendo a acreditar, porque todos queriam estar ali no meu lugar, sendo penetrado por ti. E todos os dias meu corpo era teu e tu me humilhavas diariamente durante o atoe mesmo assim voltava correndo para ti. Não sei bem explicar. Os dias que eu contava para te ver, três, dois, um e quando era finalmente o dia de ter eu podia te ver com outra e recebia o singelo convite para participar do ato e aceitava por simplesmente querer transar com você mesmo sendo eu a mais antiga e a obra de arte menos contemplada por teu membro. E apesar do meu belo corpo você em pouco tempo se enjoou de mim, me deixara para trás e você não voltará, como deixou bem claro. Não sei se dará a devida importância para esta carta, mas eu a escrevi com muita dedicação. De alguém que nunca irá esquecer-te, Maria Bellomont."

Bem, ela já me esqueceu nos braços e no falo de outro. Uma bela mulher que mantinha minha foto em sua cabeceira e me tratava como um deus e foi justamente isto que me afastou dela: odeio ser tratado como um deus. Quero ser tratado pelo que sou: o pior dos homens. O que é ser homem hoje em dia? É ser o melhor escravo e o melhor dos canastrões, o melhor dos picaretas e eu não quero ser isso, por isso não quero ser. E agora é o momento de jogar fora estas cartas e jogo novamente em minha mesa, jogo fora de minha visão. Odeio lembrar certas coisas: concordo com o filósofo: uma memória fraca é a melhor receita para a felicidade e de meus mecanismos de defesa o que mais me apego é o esquecimento: Esqueci de minha data de nascimento (minha idade? Dez, vinte, trinta, quarenta, eu não sei), esqueci do nome dos meus pais (morreram? Não sei e nem quero saber), esqueci o local que nasci (não sinto saudades de lá) enfim esqueci-me de tantas coisas e não tenho onde me prender e em noites febris me apego somente a mim e não recorro a remédios familiares e eu quero que seja assim.

O lugar onde resido é uma construção de madeira com um quarto, um banheiro colado a este, uma cozinha e uma sala que modifiquei em um local de estudos com meus livros e meus cadernos, é o lugar que possui o menos número de goteiras. Tudo está aos pedaços, como dizem, e não preciso de mais que isso. Tenho o meu quarto bem arrumado com lençóis e travesseiros em cores quentes, principalmente o vermelho, esta cor exerce fascínio e desperta desejos na maioria das pessoas ou talvez seja minha pessoa que o faça, isso não importa. Sou o que chamam de 'pobre' ou 'miserável' e vivo à custa das pessoas que engano, mas não me tomem como coitado, escolhi ter esta condição de vida, não fui impelido a tal. Estou aqui porque quero estar aqui, adoro viver sem ter que me esforçar em nada demasiadamente laborioso: conquisto e engano a todos com facilidade e prazer.

Sobre minha casa, mais nada a falar.

III

Uma poesia: Sonhei com ela e acordei com dores/ Um estádio de seu inferno me fez recuar/ Até uma "transa" bem feita esvanece seus ardores/ O que resta é a ira e seu leite ferroso/ A de recuar em meio as suas pernas o amante/ Que ainda acreditar nos delírios dos sonhos/ Que ainda crê na redenção do passado/ E na divina intervenção no futuro, do futuro/ A mulher já não é como antes/ E agora?/ O que faz o amador, o que faz além de amar a dor?/ E tem a pureza como seu agravante.

