A MUDANÇA DE NOME CIVIL EM VIRTUDE DE CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL



Nélio Luís Prates da Silva[1]

RESUMO

O presente artigo objetiva trazer um maior conhecimento da questão da mudança de nome dos transexuais em virtude de cirurgia redesignatória de sexo. Se discutirá o tema tendo em vista as posições da Medicina e do Direito, assim como à luz dos princípios e direitos constitucionais. Visando vencer a barreira do preconceito através do esclarecimento e defendendo veemente o direito que cada um tem de viver uma vida digna colocará em foco o ser transexual, seus conflitos, seu tratamento, sua cura e sua inserção no seio social, através da sua mudança de sexo e consequentemente de nome.

Palavras-chave: Transexual. Princípio da Dignidade da pessoa humana. Direito ao nome.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 2 TRANSEXUALISMO 2.1 NOÇÕES GERAIS 2.2 TRANSEXUALISMO E AS VÁRIAS MANIFESTAÇÕES SEXUAIS 3 A MUDANÇA DE SEXO 3.1 A CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL 3.2 O DIREITO À MUDANÇA DE SEXO 4 A MUDANÇA DE NOME CIVIL 4.1 O NOME CIVIL E A LEI DE REGISTROS PÚBLICOS 4.2 O DIREITO A MUDANÇA DE NOME CIVIL.4.3 JURISPRUDÊNCIAS 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

Considerando a evolução social à conseqüente evolução das leis, o presente Artigo objetiva apresentar a questão da mudança de nome no registro civil em virtude de cirurgia de redesignação sexual, procedimento associado à patologia dos que sofrem de transexualidade. Esclarece sobre a realização da cirurgia, prática cada vez mais recomendada por médicos e adotada entre as pessoas com a patologia, o que é permitido conforme a Resolução nº 1482/97 do Conselho Federal de Medicina, seguida pela Resolução de nº1.652/02 do mesmo Conselho.

As cirurgias de redesignação sexual, apesar de permitidas pelas resoluções a partir de 21 anos, desde que preenchidos alguns requisitos, dentre eles, acompanhamento psicológico, suscitam uma questão que vem sendo discutida no meio jurídico: terá o transexual direito à mudança do nome em virtude da cirurgia realizada? Diante dessa indagação pode-se perceber a carência de leis específicas que regulem o tema, tornando-o além de polêmico, divergente também, permitindo que esses indivíduos fiquem à mercê de decisões dos juízes, notando assim que o Direito infelizmente não tem acompanhado a evolução da sociedade.

Trata-se não só de cirurgia de redesignação sexual, como também da possibilidade de uma nova realidade para o indivíduo que a ela se submete, já que tem expectativas tanto psicológicas, quanto físicas e jurídicas. Tendo em vista o Princípio da Dignidade Humana amparado na Carta Magna brasileira no art. 1º, III, como um dos fundamentos de nossa República, é inadmissível que o transexual não tenha seu registro civil adequado à sua nova realidade sexual pós-cirurgia.

O desrespeito ao Princípio da Dignidade Humana se deve, além de tudo, ao fato de não existir quase nenhuma regulamentação nesse sentido, permitindo assim que esses indivíduos vivenciem uma série de situações vexatórias e preconceituosas, o que os deixa cada vez mais à margem da sociedade e, portanto, muito mais infelizes e excluídos. Os direitos inerentes à pessoa humana, inclusive o direito à saúde previsto no art. 6º da Constituição Federal devem ser resguardados pela ordem jurídica e é dever do Estado garanti-los.

Na discussão do assunto serão abordadas as diferenças entre as várias manifestações sexuais (travestis, homossexuais, bissexuais, etc.), dando ênfase ao conceito do ser transexual. A questão do direito à saúde e outros direitos, já que são garantias constitucionais, será abordada ao se falar na cirurgia de redesignação sexual, assim como os requisitos mínimos necessários exigidos para realização da mesma e a posição do Conselho Federal de Medicina diante dessa questão tão polêmica. Consequentemente há de se falar na Lei de Registros Públicos e, visando esclarecer e responder a indagação, será abordado, sucintamente, o direito à mudança do nome civil em virtude da cirurgia de redesignação sexual face ao Princípio da Dignidade Humana, de onde se extrairá grande parte do embasamento necessário para a realização da mesma, como também se apresentará as posições jurisprudenciais nesse sentido.

Ao concluir, será demonstrado mais uma vez o quão relevante é obter conhecimento sobre o tema discutido, lançando sobre esses seres humanos um olhar mais atento e principalmente mais respeitoso.

2 TRANSEXUALISMO

2.1 NOÇÕES GERAIS

Antes mesmo de conceituar o transexualismo e estabelecer as diferenças básicas entre as varias manifestações sexuais é preciso trazer noções gerais sobre "sexo". Traz-se a luz a definição dos dicionários (1999, p.675): "conformação especial, que distingue o macho da fêmea, nos animais e nos vegetais; os órgãos genitais externos." Os dicionários na verdade tratam do "sexo" com somente uma noção básica do que é um homem e uma mulhermas vários autores apresentam esquemas pluridimensionais do sexo.

De forma bastante resumida necessário é trazer ao presente estudo essa pluridimensionalidade sexual, ou seja, não somente as características externas, mas outros critérios que englobam a questão do "sexo". Existe o sexo genético que é determinado na fecundação, com os cromossomos XX ou XY; o sexo gonádico que é o decorrente de gônodas masculinas (testículos) e femininas (ovários) e o sexo legal aquele determinado na certidão de nascimento juridicamente pelo Cartório de Registro Civil Público, porém não se resume somente nisso. Ainda existem as influências ambientais, psicológicas e socioculturais que também são responsáveis na formação do sexo de criação, assim como pelo comportamento e identificação sexuais, nesse sentido convém trazer o que diz Ana Paula Lopes da Silva (2007, p.12):

O critério biológico deve ser somente um dos caracteres utilizados para se definir o sexo de um ser humano, uma vez que os fatores sociais, psicológicos, dentre outros, também contribuem para a formalização da sexualidade do individuo.

Como se pode notar o fator biológico em si não é o único responsável pela identidade sexual como afirma Elimar Szaniawski (1998, p.35):

A problemática da identidade sexual de alguém é, porém, muito mais ampla do que seu simples sexo morfológico. Deve-se, pois, considerar o comportamento psíquico que o individuo tem diante de seu próprio sexo. Daí resulta que o sexo compõe-se da conjunção dos aspectos físico, psíquico, e comportamental da pessoa, caracterizando-se consequentemente seu estado sexual.

Diante desses fatos não se pode enxergar o "sexo" como um fator unicamente biológico, mas como um conjunto de fatores que influenciam na identidade sexual. A literatura especializada costuma dividir o elemento sexual em sexo biológico e sexo psicológico, ambos fazem parte da identidade sexual do indivíduo devendo, pois, serem observados conjuntamente.

2.2 TRANSEXUALISMO E AS VÁRIAS MANIFESTAÇÕES SEXUAIS

Necessário é conceituar o transexualismo para só após falar sobre as diferenças das varias manifestações sexuais e que de forma alguma podem ser confundidas com o transexualismo. No transexualismo ocorre uma extrema inversão psicosexual, onde o indivíduo não aceita seu sexo biológico, significa dizer que o sujeito tem a certeza de pertencer a um sexo e possuir genitais opostos ao sexo que psicologicamente se pertence.

Como conceitua Ana Paula Ariston Barion Peres (2001, p.140):

O transexual acredita insofismavelmente pertencer ao sexo contrario à sua anatomia e por isso se transveste. Para ele, a operação de mudança de sexo é uma obstinação. Em momento algum vive, comporta-se ou age como homem. Quando o faz é sob condições estressantes que podem conduzi-lo a conseqüências neuróticas e ate psicóticas. Estas podem chegar a ponto de induzi-lo à automutilação da própria genitália e, em certos casos, ao suicídio.

