DETENTO/PRESÍDIO/FAMÍLIA/SOCIEDADE/PODER PÚBLICO



RESUMO

 

 

                 Curiosamente a busca pessoal não tem sido analisada com profundidade no meio acadêmico. Os manuais de processo penal dedicam-lhe poucas linhas apesar da relevância do tema, desconsiderando os autores o fato de que se procede busca pessoal com muito mais freqüência que a tão comentada busca domiciliar. A busca pessoal deve ser analisada separadamente de outras eventuais modalidades de busca, em razão de sua gravosa característica de incidência sobre o corpo da pessoa que a ela é submetida, além da verificação dos objetos encontrados sob sua imediata custódia. As buscas pessoais realizadas pela Polícia Militar talvez constituam um dos temas mais polêmicos no campo jurídico, isso porque alguns doutrinadores, norteados apenas pelo Código de Processo Penal, relegam essas operações preventivas ao campo da ilegalidade e do abuso policial. Entretanto, se contrapondo à corrente processualista, temos a corrente publicista, lastreada no Direito Constitucional e, principalmente no Direito Administrativo, segundo a qual essas operações preventivas são legítimas e estão fundamentadas no poder discricionário da Polícia Ostensiva de Segurança Pública. Nesse sentido, trataremos, ao longo deste artigo, acerca das ações preventivas do Policiamento Ostensivo.

 

 

Palavras-Chave: Ações Policiais Preventivas – Busca Pessoal - Legalidade – Policiamento Ostensivo - Poder de Polícia – Polícia Militar.






 

 

 

 

 

SEARCH AND STAFF CONSTRANGIMENTO: THE ACTIONS OF PREVENTIVE POLICIAMENTO OSTENSIVO AND ITS LEGALITY.



                                                    ABSTRACT


                 Curiously the personal search has not been examined in depth in academia. The manual of criminal proceedings few lines dedicated to him despite the relevance of the topic, author or disregarding the fact that it carries much more personal search often commented that such search home. The search personnel should be considered separately from other possible means of search, because of its onerous feature of impact on the body of the person and submitted to it, than verification of objects found under his immediate custody. The personal searches conducted by military police may provide one of the most controversial in the legal field, because some doutrinadores, guided only by the Code of Criminal Procedure, reload these operations to the field of preventive and illegality of police abuse. However, if contrasting the current processualist, we have the current publicist, lasted in constitutional law and, particularly in Administrative Law, in which those preventive operations are legitimate and are based on the discretion of the Police Ostensive Public Security. In that sense, we, throughout this article, about the preventive actions of the Policing Ostensive.



Keywords: Stocks Preventive Police - Search Staff - Legality - Policing Ostensive - Power of Police - Military Police.

 

 

 

 

 

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 


                 Duas modalidades de busca foram especificadas no art. 240 do Código de Processo Penal Brasileiro: a domiciliar e a pessoal. Por tratar-se de ação que inevitavelmente impõe restrições de direitos individuais, somente deve ser concretizada nas condições estabelecidas na lei adjetiva, em consonância com os preceitos constitucionais da garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. O texto constitucional em seu art. 144, § 5° prescreve o papel das Polícias Militares dentro do ordenamento jurídico brasileiro, cabendo a estas o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Ocorre que, no cumprimento de sua missão constitucional, as polícias militares realizam várias operações preventivas (blitz, buscas pessoais etc.) com o intuito de evitar a prática de delitos e garantir a ordem pública, estabelecendo, assim, um estado de paz e harmonia no meio social. Entretanto, quando adentramos ao campo da legalidade dessas ações preventivas desencadeadas pela Polícia Ostensiva de Segurança Pública, paira uma celeuma doutrinária, visto que existem duas correntes com posicionamentos contrários. Assim, por um lado temos os processualistas que defendem a idéia de que essas ações da Polícia Ostensiva são ilegais e abusivas, sob o argumento de que o ordenamento jurídico não as admite como atividade preventiva de delito, posto que a busca pessoal só poderá ocorrer nas hipóteses previstas no art. 244, CPP, ou seja, como medida acautelatória de material probatório de ilícito, visando à persecução penal, não podendo a fundada suspeita, basear-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causam. Já a corrente publicista defende a tese de que as ações preventivas são próprias da Polícia Ostensiva, cujo fundamento legal encontra-se no poder discricionário de polícia.