Uma viagem é uma boa forma de se tornar prostituta na maioria das vezes: as grandes escolas dos saberes sexuais para indivíduos que ganham o corpo com seu corpo já não existem mais, hoje a prostituição se espalha por toda sociedade: convenhamos que o ser que se relaciona com outro ser mais rico por sua condição financeira é um prostituído, um de classe, um sobrevivente, mas é um de fato. E existem muitas outras formas de prostituição. O porquê deste assunto? Convenhamos que as coisas-pessoas me chamam de pobre e segundo os conceitos destes sou mesmo. Prostituo-me, mas não sou como os outros que o fazem: eu deixo de ser o masturbador do ego dos outros, não sou comprado e usado, deixo que eles me desejem, que queiram ser usados por mim e ainda me pagam por isso, não deixa de ser, mas o que é vergonha para uma pessoa como eu, que já me desprendi de tudo que poderia me desprender? Só me restam agora quatro sabores: O ler, O escrever, O enganar, O transar e tudo isso me remete a somente duas ações: O gozar e o me Alimentar.

Vocês se perguntam que sucessão de eventos ou que evento me levou a pensar desta maneira e esta é uma narrativa que faço questão de apresentar: Como podem ter nojo de vossa criação? Eu sou vocês sem suas prisões, sem a imbecil crença em algo natural e verdadeiro, eu sou vocês fazendo o que querem fazer e não o que os outros querem, esta é a simples diferença entre eu e vocês por isso, não me odeiem tanto.

Um dia estava na escola, não me lembro bem que ano, oitava série quem sabe? Eu gostava muito de uma pequena, dizia que a amava e era ridicularizado por todos inclusive por ela. Minha mãe assistia religiosamente a sua novela e religiosamente estava nos finais de semana alternando entre o bar e a igreja: pecava para pedir perdão depois. Ela me batia na face todas as vezes que eu falava de amor em casa, sempre fui um romântico, um poeta mirim em suas poesias simples e verdadeiras e assim foi até os meus dezesseis anos quando resolvi parar de escrever sobre o amor e escrever sobre a verdade que me cercava: meu pai foi um suicida e minha mãe uma depressiva que só não fazia o mesmo porque se mantinha constantemente embriagada por álcool ou pelo "espírito santo". Uma tragédia vocês diriam, eu digo que foi uma dádiva, imaginem eu casado, com filhos, com meu emprego fixo, com uma rotina, que loucura! Meu maior pesadelo, prefiro me movimentar assim pelos fluxos daquilo que se chama vida do que ser um escravo de outrem, do que ser mais uma alma para alguém. Estes seres que me chamaram de filho nunca representaram ser pais para mim, e minha memória destes não passa de um reflexo de suas tragédias pessoais que evito a todo custo.

Já tentei me refugiar em uma igreja, mas fui desmotivado pela visão do pastor entrando em um motel com uma "irmãzinha", com o grande churrasco que ele fazia com seus auxiliares nos domingo enquanto eu via durante a semana uma senhora dar seus centavos para merecer ir ao seu ou ter prosperidade. Um verdadeiro Deus fulminaria aquele homem, um verdadeiro Deus não se esqueceria de seus filhos, um verdadeiro Deus não se correlaciona com moedas, com carros, com mansões, um verdadeiro deus não existe: minha conclusão. Sai da igreja e caí nas ruas, álcool, drogas e orifícios sem valor nenhum. E na rua conheci pessoas interessantes que liam regularmente e começaram a me oferecer, alem de drogas e seus corpos, livros que se tornaram demasiadamente interessantes para mim. A partir daí descobri que, vivemos em um mundo que se esforça em nos enganar através de nossa percepção sensível, que tudo é uma estrutura, um discurso repetido e aceito por todos e que isso nos coloca em prisões que aceitamos e reforçamos diariamente e tudo isto nos leva a rotina, ao aceito, ao certo, ao verdadeiro. Percebi então que até mesmo a maioria daqueles que liam estes livros são reprodutores destes discursos: suas drogas, suas bebidas, suas noites de sexo são reproduções imbecis, são fugas sem se mover, são como seres embriagados, mas ainda presos e ainda se vangloriam de serem escravos coitados por seus vícios.

