O conhecimento dos profissionais de enfermagem sobre drogas psicotrópicas



Autores:

Eliane Felix Prado
Josiane Célis Almeida
Michele Ferreira Vilhena
Rosimar Aparecida Pereira
Viviane Braido
Cristiane Aparecida Silveira

INTRODUÇÃO

O consumo de drogas aparece como um dos problemas que mais tem despertado interesse e preocupação nas últimas décadas. O uso de drogas é uma prática milenar e universal na história da humanidade, estando seu consumo associado às condições sócio-econômicas e nível de desenvolvimento, entre outros fatores (1). Pela sua própria natureza o homem tem buscado, através dos tempos, alternativas para aumentar seu prazer e diminuir o sofrimento (2). As drogas estão presentes desde os primórdios da humanidade e que seu consumo deve ser visto como um fenômeno cultural (3). O seu uso já esteve inserido em diversos contextos, como: social, medicinal, religioso, psicológico, ritual e até mesmo militar.

Os motivos que levam uma pessoa a usar substâncias químicas são diversos: um deles pode estar relacionado com o nível de desenvolvimento sociocultural. Uma sociedade torna-se mais vulnerável por vários motivos, entre os quais o descontentamento, o ideal não alcançado, quando reina o desespero entre os indivíduos por não encontrarem seu papel social, quando predomina a injustiça ou existe o perigo iminente de um conflito social (2). O convívio com situações de dor, sofrimento e estresse também podem influenciar no uso de substâncias químicas. Essas situações geradoras de angústia devem ser estudadas dentro de modelos biopsicossociais, já que são influenciadas por fatores sociais, psicológicos, afetivos e físicos (4).

Independente dos motivos e do contexto, o álcool, o tabaco e alguns medicamentos psicotrópicos são as drogas mais consumidas e responsáveis pelos maiores índices de problemas para a população (5). Medicamentos psicotrópicos (psique =mente, topos=alteração), são modificadores seletivos do Sistema Nervoso Central e podem ser classificados, segundo a Organização Mundial de Saúde em: ansiolíticos e sedativos; antipsicóticos (neurolépticos); antidepressivos; estimulantes psicomotores; psicomiméticos e potencializadores da cognição (6).

Em um estudo com 8.589 pessoas nas 107 maiores cidades do Brasil, objetivando estimar a prevalência do uso de drogas, álcool, tabaco e o uso não médico de medicamentos psicotrópicos. Em relação ao tabaco encontraram dados que serviram de comparação com outros países, "uso na vida" de tabaco foi de 41,1%, inferior aos EUA (70,5%). O uso na vida de maconha foi de 6,9% próximo ao da Colômbia (5,4%) e abaixo dos EUA (34,2%). O uso na vida de cocaína foi 2,3%, inferior aos EUA (11,2%). O uso de solventes foi de 5,8%, bem menor que no Reino Unido (20,0%). Os estimulantes tiveram 1,5% de uso na vida e os benzodiazepínicos com 3,3%. Os autores enfatizam a necessidade de políticas públicas adequadas à nossa realidade no campo das drogas psicotrópicos (7).

Estudos sobre uso de drogas psicotrópicas com estudantes universitários também mostram situações inquietantes, especialmente os que enfocaram estudantes da área de saúde e escolas médicas (8,9). Situação essa preocupante, pois são futuros profissionais de saúde e como tal, terão como responsabilidade a identificação e encaminhamento de pacientes com problemas relacionados ao uso de substâncias psicotrópicas (10). Em uma dessas pesquisas, sobre o uso de psicotrópicos entre 521 estudantes da área da saúde em Amazonas-AM, encontrando uso na vida de álcool em 87,7% dos estudantes e o de tabaco em 30,7%. As substâncias ilegais mais usadas foram: solventes, maconha, anfetamínicos e ansiolíticos, cocaína e alucinógenos. O principal motivo relatado para o uso de drogas ilegais foi à curiosidade. (11).

Além disso, o fácil acesso e a fácil convivência com muitas dessas substâncias, aliados às condições de trabalho estressantes, tornariam esse grupo mais vulnerável ao abuso (12). Dentro da área hospitalar é notória a facilidade de se conseguir receitas médicas ou a própria substância psicotrópica. Essa possibilidade da auto-administração pode facilitar o aparecimento do vício.