O transexual deseja profundamente eliminar as características do próprio sexo, objetivando ganhar as características do sexo oposto. Ele não aceita de forma alguma seu sexo biológico, pois psicologicamente age como se do sexo oposto ao dele fosse. Desde criança sofre com essa questão, com esse conflito tanto interno, quanto externo. O ambiente social só desfavorece, pois a sociedade muitas vezes não o compreende e por preconceitos sociais procura estabelecer condutas tanto para o homem quanto para mulher, observando assim comportamentos estereotipados e aquele que foge a esses padrões tidos como "normais", são rotulados como seres "anormais", repugnantes.

A falta de solidariedade dentro da sociedade acaba levando o transexual a um isolamento, este acaba sendo marginalizado, excluído do seio social e quando não se suicida ou se automutila, acaba por recorrer ao travestismo. Na maioria são pessoas infelizes, seres humanos que têm direitos como todos os outros, mas que por serem diferentes, em razão da sua patologia, são realmente excluídos em todos os sentidos, além de sofrerem vários tipos de preconceitos e serem motivo de piada. O desprezo, o nojo, a falta de oportunidade no mercado de trabalho são a realidade desses indivíduos que sempre sofreram por seus conflitos desde a infância, estando num corpo que não os deixa felizes, tendo de se submeter aos padrões sociais para agradar e, na maioria das vezes, se auto-rejeitar. Desde a infância, sonham com um nome civil, um corpo e têm, ao contrário do seu sonho, a dificuldade de serem aceitos pelos colegas na infância e até mesmo pela própria família. Se é angustiante imaginar essa situação, imagine-se quão tamanha é a angustia que estes indivíduos sentem durante sua vida conflitiva, suas feridas na alma, cicatrizes oriundas do preconceito, isolamento, repúdio, incompreensão e principalmente falta de compaixão. Sendo uma patologia pode-se dizer que o transexual busca sua cura e nada além da sua realização pessoal, o que acaba por ser um direito seu, principalmente por tratar da sua intimidade, que é um direito estabelecido constitucionalmente.

Cabe agora diferenciar o transexualismo das demais manifestações sexuais, pois como dito anteriormente são bastante diferentes, cada manifestação sexual tem suas próprias características. Enquanto no transexualismo há uma forte ânsia de mudança do estado sexual, por rejeitarem sua própria aparência física, no homossexualismo a pessoa sente-se satisfeita quanto a determinação do seu sexo, não há necessidade de mudança sexual. O homossexual tem atração por indivíduos do mesmo sexo, mas de forma alguma aceita ser confundido com o sexo oposto, seus órgão sexuais são aceitos e ele repudia a idéia de tirá-los, pois no homossexual os órgãos sexuais têm um papel bastante importante, o de proporcionar-lhe prazer. Ana Paula Ariston Barion Peres (2001, p.112) traz uma boa colocação:

Os homossexuais, diversamente dos transexuais, não desejam a mudança de sexo, pois os seus órgãos genitais lhes dão prazer. Por conseguinte, não tem qualquer aversão ao seu sexo biológico, mas a sua atividade sexual é comumente voltada para pessoas de sexo biológico idêntico ao seu, pelos quais se sentem exclusivamente atraídos.

A convivência do homossexual com o próprio sexo é pacífica, as vestimentas e os próprios gostos inerentes ao homem não o incomodam, já os indivíduos transexuais sentem-se completamente fora de sua realidade. O transexual não pode e nem gosta de ser confundido com homossexuais, mesmo porque busca pessoas heterossexuais para uma relação e não homossexuais, uma vez que psicologicamente tem natureza feminina. Quanto a ter filhos os homossexuais têm o desejo de ser pais, já no transexual ocorre o inverso, o desejo de maternidade, comprovando sua feminilidade.

Outra manifestação sexual é o travestismo onde o indivíduo aceita sua identidade sexual, ele não repudia o fato de ser homem, mas se veste de mulher e sente prazer nisso. Em sua maioria os travestis são homossexuais, mas nem todo homossexual é travesti. Sua maior característica é o uso de vestes femininas, ou seja, homem que aceita seu corpo masculino mas usa vestes femininas, seja por fetiche ou por outro motivo, o travesti não sente o desejo de mudança de sexo como o transexual. Há outro detalhe que difere bastante o travesti do transexual: a feminilidade. Neste é bem maior, ao passo que o travesti não é feminino, mas afeminado. Segundo Elimar Szaniawski (1998,p.52): "considera-se travestismo ou eonismo a entidade na qual os indivíduos apresentam uma inclinação ao uso de trajes típicos do sexo oposto."

Outra grande diferença entre o travesti e o transexual consiste em que os órgãos sexuais do travesti o proporcionam prazer e ele não sente necessidade de removê-los cirurgicamente, ao contrário do transexual que sente a necessidade da cirurgia. Isso ocorre como já exposto anteriormente, porque para o transexual existe a convicção, que carrega em si, de não pertencer ao sexo masculino, o que traz a vontade de integração na sociedade com seu sexo verdadeiro, o sexo psíquico.

O bissexualismo é mais uma das manifestações sexuais com características próprias que o diferencia das demais. O bissexual tem o hábito de se satisfazer sexualmente tanto com parceiros do mesmo sexo, quanto com parceiros do sexo oposto. Sente-se atraído tanto pelo homem quanto pela mulher, oscilando entre o comportamento heterossexual e homossexual sem a abrir mão de nenhuma das identidades sexuais. Sobre o tema Ana Paula Ariston Barion Peres traz (2001, p.119): "é que a bissexualidade implica o reconhecimento de uma identidade sexual independente das demais, oscila entre heterossexual e o homossexual, sem que isso leve a renúncia de uma das duas identidades".

Ana Paula Lopes da Silva (2007, p. 15) no mesmo sentido comenta: "Observa-se que há uma flutuação de sentimentos sexuais do ser humano bissexual, ao contrário do transexual que se sente atraído sexualmente por pessoa do sexo oposto ao sexo almejado".

Percebe-se então que as pessoas costumam fazer confusão com os termos, acreditando que o bissexualismo e homossexualismo são semelhantes, pelo contrario, o bissexual é bem resolvido quanto à sua orientação sexual, o que há é uma oscilação de comportamento, já que ele sente-se atraído pelos dois sexos.

O intersexualismo ou (hermafroditismo) é caracterizado pela malformação genital externo, sempre com predominância das características de um dos sexos, em outras palavras, ocorre no hermafrodita uma ambigüidade dos órgãos sexuais. Os intersexuados ou (hermafroditas) desejam obter sua definição sexual, sem ter preocupação em manter um ou outro sexo, mas sim aquele que através de exames será definido proporcionando funcionalidade para o indivíduo através de uma cirurgia corretiva. Diferentemente do transexual que deseja tornar-se do sexo oposto ao biologicamente definido, pois seu sexo psicológico é oposto ao sexo biológico.

Vale falar também sobre os indivíduos heterossexuais, taxados socialmente como "normais", nos quais o sexo biológico está em perfeita harmonia com o sexo psicológico e com os fatores sociais, estes são os indivíduos, como se sabe que sentem-se satisfeitos com seu próprio sexo e buscam parceiros do sexo oposto.

Como se nota, existem várias manifestações sexuais independentes, cada uma com suas características próprias, não devendo haver confusão entre os termos, valendo ressaltar que, em se tratando dos transexuais, estes não podem ser vistos como portadores de deficiência mental, pois gozam de perfeita lucidez, também não são homossexuais, bissexuais, nem muito menos travestis ou intersexuais são indivíduos que apresentam uma inversão da identificação sexual, ou seja, seu sexo biológico é um, mas sua identidade sexual psicológica é outra, portanto, devem ser respeitados como cidadãos de direito que são. Quanto à lucidez desses seres humanos Ana Paula Ariston Barion Peres (2001, p.125) coloca:

O transexualismo é, portanto, uma das desordens da identidade de gênero. Isso em razão da sua característica principal, que consiste na incongruência entre o sexo atribuído na certidão de nascimento e a identidade psíquica do gênero do indivíduo.Não há que se cogitar de ser o tansexual um doente mental, muito pelo contrário, o que é peculiar ao seu estado e o afasta dos demais é a plena lucidez,ou seja, não sofre de qualquer desordem psicótica primária da personalidade.

