ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS NO DIREITO BRASILEIRO



INTRODUÇÃO

A palavra adoção tem origem do latim "adoptio", que em nossa língua significa "tomar alguém como filho".

Vários autores conceituam o instituto da adoção, havendo variações discretas ou não entre estes conceitos, no entanto, o que ocorre é que sempre se acaba chegando a um ponto comum, qual seja, o de que a adoção é a criação de vinculo jurídico de filiação. Em resumo, todos os conceitos concordam que a adoção confere a alguém o estado de filho, gerando um parentesco civil, desvinculado dos laços de consangüinidade.

O Código Civil, em seus artigos 1.618 a 1.629, e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei 8.069/90, em seus artigos 39 a 52, trazem os requisitos indispensáveis ao processo de adoção, bem como os efeitos deste.

Dessa forma, em relação ao instituto da adoção, existem poucas controvérsias, aparecendo problema, entretanto, quando se trata da adoção por casais homoafetivos, visto que este tipo de união ainda não é regulada pela legislação brasileira.

Na nossa sociedade, o preconceito em relação aos homoafetivos ainda é muito grande e até bem pouco tempo a Organização Mundial de Saúde incluía a homossexualidade na lista de doenças (CID), situação que só mudou no começo dos anos 90, quando a partir de então não se pôde mais ser usado o termo "ismo", que nesse caso quer dizer doença.

A Desembargadora Maria Berenice Dias criou o termo "União Homoafetiva" em substituição ao termo "União Homossexual", que soa mais preconceituoso. A nova expressão veio valorizar o afeto que é o elemento essencial das relações familiares no direito de família moderno.

A família, base de qualquer sociedade passa por mudanças em decorrência do influxo que o direito de família recebeu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, visto que, ela estabeleceu no seu artigo 5º, o princípio da Igualdade e ainda determinou como objetivo fundamental do Estado Democrático de Direito, a promoção do bem de todos sem preconceito de qualquer natureza, inclusive relativo ao sexo, ou seja, vedando qualquer discriminação por conta da opção sexual de qualquer pessoa.

Assim, no presente trabalho, analisaremos o tratamento dado ao instituto da adoção no Brasil, fazendo um levantamento histórico deste instituto e verificando as leis que o regulam no tocante aos seus requisitos e efeitos. Alem disso, verificaremos o tratamento dado pela Justiça Brasileira atualmente nos casos de adoção por casais homoafetivos, bem como os projetos de leis relativos ao tema, que estão tramitando no legislativo brasileiro, fazendo também um estudo comparado com o tratamento dado por outros países.


1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A temática da adoção faz-se presente na história da humanidade desde os mais primordiais tempos. No Brasil, a adoção só foi sistematizada a partir do Código Civil de 1916, nos termos dos artigos 368 a 378 deste diploma legal, que previam que apenas os maiores de cinqüenta anos, e com diferença de idade de pelo menos dezoito anos em relação ao adotado poderiam adotar, além disso, definia que ninguém poderia ser adotado por duas pessoas a não ser que fossem marido e mulher.

Em maio de 1957 veio a lume a Lei nº 3.133 que alterou alguns dos dispositivos relacionados à adoção. Assim, a idade mínima passou a ser de trinta anos e a diferença de idade entre adotante e adotado, de dezesseis anos.

Em 1979 surgiu o chamado Código de Menores que se baseava na doutrina da situação irregular, na qual a criança e o adolescente eram tratados como objetos do Direito, ou seja, o Direito dedicava-se a estes indivíduos somente se estivessem vivendo de forma irregular na sociedade.

Em relação à adoção, previa duas formas: a adoção plena e a adoção simples. A primeira, caberia em favor do menor com mais de sete anos de idade se, no momento em que completasse essa idade, já estivesse sob a guarda dos adotantes. Extinguia todos os vínculos do adotado com a sua família biológica, mantendo-se apenas os impedimentos matrimoniais. A segunda, gerava um vínculo de efeitos limitados e sem total desligamento do adotado da sua família de sangue.