No Brasil, a legislação que aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial é a Portaria N.º344/98, (12/05/98), a qual define as seguintes listas de substâncias: A1 e A2 (entorpecentes), A3, B1 e B2 (psicotrópicas), C1 (outras substâncias sujeitas a controle especial), C2 (retinóicas para uso sistêmico) e C3 (imunossupressoras) (13).

A portaria legisla sobre vários parâmetros para a prescrição e venda destes produtos, e determina, por exemplo: quanto à notificação de receita dos medicamentos A1, A2, A3, B1 e B2, este é o documento que acompanhado de receita autoriza a dispensação de medicamentos componentes das listas e que a mesma deverá estar preenchida de forma legível e a farmácia ou drogaria somente poderá aviar ou dispensar quando todos os itens da receita e da respectiva Notificação de Receita estiverem devidamente preenchidos (13). Recentemente, buscando melhorar a fiscalização e controle a Agencia Nacional de Saúde (ANVISA) emitiu a Resolução ANVISA/DC Nº. 58 (05/09/2007), na qual orienta médicos e farmacêuticos quanto a prescrição, aviamento ou dispensação de medicamentos ou fórmulas medicamentosas que contenham substâncias psicotrópicas anorexígenas, indicadas no tratamento da obesidade.

Apesar de todas as Resoluções, os profissionais de enfermagem ainda têm livre acesso a tais medicamentos em seu cotidiano de trabalho. Estes profissionais, enquanto seres humanos enfrentam momentos de dificuldades e, muitas vezes, encaram o uso de psicotrópicos como um facilitador na condução de suas vidas cotidianas. Os trabalhadores dos hospitais ficam duplamente expostos: fisicamente, por exposição aos riscos de substâncias químicas, contaminações biológicas, sistema de plantões e excessiva carga horária; e psiquicamente, em decorrência da convivência com o sofrimento e a dor, a doença e a morte, tendo que conviver com tais circunstâncias paralelamente aos seus problemas emocionais, podendo essas condições de trabalho favorecer o uso de substâncias psicoativas (2). No ambiente hospitalar o profissional de saúde permanece em contato direto com a doença, a morte e o sofrimento humano, por mais tempo que qualquer outra categoria profissional. A qualidade da saúde mental e física de cada indivíduo está intimamente ligada à maneira como este busca manter-se em equilíbrio diante das frustrações com as quais irá deparar-se no mundo do trabalho.

Lidar com substâncias psicoativas é uma situação complexa, não somente pelos inúmeros fatores de estímulo e de acesso, mas também pela facilidade fisiológica de tornar-se dependente. De acordo com as teorias da aprendizagem, é necessário que a cadeia de comportamentos que leva à auto-administração seja reforçada pelos efeitos prazerosos da droga, para que o comportamento se repita no futuro e seja assim mantido (14). De tal princípio decorre que, para se prevenir a dependência causada por receitas médicas (dependência iatrogênica), deve-se evitar que a droga que possa determinar dependência seja ministrada pelo próprio paciente. Por outro lado, a possibilidade de auto-administração, aliada à disponibilidade dessas drogas, pode explicar por que médicos e enfermeiros se tornam dependentes de drogas psicotrópicas em maior proporção que outros profissionais.

Os princípios gerais da aprendizagem postulam que recompensas imediatas são mais eficazes para reforçar o comportamento do que recompensas ou punições que demoram a acontecer após o ato que as produziu (14). Pode-se, então, compreender por que drogas que chegam rapidamente ao cérebro logo após a administração são mais capazes de induzir dependência do que as que demoram mais tempo para produzir efeitos centrais. Assim temos, em um extremo, o exemplo da morfina que pode ser administrada por via endovenosa e, no outro extremo, o comprimido de metadona, que embora também seja um opióide, apresenta um efeito mais lento. O mesmo princípio pode também explicar o fato de os usuários continuarem a utilizar drogas, apesar dos graves prejuízos muitas vezes causados por elas, pois o efeito prazeroso que advém da introdução da droga no organismo ocorre em curto prazo, mantendo o comportamento de auto-administração, enquanto que as conseqüências danosas ocorrem tarde demais para terem efeito punitivo e, assim, suprimirem o mesmo comportamento. Portanto, não é fácil para o indivíduo livrar-se da dependência, mesmo que haja o desejo de fazê-lo.