O que importa é o que sou agora: um ser. Um ser que odeia todo tipo de traficante: eu sou a única droga, o único apaziguador para a dor e ainda sou a sua dor, odeio todo tipo de estuprador: o homem que usa de tais artifícios para ter uma mulher, homem ou orifício é muito mais um masturbador crônico do que um conquistador, um caçador de verdade: Nada me diverte mais do que a caça, beijar os lábios e pensar estar em meio as suas pernas mordiscando seus outros lábios, pequenos, médios e grandes, ver e perverter com minhas palavras os olhares e ditames das senhoritas, não exigir que me queiram, mas apenas deixar ser querido, desejado em demasia até pelas mais puras. Certo dia, resolvi me encantar por uma doce senhorita que me levou para muitos lugares, que transou comigo em todos os lugares e das mais variadas formas: uma mulher que me mostrou os efeitos alucinógenos de certas plantas: um que se assemelhava em nome com "peia" me mostrou uma espécie de beleza e de deformidade total da vida: caso fosse possível viver assim o tempo todo, ai de mim, ai de nós: a vida seria um segundo de felicidade e seria uma eternidade doente: ai, não seria assim a vida. Sai andando pela minha cidade: senti seu fedor com maior intensidade, senti no rosto aquele mesmo sol e me senti mais feliz, vi as mulheres que passavam e pude sentir o cheiro do sexo destas, senti seus perfumes, observei atentamente suas curvas e fiquei excitado por um minuto e por seis horas, não sei bem o tempo. A menina nem sei ao certo o nome, mas era demasiadamente bela e me mostrou muitas coisas. Depois dessa intensa experiência repeti mais uma ou duas vezes e uma depressão me assolou fiquei por sete meses pensando na morte e até escrevi algumas coisas inúteis que apaguei logo em seguida. Voltando aos estupradores: são homens demasiadamente bons para os padrões de nossa tão amável sociedade, uma picada de pernilongo na ponta do dedo.

Sexo fácil não me interessa aquela coisa sem graça, odeio seres que se entregam para mim a primeira vez tão fácil, sem a menor promessa, sem a menor chance de conquista. E depois que tenho a primeira vez quero conquistar cada pedaço, beijar cada pedaço, mordiscar, comer cada órgão num ritual antropofágico, assimilar conhecimentos passados dela, dominar suas vontades e ser sempre o maior em sua vida. Aí a abandono, a deixo sem graça e vou-me embora para sempre. E só para constar, após minha ida e voltarei jamais, você procurará em outros o que sentiu comigo, aquele tremor, aquela sensação, mas, todos os outros homens do mundo são escravos, impotentes sexuais ou derrotados, segurando suas trêmulas ereções enquanto irão tentar te penetrar de tão ignóbil forma que tu nunca ficarás satisfeita, enquanto isso eu possuirei todas as mulheres que desejar, profanarei a todos os seus orifícios, transarei de todas as formas e gozarei em e com todas: troca injusta, suponho, mas quem aqui ainda acredita na justiça?

Estranho, estranho como existem seres de tal covardia que chego até a sentir um pouco de pena deles e com toda certeza são do tipo de ser que sentiria nojo de possuir: estes covardes não conseguiriam manter meu sexo ereto. Assustaria-me se eu não soubesse que outros seres se entregam a uma espécie de ato que insistem em chamar de amor ou de sexo e eu sei que não é nada disso afinal animais não podem sentir prazer, fazem apenas por resposta a estímulos hormonais ou para procriar, me pergunto: Qual a diferença daquele que passa para o touro e sua vaca no pasto? Somente uma, o bovino tem certa utilidade, serve de alimento e eu sinto nojo de me alimentar de tais seres.

Apesar de minha impossibilidade, andando bêbado pelas ruas começo a pensar, sentir dores e pesos que tenho que carregar sozinho e como adoro a solidão, como me conforta: está ali sempre do meu lado, me sorri docemente, sussurra belas palavras de motivação em meu ouvido, me parece um zunido, vinte e quatro horas ao meu lado e não me faz mal, ao contrário de muitas outras pessoas que ao meu redor poderiam me fazer muito mal, todo humano é um assassino em potencial e todo assassino é um estúpido que dá vazão as suas vontades animalescas e que destrói seu oponente com um simples ato ao invés de matá-lo lentamente por dentro, levá-lo a loucura, trazê-lo conforto em seguida deixá-lo para os braços suicidas de uma corda ou navalha. Assim devem morrer tais covardes: suicidas que se urinam.