Nesse mesmo sentido afirma Elimar Szaniawiski (1998, p.62) :

Sob o ponto de vista anatômico, os transexuais são pessoas normais, e, segundo a mencionada autora, a maioria dos transexuais estudados não apresenta indicação de psicose, porém uma desorganização de personalidade, com intensidade variável, que surge quando o indivíduo é obrigado a direcionar-se de modo contrário à sua identidade psicossexual.

Em suma, os transexuais são seres humanos detentores de direitos como todos os outros e devem ser compreendidos. É necessário que se deixe de lado o preconceito e que haja respeito às diferenças, olhando sempre as coisas do ponto de vista do outro procurando analisar e conhecer ao menos um pouco de cada situação e enxergar como esses seres humanos tão desprotegidos vivem excluídos e sem voz ainda na sociedade.

3A MUDANÇA DE SEXO

3.1 A CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL

A cirurgia de redesignação sexual, conforme exposto, vem para esses indivíduos como a cura, a solução de um problema que os aflige desde a infância. Essa reversão sexual proporcionará que vivam uma vida praticamente normal, sendo completamente diferente da cirurgia de correção nos intersexuais, pois os transexuais biologicamente são perfeitos mas com desejo compulsivo de adequar seu corpo à sua identidade sexual. Essa cirurgia não é simples e realizada de qualquer maneira, pelo contrário é uma cirurgia complexa e de extrema responsabilidade.

É importante salientar que a cirurgia trará modificações somente na aparência externa, ou seja, não passará o homem a ter ovários, útero nem a mulher os órgão internos masculinos, resume-se então a deixar o indivíduo o mais semelhante possível ao sexo oposto desejado. No homem há amputação dos órgãos sexuais, tanto o pênis quanto os testículos, para poder permitir a criação da neovagina, a pele sensível da parte escrotal é aproveitada para revestir a neovagina. Essa não será como uma vagina normal, pois a normal não é revestida de pele e sim de mucosa. Também será feito um implante de mamas femininas. No transexual feminino a complexidade é grande também, mas o sucesso da cirurgia não é menor que o da masculina: faz-se a remoção dos seios, fecha-se a abertura vaginal, após remover parte da pele inguinal, constrói-se um neopênis bem semelhante ao genital normal e com as funções quase normais também. Além disso, o transexual continuará fazendo uso de hormônios que contribuirão mais ainda para o sucesso total da cirurgia feita, salientando-se que o objetivo da cirurgia é ajudar o transexual a resolver seu complexo, suas angústias, sua rejeição.

Não faltam criticas à cirurgia transexual, seja pelo argumento de falta de sensibilidade no ato sexual, seja pelo argumento de o homem ter de usar o "molde", que é desconfortável, a fim de não fechar a neovagina ou ainda que o transexual está se mutilando, ou qualquer outro argumento. Mas o que não pode deixar de se enxergar é que essa cirurgia, acima de tudo, é uma operação séria e como se verá existem requisitos mínimos para sua realização. O importante é que o objetivo de trazer solução aos conflitos internos e externos do transexual consegue ser alcançado, pois a aparência física do indivíduo torna-se igual a que ele sempre sonhou, seu sexo psicológico. Como bem trata Ana Paula Lopes da Silva (2007, p.18) a esse respeito:

O que mais deve se levar em consideração é que a operação tem o objetivo de equilibrar psicologicamente o ser transexual da angústia e da ansiedade que o acompanham pela rejeição ao seu sexo morfológico. Sendo realizada a cirurgia o indivíduo terá a aparência física igual ao sexo refletido por sua mente. Há mais chances de ser plenamente satisfeito.

Então como se pode notar a mudança de sexo trará benefícios psicológicos ao transexual, que já sofreu bastante com o risco de se automutilar ou até mesmo suicidar, além disso, a mudança de sexo trará alívio para essa angústia e a cura para o transexual que se sentia completamente "desajustado".

Ressalte-se que o direito à saúde, ao ser aqui analisado, não se resume somente à cobrança de o Estado garantir acesso gratuito a saúde, prevenindo e tratando doenças, o direito a saúde é bem mais amplo, eis que o indivíduo tem direito de que lhe seja garantido o bem-estar e a saúde psíquica seja por parte do Estado ou da sociedade, pois só assim se obterá a proteção da sua própria personalidade. Se seus aspectos emocionais e psíquicos estiverem também resguardados, poderá se falar do direito à saúde no sentido amplo, ou seja, o indivíduo poderá desenvolver sua personalidade sem que lhe seja trazido nenhum prejuízo. Por essa razão, é de grande valia que o Estado garanta a esses seres humanos devido acompanhamento psicológico e, nos casos onde há verdadeira necessidade, promova sim a realização cirúrgica, não permitindo que esses indivíduos permaneçam infelizes e frustrados pelo resto de suas vidas, o que poderia causar a auto-mutilação ou até mesmo o suicídio. Promovendo a realização pessoal destas pessoas, o Estado estaria promovendo também o bem-estar do indivíduo e esse sim é o seu dever, garantir a saúde em sentido amplo e não restrito. Necessário se faz citar Ana Paula Ariston Barion Peres (2001, p.162) que argumenta:

Certas vezes ocorre que, em razão da recusa de alguns cirurgiões em fazer a operação plástica, alguns transexuais chegam à exaltação máxima de autocastração ou suicídio. Isso vem fortalecer o entendimento de que a intervenção cirúrgica é indispensável para o tratamento do transexual.

Através desta colocação entende-se com muito mais clareza o quão necessária é a intervenção cirúrgica, não só por se tratar também do direito à saúde no sentido amplo, já que estes seres humanos sofrem de uma patologia, mas também porque comprovadamente esse é o meio mais indicado para solucionar a situação conflitiva e proporcionar a esses indivíduos a realização pessoal, visando o pleno desenvolvimento de sua personalidade

Faz-se necessário o entendimento acerca da diferença entre o transexual primário e o transexual secundário uma vez que se falará dos requisitos necessários para realização cirúrgica. O transexual primário é o verdadeiramente feminino, ele não é afeminado, na verdade ele é tão feminino que é praticamente uma mulher e como mulher idealiza um companheiro heterossexual, esse transexual tem extrema repugnância aos seus órgãos sexuais, que acabam se atrofiando, sem nenhuma ereção e, portanto inúteis. Diferentemente do transexual secundário que é mais afeminado do que feminino, essetem mais tendência ao homossexualismo ou travestismo. É importante destacar que somente os transexuais primários são indicados para cirurgia, o que é descoberto, como se verá adiante, através de um acompanhamento psicológico e uma preparação de no mínimo dois anos antes da operação.

Infelizmente ainda não existe no Brasil legislação que regule seguramente o tema, mas o Conselho Federal de Medicina numa tentativa de minimizar o problema revogou a antiga resolução de nº1482/97 e está aplicando a nova resolução de nº. 1.652/02 no sentido de que os médicos tenham permissão para realizar o procedimento cirúrgico. Antes de abordar melhor sobre o fato, torna-se pertinentetrazer ao presente estudo a informação de que há um Projeto de Lei de nº. 70,B de 1995, de autoria do Deputado Federal José Coimbra que tem como objetivo regulamentar tanto a cirurgia de redesignação sexual quanto a posterior mudança no registro civil. Através desse projeto objetiva-se excluir a tipificação do crime de lesão corporal no art. 129 do CP à cirurgia de redesignação sexual. Ainda de acordo com o projeto, a cirurgia só se realizaria com preenchimentos de alguns requisitos, tais como, o requerente ser maior e capaz, estar com todos os exames comprovando a necessidade cirúrgica, além de apresentar parecer unânime de uma junta médica. Traz inovações como a mudança de nome do transexual e a averbação na Certidão de Nascimento como transexual, o que parece à primeira vista ser inconstitucional, pois expõe a intimidade do operado e fere o Princípio da Dignidade Humana. O projeto também sofreu algumas emendas e ainda traz outras inovações como a possibilidade de os genitores ou tutores requererem ao juiz autorização para que o menor faça a cirurgia de redesignação sexual. Existem outras inovações, porém, apesar de tudo, o projeto ainda deixou muitas omissões, o que tem sidomotivo decriticas.