                 Ao contrapormos as duas correntes divergentes, é preciso que se faça importante colocação. Não é lícito a qualquer pessoa valer-se dessa prerrogativa para obstacularizar a efetividade da atividade policial estatal. A ninguém é dado a faculdade de ocultar ou facilitar o cometimento de uma infração penal, sob pena de sofrer coerção ilegal respectiva. A repreensão policial é importante e necessária para a manutenção da ordem e segurança pública no Estado Democrático de Direito. O que se busca é o estabelecimento do equilíbrio entre a defesa estatal da paz social e a conservação dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana. A população deve ter consciência da imprescindibilidade da atuação severa do poder de polícia no sentido de coibir o avanço extraordinário do sentimento criminoso que assola a sociedade brasileira.

 

 

2. CONCEITOS FUNDAMENTAIS

 


                 É necessário para um melhor entendimento do presente trabalho, estabelecermos alguns conceitos fundamentais sobre o tema proposto, como forma de melhor compreender o assunto.

 


2.1 ORDEM PÚBLICA


                 Ordem pública é a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma conseqüência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada. É o objeto da segurança pública.

                 Ressalte-se que, ordem pública somente existirá se houver situação de pacífica convivência, não só entre cidadãos, mas, também, entre a sociedade e o Estado.  


                 
2.2 SEGURANÇA PÚBLICA

 


                 Segundo a Constituição Federal, a segurança pública é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.  Na sua dinâmica, segurança pública é atividade de vigilância, prevenção e repressão de condutas delituosas. É o afastamento, por meio de organismos próprias (instituições policiais), de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, a paz social, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão.

                 O Estado é o principal responsável pela segurança pública, e as forças policiais lhe são essências a esse dever constitucional. Por isso, são elas determinantes para o Estado de Direito, que só se realiza plenamente na preservação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, enquanto sujeito de direitos, assegurando aos mesmos a proteção de direitos essenciais à vida em sociedade. Portanto, em nome da ordem pública, a norma maior autoriza o exercício regular do poder de polícia, obrigando o cidadão a se submeter ao império do Estado, pois a ordem pública somente existirá se houver uma situação de pacífica convivência, não só entre cidadãos, mas também, entre a sociedade e o Estado.

 

 

2.3 POLÍCIA MILITAR

 


                 No cumprimento de seu papel constitucional de manter a ordem pública, o Estado estruturou sua força policial de modo híbrido, ou seja, criando dois organismos responsáveis pela segurança pública. É neste contexto que surge a Polícia Militar, instituição que tem seu papel constitucionalmente definido no art. 144, § 5º. É ela responsável pelo policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Tem suas ações baseadas no poder discricionário de polícia, atuando de forma preventiva, visando evitar a prática de delitos, que provoquem o rompimento da ordem pública.

                 Neste contexto, a verdadeira vocação das Polícias Militares está no desenvolvimento de ações de segurança pública, que são, tradicionalmente, envolvidas na proteção, defesa e socorro do cidadão e da comunidade, contribuindo para o desenvolvimento de um clima de tranqüilidade pública, paz e harmonia social.