Gosto daqueles suicidas que cortam os pulsos e sentam-se calmamente e espera a morte com um sorriso, gosto daqueles que limpam o local antes de se drogar e dar um tiro na própria cabeça, gosto daqueles que sabem o que querem e se desprendem da vida sem arrependimentos: quem sabe eu seja um suicida assim, quem sabe na hora certa. Não paro de pensar em muitas coisas, penso se aquele casal na rua é feliz, penso que devo terminar com a agonia, não quero mais sentir esta falta de ar que não me permite dormir, penso que tudo se acaba com a morte e que serei nada e isso me deixa até feliz e preocupado: estou caminhando em direção a corda e a navalha.

IV

"Através da carne e do espaço, através do tempo e luxúria, através do doce e desejo, através de mim e você, me seduz – me inunda me percorre, me ilumina" Tilo Wolff em Eine Nacht In Ewigkeit. Frágil carne, tão prepotente homem, já nasce morto, já nasce se rendendo às forças que o cercam e assim se adestra como um animal "Vinde a mim as criancinhas" ele disse. Eis minha rendição:

Não era qualquer, era um ser de grande beleza tanto física quando intelectual. Ao abrir sua boca e dizer com desdém os ditames da lei a grande mulher se traduziu no verbo encantar, sua calça branca e sua camisa bege, os belos cabelos negros e o olhar perdido, a procura de nada e ao mesmo tempo sendo nada me atraíram, chamaram minha atenção e a ela prendi por minutos. Enquanto ela discursava, prestava atenção em tudo, o que antes era para mim mais uma baboseira sem sentido e notoriamente ignorada agora tinham total valor para minhas percepções. Entendam, seus discursos revolucionários são fragmentos do todo reproduzidos ao contrário: são partes dentro das estruturas que nos levarão a novas estruturas repugnantes, a palavra que vem antes do 'ismo' não é nada mais nada menos um engodo para dizer que uma espécie de coisa irá dominar outra espécie de coisa e escravizá-la chamando esta classe dominada do jeito que quiser hoje em dia se chama proletariado. Por isso ignoro boa parte dos discursos repetitivos, recitados com a mão sobre o peito e olhando-se para cima como se houvesse um céu 'ista' acima de todos nós e que levam a somente duas atitudes: um clamor de palmas logo em seguida e uma rápida dispersão, todos voltam para suas casas para se alimentar ou para buscar alimentos em empregos, que ignorante é esta raça. Mas ela me fez prestar atenção. Linda, linda, linda, e não somente fisicamente, tinha algo que muito me cativava: inicialmente ela não me queria.

Perdi semanas pensando nela, passei semanas procurando-a. Era um vício para minha pessoa procurá-la, descobri onde ela trabalhava, descobri onde ela morava e passei a segui-la e montar campanhas em frente a sua casa e ao seu trabalho, se fosse para deitar com alguém, teria que ser com ela. Certo dia em seu trabalho, fui mais uma vez ignorado por ela, isso nunca me ocorrera antes e isto me deixou ainda mais pensativo, me deu ainda mais vontade de estar com ela.

Sabe como findou este relacionamento? Terminou com ela nos braços de um homenzinho qualquer, um ser humano de flácido membro, um que a trataria como boneca para todo o sempre e levaria vinte e dois presentes para ela antes que se tornasse mais um esquecido, mais um passado e eu bem, não sou passado de ninguém, eu sou um sonho recorrente, sou sempre presente, sempre desejado. Sorte dela nunca ter provado de minhas vontades assim ela teria para sempre a sua, teria para sempre comando de si, não é altamente justo que isso não ocorra?

