O dissídio coletivo e as alterações decorrentes do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004



Carla Michelle Carneiro

Universidade Estadual de Feira de Santana

O dissídio coletivo e as alterações decorrentes do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004.

Feira de Santana

2009

SUMÁRIO

1 Introdução04

1.1 O surgimento do Estado-Juiz.04

1.2 As relações coletivas de trabalho: origens.05

1.3 Definição adotada para dissídio coletivo.06

2 Classificação dos dissídios coletivos07

2.1 Outras classificações.09

3 O dissídio coletivo de greve10

3.1 O exercício do direito em atividade essencial.11

4 O Ministério Público do Trabalho nos dissídios coletivos. 13

5 A alteração do parágrafo 2º e afronta a preceito fundamental.15

5.1 Da necessidade de negociação prévia pelas partes.15

5.2 Dos equívocos aludidos com a expressão "de comum acordo".16

5.3 O princípio da inafastabilidade da jurisdição ou direito de ação.18

Bibliografia consultada.19

Sites visitados.


APRESENTAÇÃO

Este estudo procura analisar aspectos substanciais do dissídio coletivo, meio jurisdicional para composição dos conflitos coletivos econômicos e jurídicos nas relações de trabalho, assim como suas alterações com a edição da Emenda Constitucional n. 45, publicada em 31 de dezembro de 2004 e promulgada em 8 de janeiro de 2005. O objetivo colimado está em tratar-se da modificação concernente ao art. 114 e parágrafos, da Constituição Federal de 1988, e seus reflexos na legislação trabalhista.


1.Introdução

1.1 O surgimento do Estado-Juiz.

A passagem do estado de natureza para o estado social foi o prenúncio à necessidade de haver um sistema de convenções com função ordenadora. Evidenciou-se a imprescindibilidade de um conjunto de normas, cujo fim seria o de coordenar os interesses, por ora manifestos na vida social, organizar a cooperação entre os indivíduos e compor os conflitos insurgidos entre seus membros.

Foi criado o Estado Legal, herança da revolução Francesa, para harmonizar as relações sociais e ensejar a máxima realização dos valores humanos com vistas à participação integrada do indivíduo no desenvolvimento político daquele Estado. O indivíduo cumpria o seu papel com diligências até para controlar o Estado, já que fazia parte dele.

Como a crescente mobilidade social, promovida pelos cidadãos, ameaçava a estrutura do poder burguês, criou-se o Estado de Direito para confiar ao Poder Jurisdicional o controle sobre o Estado. O cidadão perde em importância e torna-se mero coadjuvante político; foi tolhido o seu potencial participativo. Nesse ponto, a doutrina francesa admite que as expressões "Estado de Direito" e "Democracia" utilizadas corriqueiramente como se equivalentes fossem, na verdade, apresentam-se incompatíveis em seu nascedouro.

O Estado-Juiz, com o monopólio jurisdicional, designa ao particular o direito de provocá-lo para somente, a partir de então, obter uma resposta adequada a solução dos conflitos que o incomodam e angustiam. É da conveniência social a resposta jurídica que ponha fim à discussão, ainda que a decisão proferida seja considerada injusta para alguns, sob pena de perpetuar-se os estados de tensão individual e de insegurança social.

1.2 As relações coletivas de trabalho: origens.

Com o advento da Revolução Industrial, solidificou-se na sociedade um novo modelo de divisão social do trabalho, cuja medida era dada pela detenção ou não de capital. A multiplicação dos inventos aliada aos esforços manuais e mecânicos formou uma multidão de indivíduos trabalhadores, a coletividade das fábricas.

A esta época, surge o direito do trabalho como expressão dos limites sócio-econômicos impostos pelo Estado às relações de trabalho. Em reação a essas limitações, desponta-se a figura do sindicato, órgão harmonizador e defensor de interesses da classe econômica e da classe trabalhadora.