                 Embora seja uma polícia preventiva, a Polícia Ostensiva de Segurança Pública, também atua através de ações repressivas, quando se depara com a ocorrência de ilícito penal que não conseguiu evitar, na chamada “repressão imediata”, visando o restabelecimento da ordem pública violada e a conseqüente pacificação do conflito social. Isso fica patente, nas sábias palavras do professor ÁLVARO LAZZARINI (2003, p. 97):

A ordem pública, contudo, sendo violada em razão de ilícito penal, deve ser restabelecida de imediato e automaticamente pelo órgão de polícia administrativa que tenha a competência constitucional de “preservação da ordem pública”. Cuida-se da “repressão imediata”, que tem o seu fundamento no art. 144, § 5º, da vigente Constituição da República, porque, se não se conseguiu preservar a ordem pública, o órgão policial que detém a exclusividade dessa competência constitucional deve restabelecê-la imediata e automaticamente.

 

                     Ressalte-se que a nível estadual temos a Constituição do Estado do Piauí, que em seu art. 161, caput, estabelece o papel constitucional da Polícia Militar, ao prescrever sua missão, qual seja, o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, atuando assim, como polícia preventiva de segurança, dentro dos limites territoriais do Estado. Além da Constituição, temos a Lei Estadual nº 3.808/81 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado do Piauí), que regula a situação, as obrigações, os deveres, os direitos e as prerrogativas dos integrantes da Polícia Militar do Estado do Piauí.    

                 Assim, a manutenção da ordem pública, proteção à vida, aos bens e ao cumprimento das normas jurídicas, têm sido atribuições da Polícia Militar em todas as circunstâncias para prevenção de distúrbios assegurando a ordem pública e assistindo à população.

 

 

2.4 POLÍCIA CIVIL

 


                 É a polícia judiciária, atua quando os atos que a polícia administrativa (ostensiva) pretendia impedir não foram evitados. Possui função auxiliar à justiça e tem por finalidade a apuração das infrações penais e suas respectivas autorias, a fim de fornecer ao titular da ação penal elementos necessários para propô-la.

                 Possui caráter repressivo, no sentido de que não sendo possível evitar o crime, urge da necessidade da existência de um sistema policial que apure os fatos delituosos e cuide da perseguição aos seus autores.

                 A Constituição Estadual em seu art. 159, caput, prevê a função institucional da Polícia Civil, ao estabelecer que além das atribuições previstas em lei, cabe à mesma, exercer as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, agindo assim, como polícia repressiva, pós-delito, dentro do Estado do Piauí.

                 É oportuno ressaltar que as ações da Polícia Judiciária não são regidas apenas pelas normas processuais penais. Em tudo que não esteja prescrito expressamente pelo direito processual penal, a polícia Judiciária goza de discricionariedade instrumental característica do Direito Administrativo.

 

 

2.5 POLÍCIA FEDERAL

 

 

                 Firma-se dentro do sistema de segurança pública do país, como a Polícia Judiciária da União, tendo suas atribuições institucional previstas no Art. 144, § 1º, da Constituição Federal, ou seja, responsável pela apuração das infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho e por fim, exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras. A Lei nº 10.446, de 08.05.2002, alargou a competência da Polícia Federal, atribuindo a esta a incumbência de proceder investigação das seguintes infrações penais: seqüestro, cárcere privado e extorsão mediante seqüestro, se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel; relativas à violação dos direitos humanos; furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.  Ressalte-se que, o rol de crimes é meramente exemplificativo, vez que a própria lei autoriza o Departamento de Polícia Federal a proceder à apuração de outros casos, desde que tal medida seja autorizada ou determinada pelo Ministério da Justiça, órgão ao qual está subordinada. Portanto, atua com ações repressivas ao crime, ou seja, após o cometimento do ato criminoso, sendo assim, necessária à persecução penal, fornecendo elementos de convicção para uma futura manifestação do órgão ministerial, vez que tem suas ações, por fundamento, os dispositivos contidos no Código de Processo Penal, no tocante à realização de busca pessoal.