V

Eu sou o pior representante do homem e não tenho vergonha de assumir isso. Minha intensa indisposição para gostar do que é comum, do que é aceitável nasceu frente à observação cautelosa de alguns seres humanos e suas atitudes medíocres. De fato, algumas atitudes que tomo poderiam ser confundidas com algumas atitudes escancaradamente humanas, mas não. Não prego uma falsa castidade, uma falsa diversão [na falta de castidade] ou qualquer outra espécie de falsidade. Encaro a vida, encaro a falta de objetivo da vida, a falta de missões para o homem, felicidade, destino, futuro, amor, meras criações humanas para tentar dar sentido à vida, eu sei que não há objetivo natural para a vida e convivo com isso e para sentir esta dor de forma bem aguda permaneço sóbrio a maioria do tempo, permaneço fitando meus medos, permaneço isolado, a grande diferença entre minha pessoa e a vossa é que não me engano com mentiras, minha vida poderia se encerrar agora ou daqui vinte anos que isso não faria a menor diferença, ela teria a mesma ausência de sentido.

Quer saber o que pensa o homem sobre o homem? Para o homem o outro não passa de vinte reais para colocar o combustível no quarto, um peso a mais para carregar, sempre pensa que é o inimigo que deve derrotar, o outro não é como ele, é sempre um abastado que nasceu com mais sorte, um alvo, um inimigo a ser derrubado, um invasor, um objeto a ser usado e depois descartado.

VI

Acordei no outro dia mais cansado do que o normal e posso atribuir esta sensação a incapacidade de dormir tranquilamente, capacidade esta que adquiri após muitas noites acordado pensando sobre coisas que "não deveria pensar". Alguns falam sobre minha verdade, sobre verdade universal, sobre o certo e o errado. Diria que não existe verdade nenhuma para nos segurar vivo, para nos fazer continuar caminhando sempre em frente na sinuosa jornada da vida. Acordei neste dia e comecei a pensar, perdendo trinta minutos no processo, em algo que eu possa fazer neste dia que possa evitar que eu me mate. Felizmente ou infelizmente encontrei algo, aquela linda mulher que conheci na praia com certeza me daria meia hora de ouvidos e escutaria minhas besteiras até o momento em que transaríamos. Com toda certeza, depois da relação me sobraria somente aquela sensação de vazio, experimentada com homens, mulheres e animais, e com certeza começaria a imaginar como seria bom se uma bala atravessasse minha cabeça e não fosse preciso acordar no dia seguinte. Apesar do final já previsto resolvo arriscar, quem sabe ela me mostra uma posição nova, algo de novo que possa me entreter até que meu corpo adormeça mesmo que minha mente continue sonhando com inúmeras coisas totalmente sem utilidade.

Levantei da cama, vesti minha calça azul desbotada, minha camisa preta que de tão velha já está cinza, minha boina preta e como eu gostava de brincar, meu cigarro de escritor na orelha e outro já acesso na boca 'meu café da manhã', minhas meias de pares diferentes e minha bota finalizavam meu figurino. Fui à cozinha, fiz e bebi um pouco de café, algo perto de três copos americanos e sai para a praia para esperar pela minha salvadora do dia. Lá chegando sentei-me para ler "Berenice" de Allan Poe, esperando pela senhorita que sempre vinha vender seus doces para os que passam e ali iria abordá-la assim como o fiz uns dias atrás. Iria comprar um doce e conversar com ela, pois havia no meu bolso um capital resultado de uma noite de sexo com uma bela senhora ignorada por seu marido. Chamaria a vendedora para sair e depois iria para sua casa. É um belo espécime de mulher, branca, dos cabelos castanhos escuros, com os olhos vivos e cor de mel, um corpo farto e ao mesmo tempo bem equilibrado, se a encontrasse à venda no mercado de escravos brancos a compraria sem pestanejar. Eu a desejava e apesar dela me querer e isso me matar um pouco o desejo, eu iria conquistá-la naquela noite.