Nesse ínterim, a atuação sindical está voltada à defesa dos trabalhadores quando da evidência de abusos por parte do empregador, bem como preservar-lhes a dignidade. O trabalhador é qualificado hipossuficiente ou vulnerável em relação a quem tem o poder econômico, isto é, o empregador.

Deve reivindicar, pois, um sistema normativo assecuratório das necessidades vitais básicas individuais e sociais e garantidor da revisão periódica das suas condições de trabalho, visando melhorias.

As relações coletivas figuradas pelas categorias profissionais e econômicas, transcendem ao âmbito individual, e se solidificam na questão dos direitos coletivos. Desenvolvidas na esfera social, as relações de trabalho são fundadas em reivindicações, confrontos, negociações, autocomposições, dissídios individuais ou coletivos, bem como decisões judiciais que as extinguem, modifiquem ou as constitua.

Em destaque, os dissídios coletivos correspondem às divergências entre empregado e empregador, trabalhadores e patronato, ou entre as respectivas entidades que a cada um representa. É submetido à apreciação pelo Poder Judiciário, cuja jurisdição trabalhista é desempenhada especificamente pela Justiça do Trabalho.

Possui origem na Itália fascista, com a "Carta Del Lavoro", ao conferir aos juízes o poder de dirimir os conflitos relativos às relações de trabalho, mediante a fixação de novas condições àquelas que hajam sido contestadas pelos trabalhadores.

O dissídio coletivo somente foi instituído, no Brasil, com o Decreto-Lei n. 1237, datado de 02 de maio de 1939, quando do Estado Novo. Constituiu-se a Justiça do Trabalho como Poder Jurisdicional para compor tais conflitos, pois que antes pertencia ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Pertencia ao contexto do sindicalismo atrelado ao Estado, portanto, corporativista. O fato da greve era considerado "um recurso nocivo e anti-social, contrário ao capital e ao trabalho e incompatível com os superiores interesses da produção nacional " (art. 139, in fine, CF/37).

1.3 Definição adotada para dissídio coletivo.

Pode-se entender que um dissídio trabalhista é um conflito de interesses entre os entes que compõem a relação de trabalho, sendo a forma extrema para chegar-se à solução desses conflitos. O dissídio coletivo (litígio entre sujeitos coletivos), em particular, caracteriza-se pelo fato de remeter o conflito coletivo ao Poder Jurisdicional pela via processual.

O dissídio coletivo é, na verdade, uma analogia ao dissídio individual. Neste, as pessoas contestam direitos subjetivos individuais decorrentes do vínculo empregatício; naquele, os sujeitos são ditos coletivos, pois são legitimados por grupos/categorias a discutir interesses abstratos designados pela própria relação de trabalho, com o fim de colimar melhorias que a todos se estendem.

Busca-se, judicialmente, a solução da controvérsia oriunda da relação de trabalho entre os grupos, e não resposta a interesse material de um ou mais indivíduos retirados desses grupos. A resolução do litígio é dada pela sentença, sendo, o juiz, árbitro legitimado pelo Estado para intervir com atribuição de poder jurisdicional a fim de solucionar a contenda Age quando provocado por uma das partes interessadas na lide. Essa sentença cria normas que lhes dão natureza peculiar, pois essas não seriam criadas por via consensual.


2. Classificação dos dissídios coletivos.

Os dissídios coletivos podem ser de natureza econômica ou jurídica. Nos primeiros criam-se normas novas para regulamentação dos contratos individuais de trabalho, com obrigações de dar e de fazer. Destinam-se à instituição de normas e condições de trabalho.