Posteriormente, em 1990, foi criada a Lei n˚ 8.069 que ficou conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. O referido Estatuto surgiu como a lei que concretizou e expressou os novos direitos das crianças e adolescentes assegurados pela Constituição Federal Brasileira de 1988, norteando regras de aplicação dos artigos 226 e 227 da Constituição e ainda as trazidas pelos Tratados Internacionais de Proteção aos Direitos das Crianças, ratificados pelo Brasil.

Adotou a teoria da proteção integral que segundo Wilson Donizzeti Liberati, "é a orientação legal prevista no art. 227 da CF e arts. 1º e 2º do ECA, que reconhece e assegura a todas as crianças e adolescentes, de 0 a 18 anos de idade, todos os direitos previstos na legislação pátria."

A Proteção Integral é a base configuradora de todo um novo conjunto de princípios e normas jurídicas voltadas à efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, que traz em sua essência a proteção e a garantia do pleno desenvolvimento humano reconhecendo a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e a articulação das responsabilidades entre a família, a sociedade e o Estado para a sua realização por meio de políticas sociais públicas. Propõe que o direito deve garantir a satisfação de todas as necessidades das crianças e adolescentes, não só no que se refere ao aspecto penal do ato praticado pelo ou contra o menor, mas, também, em relação ao seu direito à vida, à educação, à saúde, convivência, lazer, liberdade, etc.

Em relação ao instituto da adoção, o ECA modificou o regime anterior unificando as duas formas de adoção previstas, quais sejam, a plena e a simples, para uma única forma. Dessa forma, permitiu que os maiores de 21 anos pudessem adotar qualquer que fosse o estado civil, desde que com diferença de idade entre adotante e adotado de pelo menos dezesseis anos, aumentou a idade máxima do adotado que passou de sete para dezoito anos à época do pedido, e, ainda determinou que a adoção fosse deferida quando apresentasse reais vantagens para o adotado e tivesse motivos legítimos como fundamento.

No ano de 2002, a legislação civil brasileira foi reformada com a iminente vigência do novo Código Civil. No entanto, este novo Código, no tocante à adoção, se restringiu a servir como norma meramente complementar, ou seja, suas normas apenas incidirão quando houver lacuna no ECA, e mesmo assim, apenas se não houver incompatibilidade com os princípios fundamentais deste.

2 REQUISITOS E EFEITOS DA ADOÇÃO

A adoção não é deferida a qualquer pessoa que tenha interesse nela, é necessário o respeito a algumas formalidades, alguns requisitos e razoáveis medidas de prevenção e segurança, para resguardar, em especial, o direito da criança e do adolescente, visto ser este processo muito delicado para ambas as partes (adotante/adotado).

O primeiro e mais importante requisito da adoção é a idade mínima para adotar. O ECA estabelece 21 anos como idade mínima para tornar-se adotante, entretanto, ainda determina outro requisito a ser obedecido; a diferença de idade entre o adotante e o adotado deve ser de pelo menos, 16 anos. O CC/02, conserva a necessidade de que o adotante seja pelo menos 16 anos mais velho que o adotado, mas, reduz o limite de idade mínima do adotante para 18 anos.

Em relação ao estado civil do pretenso adotante, a lei não faz distinção. Assim, podem adotar os solteiros, independente do sexo, os casados, os divorciados, desde que o estágio de convivência com a criança tenha se iniciado durante o casamento e que estejam de acordo quanto à guarda e às visitas, ou quem vive em união estável, comprovada a estabilidade familiar, sendo que, nesse caso, a adoção deverá ser pretendida e solicitada por ambos, e estes participarão juntos de todas as etapas do processo.

Ainda pode ocorrer de um dos cônjuges ou concubinos adotar o filho do outro, na chamada adoção unilateral, do tutor ou curador da criança ou do adolescente, adotá-lo, desde que encerrada e quitada a administração dos bens, ou ainda, o pretendente que tenha falecido durante o processo de adoção, na chamada adoção póstuma.