Mesmo que o usuário se proponha a não mais fazer uso de drogas, há ainda à possibilidade da "recaída". A mesma é considerada como um estado de crise, um conjunto de sintomas da doença, que se manifestam pelo abuso de substâncias, após um período de abstinência. Ela tem seu lado positivo, e se torna facilitadora da recuperação a partir do momento que o dependente percebe que é portador de uma doença crônica, e desiste da ilusão de que por ter permanecido por um período afastado das drogas, já está recuperado (15). Neste sentido a questão do uso de drogas psicoativas deve ser vista, reconhecida e tratada como um todo, já que é um problema de saúde física e psíquica.

Direcionamos este tema aos profissionais de enfermagem inseridos no ambiente hospitalar devido ao fato de os mesmos estarem em contato direto com estas drogas em seu cotidiano e permanecerem em um ambiente estressante onde a doença e a morte estão presentes constantemente.

Outro fato importante para a escolha dessa categoria é a diversidade na formação profissional dos mesmos e por ser a maior categoria ocupacional dentro da área hospitalar. Segundo o Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais existem atualmente no estado 47.621 auxiliares de enfermagem, 40.134 técnicos de enfermagem e 16.409 enfermeiros (16). Sendo uma categoria composta por profissionais de nível básico, técnico e superior e ainda, com esse grande contingente, além dos outros motivos citados, justifica-se o presente estudo.

Diante do exposto, este quadro, esta pesquisa objetiva investigar o conhecimento dos profissionais de enfermagem sobre as drogas psicotrópicas, dependência e tratamento e averiguar o acesso, o contato, a manipulação das mesmas e drogas psicotrópicas e como o profissional de enfermagem lida com esses fatos.

METODOLOGIA

Este estudo é de caráter quantitativo e descritivo, realizado através de questionários estruturados, seguindo os procedimentos éticos descritos pela Resolução 196/1996 (17).

O estudo em questão foi realizado em uma cidade do interior de Minas Gerais com uma população estimada de 154.477 habitantes, segundo os dados do Censo (18).

O estudo abrangeu profissionais de enfermagem que atuam em cinco hospitais da cidade em questão. Foi realizada através da aplicação de questionários compostos de questões fechadas a 114 (cento e quatorze) profissionais de enfermagem atuantes no ambiente hospitalar desta cidade. A aplicação dos questionários ocorreu no mês de abril de 2006, e atingiu profissionais que trabalhavam em diferentes setores dentro dos hospitais do município.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em relação ao que são drogas psicotrópicas, 97,37% dos entrevistados alegaram saber do que se tratava, enquanto que 2,63% responderam que não sabiam. Ainda que a porcentagem de profissionais que desconhecem o que são drogas psicotrópicas seja pequena, este é um quadro alarmante, pois o profissional de saúde deve ter conhecimento sobre as drogas que administram.O ensino formal na área de Enfermagem sobre o uso e abuso de drogas é ministrado de forma superficial, não habilitando o profissional para entender este fenômeno de forma adequada. Para estes autores, o ensino atual não corresponde às necessidades que a temática exige (19).

No cotidiano, prestando assistência ao cliente, o profissional de enfermagem fica tão envolvido no fazer, em atender aquilo que considera como necessidades básicas do cliente, ou até no cumprimento das tarefas pré-estabelecidas, que perde a noção do que o envolve. Ele, no seu fazer, administra as mais variadas medicações e não percebe que algumas são substâncias psicoativas que podem levar à dependência química. (2:402).

Dentre os entrevistados, 71,05% descreveriam razoavelmente os efeitos causados pelas drogas psicotrópicas; 26,31% descreveriam bem e 2,64% não saberiam descrevê-los. O fato de os profissionais entrevistados, em sua maioria, não saberem descrever bem os efeitos causados, desconhecendo os efeitos colaterais de modo satisfatório é algo perigoso, pois a sensação prazerosa que advém da introdução da droga no organismo ocorre em curto prazo enquanto que as conseqüências danosas ocorrem tarde demais para terem papel punitivo e, assim, suprimirem o mesmo comportamento. Assim, o profissional pode ter dificuldade em relacionar os malefícios ao uso de drogas psicotrópicas. Além do fato de que, essas drogas são administradas nos clientes, sendo responsabilidade do profissional de enfermagem a observação dos efeitos terapêuticos e adversos após a administração.

O desconhecimento sobre as especificidades que envolvem o uso de drogas e da dependência química, dos técnicos de saúde é produto de uma formação acadêmica e profissional que super estima e super valoriza as normas e regras em detrimento das atitudes sociais e valores éticos mais adequados a culturas determinadas (19:866).

