Notas acerca da prestação de serviços para a Administração Pública



Da prestação de serviços para a administração pública

Serviços de natureza onerosa obtidos pela administração pública são convencionados por via de contratos administrativos, regulados pela lei 8.666/93, como se pode conferir no extrato a seguir:

Lei 8.666/93 – Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da administração pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta lei.


Parágrafo único. Para os fins desta lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da administração pública e particulares em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

Contudo, entre os acordos, avenças públicas, não há somente contratos.Nem sempre o que se ajusta com a administração pública pode ser chamado de contrato.

Em matéria civil, privada, todo acordo de vontades é genericamente classificado como contrato.Já em matéria de direito público, o nomem juris modifica de maneira substancial a análise.Ou seja, o nome que se utiliza, se corretamente utilizado, dá conta de outras avenças distintas daquelas bilaterais e onerosas que no setor público são classificadas como "contratos administrativos".

É a própria lei 8.666/93 quem dá a dica da existência de outras modalidades de avença, no seu artigo 116, como a seguir transcreve:

Lei 8666/93 – Art. 116. Aplicam-se as disposições desta lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da administração.


§ 1o A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da administração pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:


 I - identificação do objeto a ser executado;


II - metas a serem atingidas;


III - etapas ou fases de execução;


IV - plano de aplicação dos recursos financeiros;


V - cronograma de desembolso;


VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas;


VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.


§ 2o Assinado o convênio, a entidade ou órgão repassador dará ciência do mesmo à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva.


§ 3o As parcelas do convênio serão liberadas em estrita conformidade com o plano de aplicação aprovado, exceto nos casos a seguir, em que as mesmas ficarão retidas até o saneamento das impropriedades ocorrentes:


I - quando não tiver havido comprovação da boa e regular aplicação da parcela anteriormente recebida
, na forma da legislação aplicável, inclusive mediante procedimentos de fiscalização local, realizados periodicamente pela entidade ou órgão descentralizador dos recursos ou pelo órgão competente do sistema de controle interno da Administração Pública;


II - quando verificado desvio de finalidade na aplicação dos recursos, atrasos não justificados no cumprimento das etapas ou fases programadas, práticas atentatórias aos princípios fundamentais de administração pública nas contratações e demais atos praticados na execução do convênio, ou o inadimplemento do executor com relação a outras cláusulas conveniais básicas;


III - quando o executor deixar de adotar as medidas saneadoras apontadas pelo partícipe repassador dos recursos ou por integrantes do respectivo sistema de controle interno.


§ 4o. Os saldos de convênio, enquanto não utilizados, serão obrigatoriamente aplicados em cadernetas de poupança de instituição financeira oficial se a previsão de seu uso for igual ou superior a um mês, ou em fundo de aplicação financeira de curto prazo ou operação de mercado aberto lastreada em títulos da dívida pública, quando a utilização dos mesmos verificar-se em prazos menores que um mês.


§ 5o. As receitas financeiras auferidas na forma do parágrafo anterior serão obrigatoriamente computadas a crédito do convênio e aplicadas, exclusivamente, no objeto de sua finalidade, devendo constar de demonstrativo específico que integrará as prestações de contas do ajuste.


§ 6o. Quando da conclusão, denúncia, rescisão ou extinção do convênio, acordo ou ajuste, os saldos financeiros remanescentes, inclusive os provenientes das receitas obtidas das aplicações financeiras realizadas serão devolvidos à entidade ou órgão repassador dos recursos, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias do evento, sob pena da imediata instauração de tomada de contas especial do responsável, providenciada pela autoridade competente do órgão ou entidade titular dos recursos.

É elucidativa a leitura do artigo acima transcrito.Nele se prescreve que existem acordos que não são contratuais (contratos administrativos), que não são onerosos para a administração pública.

Dessa natureza (não onerosa) são os convênios [1] e os termos de parceria [2]. Não são, portanto, a princípio [3], contratos e, portanto, não poderiam ser contratos de prestação de serviços.