Em relação ao adotado, poderá ser qualquer criança ou adolescente, que não seja irmão ou descendente do adotante e que tenha, no máximo, 18 anos até a data do requerimento de adoção, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela do adotante. Alem disso, podem ainda ser adotadas crianças e adolescentes cujos pais sanguíneos tenham falecido, tenham sido judicialmente destituídos do poder familiar, tenham consentido legalmente na colocação de seus filhos no programa de família substituída ou tenham sido abandonadas e os familiares não encontrados. É importante destacar que quando tratar-se de adoção de crianças maiores de doze anos, ficará subordinada há concordância expressa destas.

2.1 PROCEDIMENTO

A adoção pressupõe um processo judicial que tramitará perante o Juizado Especial da Infância e da Juventude. Por essa razão, o vínculo da adoção constitui-se por sentença, a qual será inscrita no Registro Civil.

Diante disso, o primeiro passo para que se adote uma criança é dirigir-se ao Juizado da Infância e Juventude da Comarca de sua cidade e solicitar uma entrevista com os técnicos para obter as informações preliminares necessárias à formalização do seu pedido de inscrição em programa de colocação de crianças e adolescentes em família substituta.

Deve-se, então, apresentar a documentação exigida para o preenchimento da ficha cadastral. Geralmente são exigidos: Carteira de Identidade, Certidão de Casamento (se houver), comprovante de renda, residência e atestado de antecedentes criminais, atestado de sanidade física e mental dos interessados, atestado de idoneidade moral. Caso já tenha uma criança, o(a) postulante deverá dirigir-se munido(a) com a Certidão de Nascimento, atestado escolar (caso a criança já esteja em idade escolar), e os pais do adotando.

Após essa etapa, os interessados em adotar serão submetidos a uma entrevista com psicólogos e assistentes sociais, na qual poderão escolher o perfil de seu futuro filho, ou seja, idade, sexo, cor, entre outros.

A aprovação dos adotantes é a etapa mais demorada do processo, em especial porque o bem estar da criança ou adolescente adotado deve ser confirmado. Somente depois de esclarecidas todas as dúvidas dos técnicos do Juizado e do Promotor se manifestar sobre a habilitação é que, finalmente, o processo seguirá para o Juiz que, encontrando-o satisfatoriamente instruído, poderá deferir ou não a habilitação dos adotantes. Deferida, estarão em condições de adotar e passarão a integrar um cadastro de possíveis adotantes.

A concretização do processo de adoção ocorrerá com sentença constitutiva. No entanto, antes disso é necessário que se cumpra um estágio de convivência entre adotante e adotado por prazo fixado pelo juiz, que levará sempre em consideração cada caso concreto. Entretanto, esse prazo poderá ser dispensado, no caso de a criança ou adolescente, de qualquer idade, já estar na companhia do adotante por tempo suficiente, ou ainda, quando a criança possuir idade inferior a um ano.

2.1.1 ADOÇÃO INTERNACIONAL

A adoção por estrangeiro, só será admitida excepcionalmente, no caso da inexistência de interessados brasileiros. De acordo com o art. 227, § 5º da Constituição de 1988, a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei e esta estabelecerá as condições necessárias para ser realizada por estrangeiros.

Segundo o ECA, o estrangeiro residente ou domiciliado fora do país, deverá, no pedido de adoção, comprovar estar devidamente habilitado à mesma, de acordo com as leis do seu país e ainda apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem.

Esse tipo de adoção poderá ainda, ser condicionada a estudo prévio e analise de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá laudo de habilitação para instruir o respectivo processo.

Os requisitos subjetivos em relação à idade são os mesmos, quais sejam, adotante homem ou mulher, maior de 18 anos de idade, 16 anos mais velho do que o adotado, e que ofereça ambiente familiar adequado. No entanto, no estagio de convivência, as regras se diferem. Este deverá ser cumprido em território nacional com duração de, pelo menos, 15 dias para as crianças de até 2 anos de idade, e de, no mínimo, 30dias, quando se tratarde adotando acima de 2 anos de idade.