Dentre os entrevistados, 47,37% conheceram mais de um profissional que se tornou dependente a psicotrópicos; 36,84% conheceram um caso e 15,79% não conheceram nenhum profissional. Este também é um quadro preocupante, pois evidencia que o problema de dependência está bem próximo dos profissionais atuantes no ambiente hospitalar, fato também encontrado em outros estudo que entrevistaram vários trabalhadores de enfermagem que relataram conhecer profissionais dependentes.

A dependência psíquica favorece o desenvolvimento da procura compulsiva do fármaco, surgindo o vício, o que leva à distorção dos valores pessoais e sociais do indivíduo, prejudicando o seu comportamento social, fato percebido pelos colegas de trabalhos que muitas vezes não sabem como ajudá-lo ou não querem envolver-se.

A droga permite escapar à consciência da transitoriedade e mortalidade, pelo menos temporariamente. Esta mesma autora levanta a hipótese de que os ansiolíticos modernos são tão divulgados em conseqüência da perda do espírito comunitário e do aumento do anonimato e da solidão na sociedade contemporânea. (3). Normalmente esta situação é agravada por consumo de mais de uma droga como o estudo em que 88% faziam uso de uma ou mais substâncias psicotrópicas, especial de tranqüilizantes (4).

Sobre o acesso às drogas psicotrópicas dentro do ambiente hospitalar, 44,74% consideram que o acesso é moderado; 36,84% consideram de fácil acesso e 18,42%, de difícil acesso. Esta facilidade de acesso ocorre porque não há o cumprimento da legislação quanto à prescrição e dispensação de medicamentos psicotrópicos, comprovando em estudo que as farmácias em 88,0% das receitas B e em 85,0% das C1, enquanto que por parte dos médicos a porcentagem é de 99,6% para B e 96,5% para C1. As falhas que mais aparecem são: ausência de endereço do paciente (92,6% - receitas B; 80,1% das C1); de anotação da quantidade dispensada (85,8% das B e 72,6% das C1); da quantidade prescrita por extenso (89,5% das B e 96,5% das C1). Em 89,2% das B e em 57,1% das C1 a dispensação ocorreu no prazo fixado por lei. Os anorexígenos predominam entre as prescrições B (52,3%), seguidos dos benzodiazepínicos (47,7%). A fluoxetina (68,8%) é predominante entre as prescrições C1, seguida da amitriptilina (12,5%). A maioria das prescrições foi emitida por clínicos gerais (51,4%) (9).

Esta oportunidade de fácil acesso ligada à auto-administração, pode explicar a razão de médicos e enfermeiros tornarem-se dependentes de drogas psicotrópicas em maior proporção que outros profissionais (14). Esta é uma situação preocupante e o acesso a estas drogas deveria ser mais bem controlado dentro do ambiente hospitalar. Os profissionais de enfermagem geralmente trabalham em sistema de plantões e, muitas vezes, acumulam dois ou mais empregos. O trabalhador de enfermagem costuma enfrentar diversas situações, como: dificuldades econômicas, transtornos do ritmo acelerado da vida urbana e jornadas ocupacionais repetidas e intensivas (2). Em outro estudo, 32% relataram que o excesso de trabalho foi o motivo para o início do uso de substâncias psicotrópicas (4).

Em relação à manipulação destas drogas, 60,53% dos entrevistados alegam manipular os psicotrópicos com muita atenção; 26,31% dispensam mais atenção a estes medicamentos que a outros e 13,16% consideram os psicotrópicos como outra droga. Visto que o acesso a essas drogas pode estar ligado ao número de profissionais que se tornam dependentes, os profissionais de enfermagem devem dispensar uma atenção especial na manipulação destas drogas, principalmente ao desprezar ampolas de drogas psicotrópicas ou ao deixar drogas psicotrópicas prontas para aplicação dentro das respectivas seringas. Um profissional que se tornou viciado pode vir a roubar estes medicamentos, portanto os mesmos devem ser manipulados e desprezados de forma responsável. "Percebe-se que o profissional de enfermagem está muito preocupado com o "fazer", não refletindo também sobre as diversas implicações do lidar com a substância psicoativa" (2:0,).

Quanto à freqüência de contato com a droga, 63,16% entram diariamente em contato com psicotrópicos; 23,68% raramente manipulam estas drogas e 13,16%, periodicamente. Esta diferença existe porque dentro do ambiente hospitalar existe diferentes setores, onde os psicotrópicos podem ser mais ou menos utilizados. Ainda assim, percebe-se que as drogas psicotrópicas fazem parte da rotina dos profissionais de enfermagem dentro do ambiente hospitalar.