E lá vem ela, distribuindo seu sorriso para qualquer um que prometa comprar um de seus produtos, uma prostituta do sorriso, posso assim dizer e posso assim trata-la, como uma prostituta. Sorri para mim também e eu retribuo com certo esforço, compro um doce e afirmo que está realmente bom, ela me responde com uma frase feita, diz que tudo que faz é bom, sorrio de forma amarela, engulo seco e respondo que gostaria de saber se realmente é verdade tal afirmação. Ah como odeio mulheres e homens oferecidos, mas mesmo assim resolvo dar uma chance a esta, quem sabe ela me surpreende, quem sabe ela assim é somente para minha pessoa, ainda posso alimentar uma doce ilusão sobre esta senhorita prostituta dos doces e sorrisos. Saímos caminhando e conversando sobre nossos interesses, digo que sou interessado em livros, em páginas em branco e mulheres, ela se interessa em coisas variadas demais para se interessar por algo verdadeiramente assim como ela ri para pessoas demais para poder rir de verdade para alguém, assim como ela se entrega para pessoas demais para se entregar para alguém de verdade. Entre seus interesses podemos destacar matemática, comida estrangeira, festas, fazer novos amigos, passear por todo o mundo, gosta de andar de carro, gosta de assistir televisão, gosta de nadar, de brincar, de beijar, imagino que sua especialidade não seja o beijo na boca. Ajudei a vender com meus sorrisos amarelos e meus discursos mais que batidos e consegui até vender alguns doces a mais e isto deve ter despertado nela a vontade de querer me retribuir de alguma forma.

Fomos à pequena residência da moça e começamos a beber de forma bem exagerada. Com o capital que dispunha comprei a bebida e algo para comer e esta foi nossa única parada no caminho para nosso destino. Tive que agüentar aquele papo sem cabeça, aquele nada estruturado que se apresentava em sua fala, me sentia enojado, mas suas belas coxas me faziam continuar andando. Após muito beber comecei a declamar: "Salientei-me, desde a infância, pela docilidade e humanidade de meu caráter. Minha ternura de coração era mesmo tão notável que fazia de mim motivo de troça entre meus companheiros" e continuei com O gato preto enquanto ela se aninhava entre minhas pernas e eu, sentado em uma cadeira e ela sentada no chão a minha frente perdia a concentração enquanto ela me olhava com aqueles olhos vivos, ouvindo atenciosamente e ao mesmo tempo pedindo a minha atenção. Parece-me que sua experiência com homens lhe fez agir de forma mais que comum, começou a me acariciar e em pouco tempo estava fazendo sexo oral em mim enquanto eu como um entediado olhava para o teto forrado com madeira. Transamos e além da obviedade da coisa não posso adicionar nada, apenas mais uma mulher que transa como qualquer outra, mal satisfeita e que se satisfaz com a menor fagulha de atenção de um homem. Após o ato fiquei deitado naquele colchão colocado no chão fumando um cigarro e pensando na perda de tempo que fora aquilo e qualquer outra coisa que havia feito.

O telefone toca. A menina se levanta e me chama para acompanhá-la. Saímos correndo e apesar da cara de desespero dela eu não tenho a menor vontade de me preocupar com uma desconhecida e a sigo apenas pela curiosidade do que há de vir, que maldição pode ter abatido a família dela e o que poderia ser feito para fazer com que tal destino se abata sobre mim. Chegamos a uma casa simples após passar por muitas ruas simples e de gente que não me agrada. Ela entra desesperada na casa e eu a sigo calmamente. Passo por uma sala com um sofá, um ventilador de teto e um aparelho televisivo ligado e chiando muito, entro em um quarto a direita e lá vejo uma mulher abraçada a um corpo e chorando e a senhorita dos doces passa a acompanhá-la. Na cama totalmente inerte o corpo de um senhor careca, obeso, com uma camiseta vermelha e uma cueca branca, ele jaz deitado com uma mancha vermelha sobre o lençol amarelo, é possível ver um buraco rubro em sua cabeça e deste um veio de sangue escorre. Em sua mão direita uma arma, uma pistola de calibre desconhecido por mim pode ser encontrada, instintivamente pego a arma do pobre suicida e penso que com a casa, a filha e a mulher que ele tem eu também me mataria além dos motivos comuns que poderia apresentar para justificar tal ato. Com a arma em minha mão e sendo prontamente ignorado pelas chorosas mulheres sento em uma cadeira na varanda da casa.