2.2 EFEITOS DA ADOÇÃO

Os efeitos da sentença que concede a adoção só serão produzidos a partir do trânsito em julgado da mesma, com exceção da chamada adoção póstuma, que é aquela em que o adotante morre no decurso do processo de adoção. Nesse caso, os efeitos da sentença serão retroativas à data do óbito, conforme entendimento do art. 1.628 do Código Civil de 2002, que repete o art. 47 § 6º do ECA.

O principal efeito esta na irrevogabilidade, ou seja, findo o processo de adoção, a criança nunca mais deixará de ser filho do adotante.

A sentença de adoção atribui a condição de filho ao adotado, inclusive para efeitos sucessórios, com os mesmos direitos e deveres, dos filhos consangüíneos. Assegura-se ao adotado o direito a alimentos e os deveres de assistência aos pais adotivos. A partir de então se encerra todo e qualquer vínculo do adotado com sua família natural, exceto no que se refere aos impedimentos matrimonias que neste caso existirão tanto em relação à família biológica quanto a família adotiva.

Segundo o art. 1.627 do Código Civil, que mantém o disposto no art. 47 § 5º, do ECA, é permitida a alteração do sobrenome do adotado e, tratando-se de adotando menor, o prenome também poderá ser alterado, a pedido do adotante ou do adotado.

3. ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

A família é considerada a base de qualquer sociedade. Antes da Constituição Federal de 1988, até bem pouco tempo, era considerada família apenas aquela oriunda do casamento. Com a promulgação da referida Carta Magna, passam a ser admitidas outras formas de constituição familiar, conforme previsão contida em seu art. 226, caso da união estável entre homem e mulher, da família constituída por ambos os genitores ou ainda, a de caráter monoparental, formada por um dos pais e seus descendentes. Essa previsão possibilitou, a todos os cidadãos brasileiros, o exercício do direito de constituir família, seja ela de forma natural, artificial, ou por adoção.

A Constituição Federal de 1988 representou um grande marco de inovações no direito de família, um grande passo jurídico, pois consubstanciou vários princípios que fundamentam as relações familiares, adotando uma nova ordem de valores e principalmente privilegiando a dignidade da pessoa humana.

Assim, adotou no seu art. 1º, incisos II e III como fundamentos, a cidadania e a dignidade da pessoa humana e, no art. 3º, incisos I, II e IV como objetivos fundamentais do Estado, a construção de uma sociedade justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ainda em seu texto, no artigo 5º, a Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e têm direito à igualdade, garantindo, o § 2º do referido dispositivo, a aplicabilidade dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, integrando, esses mesmos tratados, portanto, o texto da própria Constituição Federal, quando tratem, em seu bojo, de direitos e garantias individuais.

Em relação aos homoafetivos, a Professora Sylvia Maria Medonça do Amaral assevera que:

" O Brasil é tido como um país intermediário quando tratamos da concessão de direitos aos homossexuais. O mesmo artigo constitucional que assegura o direito à igualdade fala também em direito à vida, à liberdade, à segurança. Também fala que são invioláveis a intimidade, a vida provada, a honra e a imagem das pessoas. E vai mais além: afirma que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é (mas não parece) 'promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação'. (...) O Legislativo pode e deve colaborar mais quando falamos em direitos de homossexuais. (...) Agora deve apressar a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia, que vai considerar crime agir com preconceito em relação aos homossexuais, tal como ocorre em relação aos negros. Deveria também dar atenção especial e colocar em votação o projeto de lei que regula a 'união estável' entre pessoas do mesmo sexo, que aguarda na fila há mais de uma década."

Diante disso, visto que a Constituição Federal prega em um de seus princípios fundamentais a proibição a qualquer tipo de discriminação, percebe-se que a tese de que o homoafetivo tem direito à adoção não é afastada, pois a Carta Magna não a discriminou.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, também não apresenta nenhuma restrição à possibilidade de adoção por homossexuais, visto que, não faz menção à orientação sexual do adotante, prescrevendo apenas, em seu artigo 42 que "podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente do estado civil".