Sobre a aquisição de receitas para compra de psicotrópicos, 44,74% consideram fácil adquiri-la; 42,10% consideram o acesso moderado e 13,16%, difícil. Estes números demonstram que existe uma grande falta de critério para emissão de receitas para aquisição de drogas psicotrópicas. A prática de prescrição abusiva de medicamentos pelos profissionais médicos não deve ser vista como somente um desvio de conduta, já que a utilização abusiva de tecnologias, incluindo drogas, é incentivada na formação destes profissionais. Nesta mesma pesquisa, os entrevistados que faziam uso de psicotrópicos relataram que foram uma vez ao médico especialista e conseguiram a receita para compra da droga psicotrópica. A partir daí, passaram a "renovar" a receita através dos médicos que atendem nos postos de saúde, podendo assim, fazer uso regular do medicamento. O modelo predominante nos cursos de graduação em medicina no Brasil consolida a prática da tecnificação, levando estes profissionais a um círculo vicioso de incorporação e reprodução tecnológica, onde falta racionalidade na busca de soluções dos problemas de saúde (4).

Dentre os entrevistados, 89,47% alegam não terem curiosidade de experimentar os efeitos causados por psicotrópicos, enquanto que 10,53% têm curiosidade. Esta curiosidade em conhecer os efeitos gerados pelo uso de psicotrópicos aliada à falta de conhecimento sobre o modo de ação dos mesmos pode vir a ser um facilitador para o início do vício.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tem havido um crescente interesse público e governamental pelos problemas relacionados ao uso e abuso de substâncias psicoativas. Esse interesse tem sido despertado pelo peso significativo dos problemas sociais decorrentes do aumento do consumo de substâncias psicoativas pela população, tais como a criminalidade, a violência e a mortalidade por causas não naturais. Entretanto, as substâncias psicoativas estão presentes no cotidiano das sociedades humanas e, também, no dia-a-dia do profissional de saúde, mesmo que não percebam isto como concreto.

O fato de a maioria dos entrevistados (63,16%) ter descrito que entram em contato com psicotrópicos diariamente e que conheceram mais de um colega que tenha se tornado dependente (47,37%) já é um fato que chama a atenção. Isto se torna mais grave ao analisarmos que a maioria só saberia descrever razoavelmente os efeitos causados (71,05%), não tendo pleno conhecimento de seus efeitos diretos e colaterais e que não conhecem nenhum grupo de apoio e tratamento a dependentes (57,9%).

O acesso moderado a psicotrópicos (44,74%) e o fácil acesso a receitas (44,74%) para compra dos mesmos também é um fato alarmante, já que dentro de um ambiente hospitalar deveria haver um controle que tornasse o acesso consideravelmente difícil.

É preciso refletir sobre o fenômeno drogas para que trabalhos sob diferentes perspectivas possam ser desenvolvidos. Deve ser levado ao profissional de saúde maior conhecimento sobre a substância psicoativa, já que a falta de informação sobre a mesma foi verificada. O fato de alguns profissionais, ainda que em pequeno número (2,63%) terem alegado não saber o que é uma droga psicotrópica evidencia que a educação continuada dentro de hospitais deve voltar-se mais a este tipo de informação. Foi verificada a necessidade de maior divulgação dos grupos de apoio a dependentes, já que a maioria (57,90%) desconhece este serviço. Também é necessário um maior apoio psicológico, como atividades de auto-avaliação contínua e terapia individual ou grupal para trabalhar as emoções e sentimentos que possam estar inconscientes, mas que no futuro, possam ser motivo para o uso de psicotrópicos.

Faz-se necessário pensar na qualidade de vida do trabalhador de enfermagem e nas suas implicações para assegurar um bom atendimento, pois ele também lida com o sofrimento do outro e isso exige condições relacionadas às esferas afetivas e práticas para as quais o trabalhador de enfermagem pode não estar preparado.

Entendemos que é necessário que sejam realizadas mais pesquisas nesta área e que este assunto seja mais discutido durante a formação dos profissionais de enfermagem, para que estes possam entrar no mercado de trabalho mais preparados para lidar com este fenômeno. Também ressaltamos que é necessária a busca da humanização, não apenas voltada aos clientes, mas também aos profissionais de enfermagem, já que os mesmos estão expostos a altos níveis de estresse e sofrimento que podem levá-los a buscar uma fuga através das drogas psicotrópicas.