Exemplos clássicos são as cláusulas que concedem reajuste salarial (obrigação de dar) e as que garantem estabilidade provisória ao aposentando (obrigação de fazer). Traz efeito constitutivo, porque vige o poder normativo da Justiça do Trabalho. Está condicionado ao acordo entre as partes (bilateralidade), conforme o dispositivo § 2o, do art. 114, EC n. 45. Bastante controverso, aliás, devido à afronta ao preceito fundamental instituído no inciso XXXV, do art. 5o, CF, pelo Poder Constituinte Originário. (TEIXEIRA FILHO, 2005, p.213)

Leciona Amauri Mascaro Nascimento (2003, p. 999):

Assim, quando o grupo de trabalhadores inicia um movimento de reivindicação, pretendendo maiores vantagens para os contratos individuais de trabalho, e o fazem em conjunto, unidos como em torno de um interesse comum, o conflito é econômico. A sua característica essencial é de ordem teleológica. Visa criar novos direitos trabalhistas para um grupo.

Os dissídios de natureza jurídica, também conhecidos como dissídios coletivos de direito, visam à interpretação de normas preexistentes que podem advir de cláusulas de sentenças normativas, disposições legais, costumes, acordos ou convenções coletivas, regras ou regimentos particulares das categorias profissionais ou econômicas, e instruções normativas.

A divergência do conflito está na compreensão que deve ser dada ao direito, assim como sua mais correta e coerente aplicação. Só não poderá tratar-se de interpretação de norma de conteúdo genérico e extensivo, conforme entendimento jurisprudencial do TST- Seção de Dissídios Coletivos, n. 7 (CARRION, 2003, p. 679):

Não se presta o dissídio coletivo de natureza jurídica, para interpretação de normas de caráter genérico, a teor do disposto no art. 313 do Regimento Interno do TST.

Também o Acórdão 718/97 do Sr. Ministro Moacyr Auersvald, referente a Dissídio Coletivo proferido pelo TST – RO (CARRION, 2003, p.680):

Não se admite dissídio de natureza jurídica sobre o alcance de determinada norma legal, porque atingiria sua conclusão a universalidade dos trabalhadores, mesmo daqueles que não são parte no processo. Só se admite interpretação sobre a constitucionalidade da lei.

Desse modo, o pronunciamento dos Tribunais Regionais do Trabalho, em dissídios coletivos ajuizados, acerca de hipótese de inconstitucionalidade de planos econômicos em ofensa a direitos adquiridos, é inadmissível por tratar-se de interpretação de caráter geral, para a toda a classe dos trabalhadores. Está ausente o critério do interesse específico da categoria ou grupo. Está consoante ao entendimento das Orientações Jurisprudenciais supracitadas.

Pode ser ajuizado por uma só das partes (unilateralidade), de modo a não incidir a exigência do "comum acordo" contido naquela norma. A decisão acerca dos dissídios coletivos de natureza jurídica é declaratória, constitutiva de direitos e obrigações.

Fala-se também em dissídio coletivo de natureza mista ou dissídio decorrente de greve, quando instaurado pelo Ministério Público do Trabalho, para avaliar a paralisação promovida pela categoria profissional, já que é vedado o direito ao lockout, ou greve do patronato (art. 17, Lei n. 7783/89).

São apreciadas questões, tais como: se é de caráter abusivo, quais os prejuízos causados, a natureza de tais prejuízos, quem são os afetados etc. Possui, portanto, natureza jurídica, mas como pode avaliar também as condições de trabalho e criar normas que designam melhorias, tem característica de dissídio econômico __ daí a sua natureza mista. O processo de dissídio coletivo de greve deve ser célere e prioritário.

Com o advento da Emenda Constitucional n. 45, nada se alterou com a ausência do reconhecimento constitucional do dissídio de natureza jurídica. O texto atual, bem como os anteriores falam apenas no dissídio de natureza econômica.

No entanto, não se poderá levar em tão alta conta o restrito conteúdo. Os dissídios coletivos ajuizados com pretensões acerca da interpretação de normas e disposições existem e é um fato. A competência para decidir sobre eles é dos Tribunais da Justiça do Trabalho.

2.1 Outras classificações.

Os dissídios coletivos, a partir de normas da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, também são classificados como originários (art. 867, § único, a), de revisão ou revisionais (art. 873-875) e de extensão (art. 868-871).

