As Lições do Exterminador do Futuro



É um comentário atrasado em relação ao tempo que já dista da época da Guerra-fria, quando os arsenais atômicos carregavam todo o peso da vilania humana, até levantando suspeitas de que serviam de camuflagem para armas muito piores, as quais as superpotências nunca revelaram ou revelariam, mantendo a paz aparente do "establishment". Coube a um gênio do cinema, James Cameron (por iniciativa própria ou não*), levar adiante um mirabolante raciocínio para trazer a público uma denúncia, cujo enredo pode ter sido o meio mais eficaz de promover a "paz" entre o Leste e o Oeste, simbolizada pela derrubada do Muro de Berlim e magistralmente musicada pelo Grupo Pink Floyd em "The Wall", que virou outra obra-prima pelas mãos do competente Alan Parker.

Eis porque é preciso dizer, de saída, que a coragem ou "proteção" que teve Cameron para filmar praticamente tudo o que lhe veio à mente, traduzindo um terrível pesadelo com todos os recursos na Era da Informática no auxílio da "imagem em movimento" (pesadelo aquele que nem devemos chamar de futurista, porque já pode ser "o presente": quem hoje duvida?), pode ter sido resultado de uma orquestração pra lá de sinistra que só uma mente detalhista, organizada e lúcida poderia executar.

Cameron inseriu, além das tarefas de sua direção sempre impecável (vide "Titanic", "The Abyss", "True Lies" e outros), merecedora de 4 Oscars**, mensagens subliminares de alta relevância e lucubração endereçada ao 'atordoado homem pós-moderno, que afivela no rosto a máscara da determinação' (como dizia Luiz Carlos Lisboa, lembrando o rosto afivelado do "Terminator" Arnold Schwarzenegger) e que aparenta estar incólume ao assalto diário das inúmeras dúvidas da "Era da Incerteza" de que falava Galbraith. Tais mensagens subliminares foram executadas com uma maestria tal que jamais será apagada da História do Cinema, e poderá mesmo, num futuro que talvez nem chegue a existir, servir de base para a ilustração de uma plausível "Bíblia da Robótica", a qual ensine homens e máquinas a conviver numa harmonia que homens e homens nunca conseguiram.

As mensagens subliminares ilustradas pela obra-prima de Cameron são pequenos trechos dramáticos de cenas fortíssimas e inquietantes, cujos símbolos expostos vêm gritar alto à nossa consciência como algo resgatado do fundo dela mesma. Ou seja: aquelas imagens já estavam em nós e por isso nos marcam tanto, bem como marcaram a indústria cinematográfica, assim como acordariam Jung dos mortos para dizer "eis aí coisas que estavam no inconsciente coletivo e que só a Era da Informática poderia oportunizar aos olhos físicos".

A 1a mensagem subliminar que o filme faz subir do inconsciente e atingir nossa consciência é a música-tema, ouvida desde o 1o episódio, a qual comporta acordes que ouvido algum deixaria passar em branco, cortando o coração e fazendo o espectador chorar sangue. Parece uma melodia composta APÓS o holocausto nuclear, como se seu autor (Brad Fiedel) tivesse voltado do futuro e contado, com partitura e tudo, a tristeza da guerra nuclear que viveu e dela escapou por sua viagem no tempo! É, pois, uma música belíssima, embora de teor agourento e notas fúnebres.

A 2a mensagem subliminar é uma cena que choca do início ao fim, expondo uma seqüência de imagens que só sairão de nossa memória por lobotomia ou amnésia. Trata-se da cena, já ensaiada no episódio I, em que a personagem central (Sarah Connor, vivida por Linda Hamilton – por sinal, em atuação magistral) caminha até a cerca de um parque de diversões para olhar uma criança feliz nos brinquedos, quando então enxerga duas coisas terríveis: a primeira é que era ela mesma que balançava a criança no parque; a segunda é que toda a cena irá em segundos derreter feito manteiga ao sol com um bólide de fogo que cai lá atrás, fazendo subir o pavoroso cogumelo nuclear que inaugura o Armagedom. Então Cameron, num rasgo de genialidade, mantém a cena viva, mesmo na impossibilidade de registrar qualquer coisa ali, e faz o telespectador ver a mãe, do lado de fora da cerca, converter-se em esqueleto aos gritos, e mesmo assim presa à cerca que a separava de seu filho (o pequeno John) também derretido pelo fogo! Fenomenal! Fenomenal! E tem razão quem pensou que a cena não saiu da cabeça de Cameron, nem de seus "movie writers": tem razão quem crê que a cena vem de um pesadelo real, pinçado lá do fundo do inconsciente coletivo e do horror da guerra atômica, que nem um ex-combatente do Vietnã, que experimentou napalm na própria pele, pode fazer idéia! Críticos houve que disseram, com justiça, que esta única cena, ela sozinha, teria bastado para o filme de Cameron ser o mais forte libelo antinuclear da atualidade.