Tratando agora da resolução de nº. 1.652/02 do Conselho Federal de Medicina, esta veio, assim como sua antecedente, com o objetivo de regulamentar a cirurgia de redesignação sexual, sendo que um dos grandes impulsos para regulamentação foi o fato de o Código Penal tipificar a cirurgia de redesignação sexual como crime de lesão corporal. É bastante importante frisar que para que a conduta do médico seja considerada crime, necessário é existir o dolo e tipicidade. Nas cirurgias onde há o consentimento pelo paciente ou sua família, nota-se que não há ofensa ao direito, pois o médico está objetivando corrigir um erro, salvar a vida do indivíduo. Nessa mesma linha de raciocínio, pode-se dizer que para que haja o exercício regular do direito, que afasta a ilicitude nesses casos, necessário é o consentimento do paciente ou seus familiares. O que precisa ser ponderado é que o médico, no exercício das suas funções, objetiva conservar tanto a vida quanto a saúde do ser humano, através dos meios que tem para curar a enfermidade, portanto, pode-se afirmar com convicção,que nas atividades médicas curativas não está presente o dolo de causar lesões corporais. Essa cirurgia de redesignação sexual em transexuais primários não pode ser considerada como crime de lesão corporal, visto que objetiva trazer a cura a um indivíduo que sofre de uma patologia gravíssima. Então pode -se notar que além do exercício regular do direito, com o consentimento do próprio transexual, há também a ausência de dolo por parte dos médico afastando mais uma vez a ilicitude da cirurgia.

A Resolução de nº. 1652/02 veio trazer mais um respaldo ético-profissional, demonstrando que a cirurgia de mudança de sexo tem caráter terapêutico, ou seja, visa tratar uma patologia adequando o sexo morfológico ao sexo psíquico, pondo fim a um profundo conflito individual. Diante desses argumentos, não pode a cirurgia de mudança de sexo ser considerada um crime de lesão corporal cometido por parte do profissional de medicina, pois como foi dito tem um fim terapêutico. A verdade é que reconhecido os benefícios desse meio de tratamento pelo Conselho Federal de Medicina é preciso bastante cautela antes de se ousar a fazer qualquer tipo de crítica seja tentando criminalizar a conduta do profissional de medicina, seja criticando a própria terapia com o argumento de cirurgia mutiladora. Nesse sentido rebate Elimar Szaniawski (1998, p.113):

Os que fazem tal tipo de afirmações se esquecem ou, propositadamente, omitem o fato de que transexuais, na maior parte dos casos, são impotentes, apresentando, quase sempre, total ausência de produção de esperma, o que demonstra total ausência de funcionalidade do órgão genital que a natureza lhes outorgou.

Portanto, o tratamento que a medicina propõe é na verdade um ajuste entre o sexo físico e o sexo psicológico, através da correção cirúrgica de um órgão genital sem nenhuma função e completamente em desacordo com a psique do individuo. Não deve então ser o profissional médico acusado, muito menos condenado por crime de lesão corporal gravíssima nesses casos, como assim o foi o médico cirurgião plástico, Dr. Roberto Farina que conseguiu a absolvição em grau de recurso. Como traz Maria Helena Diniz (2001, p.124):

O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em 06.11.1979, acabou absolvendo o acusado, por decisão majoritária assim ementada: Não age dolosamente o médico que, através de cirurgia, faz a ablação de órgãos genitais externos de transexual, procurando cura-lo ou reduzir seu sofrimento físico ou mental. Semelhante cirurgia não é vedada pela lei, nem pelo Código de ética Médica.

Passando a continuidade do estudo sobre a Resolução1. 652/02 em seu artigo 3º traz os critérios para caracterização do transexual. Como dito alhures para realização cirúrgica é preciso, de acordo com o art. 4º da Resolução1. 652/02, o preenchimento de alguns requisitos: não pode ser o paciente menor de 21 (vinte e um) anos, como também necessário é um relatório por parte dos médicos diagnosticando a necessidade cirúrgica de mudança sexual, devendo constar a comprovação da patologia e a certeza de que não é outro tipo de distúrbio sexual, senão o transexualismo primário. Prevê também o acompanhamento mínimo de 2 anos por uma equipe multidisciplinar, período esse que o paciente além de ter o acompanhamento psicoterápico inicia o uso de hormônios. Vale ainda dizer que precisa o paciente ter o desejo compulsivo de trocar sua genitália externa e também ser comprovada a não existência de transtornos mentais.

Quanto ao conteúdo dos arts. 5º e 6º da Resolução 1.652/02 diz que pela complexidade da cirurgia do transexual feminino para o masculino somente pode ser feita em hospitais próprios para pesquisa, sejam eles universitários ou públicos. Diferentemente da cirurgia do transexual masculino para o feminino, que por ser bem mais simples, poderá ser realizada em hospitais públicos ou privados, independente de qualquer autorização judicial. Sendo assim, o Conselho Federal de Medicina não considera a cirurgia de redesignação sexual mutiladora, não constituindo crime, pois sua finalidade é terapêutica.

No Código Civil em seu artigo 13 o legislador trata da matéria da seguinte maneira: "Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes."

Há duas correntes de interpretação desse artigo, a primeira critica veemente a realização da cirurgia com o argumento de que o artigo citado estaria proibindo, pois o fato de haver a retirada de órgão externo consistiria na diminuição permanente da integridade física. Em sentido contrário, e mais coerente, a segunda corrente afirma que o artigo autoriza sim a cirurgia médica de redesignação sexual já que há uma hipótese clara de autorização quando o legislador excetua os casos onde houver "exigência médica", isso leva a perceber mais uma vez que sendo a transexualidade primária uma patologia, esse artigo não proíbe a realização cirúrgica no sentido de curar o indivíduo.

Favoravelmente à cirurgia Maria Helena Diniz (2201, p.125) trata: "Não havendo lei que defina a cirurgia como crime, inexiste, em sua realização, afronta à ética médica." Extraindo não só do artigo 13 do Código Civil, mas também da colocação desta renomada autora, pode-se perceber que não há crime algum e nenhum empecilho, desde que haja necessidade, em realizar a cirurgia de redesignação sexual em transexuais, eis que é um direito deles à saúde, ao seu bem-estar e a sua saúde psíquica.

Os Direitos de personalidade são compreendidos como aqueles que visam a tutela da pessoa humana, dentre eles encontra-se a proteção à integridade física do indivíduo, bem intimamente ligada ao direito à saúde, pois objetivam resguardar, proteger o indivíduo de qualquer ato contra o seu corpo ou contra sua saúde. Ocorre que, como dito acima, o direito à saúde tem de ser visto e garantido de uma forma ampla, ou seja, o próprio bem-estar do indivíduo tem de ser tutelado. Portanto, a tutela ampla do direito à saúde resguarda a integridade psicofísica do indivíduo que consequentemente possibilita ao mesmo o livre desenvolvimento de sua personalidade, em outras palavras, para que se tenha resguardada verdadeiramente a personalidade, que inclui a integridade física e psíquica de um indivíduo, a saúde precisa ser garantida em ambos os sentidos, não podendo somente ser entendida a personalidade como o físico.