Os dissídios originários são assim chamados porque inexistem normas coletivas anteriores a respeito das questões a serem discutidas em juízo. Fala-se em ausência de acordo, convenção ou sentença normativa em vigor até a data do ajuizamento da pretensão.

Os dissídios de revisão ou revisionais são destinados a reformular ou reconsiderar decisões proferidas sobre condições de trabalho, desde que haja, no mínimo, um ano de vigência da aplicação daquela sentença. As circunstâncias fáticas se modificaram e aquelas condições não mais atendem aos interesses da classe. De modo que, permanecendo as coisas como estão, implique em prejuízo e injustiça para os interessados.

Os dissídios de extensão acontecem quando o Tribunal julga conveniente e necessário ampliar o rol dos trabalhadores atingidos pela norma. Acontece quando uma parte da categoria ajuíza a ação e, pelos benefícios auferidos, a justiça exige que os demais da mesma categoria também gozem daqueles mesmos direitos.


3. O dissídio coletivo de greve.

É assegurado o direito de greve, aos trabalhadores, conforme dispõe o art. 9o e parágrafos da Constituição de 1988, cuja reforma, em substância, nada alterou.Apareceu pela primeira vez, no ordenamento brasileiro, através da Constituição de 1946. O dispositivo foi regulamentado pela Lei n. 7783/1989, publicada em 28 de junho de 1989, e continua a vigorar nas normas cujos efeitos não conflitem com as modificações trazidas pela Emenda n. 45.

É mecanismo de autotutela ou autodefesa viabilizado pela pressão coletiva, com vistas a que se atenda a reivindicação trabalhista da categoria profissional em relação ao patronato. É realizado por meio da paralisação das atividades laborais, desde que esgotados ou inviabilizados os modos de negociação.

Conceitua Uadi Lammêgo Bulos (2002, p.418):

Sem embargo, a greve é o direito social coletivo que permite a paralisação temporária da prestação de serviço subordinado, com o fito da melhoria das condições salariais ou de trabalho. Revestida numa abstenção generalizada, consiste num lídimo instrumento posto ao dispor dos trabalhadores para que estes, em hipóteses excepcionais, legítimas e legais, reivindiquem os seus direitos e interesses.

Em relação às características implícitas no preceito que disponha direito de greve, doutrina os portugueses Gomes Canotilho e Vital Moreira (cit. in: TAVARES, 2002, p.597):

A caracterização constitucional do direito à greve como um dos "direitos e garantias" significa, entre outras coisas: (a) um direito subjetivo negativo, não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve, nem podendo ser compelidos a pôr-lhes termo; (b) eficácia externa imediata, em relação a entidades privadas, não constituindo o exercício do direito de greve qualquer violação do contrato de trabalho, nem podendo as mesmas entidades neutralizar ou aniquilar praticamente esse direito; (c) eficácia imediata, no sentido de direta aplicabilidade, não podendo o exercício deste direito depender da existência de qualquer lei concretizadora.

A legitimidade para ajuizar dissídio coletivo misto ou de greve, conforme aquela Lei, é de quaisquer das partes e do Ministério Público do Trabalho. Avalia-se a repercussão do fato da greve, seus efeitos gerais e específicos, se há abusos ou não. O Tribunal é competente para decidir sobre a idoneidade do movimento grevista, e se há procedência total ou parcial nas reivindicações, sendo avaliada uma a uma. Deve publicar o acórdão, tão logo emita a decisão (art. 8o, Lei n. 7783/89).

