Responsabilidade das faturas de água e energia elétrica é pessoal do locatário e não do proprietário



É comum depararmos com casos em que as concessionárias que exploram o tratamento e distribuição de água, exijam o pagamento das faturas de água do proprietário que estão em mora. Porém, o que deve ser observado é quem efetivamente utilizou esta água, ou seja, se foi realmente o proprietário do imóvel, ou se foi o locatário.

Havendo um contrato de locação de imóvel, o interessante a fazer é solicitar ao locatário que coloque as faturas de água e energia elétrica em seu nome, caracterizando indiscutivelmente a locação.

Feito a transferência para o nome do locatário, não há que se falar em cobrança de faturas em atraso do proprietário, mesmo que o locatário seja despejado do imóvel.

É interessante observar o que diz a doutrina e a jurisprudência a respeito do tema.

Primeiramente, resta evidente que o fornecimento de serviços de água encanada em áreas urbanas, é considerado serviço público essencial.

Como todo e qualquer serviço público, o fornecimento de água está sujeito a cinco requisitos básicos: a) eficiência; b) generalidade; c) cortesia; d) modicidade e finalmente e) permanência.

A permanência, principalmente no que tange aos serviços públicos essenciais, está sedimentada no artigo 22 "caput " do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 22: Os órgão públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quando essenciais, contínuos".

Assim, resta como evidente que o serviço de fornecimento de água, por ser essencial, não pode ser interrompido sobre qualquer pretexto. Evidentemente, que a empresa concessionária pode utilizar-se de todos os meios juridicamente permitidos para fazer valer seu direto de receber pelos serviços prestados.

Para o jurista Mário de Aguiar, uma inovação trazida pela atual constituição é a extensão do mesmo critério às concessionárias ou permissionárias dos serviços públicos.

Comentando o art. 22 do CDC,Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamim, assim se expressa: "A Segunda inovação importante é a determinação que os serviços essenciais - e só eles - devem ser contínuos, isto é, não podem ser interrompidos. Cria-se para o consumidor um direito à continuidade do serviço, podendo o consumidor postular em juízo que se condene a administração a fornecê-lo".

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina julgou caso semelhante na Apelação Cível em Mandado de Segurança 2006.005479-5: "Havendo controvérsia sobre a responsabilidade do débito no período em que antigo morador utilizou o imóvel, não pode o novo proprietário sofrer corte no fornecimento de água. Tendo a CASAN emitido as faturas de água e esgoto em nome do antigo morador, revela ela pleno conhecimento do real consumidor; portanto, não pode de forma arbitrária forçar o atual ocupante do imóvel a saldar dívida que não é sua, mediante drástica coação, consistente na supressão do fornecimento de água".

Quanto ao tema, destaca-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça:


"CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. ILEGALIDADE.1. É ilegal a interrupção no fornecimento, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem que o usuário seja exposto ao ridículo.2. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos. 3. Recurso não conhecido."

(STJ - RESP 122812/ES - recurso especial - DJ 26/03/2001 - p. 00369).

Infelizmente, a prática é comum: as empresas que prestam serviços públicos de água e eletricidade utilizam-se da prática de ameaça do corte do serviço, caso o pagamento não seja feito, como efetivamente o cortam, o que implica num constrangimento a pessoa que tem o corte de água.

Assevera o Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"Seu fornecimento é serviço público subordinado ao princípio da continuidade, sendo impossível a sua interrupção e muito menos por atraso em seu pagamento "

(Decisão unânime do stj, que rejeitou o recurso da Companhia Catarinense de Água e Saneamento- CASAN. Proc. RESP. 201112).

Esta decisão do STJ fundamentou-se em que:

"O fornecimento de água, por se tratar de serviço público fundamental, essencial e vital ao ser humano, não pode ser suspenso pelo atraso no pagamento das respectivas tarifas, já que o poder público dispõe dos meios cabíveis para a cobrança dos débitos dos usuários".

Para o Ministro Garcia Vieira, a água deve ser servida a população de maneira adequada, eficiente, segura e continua e, em caso de atraso por parte do usuário, não pode ser cortado o seu fornecimento porque expõe o consumidor ao ridículo e ao constrangimento "não podendo fazer justiça privada porque não estamos mais vivendo nessa época e sim no império da lei, sendo os litígios compostos pelo Poder Judiciário e não pelo particular. A água é bem essencial a saúde e higiene da população".

Para não restar a menor dúvida, o fornecimento de água como também o de energia elétrica resulta de contrato de adesão, cuja obrigação é de natureza pessoal, o que não constitui ônus real que deva necessariamente acompanhar o imóvel.

Caso semelhante julgou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. ABASTECIMENTO DE ÁGUA. SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL. NEGATIVA DE FORNECIMENTO. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO USUÁRIO.

Embora não se considere como descontinuidade do serviço o corte no fornecimento de água pela falta de pagamento (art. 6º, §3º, II, da Lei nº 8.987/95), a responsabilidade é pessoal do usuário, não podendo gravar o imóvel. Demonstrado que o débito pertence a terceira pessoa, não pode a concessionária do serviço de água negar o fornecimento ao proprietário do prédio, por falta previsão legal. Ilegalidade que se reconhece. Apelação provida. Voto vencido. (grifei)

(Apelação Cível Nº 70012683298, 21ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 14/06/2006).

Conforme se extrai do julgado supracitado, a responsabilidade pela dívida da água é pessoal do usuário, não devendo recair sobre o imóvel.

No voto, o Ilustre Des. Marco Aurélio Heinz fez uma brilhante observação:

"O cadastro de usuários do serviço de água se faz pelo nome do consumidor, o qual é o responsável pelo débito, não podendo onerar o prédio, impedindo-o de receber a utilidade.Sendo o débito de terceiro, não pode a concessionária do serviço de água negar o fornecimento ao proprietário do prédio, por falta de base legal. Desta forma, resta evidente a ilegalidade do ato que nega o fornecimento de água a usuário que não é o devedor de contas atrasadas." (grifei)

Assim sendo, a responsabilidade é pessoal do locatário, não devendo a dívida do locatário recair sobre o imóvel, e sim na figura do locatário. Devendo o proprietário, somente pagar as faturas de água ou energia elétrica, a partir do momento em que ficar caracterizado a sua posse sobre o imóvel.


Autor: Everton Gandolfi Jardim


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