Depois dessa abordagem percebe-se a necessidade de promover ao transexual primário o direito amplo à saúde que lhe permita ter tutelada sua integridade psicofísica, para que só assim ele possa desenvolver sua personalidade, sem nenhuma frustração, angústia, complexos, sendo atribuído seu sexo conforme sua própria personalidade. Ainda lembrando-se aqui do enunciado nº. 276 do Conselho da Justiça Federal, que diz que o art. 13 permite dispor do próprio corpo através de exigência médica autorizando as cirurgias de mudança de sexo e conforme os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina, assim também como a conseqüente alteração do prenome e do sexo no registro civil.

Ainda falando um pouco mais do direito a saúde que é um direito fundamental previsto no rol dos direitos sociais do artigo 6º da Constituição Federal, percebe-se a importância desse direito quando a Carta Magna dedica em seus artigos 196 a 200 uma seção tratando somente desse direito.Como traz Uadi Lammêgo Bulos (2002) ao conceituar que a saúde é o estado de completo bem-estar físico, mental e espiritual do homem e, não apenas a ausência de afecções e doenças.

Portanto, importante é esperar do Estado à garantia efetiva desse direito, promovendo políticas públicas visando atender a todo cidadão indistintamente, independente de cor, raça, sexo, religião em cooperação com os aplicadores do direito que devem atuar conjuntamente com o Estado na efetivação desse direito.

3.2 O DIREITO À MUDANÇA DE SEXO

Depois de toda abordagem de como se realiza a cirurgia, de trazer a posição do Conselho Federal de Medicina, do direito à saúde, propício é abordar quanto ao direito que o transexual tem a essa mudança, ou seja, falar agora dos fundamentos que garantem o direito dessa transformação sexual, além dos já expostos.

Antes de entrar no mérito do direito à mudança em si, vale falar que muitos transexuais obstinados a realizar a cirurgia de redesignação sexual quando não conseguem realiza-las aqui no Brasil, se deslocam para realizarem no exterior, outros realizam até mesmo em clínicas clandestinas visto que o desespero dos mesmos é tão grande quanto ao seu sexo biológico. Os que não podem ir ao exterior por falta de condições financeiras e nem mesmo tem condições de pagar clínicas clandestinas acabam se automutilando ou até se suicidando tamanha é a aversão ao próprio sexo.

O fundamento e maior respaldo ao direito do transexual em obter a mudança de sexo é justamente o Princípio da Dignidade Humana, um dos pilares fundamentais da Constituição Federal. Esse princípio vem amparado na nossa Carta Magna em seu artigo, 1º, III. A dignidade humana cuida do próprio valor do ser humano, não existe definição jurídica, mas, no entanto ela em si existe, pois pode se identificar às situações em que a dignidade é agredida ou desrespeitada. Quando o legislador a colocou como um dos fundamentos da Constituição Federal Brasileira sua verdadeira intenção foi valorizar a pessoa humana, demonstrando de forma clara que o Estado é quem existe em virtude do ser humano, não o contrário, já que o homem é a finalidade, é quem o estado visa proteger. Feliz foi o legislador ao colocar o homem como o centro, objetivando sempre proporcionar ao mesmo o seu devido valor.

A dignidade humana é inalienável e irrenunciável é inerente a cada ser humano é o valor natural de cada um, ela não é criada, nem roubada, existe por si mesma e tem de ser tutelada, garantida. Portanto, importa frisar que tê-la como fundamento constitucional coloca o ser humano como destaque, demonstrando que todas as normas são feitas em virtude do mesmo, para lhe proporcionar, no mínimo, uma "vida digna".

Diante das colocações acima nota-se que o princípio da dignidade vem abarcar todos ou quase todos os direitos e garantias fundamentais, sejam os direitos individuais e coletivos, ou mesmo os sociais, ou seja, há uma estreita ligação deste princípio com os direitos e garantias constitucionais porque estes foram criados justamente para proporcionar ao ser humano a dignidade. Ingo Wolfgang Sarlet (2004) se expressa nesse sentido dizendo que este princípio serve para integração e interpretação de todo o ordenamento jurídico, sendo o seu parâmetro. Se este princípio deve nortear o ordenamento jurídico, consequentemente deve servir como norte na aplicação do direito, em outras palavras, devem os aplicadores do direito observá-lo em qualquer decisão. A dignidade humana como princípio constitucional deve ser tida como fundamento, correndo o risco de na sua inobservância o ato ser maculado e, portanto, inconstitucional.Cristiano Chaves (2006), confirmando o que foi dito fala que preciso é efetivar no caso concreto, no cotidiano jurídico, a afirmação da dignidade humana, como base da ordem jurídica.

Cabe também trazer à luz que pela dignidade devem ser respeitadas, a vida, a individualidade, assegurada a liberdade, a intimidade, a identidade, a integridade física, os direitos sociais, dentre outros. Portanto, é papel do Estado e de toda sociedade cooperando para que haja aplicabilidade efetiva desse princípio, sempre dando ao ser humano o seu devido valor,respeitando,reconhecendo ,promovendo e garantindo seus direitos.

Após essa breve abordagem sobre o Princípio da dignidade humana é importante, trazer à tona o ser transexual, que é um cidadão como outro qualquer, tem direitos e deveres como todos e merece, com toda certeza, a dignidade garantida constitucionalmente, ou seja, como seres humanos com seu devido valor e através da valoração que a nossa Constituição essencialmente humana garante, merece pois o transexual a efetividade do seu direito a uma vida digna.

Pelo princípio da dignidade humana o transexual tem o direito a realização da cirurgia de redesignação sexual, visto que a operação proporcionará ao indivíduo o equilíbrio que faltava entre o biológico e psicológico permitindo que possa ele adentrar ao seio da sociedade através do verdadeiro desenvolvimento de sua personalidade e portanto o deixando apto à desempenhar seu papel social.

O transexual sofre de uma patologia caracterizada pela aversão ao seu sexo morfológico e a convicção de pertencer ao sexo oposto, a incompatibilidade do seu sexo psicológico com o sexo morfológico faz com que ele sinta que a natureza errou quando o fez,por se tratar de uma patologia referente a identidade sexual uma hipótese de tentativa para cura desse transtorno seria o tratamento através dapsicoterapia visando à adequação da sua mente ao seu sexo biológico,mas o fato é que o problema é bem mais grave do que se pensa sendo quase sempre incurável.Diante disso, socorre-se a medicina a cirurgia como único meio de cura capaz de ajudar esses seres humanos, fazendo assim com que o corpo se adeque à mente do transexual. Nesse sentido bem elucida Maria Berenice Dias (2002, p.236):

Por tal razão usa-se a cirurgia para adaptar o corpo à mente. Outra não poderia ser a "solução" porque o distúrbio é tão arraigado e a convicção do transexual tão imutável que o tratamento psicoterapêutico é inútil. Poder-se-iam negar ao transexual o direito à busca do equilíbrio corpo-mente, à identidade sexual e a uma vida feliz? Deveria ele permanecer nessa vida dupla e angustiante ou teria o direito de optar por sua sexualidade psíquica para minorizar seu sofrimento e recuperar a saúde mental?

Ainda nessa mesma linha de raciocínio o transexual busca alcançar sua realização pessoal e adentra-se, pois então, na esfera da sua liberdade pessoal, sua autonomia da vontade, ele, pois tem o direito de escolher o melhor para sua vida, o direito a desenvolver sua personalidade sem nenhum prejuízo. Não pode o transexual conviver com essa angústia durante toda uma vida, isolado, triste, à margem da sociedade com esse terrível conflito interno e externo, trata-se do direito à sua própria personalidade, da sua integridade psicofísica e é nesse ponto que vale lembrar do direito ao transexual ter uma vida digna.

A falta de regulamentação no âmbito jurídico comprova a indiferença aos direitos desses seres humanos, triste é ter de demonstrar que enquanto a medicina procurou tratar da situação desses indivíduos regulamentando sobre a cirurgia em sua Resolução de nº1652/02, permanece o direito inerte, não cumprindo como deveria seu papel social, permitindo que esses seres humanos sofram ainda mais preconceitos, sejam cada vez mais isolados, taxados, humilhados, ficando à mercê das decisões dos julgadores que nem sempre são favoráveis, os obrigando a permanecer nessa vida penosa às margens sociais sem expectativa alguma.