Sobre a importância da avaliação de idoneidade e legitimidade para proceder-se à paralisação promovida pelo movimento grevista, leia-se a Ementa do TST, Dissídio Coletivo 18/DF, elaborada pelo relator Sr. Ministro Marcelo Pimentel, em decisão datada de 10/05/1989. Antes disso, vale assinalar que a natureza do direito subjetivo à greve é matéria bastante controversa e polêmica, sendo sujeita a muitos embates argumentativos por parte dos doutrinadores. Segue a leitura da Ementa (BULOS, 2002, p. 419):

EMENTA: A greve é um direito social (art. 9o da Constituição) e não um direito coletivo dos cidadãos. Não pode ser exercido contra a ordem jurídica e institucional. A Constituição reservou à Justiça do Trabalho competência para pôr fim ao conflito. Entre as iniciativas institucionais do Ministério Público, figura a de pedir a instauração de dissídio coletivo. Não existe direito individual ou coletivo contra a ordem jurídica, estando a greve sujeita a limites implícitos na própria Constituição que a sustenta. O abuso põe em risco o sistema democrático e a autoridade do Poder Judiciário, abalando os alicerces institucionais do Estado e a supremacia da Constituição. Toda greve é uma comoção social e não pode gerar, descontroladamente, agitação excessiva capaz de comprometer o exercício dos direitos fundamentais do cidadão. Abusar da liberdade é provocar a Nação.

Ilegalidade da greve do Banco do Brasil.

3.1 O exercício do direito em atividade essencial.

Sobre dissídio coletivo de greve, a reforma, ora em destaque, trata do assunto no que pertine à greve dos serviços essenciais, contida nos §§ 1o e 2o do art. 9o, CF/88. Há novidade trazida com a Emenda n. 45 a respeito do dissídio coletivo de greve, refere-se ao exercício do direito em atividade essencial, disposto no § 3o do art. 114, então alterado. Expressa, neste caso, a legitimidade ativa ao Ministério Público do Trabalho.

São essenciais as atividades imprescindíveis voltadas para o atendimento mínimo das necessidades básicas ou inadiáveis da comunidade. A paralisação das atividades deve importar em grave infortúnio, com perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, segundo o art. 11 da Lei n.7783. De modo que, só há que se considerar abusiva as situações nas quais a realização da greve é via maléfica para a consecução de atos criminosos e meramente danosos.

O abuso se caracteriza quando há intenção de inferir prejuízos à comunidade, quando o fim colimado não é diretamente a melhoria das condições de trabalho. São os critérios observados durante o dissídio coletivo de greve, segundo entendimento do TST, haja vista a Instrução Normativa n. 04/1993, revogada pela Resolução n. 116/2003, a "defesa da ordem jurídica" e o "interesse público", conforme texto final do dispositivo V.

Segundo o art. 14, § único, I e II, da Lei supra, constitui também, abuso do direito de greve a manutenção do seu status, mesmo depois de celebrado o acordo ou convenção coletivos, ou de emitida a decisão da Justiça do Trabalho. Salvo se a continuidade da paralisação for em decorrência da falta do cumprimento das normas daquelas fontes, ou da superveniência de um fato novo que importe em modificação substancial da relação de trabalho.

Esta Lei elenca nos incisos do art. 10, os serviços ou atividades consideradas essenciais. Quais sejam:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíves;

II – assistência médica e hospitalar;

III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV – funerários;

V – transporte coletivo;

VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII – telecomunicações;

VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X – controle de tráfego aéreo;

XI – compensação bancária.


4. O Ministério Público do Trabalho nos dissídios coletivos.

O Ministério Público do Trabalho é um dos ramos do Ministério Público da União, cuja organização, atribuições e estatuto estão regulados pela Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993. O art. 83 anuncia as seguintes competências para o MPT, nos casos de dissídios coletivos:

II - a qualquer tempo ou fase dos dissídios, poderá manifestar-se, desde que presente o interesse público em agir;

VIII – de acordo com os critérios de defesa da ordem jurídica e do interesse público possui legitimidade para acionar o dissídio coletivo de greve; e

IX – promover ação e participar da conciliação e da instrução, em dissídios coletivos de greve, seja qual for a natureza da atividade paralisada.