2.6 PODER DE POLÍCIA

 


                 O poder de polícia constitui um meio de assegurar os direitos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos. Neste sentido, não existe qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia do Estado, vez que a limitação à liberdade individual mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais ao homem. O fundamento do poder de polícia é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração posição de supremacia sobre os administrados. Essa faculdade administrativa não viola o princípio da legalidade porque é da própria essência constitucional das garantias do indivíduo a supremacia dos interesses da coletividade. Todos se submetem com maior ou menor intensidade à disciplina do interesse público, seja em sua formação ou em seu exercício. Esse interesse público diz respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral, saúde, educação, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade.

                 No direito brasileiro, encontramos o conceito legal de poder de polícia no art. 78, cuput, CTN:

 

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, á higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividade econômica dependente de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

 

                 Em sentido amplo, corresponde à atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos. Em sentido restrito abrange as intervenções do Poder Executivo, destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Agindo assim, estará o Estado cumprindo seu papel social, pois seus interesses devem ser os interesses da coletividade, ou seja, a promoção do bem comum. Para isso, utiliza-se de seu poder de polícia, que lhe é próprio, para fazer valer seus comandos.   

                 Nesse contexto, é de grande valia o entendimento de WALDYR SOARES (2006, p. 33):


A expressão, PODER DE POLÍCIA pode designar a própria autoridade pública, isto é, os homens que exercem a prerrogativa da organização social; pode ser a força, em virtude da qual esta prerrogativa é exercida, para impor regras jurídicas obrigatórias; é também, a prerrogativa de editar regras executórias, de as aplicar e de tomar medidas materiais para assegurar a ordem.


                 O poder de polícia encontra-se revestido de atributos específicos que dão maior efetividade ao seu pleno exercício: a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.

                 Embora esteja presente na maior parte das medidas de polícia, a discricionariedade nem sempre ocorre. Por vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elementos, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis  a exigir a atuação da polícia. Assim, em grande parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas na norma legal. Em tais circunstâncias, o poder de polícia será discricionário. A auto-executoriedade, é a possibilidade que tem a Administração de, com os próprios meios, pôr em execução as suas decisões, sem precisar recorrer previamente ao Poder Judiciário. A coercibilidade é indissociável da auto-executoriedade. O ato de polícia só é auto-executório porque dotado de força coercitiva. Assim, a coercibilidade é o poder que tem a Administração de usar a força, caso necessária, para vencer eventual resistência, ao cumprimento dos comandos estatais. Entretanto, conquanto imperativo ao seu destinatário, deve o agente policial pautar-se com moderação, com equilíbrio na imposição do seu ato de polícia.

 

 

2.7 PODER DA POLÍCIA

 


                 O aparelho policial ao desenvolver suas ações pauta-se pelos princípios da legalidade e também através do poder de polícia que lhe é conferido pela Administração. Nesse sentido, o poder da polícia é a concretização, no mundo real, da própria atividade policial, ou seja, é a ação policial propriamente dita. Para um melhor entendimento, é de grande valia a lição de CRETELLA JÚNIOR (1998, p. 113):

 

Cumpre, antes de tudo fazer uma observação à expressão poder “de” polícia, a qual não se confunde com outra semelhante poder “da” polícia, porque se a polícia tem possibilidade de agir, em concreto, pondo em atividade todo o aparelhamento de que dispõe, isso se deve a potestas que lhe confere o poder de polícia. O poder “de” polícia é que fundamenta o poder “da” polícia. Este sem aquele seria o arbítrio, verdadeira ação policial divorciada do Estado de direito.


3. BUSCA PESSOAL PREVENTIVA E A BUSCA PESSOAL PROCESSUAL

 

                 A busca pessoal é desenvolvida por agentes do Estado designados para o cumprimento de ordem judicial, ou investidos de necessária autoridade policial. Possui, portanto, natureza processual, enquanto meio de obtenção de prova, para atender ao interesse da instrução processual e tem natureza preventiva quando realizada por iniciativa policial na atividade de preservação da ordem pública como ato de polícia que, não obstante, pode ensejar conseqüências no âmbito do processo penal.