Da natureza jurídica dos recursos repassados em convênios e termos de parceria

Seriam os recursos repassados por convênios e termos de parceria iguais a pagamentos de serviços prestados?Não poderiam ser pela natureza do acordo.Esses são acordos de interesse comum, ou seja, ambas as partes juntam esforços para chegar a um ponto comum.Na tese, na doutrina tradicional do direito administrativo brasileiro, contratos são acordos de interesses conflitantes, o famoso "toma-lá-dá-cá".Os convênios ou termos de parceria, a princípio, não podem ser desse tipo.

Em convênios o recurso que sobra tem que ser devolvido ao poder público.É mesmo reveladora a disposição sobre devolução de recursos, o que significa dizer, em bom português, que os recursos nunca poderão ser patrimonializados pela instituição convenente ou pelo executor do convênio ou pelo parceiro Oscip no termo de parceria.Quem melhor disciplina sobre o assunto é a Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional de número 1, de 1997, a seguir transcrita:

IN – STN 1/97 - Art. 1º. A execução descentralizada de Programa de Trabalho a cargo de órgãos e entidades da administração pública federal, direta e indireta, que envolva a transferência de recursos financeiros oriundos de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, objetivando a realização de programas de trabalho, projeto, atividade, ou de eventos com duração certa, será efetivada mediante a celebração de convênios ou destinação por Portaria Ministerial, nos termos desta Instrução Normativa, observada a legislação pertinente.

§ 1º. Para fins desta Instrução Normativa, considera-se:

I - convênio - instrumento, qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos orçamentos da União, visando à execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação;

III - convenente - órgão da administração pública direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, de qualquer esfera de governo, ou organização particular com a qual a administração federal pactua a execução de programa, projeto/atividade ou evento mediante a celebração de convênio;

(...)

V - executor - órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista, de qualquer esfera de governo, ou organização particular, responsável direta pela execução do objeto do convênio;

Como já dissemos antes, o contrato de locação de serviços ou prestação de serviços, bilateral e oneroso (o famoso "toma-lá-dá-cá"), é regulado pelo artigo 1º da Lei 8.666/93.Os outros acordos que envolvam atividades em conjunto, inclusive de obras e eventos, são determinados pelo cumprimento do artigo 116 da lei 8.666/93 e pela IN STN 01/97 ou pela legislação posterior, como a lei 9.790/99 no caso dos termos de parceria.Todos esses outros acordos são de tipo distinto do contrato, têm nomenclatura própria e se distinguem dos contratos inclusive porque o dinheiro que possa ser repassado não vira patrimônio das organizações que o recebem (não são "tomá-lá-dá-cá").

A doutrina jurídica é bastante taxativa quanto ao tema. Não encontrei uma nota dissonante e, para exemplificar, reproduzo aqui o que foi escrito por uma das mais consultadas juristas da área (direito administrativo):

No contrato, os interesses são opostos e contraditórios, enquanto no convênio são recíprocos; por exemplo, em um contrato de compra e venda, o vendedor quer alienar o bem para receber o melhor preço e o comprador quer adquirir o bem pagando o menor preço; no convênio, também chamado de ato coletivo, todos os participantes querem a mesma coisa.

Os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns e se reúnem, por meio de convênio, para alcançá-los;por exemplo, uma universidade pública – cujo objetivo é o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à comunidade – celebra convênio com outra entidade, pública ou privada, para realizar um estudo, um projeto, de interesse de ambas, ou para prestar serviços de competência comum a terceiros; é o que ocorre com os convênios celebrados entre Estado e entidades particulares, tendo por objeto a prestação de serviços de saúde ou educação; é também o que se verifica com os convênios firmados entre estados, municípios e União em matéria tributária para coordenação dos programas de investimento e serviços públicos e mútua assistência para fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações.

No convênio, os partícipes objetivam a obtenção de um resultado comum, ou seja, um estudo, um ato jurídico, um projeto, uma obra, um serviço técnico, uma invenção etc., que serão usufruídos por todos os partícipes, o que não ocorre no contrato.

(...)

Dessa diferença resulta outra: no contrato, o valor pago a título de remuneração passa a integrar o patrimônio da entidade que o recebeu, sendo irrelevante para o repassador a utilização que será feitadeste;no convênio, se o conveniado recebe determinado valor, este fica vinculado à utilização prevista no ajuste;assim, se um particular recebe verbas do poder público em decorrência de convênio, esse valor não perde a naturezade dinheiro público, só podendo ser utilizado para os fins previsto no convênio; por essa razão, a entidade, a entidade está obrigada a prestar contas de sua utilização, não só ao ente repassador como ao Tribunal de Contas.