A Lei n. 7783/1989, que dispõe sobre o direito de greve, atribui ao Ministério Público a condição de sujeito ativo legítimo para acionar dissídio coletivo de greve. Essa legitimidade, porém, não se restringe ao órgão ministerial, porque é aplicável também às partes do conflito. Também não restringe a atuação ministerial aos casos de paralisação dos serviços essenciais.

O § único do art. 15, da mesma fonte legal, infere a atribuição, própria do Ministério Público, para requisitar a instauração de inquérito policial, quando da ocorrência de prática de ilícito penal durante o curso da greve. Apurada a autoria e investigadas as circunstâncias fáticas, oferece denúncia junto ao Órgão Judiciário Trabalhista, para que este venha a proferir decisão acerca do ocorrido.

Com a vigência da Emenda n. 45, a inclusão do § 3º no art. 114, trata da legitimidade ativa do MPT quando o dissídio coletivo for caracterizado como sendo o de greve. É um texto bastante discutido, pois restringiu a intervenção do órgão ministerial aos casos de greves em atividades econômicas consideradas de caráter essencial.

Segundo a compreensão de Manoel Antonio Teixeira Filho (2005, p.211), o elenco enumerativo contido nos incisos do art. 10 da Lei n. 7783/89, serviu para proteger o direito de greve dos trabalhadores que exercem tais atividades. A faculdade entendida pelo verbo "poderá", na realidade, insere um dever atribuído ao MPT em ingressar com ação de dissídio coletivo sempre que houver consonância com os critérios inferidos no inciso VIII, do art. 83 da Lei Compl. n. 75, acima citados, para o caso de dissídio coletivo de natureza jurídica. No entanto, ingressará com o dissídio coletivo econômico, ainda que a greve não se refira a paralisação de serviço essencial. (TEIXEIRA FILHO, 2005, p. 214)

A legitimidade não é de caráter exclusivo, ressalte-se. Possui natureza unilateral. Ao contrário do que ocorrerá com as partes, pois somente poderão ingressar com o dissídio coletivo mediante acordo bilateral acerca da provocação ajuizada, conforme prevê o § 2o, do art. 114, com a nova redação. É a exigência do "comum acordo" para ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica e, por tabela, também o de natureza mista, como é o caso do dissídio coletivo de greve.

Considera-se revogado parcialmente, o art. 856, da CLT, no que refere à possibilidade de o Presidente do Tribunal instaurar a instância em matéria de dissídio coletivo. Essa legitimidade diz respeito às entidades representativas das categorias econômica e profissional, ou, na falta delas, das respectivas federações e confederações (art. 857, § único, CLT); ou, ainda, da Procuradoria da Justiça do Trabalho, por ocasião da suspensão dos trabalhos processuais (art. 856, in fine, CLT).


5. A alteração do parágrafo 2o e afronta a preceito fundamental.

5.1 Da necessidade de negociação prévia pelas partes.

De antemão, deve estar claro que nos dissídios coletivos de natureza jurídica, qualquer das categorias econômica ou profissional, devidamente interessadas e legitimadas, poderá acionar o conflito, independentemente de consulta à outra parte. O único requisito exigido que antecede a propositura do dissídio coletivo é a necessidade de negociação prévia quanto ao conflito de interesses gerado pela diversidade de interpretação das normas.

É, a negociação, ato válido tanto aos dissídios de natureza jurídica quanto aos de natureza econômica, cuja consecução reputar-se-á por esgotada e frustrada, devido à impossibilidade de avença das partes. O que culmina, portanto, pelo seu encerramento e conseguinte ajuizamento do dissídio.

A matéria encontra respaldo na Instrução Normativa n. 4, revogada pela Resolução n. 116, de 26 de março de 2003; na Lei n. 7783/89, que regula o direito de greve; e nas disposições celetistas. A intenção, louvável, é dar destaque à forma não-jurisdicional de composição de litígios.