                 Nesse contexto, podemos distinguir duas modalidades de busca: a processual e a preventiva, de acordo com o momento em que é realizada, bem como de acordo com a sua finalidade. Antes da efetiva constatação da prática delituosa, ela é procedida por iniciativa de autoridade policial e constitui ato legitimado pelo pleno exercício do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com a finalidade preventiva, ou seja, como medida acautelatória de prevenção de delitos. Realizada após a prática delituosa, ou em seguida à constatação da prática criminosa, ainda que em conseqüência de busca preventiva, tenciona atender ao interesse processual, como meio de obtenção de objetos necessários ou relevantes à prova de infração.  

                 A busca pessoal preventiva é aquela executada pela Polícia Militar no exercício de sua atividade de polícia preventiva, com fulcro no seu poder discricionário de Polícia Ostensiva de Segurança Pública, visando à preservação da ordem pública, através do policiamento ostensivo e a prevenção da prática de delitos. 

                 Nos limites da busca pessoal preventiva, ocorre a denominada busca pessoal coletiva, que contrasta com a convencional busca pessoal individual. Na condição de medida excepcional, é tolerável em benefício do bem comum, a exemplo da busca pessoal procedida por policiais militares em locais de grande concentração de pessoas, como medida preventiva de delitos.

                 A busca pessoal preventiva, por ser um ato administrativo discricionário de polícia, independe de ordem judicial para sua execução, todavia, deve atender a todos os requisitos do ato administrativo e, conseqüentemente, aos princípios administrativos, notadamente o da razoabilidade e proporcionalidade, sem olvidar-se da necessidade de sua motivação, principalmente quando esta for solicitada pela pessoa revistada.

                 Assim, é um equívoco utilizar as normas processuais penais para a fundamentação e regulamentação da busca pessoal preventiva, primeiramente porque não se deve limitar as inúmeras possibilidades de realização da busca pessoal preventiva às reduzidas hipóteses do art. 244, CPP, e mesmo quando o Diploma Processual Penal possibilita certa “liberdade” de ação quando utiliza a expressão “quando houver fundada suspeita”.

                 Neste contexto, podemos afirmar que a caracterização da “fundada suspeita”, resulta da particular análise do responsável pela busca pessoal, ao contrário das outras circunstâncias, que já são claramente definidas. No caso da busca pessoal preventiva, motivada pela fundada suspeita, sua realização baseia-se na experiência profissional, no exercício do poder discricionário, por uma capacidade de percepção diferenciada adquirida durante o desenvolvimento constante da atividade policial, que possibilita a identificação de condutas suspeitas e situações que justificam a abordagem e a revista, mediante avaliação de probabilidade de prática ou iminência de prática delituosa.

                 A busca pessoal processual é regida pelas normas processuais penais estabelecidas no art. 244, e em regra, somente poderá ser executada em virtude de ordem judicial - aliás, inconcebível a busca processual, mediante mandado, sem a individualização de quem será a ela submetido - exceto nas três situações enumeradas no Código: no caso de prisão, quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito e no curso de regular busca domiciliar. A doutrina ainda coloca mais duas circunstâncias em que poderá ocorrer independente de mandado: quando houver consentimento daquele a quem se pretende revistar e quando a busca for realizada pela própria autoridade judiciária.

                 Indiscutível, portanto, que a busca pessoal individual constitui regra, tanto para a espécie de busca pessoal preventiva quanto para a processual.                                     

                


4. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DA BUSCA PESSOAL PREVENTIVA

 


                 Ao nos atermos ao aspecto da legalidade da busca pessoal preventiva, realizada pela polícia ostensiva, surge no campo jurídico, uma divergência doutrinária, visto que duas correntes apresentam-se com posicionamentos distintos a cerca do tema.

