Um Amor Passado
Não guardo mágoa do passado,
simplesmente me contenho com parábolas e sensações de outrora. Tenho aqui os
meus amigos, a minha família, os meus amores, as minhas maneiras e as minhas
afeiçoes. Posso enxergar a mim mesmo, feliz por estar com tudo o que me agrada.
O passado é remoto por teoria. Ele já se
foi há muito, com doces lembranças eu lhe resguardo. Às vezes ele parece ir e
vir, perambulando em meus rascunhos.
Certo dia não tive pressa, sentei-me
junto a um velho amigo que não via há muito tempo, contei-lhe sobre o passado,
rememorei os conflitos amorosos, as sensações precipitadas, as ocorrências mirabolantes,
os amigos, os inimigos, tudo o que conseguia recordar naquele momento de
conversa pretérita; se não fosse por uma singular e ditosa lembrança que me
veio, trazendo-me os fantasmas do passado.
A notícia foi única. Vivi há muito tempo
atrás enamorado de uma jovem donzela, de nome agradável e cordial. Não me
recorda os seus traços mais faceiros, porém lembro-me dos seus olhos e dos
gestos que fazia ao discorrer. Não poderia esquecer os seus olhos de safira,
tampouco deixar de notar que ela sorria de uma maneira exultante. Mais que
breve apaixonei-me pela criatura. Contudo, eu era caído em mim, inclinado ao
embaraço. Não lhe disse dos sentimentos que lhe resguardava, nem das delícias
que eu imaginava, inúmeras que eram. Tornei-me seu, mesmo que ela não soubesse.
A meninice nos guarda estes fatos que de
tão inocentes se tornam principais e deliciosos.
Contava ao meu velho confrade esperando
uma risada ou um gesto de reprovação, mas ele me fitou atento, pareceu-me que
gostara da “toada”.
Parei um tempo para respirar, foi um
intervalo de alguns segundos. O homem, nesta intermitência, ficou imóvel, cogitando
algo que não soube intuir. Começou a narrar uma história tão tocante que me
enterneceu de todo. Segundo relatara, incorporou-se no exército aos dezoito
anos de idade. Aprendera coisas primordiais para a sua própria sobrevivência.
Ao cabo dos vinte anos, conhecera uma
mulher belíssima chamada Adelaide. Foi amor à primeira vista. Namoraram e
casaram-se sem a aprovação dos pais da senhora. Tornara-se policial militar aos
vinte e dois anos de idade. A mulher, sempre afetiva, companheira e, dir-se-ia,
belíssima, engravidara cinco meses após o consórcio. Foi uma alegria extremada.
Ao nascer o filho, derramou as primeiras
lágrimas de toda uma vida. E ao mais, amava a mulher efetivamente. Por isso
entregou-lhe o coração prometendo que nunca mais iria apaixonar-se por outra,
mesmo que ela não mais viesse a amá-lo. A esposa repreendeu-lhe dizendo que
nunca o deixaria de amar.
Mais cinco meses se passaram e a mulher
vivia na casa dos pais, que não aceitavam o seu matrimônio. A mulher ficou
apreensiva quando recebera a notícia de que iriam mudar-se para outro Estado. Discutiu
com o marido acerca da decisão, porém não adiantava, o homem estava determinado
a mudar-se.
Neste período da vida de meu velho
conhecido, vivera as suas principais desventuras. Separou-se da mulher após
aquelas longas discussões e mudou-se sozinho, sem a companhia da esposa que
tanto deseja e do filho recém-chegado. Neste tempo, apenas trabalhava e, quando
em ócio, falava por telefone com o filho e a ex-mulher.
Passou o tempo e, vivendo sozinho num
lugar desconhecido, perdeu a casa após uma crise alcoólica. Tal crise fê-lo
perder o emprego e aposentar-se por invalidez.
Certa manhã, todavia, fora visitar a
antiga morada. Ali se encontrou com a antiga esposa, belíssima como sempre o
fora. A mulher casara-se, tinha mais dois filhos, sendo uma menina e um menino.
Vivia feliz, contara. Disse-lhe a senhora, entretanto, que nunca deixara de
amá-lo.
Ao chegar neste ponto da história o meu
confrade derramou algumas sóbrias lágrimas que me enterneceram ainda mais. O
havia conhecido, aliás, quando eu era universitário. Às vezes o encontrava
assim, abatido e alquebrado. Estava espasmódico e eu não sabia o que fazer para
consolá-lo desta dor, ao passo que completou com uma voz rouca e cansada:
— Bem, meu jovem, aproveite a vida o
quanto puder. Não seja arrogante, aprenda a deixar as pessoas que te amam
próximas a você.
O velho não disse mais nada e se retirou
deixando-me pensativo.
Passaram-se alguns meses desta
ocorrência. Estava a caminho de algum lugar que não me recordo. Comentavam duas
mulheres sobre a morte do velho. Segundo contaram as senhoras, ele morava
sozinho bem perto dali. Alugara uma pequena casa de dois cômodos. Há dias
tivera um infarto, o segundo e último da sua vida. Diziam que se tivesse sido
socorrido emergencialmente teria sobrevivido, porém naquela semana não saíra de
casa e, estando sozinho, ninguém poderia sabê-lo. Fora encontrado, aliás, dois
dias após a sua morte, pois o cheiro do defunto já incomodava a vizinhança.
Aquele dia foi decisivo. Pensei que
faria sempre a escolha certa almejando a minha felicidade e de todos que me
cercam, porém a vida prega-nos peças e, estando à procura da prosperidade,
sempre afligimos alguém e, de regra, somos magoados.
Autor: Ronyvaldo Barros dos Santos
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