Maria Sylvia Zanella di Pietro – Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 14, Ed. 2002, p. 292/293

A Dra. Maria Sylvia é uma das mais prestigiadas autoras de direito administrativo no Brasil, mas, como disse, não é a única.Para dar outro exemplo, no livro "Fundações, Organizações Sociais, Agência Executivas, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e Outras Modalidades de Prestação de Serviços Públicos", de Francisco de Assis Alves (LTr, 2000), na folha 162, o autor trata do tema com simplicidade e clareza solar, incapaz de qualquer dúvida:

Na gestão compartilhada, o patrimônio continua sendo público, apenas o gerenciamento dos serviços que utilizam o patrimônio passa a ser privado.A gestão dos serviços é compartilhada entre o poder público e sua parceria, entidade privada.Não há privatização, portanto.

A associação entre o poder público e entidades privadas é feita através de um convênio de cooperação ou termo de parceria no qual o poder público entra com o patrimônio e os recursos para o custeio e a entidade privada partícipe se responsabiliza inteiramente pela execução dos serviços, objeto do convênio, introduzindo princípios gerenciais próprios da iniciativa privada, tais como: economicidade administrativa, preocupação coma atividade-fim e não com a burocracia; remuneração por mérito, levando em conta a produção efetiva e os resultados; gestão econômica – objetivando o equilíbrio econômico, não o lucro.

O Conselho Federal de Contabilidade entendeu bem o problema quando produziu manual sobre o caso:

Entre as diversas formas utilizadas pelas entidades de interesse social para alavancar recursos, destacam-se a celebração de convênios, contratos e termos de parceria.Esses recursos têm um tratamento especial devido ao controle que deve haver sobre eles. (...)

(...) os recursos recebidos de convênios ficam vinculados à utilização prevista no ajuste, não perdendo a natureza de dinheiro público, ficando a entidade obrigada a prestar contas de sua utilização ao órgão que lhe repassou recursos (convenente), bem como ao Tribunal de Contas da União, ou do estado, ou do Município, conforme a origem orçamentária dos recursos recebidos.Portanto os recursos recebidos por meio de convênios não são considerados como receita, pois eles jamais perdem a natureza de dinheiro público, tanto que eventuais sobras são devolvidas.

(...)

O termo de parceria é firmado entre o poder público e a entidade qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – Oscip (Lei 9.790/99), destinando à formação de vínculo de cooperação entre as partes (...).

Veja que o termo de parceria muito se aproxima do convênio, pois é um acordo de cooperação entre as partes.Portanto pode-se concluir que os recursos, como no convênio, não perderão sua característica de dinheiro público, não podendo ser considerado como receita da entidade parceira.

A contabilização dos recursos oriundos de convênios, contratos e termos de parceria já foi tratada no Capítulo V.

Manual de Procedimentos Contábeis para Fundações e Entidades de Interesse Social – CFC – FBC – 2003 – 1ª Edição – pgs. 89/90

No Capítulo V citado, o CFC regulamenta a contabilização dos recursos de termos de parceria como recursos de projetos, em contrapartida aos recursos de contratos administrativos, que seriam recursos da entidade. Confira:

(...) Termos de parceria são firmados entre órgãos públicos e entidades que possuem a qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.O registro contábil dessas transações pode ser assim efetuado:

Recebimento de recursos convênio

Débito – Bancos conta movimento – Recursos com Restrição (1.1.1.04)

Crédito – Recursos de Projetos (2.1.6.xx)

(...)

Entrada de Recursos de Contratos

Débito – Bancos conta Movimento – Recursos com Restrição (1.1.1.04)

Crédito – Recursos de Entidade (2.1.6.xx)


Op. Citada, pg. 74

Como se vê, o recurso que uma entidade receba de convênios ou termos de parceria, mesmo que entre na conta dela, é recurso público, orçamentário, de ente de direito público, colocado sob a guarda de uma entidade de direito privado, somente sob sua guarda.


Autor: Jeferson Gonzaga


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