 

 

4.1 CORRENTE PROCESSUALISTA

 


                 A corrente processualista, baseada apenas na objetividade contida no art. 244 do Código de Processo Penal, advoga a tese de que somente poderá ocorrer busca pessoal nos termos previstos na lei adjetiva e mediante mandado judicial. Por essa corrente, o fundamento jurídico da busca pessoal está lastreado exclusivamente no art. 244, caput, CPP:


A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.


                 A busca pessoal é caracterizada pela procura por algo relevante ao processo penal, além de seu particular aspecto de prevenção criminal. Nesse sentido, há que ser admitido que as ações de segurança pública não podem ficar confinadas a dispositivos estanques, tendo em vista a impossibilidade de serem previamente detectadas pelo legislador.

                 Há que se levar em consideração que os procedimentos processuais penais somente são postos em execução após a ocorrência do fato delituoso, onde se realiza a investigação criminal, para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de fornecer ao órgão ministerial os elementos necessários para a propositura da ação penal. É nesse contexto que surge a busca processual, realizada dentro dos parâmetros legais, como forma de obtenção de elementos probatórios necessários à instrução criminal.

                 Ocorre que o nosso ordenamento jurídico comporta uma outra modalidade de busca pessoal, realizada por agentes público incumbidos da manutenção da ordem pública, através de ações preventivas e atuando sobre o manto do poder de polícia. Entretanto, os que comungam do pensamento processualista não admite a existência no mundo jurídica da busca pessoal preventiva, relegando-a ao campo da ilegalidade pelo simples argumento de que não há previsão jurídica para tal, ou seja, o Código de Processo Penal não a estabelece como procedimento juridicamente lícito.

                 A investigação policial, realizada pela polícia judiciária, portanto após a concretização do ato delituoso, tem por finalidade identificar a autoria e os elementos probatórios que autorizem uma imputação, fornecendo assim, elementos concretos para que a ação penal seja proposta pelo órgão ministerial. Agindo assim, está a polícia judiciária atuando com esteio nas normas processuais penais previstas no art. 244, do CPP, posto que está configurada a fase pré-processual, a qual se desenvolve com base em normas processuais penais. A Polícia Militar, quando executa suas ações preventivas, portanto antes da ocorrência do fato delituoso, as faz não com base em requisitos previstos no Código de Processo Penal, mas unicamente em seu poder de polícia, discricionário, auto-executável e coercitivo, o qual lhe é conferido pelo Estado.

                 Mas apesar de toda vigilância, quando não é possível evitar o crime, torna-se necessário à existência de um sistema que apure os fatos delituosos e cuide da perseguição aos seus agentes. Esse sistema envolve as atividades de investigação, de apuração das infrações penais e a indicação da sua autoria, assim, surge a Polícia Judiciária, eminentemente repressiva, que atua após o cometimento do delito. Em sua atividade de investigação, realiza busca pessoal processual, pois tem suas ações regidas pelas normas de direito processual penal, sob a direção da autoridade policial judiciária (delegado). Não obstante a relevante atividade investigatória da polícia judiciária devemos ressaltar a existência de uma polícia preventiva, ou seja, que atua antes do cometimento do delito, através de ações preventivas, pautadas por normas de direito administrativo (poder de polícia), mas que são relegadas ao campo da ilegalidade e do abuso, pelos processualistas, pois estariam essas ações fora das hipóteses previstas no art. 244 do CPP.

                 Realmente, se nos limitarmos ao art. 244, CPP, e às suas hipóteses que autorizam a busca pessoal, chega-se à conclusão de que as operações preventivas da Polícia Militar em que ocorre busca pessoal estão no campo da ilegalidade. Entretanto, não se pode olvidar de que as regras processuais da busca pessoal regem apenas as ações policias pós-delito, que têm natureza repressiva, persecutória. Essas regras não regem as ações policiais preventivas, até porque as normas processuais somente se aplicam quando se viola a lei penal. Portanto, as ações preventivas da Polícia Militar, em que ocorre busca pessoal, não estão regidas pelo art. 244, CPP, posto que se realizam antes da efetiva constatação da prática delituosa. Porém, deve-se ter em mente que, se durante a realização de uma busca pessoal preventiva a Polícia Militar encontrar com o revistado algum objeto de ilícito, sua ação passa de discricionária (preventiva) para vinculada, uma vez que a partir de então, estará agindo vinculadamente ao que determina os preceitos processuais penais. E, automaticamente, a busca deixa de ser preventiva para ser processual.

