Zédrubal
Obteve o emprego de faxineiro em um jornal e foi morar em uma edícula no bairro da Vila Industrial.
Um belo dia, (ops. dia não), bela noite, perdeu o último ônibus.
Sabia que tinha um túnel interligando a rua da Estação Ferroviária e o Beco Manuel Dias, perto de onde morava , decidiu arriscar, porém haviam lhe contado cada estória a respeito do mencionado túnel que ele já começou a ficar cismado.
Disseram e só de lembrar ele ficava todo arrepiado, que tinha um indigente que morrera de tuberculose lá e que ele sempre aparecia (tossindo muito) para quem, de noite, passasse.
- "Grazadeus" que a mãe me deu um amuleto contra mau olhado, pensou ele, apertando o patuá junto ao peito. - Vixe, nem serve por que se é de mau olhado não vai espantar espírito.
Fez o sinal da cruz ao entrar e sua visão sentiu um forte impacto, pois tinha poucas lâmpadas acesas e um cheiro fétido entrou-lhe pela narina.
Suas pernas tremiam tanto que o andar estava dificultoso, mas ele corajosamente prosseguia, dizendo para si mesmo que era corajoso e que quem anda com Deus no coração não tem medo de assombração (já ouvi isso em algum lugar, rs.).
- Pois é (era Zé mesmo o nome do jovem, na verdade, Zédrubal, que ele detestava uma mistura do nome da mãe, Maria José e Asdrubal, do pai), tu "vai" tirar de letra, "guenta" e anda depressa!
Tinha andado um pouco e começou a ouvir uma tosse.
- Jesus, Maria, José, valei-me, pediu mentalmente o Zé.
Ouviu também passos e até suspirou aliviado, pois sabia que fantasmas não andavam, levitavam.
- "Grazadeus", fico "te" devendo essa. Jesus, Maria, José, valei-me, se não for alma penada só pode ser assaltante por que quem haveria de estar na rua, com boas intenções à uma hora assim?
- Nem responde pelamor de Deus, prefiro ignorar.
Acreditando estar sendo seguido por um bandido apertou o passo e foi com muito pavor que notou que o meliante fazia o mesmo e, pelo som que os passos faziam, deveria ser de um homem robusto, "baita" armário.
- Não acredito que depois de todo o esforço que fiz vou ser assaltado e como não tenho nada de valor, vou morrer.
Lembrou-se da mãe e uma lágrima brotou em seus olhos.
- Que saudades dela! Sou mesmo o maior "escroto" e de imediato também se desculpou, pois o motivo por não ter ido a Aparecida foi dos mais nobres.
- Cara, disse para si mesmo, era a "tua" chance, não poderia deixar de sair com a Magali (aquela gostosona do Curso de Engenharia de Alimentos) para guardar dinheiro para a passagem do "busão". Nem, f***.
- Droga, vou morrer justo agora que a Asdruzéia teve um menino e ele vai ter o tio morto Jesus, Maria, José, tenham piedade do meu sobrinho Thiago, pô!
Novo barulho e parecia um clique.
- Ele engatinhou a arma, só pode.
O nervoso havia provocado prisão de ventre e a barriga doía. No que corria, soltou um pum.
- P* vida, aquela M* de coxinha que comi cheira à carniça. Cara, você está podre! Será que o assaltante ouviu?
- Que se f* também. A droga que parece que o meu intestino soltou. Só me falta morrer e todo cheio de m*.
O outro estava tão perto que ele podia ouvir a respiração e ele, com o coração batendo mais que a bateria de uma escola de samba (ué, não estava sentindo morto, como o coração disparando?) pediu a Deus que tivesse uma boa morte.
Sentiu que algo pontiagudo tocou-lhe o dorso ( Adeus mundo cruel ), quando ouviu uma voz de homem, mas com um timbre diferente perguntar de forma insinuante:
- Tem fogo, amor? Meu isqueiro "pifou".
Olhou e viu um travesti, com uma bolsa a tiracolo, que continuava encostada em seu dorso.
Autor: Maria Cristina Galvão de Moura Lacerda
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