No entanto, ao anunciar um reforço constitucional mediante a modificação do texto do § 2o, atinente à possibilidade de negociação coletiva e arbitragem, disposta no art. 114, o Poder Constituinte Derivado acolheu uma via íngreme e escorregadia, para não dizer, completamente equivocada. Eis o texto:

Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.

[grifo ausente no original]

5.2 Dos equívocos aludidos com a expressão

"de comum acordo".

O autor Manoel Antônio Teixeira Filho (2005, p.200) apontou, com veemência, equívocos trazidos pela construção do texto formulado no § 2o. Infere ele sobre o caráter de bilateralidade já impregnado no vocábulo "acordo", o que torna redundante a expressão trazida naquela alteração. Ora, para constituir-se um acordo, é essencial que haja uma convergência de vontades entre, pelo menos, duas partes.

Acordos são sempre bilaterais ou multilaterais, de modo que as partes interessadas não possuem pretensões resistidas acerca dos pontos convencionados. O contrário, a existência de conflito ou de resistência oferecida à pretensão de outrem, já caracteriza uma dissidência ou divergência de vontades.

Por conseguinte, analisa o Professor duas questões: a primeira, é que para ajuizar-se uma ação, seja coletiva ou individual, é necessário que haja uma resistência a direito pretendido, cujo efeito designa o conflito ou dissídio; a segunda questão, é condicionar aquele direito constitucional fundamental à realização do chamado "comum acordo" entre as partes que já são, pelas próprias circunstâncias, dissidentes.

Posiciona-se, em virtude dos argumentos:

Não cremos tenha sido essa a melhor forma de se estimular as partes à negociação, à solução consensual do conflito de interesses. Verifica-se, em face disso, que a despeito do poder normativo da Justiça do Trabalho não haver sido anatematizado, banido (como muitos desejavam), acabou sendo reduzido de modo expressivo.

Há quem defenda a produção normativa daquele parágrafo. É o caso da posição de Walter Wiliam Ripper, em artigo extraído no site jurídico Jusnavigandi, entitulado "Poder normativo da Justiça do Trabalho após a EC no 45/2004". Eis um recorte de sua extensa argumentação acerca da 'Necessidade de comum acordo para ajuizamento', subtítulo n. 5:

Muitos entenderam tratar-se de uma medida incentivadora à negociação coletiva. De certa forma é um contra sensu, pois as partes, quando esgotadas todas as fases das negociações coletivas, dificilmente vão se compor para atribuir a demanda ao Judiciário. Entendemos tratar-se, na verdade, de uma medida que mais incentiva à greve do que impulsiona a negociação coletiva (...)

Nosso entendimento é que os Tribunais têm competência para processar e julgar os dissídios coletivos de greve (inciso II, do art. 114, CF), inclusive aqueles suscitados pelo Ministério Público (§ 3º, art. 114, CF), independentemente do comum acordo das partes, entretanto, limitados à decisão da legalidade ou ilegalidade da atividade grevista.

Essa limitação evidencia-se pela leitura do atual § 2º do art. 114 da Constituição, em que o legislador é claro e preciso quando faz exigência do comum acordo das partes para apreciação pelos Tribunais dos dissídios coletivos de natureza econômica. Portanto, para decisão de qualquer parcela econômica é exigível a avença inequívoca das partes.

Adota-se, no presente estudo, a lição do Professor TEIXEIRA FILHO. Compatibilizado está o entendimento do Ministro do TST, Sr. José Luciano de Castilho Pereira, em artigo intitulado "A reforma do Poder Judiciário: o dissídio coletivo e o direito de greve.", publicado no site do TST. Seu raciocínio infere, com natural lógica:

Assim, frustradas as tentativas de negociação, o sindicato obreiro opta pela greve, que é deflagrada, observados todos os requisitos legais.