                 Há que se distinguir o papel de cada órgão de segurança, para que suas ações não se confundam. De um lado temos a Polícia Judiciária com sua função institucional de investigação, de persecução criminal, atuando de forma repressiva, pós-delito, vinculada no exercício das suas funções à observância das rígidas normas de direito processual penal. De outro temos a Polícia Ostensiva, atuando no campo da prevenção, através de ações de policiamento ostensivo, legitimadas pelo exercício do poder de polícia, na esfera de atuação da Administração Pública, com finalidade preventiva. É ela mantida pelo uso de meios de execução e opera com procedimentos e métodos dinâmicos e com amplos poderes discricionários, pois age para impedir a violação da ordem e da segurança pública. Portanto, não se pode limitar as ações preventivas da Polícia Militar às regras impostas à Polícia Judiciária pelo CPP. De grande valia os ensinamentos de DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO (1998, p. 84):


A autoridade policial administrativa de segurança pública vai até onde começa a autoridade policial judiciária e esta, por sua vez, até onde começa a autoridade judiciária. São etapas distintas, respondendo a ordenamentos diferentes, seqüenciados, mas distintos. Não há como entender, assim, a Polícia Administrativa de Segurança Pública e a Polícia Judiciária como coincidentes sobre os mesmos fenômenos e, por isto, conflitantes. Cada uma tem sua missão específica e sua competência para cumpri-la: são complementares e interdependentes.

 

                 Como se pode notar, a corrente processualista limita seu entendimento a cerca da legalidade da busca pessoal, exclusivamente, ao âmbito do direito processual penal, desconsiderando outros ramos do direito, notadamente o direito administrativo e o direito constitucional.

 

 

4.2 CORRENTE PUBLICISTA

 


                 Lastreados no direito constitucional e no direito administrativo, defendem que as ações preventivas realizadas pela Polícia Militar são legítimas, pois decorrem do poder de polícia, o qual é próprio da atividade estatal. Não estariam essas ações fundadas em preceitos de ordem processual penal, visto que são realizadas antes da ocorrência de delitos, como medida preventiva.

                 Oportuno destacar, que a polícia administrativa(preventiva), em sua árdua missão de manutenção da ordem pública, pautará suas ações pelo discricionário poder de polícia que o Estado lhe confere, para que assim atue em seu nome, e limitando e restringindo direitos e liberdades, atenda aos interesses da coletividade, o qual deve se sobrepor ao interesse do particular, e esse o grande fundamento do poder de polícia.

                 O texto constitucional ao estabelecer o papel da Polícia Militar, cabendo a esta o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, está ao mesmo tempo legitimando sua atuação, assim também, encontramos essa legitimação no direito administrativo, através do efetivo exercício do poder de polícia, o qual autoriza o Estado a restringir direitos e liberdades em nome do bem estar da coletividade. Aqui, ela não está atuando na ilegalidade como entendem os processualistas, uma vez que suas ações preventivas não dependem de disposições de natureza processual penal, pois decorrem da própria Constituição Federal, em seu art. 144, § 5º e de preceitos contidos no direito administrativo.

                 Como bem assevera CRETELLA JÚNIOR (2004, p. 101):


A atividade da polícia administrativa é multiforme, imprevisível, não podendo estar limitada em todos os setores em que deve desdobra-se. Sendo infinitos os recursos que lança mão o gênero humano, a polícia precisa intervir sem restrições, no momento oportuno, pois sua ação é indefinida como a própria vida, não sendo possível aprisioná-la em fórmulas, motivo porque certa flexibilidade ou a livre escolha dos meios é inseparável da polícia.