Apesar disso, o tema "adoção de crianças por casais homoafetivos", é um assunto extremamente delicado e muito discutido atualmente e, como a legislação ainda não está adequada para a devida proteção desses casos em particular, os juízes precisam analisar o caso em concreto para dar sua posição, pensando sempre no melhor desfecho para a criança.

3.1 ADOÇÃO POR HOMOAFETIVOS EM OUTROS PAÍSES

A luta pelos direitos dos pares homoafetivos vem se difundindo por todo o mundo e em alguns países, a adoção por eles já é permitida.

Fazendo um estudo comparado, verificamos, por exemplo, que a Dinamarca permite a união homoafetiva desde 1989, mas ainda proíbe a adoção; a Noruega permite a união desde 1993 e a partir de 2002 passou a autorizar também a adoção; a Suécia permite a união civil desde 1994, mas só recentemente autorizou a adoção, na África do sul a discriminação na opção sexual é proibida, no entanto o casamento não é reconhecido, no Canadá, em 1996 uma de suas províncias reconheceu a possibilidade de homossexuais assumirem a tutela e adotarem crianças e nos EUA apenas na Flórida não é permitida a adoção.

Entre os países latino americanos, Buenos Aires, capital da Argentina, em 2002, foi a primeira cidade a aprovar a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo, dando vários direitos a eles, porém não admite ainda a adoção de crianças.

Em abril de 2008, Israel reconheceu pela primeira vez a adoção de uma criança por um casal homoafetivo e lhe concedeu a nacionalidade israelense de um de seus pais. Trata-se de dois homens, um israelense e outro norte-americano, que depois de casarem no exterior adotaram há oito anos, nos Estados Unidos, um menino do Camboja que agora tem 9 anos, entretanto, no ano de 2001, o casal se mudou para Israel, onde o menino não havia sido reconhecido como filho, por isso não tinha direito a nacionalidade israelense e morava em Israel com uma permissão temporária.

3.2 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS NO BRASIL

No direito brasileiro a convivência entre pessoas do mesmo sexo não possui regulamentação legal, mas alguns projetos de lei que tratam do assunto já foram apresentados à votação. Entre eles podemos citar o Projeto de Lei nº 1.151/95, que recebeu o nome de "Projeto de Parceria Civil Registrada entre pessoas do mesmo sexo", apresentado à Câmara dos Deputados pela ex - deputada federal Martha Suplicy.

O referido Projeto foi considerado um marco na sociedade quanto à discussão a cerca da homoafetividade no país e, conforme sua própria justificativa, não tem o obejtivo de dar às parcerias homoafetivas um status igual ao do casamento, mas sim, conceder amparo às pessoas que firmem esse tipo de parceria, priorizando a garantia dos direitos de cidadania.

De acordo com o Projeto de Lei, que por 6 vezes já entrou em pauta, mas ainda não foi à plenária, a união entre duas pessoas do mesmo sexo seria reconhecida, civilmente, para assegurar os direitos inerentes à propriedade, à sucessão, ao usufruto, assegurar benefícios previdenciários, direitos de curatela, impenhorabilidade da residência, direito de nacionalidade em caso de estrangeiros, possibilidade de declaração no imposto de renda e composição da renda para compra ou aluguel de imóvel. Nada foi dito em relação à adoção por casais homoafetivos, no entanto, em seu substitutivo, esse instituto foi vedado.

No tocante à adoção de crianças por casais homoafetivos, a legislação vigente, em especial a Carta Magna e o Estatuto da Criança e do Adolescente, não apresenta restrições, pois não coloca entre os requisitos do referido instituto, a opção sexual do adotante.

O assunto só começou a ser enfrentado abertamente pela Justiça brasileira na década de 90, quando o titular da 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, aprovou as primeiras adoções por homossexuais solteiros.

A adoção por homossexuais ainda é vista com muito preconceito pela maioria das pessoas. Por esse motivo, o que acaba acontecendo na prática é que um dos parceiros adota a criança, como solteiro, e passa a conviver com ela juntamente com seu companheiro. Essa prática, por ser a mais viável, tem sido a mais utilizada.