Em seguida, a empresa ajuíza Dissídio Coletivo de Greve e o sindicato profissional formalmente não concorda com o Dissídio Coletivo, invocando o § 2o do art. 114, supramencionado.

A empresa, por seu turno, invoca o art. 5o, XXXV, da Constituição Federal, que preceitua:

"A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

Como decidir?

Discorre-se, desde já, acerca do conteúdo da norma-princípio da inafastabilidade do Poder Jurisdicional, assegurado no inciso XXXV, do art. 5o da Constituição Federal.

5.3 O princípio da inafastabilidade da jurisdição

ou Direito de Ação.

O princípio da inafastabilidade do Poder Jurisdicional, também conhecido como direito de ação, possui outras denominações equivalentes tais como o princípio da proteção judiciária e o princípio da ubiqüidade da justiça. Traduz-se em duas vertentes, quais sejam, a de inferir ao Poder Judiciário o monopólio do exercício jurisdicional, e, por outro lado, a de assegurar ao indivíduo o direito de provocar o Estado-Juiz tendo em vista a obtenção daquela prestação jurisdicional.

Ao definir sobre a proteção referente a ameaça a direito, a Constituição institui ao Judiciário, um poder de cautela. Isto indica que, mesmo na ausência de regulamentação infraconstitucional, ao Poder Judiciário é atribuída a prerrogativa da concessão de liminares ou cautelares com vistas a resguardar o indivíduo das ameaças ou lesões a seus direitos.

Conforme o ensinamento de Uadi Lammêgo Bulos (2002, p.178):

Através desse princípio, todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça de lesão a um direito individual, coletivo, difuso e até individual homogêneo. Constitui, portanto, um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação jurisdicional, relativamente ao conflito de interesses qualificado por uma pretensão irresistível.

Em sua essência, é um direito público subjetivo, genérico, abstrato e incondicionado, porquanto seja dirigido a todas as pessoas, indistintamente e sem restrições. A jurisdição é um poder-dever de direcionar qual o direito subjetivo a ser aplicado ao fato concreto ocasionador da lide. Diz o direito e qual a sua medida e extensão. O direito de invocar essa prestação do Estado-Juiz, para atuar providências à concreção do direito visa, tão somente, à própria realização do direito.

De modo que não há que perdurar o alcance da expressão "de comum acordo", pois restringe o direito ao ajuizamento do dissídio coletivo, preceito fundamental, portanto.


Bibliografia consultada.

BARROSO, Luís Roberto. Constituição da República Federativa do Brasil anotada. 3o ed. ampl. rev. e atual. até a EC 32/2001. São Paulo: Saraiva, 2002.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 4o ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 14o ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho; relações individuais e coletivas do trabalho. 18o ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

PINTO, Jose Augusto Rodrigues. Direito sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Breves comentários à reforma do poder judiciário: com ênfase à Justiça do Trabalho; Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: LTr, 2005.

Algumas páginas visitadas – sites jurídicos.

www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/pub44.html

www.sinpro-abc.org.br/download/bol265.pdf

www.tst.gov.br/ASCS/dissidio.htm

http://cristianemarinhotrabalhista.vilabol.uol.com.Br/b6.htm

www.direitonet.com.br/textos/x/83/66/836/

www.direito.net.com.br/textos/x/98/88/988/

www.argumentum.com.br

www.stj.gov.br/SCON/jurisprudência/


Autor: Carla Michelle Carneiro


Artigos Relacionados


Locação De Imóveis E O Direito Constitucional

Jornada De Trabalho No ServiÇo PÚblico

As Pontuais Mudanças Trazidas Pela Lei 11.689/08 = Júri

A Inadimplência E A Suspensão Do Fornecimento De Energia Elétrica

Comissão De Conciliação Prévia

A Posição De Parte No Processo Penal - Parte (no Sentido) Formal E Parte (no Sentido) Material - Qual é A Posição Do Ministério Público?

Resumo Histórico Sobre Os Médicos Sem Fronteiras