Em suma, tomando como fundamento o princípio da dignidade humana, que dá ao individuo o seu devido valor e onde estão baseados quase todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, afirma-se com toda certeza que o direito à cirurgia de redesignação sexual, no caso dos transexuais, encontra-se amparado na Constituição Federal.

4. A MUDANÇA DE NOME CIVIL

4.1 O NOME E A LEI DE REGISTROS PÚBLICOS

Todo indivíduo é identificado por um nome, como traz o dicionário Soares Amora (1999, p.487) o nome é "a palavra com que se designa pessoa, animal ou coisa". Socialmente toda pessoa possui uma identificação, o nome, pois, busca individualizar cada pessoa. Desde os tempos bíblicos percebe-se a importância do nome. Ao presente estudo é de grande valia abordar sobre o nome civil e sua importância.

É através do nome que o indivíduo é identificado dentro da sociedade, nota-se então que o nome é um direito inerente a própria personalidade. Cristiano Chaves (2006, p.165) conceitua o nome civil como o "sinal exterior pelo qual são reconhecidas e designadas as pessoas, no seio familiar e social", confirmando que o nome civil é um atributo da personalidade, pois a pessoa é identificada pelo mesmo. Basta analisar a história da humanidade e percebe-se outra função do nome que é ser também a memória daquele indivíduo após a morte, pois é através do seu nome que o indivíduo vai ser lembrado nas próximas gerações.

Como é direito da personalidade o nome contém características como a irrenunciabilidade, indisponibilidade, intransmissibilidade e a inalienabilidade, dentre outras características próprias. Quando o legislador incluiu a questão do nome no Código Civil, na parte dedicada aos direitos da personalidade, demonstrou que realmente o nome é elemento próprio de todas as pessoas, como também o é sua integridade física, intelectual, moral. O conceito de "direito da personalidade" é bastante amplo, sendo assim, basta trazer a idéia acima que visa explicar um pouco do que é esse direito e demonstrar que o nome está incluído neste rol. A mais importante característica do nome é a imutabilidade relativa que não permite a modificação do nome, senão em circunstâncias excepcionais, já que é o nome que identifica o indivíduo, vale falar um pouco sobre esta regra.

A imutabilidade relativa vem prevista no art. 57 da Lei de Registros Públicos, ou seja, em princípio a regra é que o nome é imutável, no entanto, há exceção, daí a relatividade da mesma. Portanto o nome pode ser alterado desde que haja motivo contundente para tal mudança e quando não trouxer prejuízos para terceiros.

È importante trazer a luz o que diz o artigo 55 da Lei de Registros Públicos em seu parágrafo único autorizando que o oficial não aceite registrar quando perceber que o prenome é ridículo, ou seja, que poderá causar futuros constrangimentos ao indivíduo. Acertou o legislador quando deu essa autorização de recusa por parte do oficial, visto que observa-se muitas vezes a falta de cuidado dos pais ao escolher o nome do individuo como já se viu em muitos documentários pessoas com nomes bastante estranhos como por exemplo Xérox, Fotocópia, dentre outros.O nome pois, deve ser como se disse, o meio pelo qual o indivíduo é identificado dentro da sociedade não devendo ser para ele motivo de vergonha.

Outra hipótese de permissão de alteração do prenome é quanto ao erro de grafia no mesmo. Um exemplo dessa hipótese é estar registrado como Cráudio quando a intenção era que o individuo se chamasse Cláudio. Vale falar rapidamente de outras hipóteses como, por exemplo, o artista, que poderá substituir ou agregar o seu nome artístico ao nome civil, também nos casos de adoção o adotado tem direito a mudança de nome e sobrenome. Nos casos onde as pessoas têm o mesmo nome e em virtude disso acabam sendo prejudicadas, pode-se pedir alteração de nome desde que provados os prejuízos, outra situação é quando o individuo é conhecido por um nome foi registrado com outro, o direito à tradução do nome escrito em outro idioma para a língua portuguesa, dentre outras hipóteses ( casamento,separação judicial,divórcio,união estável,pela anulação ou nulidade do casamento,inclusão de sobrenome de ascendente.).

Essas são as hipóteses previstas em lei, mas há de se falar que não devem ser as únicas hipóteses de mudança de nome, visto que várias situações podem surgir dentro da sociedade que o legislador não imaginou, portanto acabam ensejando também o direito a mudança do nome civil. Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2006) trazem uma situação onde uma pessoa que foi criada pelo padrasto,retirou o patronímico do seu pai biológico, para acrescer o do padrasto para poder apresentar-se com o mesmo nome da mãe e conseqüentemente do marido dela. Ainda segundo Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2006, p. 172):

Frise-se, nessa linha de idéias, que razões de ordem psicológica (intima) e de ordem social devem confluir para averiguar, na situação concreta, se a alteração é necessária para assegurar a dignidade humana. è postura que "abre perspectivas para uma corrente liberal" na alteração do nome, apesar da regra geral da inalterabilidade.

Diante destas colocações pode-se dizer que as hipóteses permitidas de alteração de nome não se resumem as estabelecidas taxativamente em lei sendo, pois, necessário analisar o caso concreto tendo em vista sempre o princípio da dignidade humana.

Pertinente também é falar ainda dos elementos que compõe o nome, os diferenciando. O prenome, ou como muitos preferem o nome individual, pode ser simples ou composto, este é escolhido pelos responsáveis, sob pena de ser recusado o registro pelo oficial do cartório quando o prenome for ridículo ou atentar a ordem pública. Alguns exemplos de prenome simples são João, Lucas, Carlos, dentre outros. Já como exemplos de nomes compostos têm-se Maria Eduarda, Nery Cláudio, Leonardo Daniel, dentre outros.

Outro elemento que compõe o nome é o sobrenome ou nome patronímico, que também pode ser simples ou composto, o sobrenome diz respeito a procedência familiar, as raízes ancestrais do indivíduo,é também conhecido por nome de família, como exemplo pode-se trazer o Prates, Justo, Ferreira, Mello, Espanhol, Stolze, dentre tantos outros. O agnome, como Junior, Filho, Neto, Bisneto é acrescido ao final do nome, a depender do grau de parentesco, para diferenciação quando na mesma família mais de uma pessoa tem o mesmo nome, um exemplo que pode-se trazer é Antônio Carlos Magalhães Neto. Há de se falar também do pseudônimo, usado por muitos artistas evitando assim revelar sua verdadeira identidade, o qual também é protegido pela lei. Por ultimo os apelidos e hipocorísticos, os apelidos apesar de terem semelhanças com os hipocorístico não são a mesma coisa, no hipocorístico o nome é diminuído como forma carinhosa, um exemplo é Francisco ser chamado Chico, Chicão, já os apelidos muitas vezes são devido a características do indivíduo como Baixinho, no caso do Romário. Trazidas as breves noções sobre o nome o princípio da imutabilidade relativa e a Lei de Registros Públicos, vale falar a partir de agora quanto ao direito da mudança de nome civil em virtude de cirurgia de redesignação sexual, trazendo depois as posições jurisprudências nesse sentido.

4.2 O DIREITO A MUDANÇA DE NOME CIVIL

Como abordado anteriormente sabe-se que o transexual sofre de uma patologia e que a cirurgia de redesignação sexual, na maioria dos casos, é o único meio de cura para o mesmo, sendo os outros meios quase que infrutíferos. Com a adequação entre o sexo psíquico e o sexo biológico, onde se extirpa os órgãos genitais biológicos e constrói-se órgãos aparentes condizentes com a realidade psicológica do indivíduo, põe-se um fim ao conflito interno e externo vivido por esses seres humanos.