Qual o real motivo para esta arma existir? Ela pode ter existido para matar aquele homem ou matar outros homens, mas realmente qual o real motivo para ela existir e posso ainda perguntar qual o real motivo para o homem existir? Muitos acreditam em céu, em missão, em destino ou em qualquer outra coisa que dure para sempre, que tenha existido desde o sempre e que nos possibilite pensar em algo que nos seja motivador. Pense em um homem que morrerá em poucos minutos. Não importa o que ele tenha feito, sua vida terá sido insuficiente para ele e com certeza se arrependerá de muitas das coisas que fez e das muitas coisas que não fez e facilmente chegaria a conclusão que de nada valeu a vida dele se ela tem um fim, um ermo. Assim pensa o homem em tenra idade e em todas as idades e passa a inventar e acreditar em missões e coisas eternas, bem, isto é apenas um resumo, mas para mim é bem assim que ocorre.

Para perpetuar a espécie, diria um homem. Mas porque de existir na terra tal maléfica espécie de animal que tem como objetivo unicamente destruí-la e matar os seus? Para que darmos o "dom da vida" (o que chamaria de maldição da vida) para nossos descendentes se daria a estes somente a chance de sofrer cada vez mais e por nada já que a morte é "como daqueles sonos que não percebemos nada" e não existe nada após dela. Vamos do nada para o nada, tomamos decisões, realizamos fatos que de nada adiantarão a não ser para nós e para algumas gerações depois de nós. Não seremos eternos, nossa existência não tem motivo.

Observo a capacidade de carga da arma e se ela está carregada e percebo que ela pode disparar pelo menos mais três vezes. Cautelosamente aponto a arma para minha fronte, depois a coloco debaixo de meu queixo em um ângulo que provavelmente o projétil atingiria meu maldito cérebro e por último coloquei na direção de minha boca, avaliei a melhor das mesmas e resolvi coloca-la na boca, a mais clássica das formas. Pessoas começam covardemente a se acumular na calçada para ver o terrível espetáculo. Eu digo: Adeus maldita raça assista minha despedida triunfal, saio desta terra como entrei, pelos meus próprios meios, nenhum deus, nenhuma doença, nenhuma moral me matará, eu sou o causador de todos meus infortúnios e, como neste caso, de todas minhas alegrias. Aperto o gatilho e os três milésimos de segundo que me separam da morte não fazem a menor diferença, assim como os outros milésimos de segundo, segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos de minha miserável vida.

Minha despedida consiste em dizer a todos que me arrependi completamente de ter vivido e todos vocês esquecerão de tudo que fiz e escrevi em tão pouco tempo comprovando minha teoria, comprovando que foi inútil tudo que fiz, tudo que escrevi e todos os momentos e processos que me trouxeram até aqui. Divido com um outro qualquer o cenário de minha morte e eu, ao contrário dele, não terei parente nenhum para me velar e direi mais uma obviedade: isso não faz diferença nenhuma, reflitam bem sobre isso. No dia que percebi isto parei de me importar com as coisas que viriam em breve ou em um tempo maior, os momentos de felicidade não são nada mais que um breve respiro antes de continuar a tortura e o momento de tortura é eterno. Não tenham pena de mim por pensar que vou para o inferno ou outro lugar, tenham pena de vocês que ainda acreditam nestas mentiras, que ainda acreditam que estão vivos.


Autor: Rafael de Andrade


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