No entanto, em 2006, em uma decisão inovadora, a Justiça emitiu em Catanduva, interior de São Paulo, certidão de nascimento em que um casal homoafetivo masculino responde pela paternidade da adotada. Nesse caso o Ministério Público não recorreu da decisão, confirmando que o posicionamento do judiciário vem mudando em relação a essa parcela da sociedade, levando os ativistas a acreditarem que a manifestação do tribunal abriu um precedente e serviu de estímulo para que outros casais em mesma situação façam o mesmo.

Em Recife, o Juizado da Infância e da Juventude também já deu sentença favorável ao pedido de adoção de duas irmãs feito por um casal homoafetivo masculino que vive em Natal no Rio Grande do Norte.

No Estado do Acre, a Juíza de Direito Luana Cláudia de Albuquerque Campos, depois de analisar o processo, e verificar que o casal cumpria com todos os procedimentos legais necessários, deferiu sentença favorável à adoção de uma criança de um ano de idade.

A Justiça de Brasília também vem dando sentença favorável a casais homoafetivos, em relação à adoção de crianças. Jussara Soares Duarte de 38 anos de idade, e Ana Maria Baldanza Coelho de 44 anos, receberam a chancela da Justiça, que considerou procedente o pedido de estender a Jussara a guarda da filha biológica e do filho adotivo da companheira.

Outras jurisprudências ainda podem ser citadas, in verbis:

EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime. (segredo de justiça) ASSUNTO: 1. Adoção. Casal do mesmo sexo. Possibilidade. Irmãos biológicos. Adoção em conjunto. Direito reconhecido. Efeitos sociais e jurídicos. Efeitos subjetivos. Menor entregue pela mãe biológica a casal de lésbicas. Adoção por uma delas. 2. União estável. Casal do mesmo sexo. Mulher. União homossexual. Evolução jurisprudencial. 3. Affectio conjugalis. Affectio societatis. 4. Família eudemonista. 5. A união entre pessoas do mesmo sexo : uma análise sob a perspectiva constitucional (rtdc v.1 p-89/112) 6. Juiz. Decisão da lide. Lacuna. Norma geral exclusiva. Norma geral inclusiva. Interpretação. 7. Dignidade da pessoa humana. 8. Família. Concepção sociojurídica da família. Alteração. Objetivos: sob o ponto de vista de objetivos e não sob o ponto de vista da procriação. Considerações sobre o tema. Disposições doutrinárias. 9. Engendramento biológico. Parentalidade. Distinção. 10. Menor. Criação em lares de homossexuais. Estudo. Valorização. 11. Dois meninos. Duas mães. 12. Filiação. Critério afetivo. 13. Registro civil. Assento de nascimento. Filho adotado por casal homossexual. Registro sem declinar a condição de pai ou mãe. 14. Casais homossexuais e adoção. (Marcos Rolim). 15. O direito à convivência familiar e não à origem genética. Prioridade absoluta de crianças e adolescentes. Filiação afetiva ou socioafetiva. Prioridade. 16. Objetivo da adoção. Pretensão da mãe. Impor obrigações e assegurar direitos aos filhos. Estabelecer vínculo jurídico com eles. (Apelação Cível nº 70013801592, Sétima Câmara Cível, TJRS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006). (Grifo nosso)

3.2.1 ESTATUTO DAS FAMÍLIAS

O Projeto de Lei nº 2.285 de 2007, de autoria do deputado Sérgio Barradas Carneiro do PT da Bahia e elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Famílias (IBDFam), que recebe o nome de Estatuto das Famílias, tramita desde outubro de 2007 no Congresso e propõe a revisão e uma grande reforma em todo o sistema jurídico brasileiro sobre a família.

Se aprovado, o referido projeto tornará legitima todas as formas de famílias conjugais e parentais, incluídas as constituídas não só pelo casamento, mas também, pela união estável tanto entre homens e mulheres como por pessoas do mesmo sexo.

Assim, os casais homoafetivos, que tenham convivência pública, duradoura e com objetivo de constituir família, passarão a ter os mesmos direitos reconhecidos dos casais heterossexuais que vivam em união estável. Tendo, dessa forma, direito sucessório, previdenciário, de adotar, de ter a guarda e a convivência dos filhos. É dever da sociedade e do Estado promover o respeito à diversidade de orientação sexual.