A 3a mensagem subliminar é a própria guerra final... Não a "Third World War", mas a 4a Guerra, mostrada no futuro, onde a humanidade (que Cameron denuncia como a verdadeira vilã do cosmos, ao ponto de despertar o ódio das máquinas que preferiram viver sem os homens) enfrenta o exército de ciborgues impiedosos, com seus tanques autoconscientes e helicópteros infoneuronais, contra os quais ninguém, literalmente ninguém, poderia sobreviver, e não haveria filme nem ninguém para contar a história. Mas Cameron conta, e mostra sem dó a situação de calamidade total dos "exércitos" humanos, entrincheirados como ratos em buracos imundos, a comer ratos e tossir estrôncio 90 de pulmões enfisematosos. É como se quisesse fazer ecoar dentro de nós, pelos disparos estridentes das metralhadoras radiônicas, a pergunta-bofetada: "valeu a pena sair das cavernas para evoluir tecnologicamente e depois involuir espiritualmente para a condição de ratos das cavernas?".

A 4a mensagem subliminar foi dita literalmente de passagem, pois Cameron mandou-a ao ar de forma relatorial, quando a ação dos três personagens – John Connor (Edward Furlong), Sarah e o Ciborgue – na viagem de volta à indústria Cyberdine Systems (que no futuro 'construiu' a "máquina consciente" Skynet), é narrada na voz de Sarah ao expressar: "Enquanto caminhamos no presente para o nosso destino estamos fazendo história"... [Apenas à guisa de registro, uma minúscula cena inserida pela obsessão perfeccionista de Cameron foi quando o T-1000, passando apressado por uma loja de roupas, vê um manequim prateado e olha para ele, como se por um momento pensasse ter visto um outro T-1000... "Seria possível? Por que não?". Porém o pai de John Connor (Kyle Reese, interpretado por Michael Biehn), já havia explicado sobre as dificuldades das viagens no tempo no Episódio I, o que torna injustificável dar continuidade a este episódio, que Cameron desejou ser o último].

A 5a mensagem subliminar é também uma bofetada "de calar hienas", como o palhaço "Pratileve" gostava de dizer. Ela começa com a chegada do trio de personagens ao lugar no Novo México (ou num deserto próximo) onde Sarah escondeu um verdadeiro arsenal arrasa-quarteirão, confiando-o a um velho amigo que parece também um ex-amante. Logo após alguns minutos de apresentações, Cameron mostra uma cena paralela a esta, na qual alguns garotos, todos armados com armas de brinquedo, brincam de matar e morrer, ou como antigamente se dizia, de mocinho e bandido, repetindo em criança aquilo que os adultos aperfeiçoam com superarmas ou repetindo em adulto aquilo que aprenderam quando crianças. John Connor então pára e pergunta ao Ciborgue ou pensa alto: "Não escaparemos não é? – De quê? – Da morte?... Sim: A violência está na alma humana"... Responde a máquina. Por isso Sarah escreve, antes de cair no sono e fechar a mensagem com a ponta da faca, a expressão "NO FATE" ("Não há destino"). É o choque frontal do non sense.

A última mensagem subliminar já foi dita, de certa forma, nos parágrafos anteriores. São as máquinas que APRENDEM com seus erros e se corrigem, se tornam mais conscientes e depois fazem com que erros não sejam mais cometidos. E Cameron "manda informar" isso de forma inquietante, quando mãe e filho retornam pela estrada escura e uma voz arremata: "Se máquinas podem aprender com seus erros e se corrigirem, por que nós não?"...

Mas além dessas mensagens subliminares, há muitas cenas dignas de menção (honrosa) e aqui o faremos, algumas apenas en passant. Por exemplo.

