DEPENDÊNCIA QUÍMICA



 Família: ninguém escapa dessa instituição. Família: nossa mais constante interação. Família: ela não nos persegue, ela está em nós. Sendo assim, os momentos de crise são os melhores momentos de união e de esclarecimento. Em momentos de crise, lembramos: somos parte de um núcleo dinâmico e voraz em relação à manutenção da vida de todos os entes queridos. Grau de parentesco nos conforta, porém, sem o devido cuidado, nos conforma... Esse núcleo tem descartes, retenções, repressões, estímulos, transformações, diferenças, estranhezas, afinidades, em grande proporção, afinal seus elementos têm DNAs únicos. Mesmo assim, o padrão é a preferência de todos. Sustenta-se a permanência da normalidade. Mas, hoje, uma família perdeu o padrão. O núcleo foi invadido por um vírus: o inatural, o químico. No tempo, não houve anticorpos que eliminassem esse invasor, ao contrário, o invasor se disfarçou, se distanciou e se aprofundou. Na divisão do óvulo, um deles se tornou dependente químico. Sua funcionalidade acontecia somente com a energia química. Descoberta: um dos filhos dessa família é dependente químico... Durante quase 20 anos, esse fantasma pairou sob suas vidas. Havia a desconfiança de que o pó não desaparecera com a juventude, pois houve a constituição plena de nova família e o estabelecimento de um ótimo nível profissional. A desconfiança tornou-se apenas um texto sacado em cenas mais agressivas... e íntimas. Esse disfarce foi o mais cruel. A atenção diminuiu. Se o filho se tornava cada vez mais independente e bem posicionado, seus gostos tinham amadurecido. Ledo engano! A farsa acabou a uma semana! Diante de muitas intempéries em que a vida prova o quão inúteis são certas "soberbas", o filho tentou o suicídio. Família em pé de guerra? Fácil de encarar. Família atônita? Difícil de aceitar. A vida aplicou, no seio familiar, o desentendimento. É preciso, hoje, saber pensar o outro que grita. Com muito barulho, não escutaram os gritos dos ímpares. É preciso encarar a sensação de displicência e posterior fracasso, a fim de manter todas as cadeiras da mesa da cozinha ocupadas. O vírus expande-se para o interior de todas as pessoas. Inertes, desestruturados, assustados, começam a procurar por ajuda, por profissionais. Não basta mais só a família. Não pode mais haver esconderijos ou escondidos. Todos são sempre amadores nas relações. Diante do fato quase consumado, houve o re-escalonamento de situações precedentes que os fizeram olhar àquele corpo estendido na cama, como um espelho de seus piores pesadelos. Decisão: ainda que, como reles mortais, tivessem que passar pela via crucis dos hospitais e aceitar todos os seus impedimentos, internar é/foi preciso! Todas as facilitações de uma juventude inteira se fecharam atrás de uma porta e atrás de costas que nem tinham consciência de onde estavam. Horrível! Nada pior nessa hora do que a madeira de uma porta sendo fechada incondicionalmente e o som de uma chave trancando o filho "nonada". Todos estavam cansados de/das confusões! Agora, o filho depende de si para retomar a dinâmica do mundo e a família depende dele para ampliar suas possibilidades de ser no mundo... de novo. Não há isenções, todos estão afetados, afinal o segredo foi revelado (foi encarado?). Diante das responsabilidades diárias, estão em outra dimensão. Nem o mundo nem o tempo pararam "pra ver essa banda passar na janela". Fora do paradigma social, dizem, é necessário ajuda para reconstituição da auto-estima... de todos. Como diferente, digo, o filho precisa reaprender a ser só, a caminhar só, a decidir só e a se comportar só.

Clínica para dependentes químicos... Excluir para incluir, é certo? É preciso agredi-los com a certeza de que perderam a capacidade de ser? É possível... Dói, mas é possível... Fechados ali estão pacientes, enfermos, família, vontade, vício... Todos estão internados! Todos estão sustados em seus tempos de vida. Saúde é nossa dependência ideal. Quando esta saúde falta, tudo se desmancha no ar. Vive-se por saúde. Sobrevive-se com o resto. Assim passou-se uma semana e outros pensamentos os alimentaram...