Outras mudanças importantes também serão trazidas por esse Estatuto, por exemplo, passa a existir o estado civil de "convivente" para quem vive em união estável. Em relação a guarda dos filhos, caso não haja acordo entre os pais, o juiz deverá decidir preferencialmente pela guarda compartilhada. Além disso, não haverá restrição de guarda para os pais, como no Código Civil de 2002. O direito de convivência é garantido a qualquer pessoa com quem a criança ou adolescente possua vínculo de afetividade, como avós, tios, etc.

Em relação à adoção, os casais homoafetivos passam a poder adotar, bem como pessoas que tenham relação puramente de amizade, sem burocracia nem maiores complicações. Só não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.

3.2.2 PROJETO DE LEI Nº 6222/05

Em 20 de agosto de 2008 foi aprovado pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 6.222/05 que se propõem a alterar alguns dispositivos da Lei 8096/90 – ECA. O referido Projeto apresenta uma série de novidades que visam desburocratizar e acelerar o processo de adoção no Brasil, instituindo o chamado cadastro nacional unificado das crianças que podem ser adotadas e também das famílias consideradas aptas pela Justiça para a adoção.

Foi aprovado em forma de Emenda do Deputado João Matos do PMDB de Santa Catarina, por esse motivo, devido às alterações sofridas, o Projeto retornará ao Senado antes de seguir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Entre as principais mudanças pode-se destacar a criação de licença paternidade de 60 dias para o homem sem cônjuge, solteiro ou viúvo, que adotar uma criança. Permite a adoção de maiores de 18 anos, o que na lei atual não é permitido, pois o limite previsto é de jovens com até 18 anos. No caso da perda do Poder Familiar, o Projeto limita o prazo processual a no máximo um ano de duração, prazo que na lei atual não é fixado.

Além disso, o referido Projeto concede ao adotado o direito de saber da condição de filho adotivo e a ter acesso a documentos, quando disponíveis, sobre a família natural, com auxilio do juizado da Infância e da Juventude ou de outros organismos.

Em relação à adoção por estrangeiros, a proposta dificulta essa modalidade, estabelecendo que seja autorizada apenas se não houver brasileiros interessados e estabelecendo um prazo mínimo de convivência de 30 dias, a ser cumprido no país. Inclui ainda, normas especificas para a adoção de crianças indígenas e provenientes de quilombolas.

Em relação à permissão da adoção por casal homoafetivo, no Projeto inicial ela era explícita, exigindo apenas a comprovação da estabilidade da convivência, mesma exigência feita aos casais heterossexuais que vivem em união estável, no entanto, o novo texto aprovado pelos deputados, retirou essa possibilidade com a justificativa de que a união civil entre homoafetivos ainda não é formalmente reconhecida no Brasil.

Diante disso, a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais), divulgou nota de repúdio ao Projeto de Lei nº 6222/05, tendo em vista que já há no Brasil um número considerável de adoções já formalizadas por casais homoafetivos, baseadas nos preceitos constitucionais da igualdade e da não discriminação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, percebemos que diante da valorização da dignidade da pessoa humana como elemento fundamental do estado democrático de direito não poderá haver qualquer discriminação baseada em características pessoais individuais, repelindo-se, dessa forma, qualquer restrição à liberdade sexual do indivíduo, não se podendo admitir, portanto, desrespeito ou prejuízo em função da sua orientação sexual.

A sociedade passa por mudanças e cabe ao direito acompanha-las, sendo constantemente atualizado. Enquanto isso não ocorre, e ainda não existam leis protegendo a união homoafetiva, deve o juiz basear-se na analogia, costumes e princípios gerais do direito, sempre resolvendo a questão dentro dos preceitos constitucionais e buscando, no caso da adoção, o melhor interesse da criança e do adolescente, pois adotar vai muito além da orientação sexual de quem deseja fazê-la.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Autor: Aline Verônica


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