Referências

1Braga VAB; Bastos AFB. Formação do acadêmico de enfermagem e seu contato com as drogas psicoativas. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 12, n. 2, p. 241-249, abr./jun. 2004.

2Martins ERC, Corrêa AK. Adriana Kátia. Lidar com substâncias psicoativas: o significado para o trabalhador de enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 12, mar./abr. 2004.

3Figueiredo RMMD (Org.). Prevenção ao abuso de drogas em ações de saúde e educação: uma abordagem sócio-cultural e de redução de danos. São Paulo: Nepaids, 2002. 35p.

4Rozemberg B. O consumo de calmantes e o "problema de nervos" entre lavradores. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 28, n. 4, p. 300-308, 1994.

5Smart RG, Hughes PH, Jonhston LD, Anumonye A, Khant U, Medinamora ME, et al. A methodology for students drug-use surveys. Geneva: World Health Organization; 1980.   

6Rang HP, Dale MM, Ritter JM. Farmacologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, c2004. 904p.

7Galduróz JCF, Noto AR, Nappo SA., Carlini E.A.. Use of psychotropic drugs in Brazil: household survey in the 107 biggest Brazilian cities - 2001. Rev. Latino-Am. Enfermagem  [serial on the Internet]. 2005  Oct [cited 2008  Mar  06] ;  13(spe): 888-895. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692005000700017&lng=en&nrm=iso. doi: 10.1590/S0104-11692005000700017

8Mesquita AMC, Bucaretchi HA, Castel S, Andrade AG. Estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: uso de substâncias psicoativas em 1991. Rev ABP-APAL 1995; 17:47-54.

9Andrade MF, Andrade RCG, Santos V. Prescrição de psicotrópicos: avaliação das informações contidas em receitas e notificações. Rev. Bras. Cienc. Farm.  [periódico na Internet]. 2004  Dez [citado 2008  Mar  06] ;  40(4): 471-479. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-9332200400040

10Borini B, Oliveira, CM, Martins, MG, Guimarães RC. Conceitos, concepções etiológicas e atitudes de estudantes de medicina sobre o uso e abuso de álcool. Correlações com os padrões de uso- Parte 2. J Bras Psiquiatr 1994; 43:123-31.

11Lucas ACS, UCAS, Parente RCP, Picanço NS, Conceição DA, Costa KRC, Magalhães IRS et al . Uso de psicotrópicos entre universitários da área da saúde da Universidade Federal do Amazonas, Brasil. Cad. Saúde Pública  [periódico na Internet]. 2006  Mar [citado 2008  Mar  06] ;  22(3): 663-671. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006000300021&lng=pt&nrm=iso. doi: 10.1590/S0102-311X2006000300021

12Hughes H, Brandenburg N, Baldwin Jr. DC, Storr CL, Williams KM, Anthony JC, et al. Prevalence of substance use among physicians. JAMA 1992; 267:2333-9.

13Brasil. Ministério da Saúde (BR). Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria n.º 344, de 12 de maio de 1998 Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. [acessado em 01 mar. 2008] Disponível em:http://www.anvisa.gov.br/legis/portarias/344_98.htm

14Graeff FG. Drogas Psicotrópicas e Seu Modo de Ação. São Paulo: EPU, 1989.

15Büchele F, Marcatti M, Rabelo DR. Dependência química e prevenção à "recaída". Texto Contexto Enfermagem 2004 abr/jun 13(2): 233-40.

16Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais. Inscrições ativas por categoria. [acessado em 26 jul. 2007] Disponível em: http://www.coren-mg.org.br/index.asp

17Brasil. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes e normas regulamentadoras sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Resolução 196. 1996. Brasília: CNS; 1996.

18Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. IBGE Cidades. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/> Acesso em: 26 jul. 2007.

19CarraroTE, Rassool GH, Luis MAV. Nursing formation and the drugs phenomenon in the South of Brazil: nursing students' attitudes and beliefs on care. Rev. Latino-Am. Enfermagem  [serial on the Internet]. 2005  Oct [cited 2008  Mar  06] ;  13(spe): 863-871. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692005000700014&lng=en&nrm=iso. doi: 10.1590/S0104-11692005000700014

20Paulo LG, Zanini AC. Compliance: sobre o encontro paciente/médico. São Roque-SP: Ipex, 1997.

Autores deste artigo:

Eliane Felix Prado
Josiane Célis Almeida
Michele Ferreira Vilhena
Rosimar Aparecida Pereira
Viviane Braido
Cristiane Aparecida Silveira


Autor: Cristiane A. Silveira


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