Ninguém tratado com amor finge saber. Ninguém tratado com amor constitui em si o medo de ser feliz. Tratadas com amor, as pessoas projetam-se no risco de qualquer buraco negro na expectativa e na esperança de outro dia bom... pelo menos. Intuição, criatividade, conhecimentos, não se criam no medo, no temor, na repressão. Aventura deveria ser a idéia central de toda manha, de todo acordar. Atividade deveria ser toda a representação possível e energética. Se somos latifúndio de tudo e de nada, somos fertilidade independente das estações. A atitude é buscar em todos os becos a coragem de ser... e ser sendo. Faz de conta que o futuro será melhor, já que precisamos dele agora. Frustração? É a doença eterna, é o nosso "samba do crioulo doido" existencial. Frustração? É o estanque necessário para que as virtudes próprias sejam revisitadas. Frustrações? São os encontros com as limitações: aí "o bicho pega!" Ninguém quer se saber limitado porque aí as máscaras caem, as certezas somem e a vontade é impossível. Tudo pára em favor de um movimento interior que deveria ser muito rico. O mundo da fantasia, novamente, é tocado e, sem barreiras, vai adquirindo elementos que possam provocar a novidade de outros comportamentos. E isso não precisa de vergonha. Precisamos dos desavergonhados! Precisamos nos desavergonhar! Precisamos sair de uma modulação civilizatória que prende o desejo em regras classificatórias e, muitas vezes, eliminatórias. Mas como? Encarando as frustrações ou aceitando ajuda diante das mesmas. Ainda como marca da independência, encarar as frustrações é manter as rédeas da própria vida; é saber reconstruir-se diante das paradas obrigatórias; é estar disponível às mudanças necessárias. O problema é que aceitar ajuda, pedir ajuda, redimensiona o fantasma da dependência e retoma sua ação de "detonador" das estimas. O ser humano se consome por independência, logo tem que se rebelar na dependência. Depender abre um porão dentro do coração e suga restos de energia. Depender é a conclusão do ditado "dia de muito, véspera de nada". Depende-se sempre por obrigação. O movimento é de fracasso, raiva, subterfúgios, disfarces, enganos, mentiras. Para onde se olha, não há caminhos a seguir... sozinho. Reaprender parece uma ação infeliz, mas fazer o que? Matar-se? Não! Nunca! Matar-se é desaprender... é aceitar o evitável... é determinar a vitória da "in-criatividade". Depender precisa de, além de um momento de reflexão, uma atitude limitada pelo tempo. Depender tem tempo determinadíssimo! Difícil... Trabalhosa... "Cansável"... Mas vertical a um reencontro com a realização de todos os projetos de vida. É uma loucura ser ser humano... "Mata-se um leão a cada dia"!

Enfim, quando os apêndices que criamos desmoronam, encaramos nossas próprias fragilidades e percebemos que não precisamos de suportes, pelo menos... químicos. Precisamos de caminhos! Houve uma sombra generalizada sob as reais potencialidades dessa família e essa embotou suas competências e tornou suas habilidades altamente lineares. Isso desrrealizou possíveis recursos para o sucesso. Há a sensação de que as experiências ratificaram os modelos, nunca retificaram as estratégias. Facilitaram, quando precisavam negociar na perspectiva de dois resultados: versatilidade e flexibilidade diante da emoção da vida. Não foi preciso traumas nem crises, foi pior: foram sufocadas as emoções... O ato da dependência teria como grande força contrária a complexidade das emoções no qual se enfrentariam as distorções dimensionais da vida... com energia. Mas esses sentimentos, desvinculados de um pensamento, de um raciocínio, formularam o medo, logo problemas temidos, problemas "esquecidos".

Assim, o filho permanece internado...
Autor: Claudia Nunes


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