 

                 A ação de Polícia Administrativa de Segurança Pública, que tem a seu cargo todos os modos e formas de prevenção e de repressão remanescente no exercício do poder de polícia, se subordina integralmente ao direito administrativo de segurança pública e seu limite é, precisamente, onde começa o direito processual penal, esgotando-se com a apresentação de transgressores da lei penal à Polícia Judiciária.

 

5. CONCLUSÃO

 


                 Procurou-se mostrar no decorrer deste trabalho a necessidade de se estabelecer uma distinção entre a busca pessoal preventiva, realizada pela polícia ostensiva de segurança pública, antes da ocorrência do delito propriamente dito e a busca pessoal processual, realizada pós-delito, com esteio nas normas de direito processual penal, no intuito de fornecer elementos convincentes à cerca de sua legalidade, pois a Polícia Militar atuando no cenário da segurança pública com métodos e conceito tradicional de repressão ao crime, o faz em prol do bem comum.

                 Buscou-se também discorrer sobre as divergências doutrinárias existentes entre a corrente processualista, que advoga a tese de que as ações preventivas de busca pessoal, realizadas pela Polícia Militar, são ilegais, pois não se enquadram nos ditames esculpidos no Código de Processo Penal, mais precisamente no art. 244 e a corrente publicista, que por seu turno, defende a legitimidade de tais ações, visto que estão acobertadas por dispositivos de ordem constitucional, bem como em preceitos de direito administrativo, mais precisamente no poder de polícia.

                 A atuação da polícia ostensiva tem suas ações pautadas pelo policiamento preventivo mantendo ou restaurando a ordem pública, assegurando-lhe o livre exercício dos poderes constituídos, protegendo o cidadão e seus bens, buscando promover uma convivência harmoniosa entre as pessoas e as organizações, inspirando uma tranqüilidade individual coletiva. Assim sendo, atua através do poder discricionário de polícia o qual lhe é conferido pelo estado- administração. Toda sociedade, qualquer que seja ela, supõe regras protetoras da ordem pública, em conseqüência, um poder capaz de os definir e de os impor. Portanto, não se pode legitimar um individualismo insensato, o qual é incompatível, inclusive, com o próprio espírito da Carta Cidadã de 1988, além de divorciado da realidade brasileira, notadamente nos dias em que vivemos, nos quais a insegurança, a violência e a criminalidade alcançam níveis insuportáveis dentro de nossa sociedade.

                 A teoria apresenta o Estado como detentor do monopólio da força legal, é o garantidor da paz social. A polícia é criada com o desiderato de manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade e a segurança individual, e o faz através dos meios que a ordem jurídica lhe proporciona. Nesse sentido, a segurança pública cumpre o papel de legitimar a repressão estatal. Trata-se de um combate a inimigos mutantes – drogas, terrorismo, crime organizado, homicídio, roubo – os quais reafirmam junto à sociedade a necessidade de fortalecimento dos poderes repressivos do Estado como exigência para a coexistência de uma comunidade pacífica.

                 Por fim, qualquer que seja a espécie de busca pessoal, forma e meio empregado, resultará restrição de direitos individuais, em nível variável conforme as circunstâncias em que é realizada, impondo-se como dever público, por outro lado, o respeito à dignidade do ser humano. Portanto, a busca pessoal deverá sempre ser orientada pela análise da estrita necessidade do seu emprego, pela proporcionalidade exigida na relação entre a limitação do direito individual e o esforço estatal para a realização do bem comum e, finalmente, pela eficácia da medida, que deve ser adequada para impedir prejuízo ao interesse público.


 

REFERÊNCIAS

 


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Autor: VICENTE ALBINO


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