Apesar de muitas críticas quanto à realização da cirurgia, a maior verdade é que através da mesma, o transexual consegue a solução para seu problema, pois ele quanto ao aspecto externo não mais se sentirá um erro da natureza, ao se olhar pós cirurgia, se sentirá plenamente realizado e apto ao convívio social. Diante dessa questão não há porque os críticos da cirurgia se levantarem contra a mesma, no sentido de dizer que a mudança sexual resume-se ao exterior, não sendo, pois dos órgãos internos, como realmente não são, mas o que deve-se perceber e a melhor maneira de se responder as criticas éque para o transexual o que o incomoda é o aspecto externo do seu próprio corpo, sua aversão reside no fato da aparência externa da sua genitália não condizer com sua certeza em pertencer ao sexo oposto ao do biológico,então pois, visto que a correção cirúrgica é o único tratamento eficaz na cura dessa patologia não há porquecriticá-la, se a mesma é o meio de trazer o mínimo de dignidade para esses seres humanos. Nesse sentido Ana Paula Lopes (2007, p.45) bem elucida:

Cumpre salientar que a técnica cirúrgica é o meio necessário e eficaz no processo de cura do individuo, portador do transexualismo, já que esta consegue não só restabelecer a saúde psíquica do indivíduo como também restabelecê-lo na sociedade. Antes da realização da cirurgia o indivíduo sente-se como se estivesse apreendido a um corpo que não é seu, tentando a todo modo se desprender dele. A transgenitalização traz para essa pessoa o reencontro consigo mesmo.

Bom é também lembrar, como já dito, que essa cirurgia não é realizada de qualquer maneira, sendo preciso que para realizá-la deve-se preencher os requisitos, além de um acompanhamento por uma equipe especializada tanto 2 anos antes da operação quanto no pós operatório, ajudando o transexual a enfrentar sua nova etapa da vida.

Após realização cirúrgica levanta-se, pois, uma outra relevante questão quanto ao direito à mudança de nome no registro civil do transexual, visto que passa a ser outra sua realidade sexual, e como não há norma que regulamente esta situação, razoável é que os julgadores então analisem o caso concreto julgando, pois, baseado nos princípios gerais do direito em especial o princípio da dignidade humana, pois não deverá o transexual operado ficar com o corpo feminino e o nome masculino, ou vise-versa, não correspondendo a sua nova realidade sexual. Diante disso, vários transexuais operados adentram com processos no Judiciário esperando obter a retificação do seu registro.

Confirmando o que foi falado anteriormente, os princípios devem nortear os julgadores na falta de lei que regulamente devidamente essa situação, necessário também se faz repetir que o Direito deve corresponder à evolução social, evoluindo juntamente com a sociedade, trazendo soluções inovadoras que possibilitem garantir aos indivíduos uma vida justa, evitando que preconceitos e discriminações resultem em ferir a própria Constituição Federal.

Os transexuais são desde a infância obrigados a conviver com a discriminação, os preconceitos, as piadas maldosas, sofrem, portanto, duas vezes, por seu sexo morfológico e por não serem aceitos no seio social por serem considerados "diferentes".Tendo em vista que após a operação de mudança sexual o transexual estará com sua aparência física não condizente com o sexo indicado nos documentos, tirando-se a conclusão de que virá a enfrentar diversas situações humilhantes, e permanecerão sem ser aceitos dentro da sociedade enquanto não houver uma decisão favorável a mudança do seu prenome, seja por desemprego, visto que dificilmente darão emprego a um individuo que a aparência não condiz com o seu nome, ou seja, por outras situações vexatórias que este ser humano será obrigado a enfrentar.

Partindo do pressuposto de que o nome civil está entre os direitos da personalidade, e que é um direito próprio do indivíduo, inerente a cada ser humano, tem o transexual operado o direito à adequação de sua identidade sexual com sua identidade pessoal. Depara-se então, diante da regra da imutabilidade relativa prevista no art.58 da Lei de Registros Públicos que traz algumas situações onde há mudança de nome é permitida, se omitindo o legislador quanto a outras situações, e como foi dito acima, analisando outros casos concretos, situações que o legislador não imaginou até mesmo porque vive-se numa sociedade em evolução e o mesmo não conseguiria imaginar alguns casos.Devendo pois, o direito evoluir com a sociedade e não havendo proibição por parte do legislador no que concerne a esta situação deve-se deferir o pedido de mudança de nome feito pelo transexual operado.

Esse é apenas um dos fundamentos, pois analisando pela própria regra da imutabilidade relativa, onde é permitida a mudança de nome que expõe o indivíduo de alguma forma ao ridículo, pode-se extrair daí o entendimento de que é possível a mudança do nome do transexual operado, visto que após a cirurgia de redesignação sexual o seu nome não estará em acordo com o seu físico expondo a pessoa a uma situação vexatória.

Outro fundamento é que estando o indivíduo sujeito a passar por situações vexatórias devido à falta de adequação do sexo e nome se desrespeitará o princípio da dignidade humana, ou seja, nos casos em que há indeferimento do pedido de mudança de nome do transexual operado fere-se esse princípio constitucional. Viver dignamente é assegurado pela Constituição brasileira, que é uma Constituição genuinamente humana.

Segundo Maria Helena Diniz (2001, p.127):

O direito à identidade tem assento constitucional, pois está inserido na sua norma de maior relevância, que proclama o princípio à dignidade humana. Trata-se de uma espécie do direito de personalidade por natureza inalienável, irrenunciável, imprescritível e impenhorável.

Não pode o transexual ter o seu direito à viver dignamente desrespeitado, pois o que ele buscou foi sua cura, a solução de um problema que sempre o afligiu e quando solucionado este, não podem surgir outros o impedindo de ser feliz, de viver dignamente na sociedade, sem precisar se esconder,se isolar. Não devem, pois, os aplicadores do direito indeferirem ao transexual seu pedido de ter uma identidade adequada à sua aparência física, os resguardando de serem ainda mais discriminados, dando aos mesmos a oportunidade de se inserir no seio da sociedade, trabalhando e cumprindo seus deveres de cidadãos, no exercício pleno da cidadania.

O fato é que não deve o indivíduo ser obrigado a continuar vivendo com documentos que não correspondam sua realidade sexual, não deve ele estar com o nome de homem, tendo aparência física e sexual feminina, necessário se faz que seus documentos também se adequem a sua nova realidade proporcionando uma vida normal para esses seres humanos que tanto já sofreram. Sendo os princípios constitucionais os fundamentos da Constituição Federal afirma-se que a dignidade da pessoa humana é a base legal pela qual extrai-se o direito a modificação do nome do transexual,visando o seu bem-estar e o respeito a sua condição de ser humano.

Por último, há de se falar em mais um fundamento que dá o direito a mudança de nome em virtude da cirurgia de redesignação sexual, o direito à saúde. Conforme a Organização Mundial da Saúde se atinge o estado pleno de saúde a partir do bem-estar, físico, psíquico e social. Maria Helena Diniz assevera (2001, p.127):

A incoincidência da identidade do transexual provoca desajuste psicológico, não se podendo falar em bem-estar físico, psíquico ou social. Assim, o direito à adequação do registro é uma garantia à saúde, e a negativa de modificação afronta imperativo constitucional, revelando severa violação dos direitos humanos.

O indeferimento do pedido de adequação de nome é um ataque claro aos direitos humanos, demonstrando o desrespeito ao direito à identidade pessoal e sexual de cada individuo e a hipocrisia do Direito e de muitos dos seus aplicadores, já que se defende a proteção aos direitos humanos, mas na prática obstam seu direito a ter uma vida digna. Portanto, possibilitar a adequação no seu registro civil é proporcionar ao transexual uma vida mais respeitada, com menos discriminações, ou seja, sua inclusão social e consequentemente sua realização pessoal. Vale ainda acrescentar que deferida a mudança de nome e do seu assento sexual o transexual terá direito ao matrimônio, visto que passa ser outra sua forma de viver e não há impedimentos quanto a realização do contrato nessa situação.