Toda a cena do hospital psiquiátrico é uma verdadeira aula em forma de livro, oportunizando informações preciosas aos telespectadores, inclusive no sentido prático do dia-a-dia. Ali se vê o paradoxo dos nosocômios, a saber, que é uma loucura tratar loucos pelo simples fato de que a ignorância (que pode estar no paciente ou no psiquiatra) é a grande mãe de todas as loucuras, e muitos dos que tratam poderiam estar internados e vice-versa. Vê-se até a corrupção da classe médica, a manipulação conspiracionista dos que detêm o poder e querem se ver livre de seus "inimigos políticos", o militarismo velado por trás da fachada civil dos hospitais mentais a serviço do poder, a virtual incompetência dos psiquiatras para lidar com qualquer coisa que fuja às quatro paredes do seu divã ou daquilo que a Psiquiatria chama de "mente normal", etc. Uma destas mentes, que segue a normalidade doentia da presunção de sanidade, despede-se de Sarah não a beijando no rosto, mas lambendo-lhe sordidamente, deixando no ar a dura realidade das mulheres ditas "loucas", internadas no 1o Mundo (e não apenas no 3o), que também são estupradas quando sedadas por injeções das quais só os psiquiatras conhecem a fórmula e o estrago que podem fazer ao cérebro.

A "aula" de cidadania dada por Sarah chega aos extremos da perfeição: quando uma mente sadia é internada numa fábrica de loucos e tem que "se virar" sozinha para sobreviver, agarrando-se a um fiapo de esperança de que as paredes não caiam sobre ela no holocausto e então possa fugir para morrer em liberdade. Então para isso treina forte, ganha músculos, aguça a mente nas artes da fuga e do bom combate, guarda objetos pontiagudos ou um mero clipe e finge a recuperação de uma saúde mental que ela nunca perdeu na lucidez iluminada pela fé de mudar o futuro. Passa até um carão no filho heróico por ele tê-la ido retirar da jaula do hospício e do inferno da loucura fingida.

O espalhafatoso "show" do novo terminator, um modelo hi-tech de metal líquido chamado T-1000, que Cameron magistralmente explora, tem ali seus 3 momentos-chaves para o espectador: (1o) a visão de sua passagem pelas grades da prisão psiquiátrica com a arma batendo nos ferros para espanto do psiquiatra (que agora parece louco mesmo) e horror do trio principal; (2o) a fuga dos três pelo elevador furado e pelo carro que mal consegue se distanciar do inimigo, na única cena onde ficou a milímetros de John Connor; e (3o) a recomposição do corpo do inimigo por um pedaço atirado ao chão e encostado ao pé do T-1000. Genial Cameron! Nenhum detalhe lhe escapou!

A fuga de Sarah para matar desesperadamente o inventor da futura máquina consciente (Miles Dyson, o correto ator Joe Morton), talvez no único gesto de loucura real dela, embora perfeitamente justificável pela visão da morte de 3.000.000.000 de pessoas que se avizinha. Tanto é assim que Dyson aceita a loucura dela e passa a colaborar no plano de destruição de tudo o que está na fábrica Cyberdine, clone de muitas "microsofts" de hoje... – Dyson se convence da história com a prova concreta: o ex-Exterminador corta o seu braço e mostra a réplica do que está guardado a 7 chaves na Cyberdine. Aqui Cameron denuncia que de fato o Governo americano guarda de nós civis segredos terríveis, um dos quais ele expôs sublimemente em "The Abyss" e Spielberg em "Taken".

A cena da destruição da fábrica era e não podia deixar de ser previsível. As circunstâncias não admitiam nada diferente do que Cameron filmou. Todo o aparato policial, a SWAT e até o exército apareceriam por lá, formando de fato uma cena de guerra que o T1.01 tão bem aproveitou para fazer explodir, com metralhadora giratória e tudo. Os críticos disseram que o quarteto de personagens não poderia ter levado os 5 ou 6 botijões amarelos de explosivos, afora os detonadores e armas de combate corpo-a-corpo. O quarteto não podia, mas o T1.01 sim. Todo o peso dos tambores seria pequeno para ele, como demonstrou quando levantou um caminhão para conserto.

Então Cameron dá show!: Ele viu a chance de brilhar na chegada de um helicóptero policial, cujos ocupantes mais pareciam bebezinhos diante de uma briga de adultos. O helicóptero voa ao redor do prédio e, após a fuga do trio principal, o inimigo vê sua melhor chance de alcançar o grupo, i.e, perseguindo-os pelo ar. Então, como um raciocínio só previsível por um louco (mas que para o T-1000 seria até fácil), o monstro salta com moto e tudo no ar e pula dentro da cabine do helicóptero, numa cena magistral, com os requintes do detalhismo de Cameron, que faz o cristal líquido descer feito gota dentro da cabine e dizer, ainda informe: "go out" (caia fora!)... – A partir daí o filme é só tensão e terror, numa perseguição atordoante, talvez nunca antes vista na história do cinema, uma vez que ninguém havia bolado e filmado um robô de metal líquido!