4.3 JURISPRUDÊNCIAS

Apesar de muitas criticas e polêmica em torno do direito ou não a mudança de nome do transexual há bastantes jurisprudências favoráveis ao deferimento não só da mudança de prenome quanto também da mudança de sexo no registro civil. O posicionamento jurisprudencial brasileiro que no passado já foi denegatório quanto ao deferimento da mudança de prenome tem admitido cada vez mais essa alteração.

Vale relembrar o caso de Luis Roberto Gambine Moreira, conhecido pelo nome artístico de Roberta Close, que sofreu bastante em sua infância por não sentir-se homem, evidentemente por possuir a patologia, não conseguia aceitar seu sexo biológico e, portanto não compreendido em sua própria família, apanhava do pai, dos primos e até colegas de escola. Após tamanho sofrimento que, com certeza, acabou trazendo muitos prejuízos para o mesmo, buscou a cura através da cirurgia realizada no exterior no ano de 1990. Já operado e com todas as características femininas, inclusive genitália externa, ingressou com ação pedindo a mudança de nome de Luiz Roberto para Roberta Gambine Moreira, no entanto, o pedido que foi deferido em 1º grau, e reformado em 2º grau indeferindo-o, até recorrer o autor ao Supremo Tribunal Federal, através de Recurso Extraordinário, onde se negou seguimento por falta de prequestionamento.

Demonstrando que o posicionamento jurisprudencial brasileiro tem sido para admitir a mudança do prenome vale dizer que este mesmo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que antes havia indeferido o pedido de Roberto Gambine Moreira, anos depois,decidiu através da Décima Sexta Câmara em favor do apelante Carlos,que em 1º grau havia conseguido somente a mudança de nome para o prenome Carla e a determinação que constasse no seu registro civil como transexual, não só tivesse deferimento a mudança de nome, quanto à alteração do sexo no registro civil para feminino.

Diante disso, percebe-se que os tribunais, ante a falta de regulamentação do tema, têm se valido dos princípios gerais do direito, sendo norteados principalmente pelo princípio da dignidade humana. Como confirmação do exposto bom é trazer algumas decisões nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. REGISTRO CIVIL. Alteração do registro de nascimento. Nome e sexo. Transexualismo. Sentença acolhendo o pedido de alteração do nome e do sexo, mas determinando segredo de justiça e vedando a extração de certidões referentes à situação anterior. Recurso do Ministério Público insurgindo-se contra a não publicidade do registro. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (Segredo de Justiça) (Apelação Cível Nº. 70006828321, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 11/12/2003). Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br> Acesso em: 10 out. 2008.

Apelação. Registro Civil. Transexual que se submeteu a cirurgia de mudança de sexo, postulando retificação de seu assentamento de nascimento (prenome e sexo). Adequação do registro a aparência do registrando que se impõe. Correção que evitará repetição dos inúmeros constrangimentos suportados pelo recorrente, alem de contribuir para superar a perplexidade no meio social causada pelo registro atual. Precedentes do TJ/RJ. Inexistência de insegurança jurídica, pois o apelante manterá o mesmo numero do CPF. Recurso provido para determinar a alteração do prenome do autor, bem como a retificação para o sexo feminino.(Apelação Cível nº. 200500101910,Quarta Câmara Cível,Tribunal de Justiça do RJ,Relator: Luis Felipe Salomão,Julgado em 13/09/2005) Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2008.

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. Transexual primário já submetido a cirurgia de reversão de sexo, reconhecida sua necessidade. Autorização para alterar-se o registro civil. Medida que não prejudica a segurança jurídica nem terceiros e satisfaz a finalidade do Direito, proclamada na Constituição de promover a realização e a felicidade do indivíduo. RECURSO PROVIDO.(Apelação com Revisão nº. 3525094000, 7ª Câmara de Direito Privado,Tribunal de Justiça do Estado de SP,Relator: Gilberto de Souza Moreira,Julgado em 09/06/2006). Disponível em: <http://www.tj.sp.gov.br>. Acesso em: 10 out. 2008.

5 CONCLUSÃO

O direito, dentre suas várias funções, existe para regular a vida de todos os indivíduos de forma igualitária visando pôr em prática os ideais estabelecidos na Constituição Federal. É certo que a sociedade evolui a cada dia, aumentando assim os seus anseios, deve, pois o direito evoluir com a mesma, a fim de solucionar os conflitos e atender suas necessidades.

Fazer justiça é antes de tudo proporcionar ao que dela depende uma vida melhor, por isso, feliz foi o deputado José Coimbra ao trazer o Projeto de Lei nº. 70-B/95, que enfrentando todos os preconceitos existentes procurou regulamentar de alguma forma a situação desses seres humanos. Sabe-se que o Projeto é muito criticado por deixar muito a desejar, mas louvável foi a iniciativa de não deixar os transexuais desamparados, sem lei alguma que trate diretamente da sua condição.

Louvável também foi a posição do Conselho Federal de Medicina quando trouxe ambas as Resoluções, em especial a Resolução de nº. 1652/02, tratando da questão dos transexuais.Visto que tanto as posições da Medicina, como da Psicologia são favoráveis a realização cirúrgica como meio de cura do transexual e ante a classificação do transexualismo como uma patologia, não pode o Direito obstar a realização plena desses indivíduos negando-lhes o direito à alteração de nome em virtude de cirurgia de redesignação sexual.

O direito ao nome civil é um dos direitos da personalidade, a sua função é, pois, a de identificar o seu portador e não trazer-lhe algum tipo de constrangimento; sua função não é colocá-lo em situações vexatórias, nem muito menos discriminatórias. A própria Lei de Registros Públicos abre a brecha para que o nome do transexual seja mudado, no momento que permite a alteração desde que não traga prejuízos a terceiros e o exponha ao ridículo. Nem mesmo a imutabilidade relativa obsta esse direito, visto que não traz proibição alguma à respeito da mudança de nome em outros casos concretos.Portanto, a mudança de nome encontra respaldos dentro da própria lei, devendo os aplicadores do direito permitirem a alteração no caso dos transexuais, pois a negativa desse direito obrigariam os transexuais a continuarem sendo humilhados e discriminados acarretando na terrível conseqüência da ineficácia do tratamento.

O Princípio da dignidade humana previsto no art.1º, inciso III da Constituição Federal é fundamento do ordenamento jurídico nacional e deve pois, ser o norte dos julgadores, princípio este que valoriza o ser humano.Tem o transexual o direito a viver uma vida digna, ao seu bem-estar, à sua intimidade, ao desenvolvimento pleno da sua personalidade.Então no seu caso concreto o princípio da dignidade humana possibilita a sua mudança de nome como forma de incluí-lo na vida social, livre de toda sorte de preconceitos e plenamente realizado, gozando pois, do seu direito a liberdade e a igualdade de forma efetiva.

Sendo o transexualismo uma patologia, o transexual tem o direito à cura da mesma de maneira eficaz. O direito à saúde dá-lhe garantia de ter efetivado o seu bem-estar físico, psíquico e social, em outras palavras, a saúde no sentido amplo. O transexual é acima de tudo um ser humano, que tem seu valor e merece respeito. Para que o preconceito seja vencido e esses seres humanos consequentemente aceitos, torna-se necessário que as pessoas se interessem em buscar informações sobre o assunto e passem a vê-los com compaixão, com amor cristão compreendendo-os e ajudando-os a alcançarem sua felicidade. Cabe também ao Estado efetivar os seus direitos e protegê-los diante de qualquer ameaça, promovendo seu bem, retirando-os da margem da sociedade e inserindo-os no seio social, além de criar leis visando à proteção das minorias, cumprindo assim o seu papel e tratando todos indistintamente, independente de cor, raça, sexo, crença, etc. de maneira igualitária. Ementa:

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[1] Graduando em Direito no Centro Universitário Jorge Amado, Salvador/BA.


Autor: Nélio Luís Prates


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