Mas esta máquina indestrutível tem um ponto fraco: não resiste à temperatura do aço em fusão. Após a virada monumental de um caminhão enorme (que Cameron filmou sem cortes), ela resistiu sinistramente ao derramamento do nitrogênio líquido, perdendo primeiro os pés, depois as pernas e, por fim, o maligno corpo, petrificando-se como num congelamento ultraglacial. O trio olha e se apressa, pois o monstro voltará a unir-se com o retorno da temperatura ambiente. E correm para o lugar-comum dos grandes filmes de destruição, uma fábrica abandonada, um velho porto ou uma indústria em plena operação. Cameron deixou os quatro sozinhos numa enorme fundição que trabalhava fornecendo aço para a construção de pontes, pois todos os funcionários haviam fugido com medo da explosão inicial do nitrogênio líquido.

Após macabra luta entre máquinas, num ambiente de máquinas, o T-1000 tenta quebrar a cabeça do T1.01, reforçada pelo John Connor do futuro, antevendo uma luta onde a cabeça de seu protetor fosse atingida. Só após enfiar uma barra de ferro no "coração" do ciborgue, o monstro vê a luz mental do T1.01 se apagar... E ali seria o fim de tudo, não fosse a 'miraculosa' "Engenharia de Realocação de Saídas", que permite ao cérebro utilizar "outros caminhos" antes de apagar-se de vez (Depois dessa cena, quando o Liquid Metal imita Sarah para enganar John, quem atua no filme é Leslie Hamilton Gearren, irmã gêmea de Linda Hamilton). Renasce o T1.01, e, após um tiro de rojão (dado por Sarah) na cabeça do T-1000 e sua queda no tanque fervente, é o ciborgue quem se expõe à mesma morte do T-1000, afundando no poço de aço em fusão, após insistentes pedidos de John para que ficasse vivo. Antes de "morrer" optando apenas pela razão fria da lógica e com um sinal de positivo no polegar, ele aprende algo mais sobre o choro, que Cameron também fez rolar nos olhos de muitos espectadores infantis, que nesta altura já estavam apaixonados pelo ciborgue Schwarzenegger.

Este é o final de uma história que jamais deveria ter sido continuada, e só se explica a sua continuação pela ganância financeira do Capitalismo na indústria cinematográfica, quase como que forçando Cameron a vender direitos autorais para que outro a continuasse. Nem é preciso contar que o Episódio III é inferior, pra não dizer pobre, repetitivo e sem criatividade, embora feito com recursos até mais miraculosos da ultramoderna tecnologia, que Cameron não dispunha à época da Guerra Fria (a idealização do Episódio II iniciou-se antes da Queda do Muro de Berlim, em 1989, e sua realização foi quase toda em 1990, indo o filme a público em 1991; o diretor não negou a história real ao dizer, por uma pergunta de John Connor: "mas os soviéticos agora não são nossos amigos?").

Como disse no início, é um comentário atrasado, sem dúvida. Porém, com a perspectiva de que a história se transforme numa série banalizada como 007, creio estar reacesa a discussão da proposta inicial de Cameron, como reacesa deve ficar a consciência dos Governos ante os riscos de extinção da Humanidade por uma máquina que, sozinha, aperte o botão "sem querer querendo".

Prof. João Valente de Miranda.

CHAMADAS DO TEXTO:

* Houve quem dissesse que o Governo americano, pressentindo os riscos cada vez maiores de uma guerra atômica com os soviéticos, trocou idéias com Cameron para ele filmar uma estória que mostrasse cruamente os horrores de uma hecatombe nuclear, sugerindo até mesmo que a tal estória incluísse "soldados robôs" que retornassem depois do holocausto. Assim sendo, mesmo que tal conversa tenha ocorrido, ainda teria sido obra da mente de Cameron incluir a viagem no tempo, o originalíssimo robô de metal líquido, as cenas antológicas das mensagens subliminares, etc.

** SEUS 4 OSCARS FORAM: Melhores Efeitos Especiais, Melhores Efeitos Sonoros, Melhor Som e Melhor Maquiagem. Foi ainda indicado em outras duas categorias, Melhor Fotografia e Melhor Montagem.


Autor: João Valente


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